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Cananor- 31 de Dezembro de 1501 a 2 de Janeiro de 1502
Convencido de que Pedro Álvares Cabral teria conseguido assentar o trato das especiarias com os reis da costa do Malabar, D. Manuel, no ano de 1501, limitou-se a enviar à Índia uma armada de quatro naus, das quais três eram de particulares. Levava essa armada cerca de trezentos e cinquenta homens, dos quais apenas oitenta eram homens de armas, já que ia para comerciar e não para combater. Para seu capitão-mor foi escolhido João da Nova, fidalgo de origem galega que ocupava o cargo de «alcaide-pequeno» da cidade de Lisboa.
De notar que, nesta altura, ainda prevalecia na Corte portuguesa a ideia de que era possível estabelecer relações comerciais pacíficas com os indianos.
Chegada a armada à enseada de São Brás, próximo do cabo da Boa Esperança, foi encontrada, dentro de um sapato pendurado numa árvore, uma carta em que um dos capitães da frota de Cabral dava conta da situação em que ficara a Índia. Por ela concluiu João da Nova, com alguma apreensão, que afinal as coisas não estavam tão risonhas como se supunha quando partira de Lisboa. E resolveu levar as quatro naus consigo em vez de deixar uma em Sofala, conforme estipulava o seu regimento.
Depois de ter feito escala em Quíloa, Melinde, Angediva e Cananor, chegou a Cochim, onde constatou que o feitor, devido à obstrução dos mercadores «mouros» não tinha conseguido arranjar a pimenta suficiente para carregar completamente as suas naus. Por isso, depois de ter embarcado a pimenta que havia na nossa feitoria, resolveu voltar a Cananor. Aí chegado, foi muito bem recebido pelo rei, que o autorizou a instalar uma feitoria e providenciou para que lhe fossem fornecidas as quantidades de pimenta e gengibre de que necessitava para completar a carga dos seus navios.
Estando esta praticamente concluída, preparava-se João da Nova para iniciar a torna-viagem quando, a 30 de Dezembro, apareceu à vista de Cananor uma armada que o Samorim de Calicut organizara com o propósito de destruir os portugueses, composta por cerca de quarenta naus e cerca de cento e oitenta paraus e zambucos (embarcações de remo e vela mais pequenas que as fustas) em que iam embarcados para cima de sete mil homens.
Vendo João da Nova com tão poucos navios e tão pouca gente face à imensa armada do Samorim, o rei de Cananor aconselhou-o a abandonar as naus e a fortificar-se em terra, onde, com a sua ajuda, se poderia defender melhor. Como seria de esperar, João da Nova não aceitou o alvitre e, depois de se ter reunido em conselho com os capitães das outras naus, resolveu sair para o mar, onde melhor poderia tirar partido da superioridade da sua artilharia e da melhor qualidade dos seus navios. Mas não o pôde fazer nesse dia por já ter começado a soprar a viração (brisa do mar).
Ao amanhecer do dia 31 de Dezembro, apareceu a baía de Cananor completamente bloqueada pela armada de Calicut. Aproveitando o terral (brisa da terra), a armada portuguesa suspendeu e foi ao encontro do inimigo, disposta a libertar-se do anel de naus e paraus em que se encontrava encerrada. Travou-se então uma furiosa peleja em que os navios de Calicut lançavam sobre os nossos nuvens de flechas, ao mesmo tempo que os procuravam abordar. Mas, como eram muitos e, por isso, tinham de andar muito juntos, não só se embaraçavam uns nos outros, como constituíam um alvo fácil para os nossos bombardeiros (artilheiros), espingardeiros e besteiros, que não perdiam um tiro!
Rota e ultrapassada a linha de bloqueio inimiga, João da Nova, provavelmente, terá continuado a navegar para o largo, com os navios formados em coluna, a fim de não perder barlavento em relação a Cananor, onde tinha que voltar antes de poder iniciar a torna-viagem.
Será oportuno referir que a partir do momento em que os Portugueses passaram a armar as suas naus com canhões de grosso calibre, disparando para BB ou para EB, passaram naturalmente a combater no mar com os navios formados em coluna, ou seja, uns a seguir aos outros, a curta distância, única formatura compatível com peças a disparar para os bordos. Nas instruções dadas a Pedro Álvares Cabral era claramente recomendado que, no caso de ter de travar um combate no mar, o fizesse utilizando a artilharia e com os navios formados em coluna. Será, por isso de admitir que nesta primeira batalha naval que os Portugueses travaram na Índia os nosso navios tenham tenham inaugurado a era da formatura em coluna que haveria de durar até à 2ª Guerra Mundial.
Por volta do meio-dia, caindo o vento e ficando as naus imobilizadas é natural que os paraus e zambucos tenham intensificado os seus ataques, que continuaram a ser repelidos pelo fogo da nossa artilharia. Vinda a viração, é de supor que João da Nova., pela razão já referida, tenha posto a proa a nordeste, continuando a batalha a desenrolar-se nos moldes anteriores: arremessos de flechas e tentativas de abordagem, por parte dos navios de Calicut; descargas cerradas da artilharia, por parte dos portugueses. Ao pôr do Sol, tornando a cair o vento, as duas armadas fundearam perto da costa. Nos combates desse dia haviam sido afundados dois paraus de Calicut e avariados muitos outros.
Durante a noite, em que os portugueses tiveram de estar sempre de armas na mão, os malabares tentaram por diversas vezes pegar fogo às nossas naus, levando para junto delas almadias (espécie de pirogas) carregadas com materiais inflamáveis. Mas, de todas as vezes, foram pressentidos e escorraçados.
O dia 1 de Janeiro foi, praticamente, uma repetição do dia anterior. De manhã, com o terral, João da Nova deverá ter feito um bordo para o mar e, à tarde, com a viração, deverá ter feito um bordo para a terra, acabando por fundear, ao pôr do Sol, nas proximidades do Monte Deli, que fica cerca de quinze milhas a norte de Cananor. Durante todo esse dia continuou a ser perseguido pelas naus, paraus e zambucos de Calicut, tendo conseguido afundar três das primeiras e mais sete dos segundos e terceiros.
Ao outro dia de manhã, a 2 de Janeiro, estando a armada portuguesa francamente a barlavento de Cananor e tendo os portugueses perdido todo e qualquer receio do inimigo, que, afinal, se revelara um «tigre de papel», é natural que João da Nova tenha decidido voltar para trás e começar a perseguir aqueles que até então o tinham estado a perseguir. Nesta fase da batalha foram afundadas mais duas naus e três paraus ou zambucos de Calicut.
É possível que tenha sido nesta altura que o inimigo tentou pôr cobro à chacina de que estava sendo alvo, mostrando por diversas vezes uma bandeira branca, conforme refere Castanheda. O que não oferece dúvidas é que a armada de Calicut, com muitos navios avariados e cheios de mortos e feridos, completamente desbaratada, já não pensava senão em escapar-se. Com as suas guarnições exaustas por três dias de combates e duas noites de constantes sobressaltos, João da Nova abandonou a perseguição e dirigiu-se, de novo, a Cananor.
Nesta batalha, em que ficou claramente demonstrada a superioridade da artilharia e dos navios portugueses sobre os seus congéneres indianos, sofreram os inimigos mais de quatrocentos mortos, além dos feridos, que devem ter sido em número muito elevado. Dos nossos, apenas uma dezena sofreram ferimentos ligeiros.
De regresso a Cananor, a nossa armada capturou ainda uma «nau de Meca», a que, depois de saqueada, João da Nova mandou lançar fogo com todos os tripulantes dentro.
Já de regresso a Portugal, por alturas de Monte Deli, caiu-lhe nas mãos uma segunda «nau de Meca», que teve o mesmo destino da primeira.
A armada de João da Nova, que chegou sem novidade a Lisboa em Setembro de 1502, foi uma das poucas armadas da Índia que conseguiu ir e voltar com os navios todos juntos e sem perder nenhum.
Para terminar, diremos também que foi esta armada que, na torna-viagem, descobriu a ilha de Santa Helena, no Atlântico Sul, que, mais tarde, se haveria de transformar num ponto de escala fundamental para a viagem de regresso da Índia.
Saturnino Monteiro
em «Batalhas e Combates da Marinha Portuguesa»
Convencido de que Pedro Álvares Cabral teria conseguido assentar o trato das especiarias com os reis da costa do Malabar, D. Manuel, no ano de 1501, limitou-se a enviar à Índia uma armada de quatro naus, das quais três eram de particulares. Levava essa armada cerca de trezentos e cinquenta homens, dos quais apenas oitenta eram homens de armas, já que ia para comerciar e não para combater. Para seu capitão-mor foi escolhido João da Nova, fidalgo de origem galega que ocupava o cargo de «alcaide-pequeno» da cidade de Lisboa.
De notar que, nesta altura, ainda prevalecia na Corte portuguesa a ideia de que era possível estabelecer relações comerciais pacíficas com os indianos.
Chegada a armada à enseada de São Brás, próximo do cabo da Boa Esperança, foi encontrada, dentro de um sapato pendurado numa árvore, uma carta em que um dos capitães da frota de Cabral dava conta da situação em que ficara a Índia. Por ela concluiu João da Nova, com alguma apreensão, que afinal as coisas não estavam tão risonhas como se supunha quando partira de Lisboa. E resolveu levar as quatro naus consigo em vez de deixar uma em Sofala, conforme estipulava o seu regimento.
Depois de ter feito escala em Quíloa, Melinde, Angediva e Cananor, chegou a Cochim, onde constatou que o feitor, devido à obstrução dos mercadores «mouros» não tinha conseguido arranjar a pimenta suficiente para carregar completamente as suas naus. Por isso, depois de ter embarcado a pimenta que havia na nossa feitoria, resolveu voltar a Cananor. Aí chegado, foi muito bem recebido pelo rei, que o autorizou a instalar uma feitoria e providenciou para que lhe fossem fornecidas as quantidades de pimenta e gengibre de que necessitava para completar a carga dos seus navios.
Estando esta praticamente concluída, preparava-se João da Nova para iniciar a torna-viagem quando, a 30 de Dezembro, apareceu à vista de Cananor uma armada que o Samorim de Calicut organizara com o propósito de destruir os portugueses, composta por cerca de quarenta naus e cerca de cento e oitenta paraus e zambucos (embarcações de remo e vela mais pequenas que as fustas) em que iam embarcados para cima de sete mil homens.
Vendo João da Nova com tão poucos navios e tão pouca gente face à imensa armada do Samorim, o rei de Cananor aconselhou-o a abandonar as naus e a fortificar-se em terra, onde, com a sua ajuda, se poderia defender melhor. Como seria de esperar, João da Nova não aceitou o alvitre e, depois de se ter reunido em conselho com os capitães das outras naus, resolveu sair para o mar, onde melhor poderia tirar partido da superioridade da sua artilharia e da melhor qualidade dos seus navios. Mas não o pôde fazer nesse dia por já ter começado a soprar a viração (brisa do mar).
Ao amanhecer do dia 31 de Dezembro, apareceu a baía de Cananor completamente bloqueada pela armada de Calicut. Aproveitando o terral (brisa da terra), a armada portuguesa suspendeu e foi ao encontro do inimigo, disposta a libertar-se do anel de naus e paraus em que se encontrava encerrada. Travou-se então uma furiosa peleja em que os navios de Calicut lançavam sobre os nossos nuvens de flechas, ao mesmo tempo que os procuravam abordar. Mas, como eram muitos e, por isso, tinham de andar muito juntos, não só se embaraçavam uns nos outros, como constituíam um alvo fácil para os nossos bombardeiros (artilheiros), espingardeiros e besteiros, que não perdiam um tiro!
Rota e ultrapassada a linha de bloqueio inimiga, João da Nova, provavelmente, terá continuado a navegar para o largo, com os navios formados em coluna, a fim de não perder barlavento em relação a Cananor, onde tinha que voltar antes de poder iniciar a torna-viagem.
Será oportuno referir que a partir do momento em que os Portugueses passaram a armar as suas naus com canhões de grosso calibre, disparando para BB ou para EB, passaram naturalmente a combater no mar com os navios formados em coluna, ou seja, uns a seguir aos outros, a curta distância, única formatura compatível com peças a disparar para os bordos. Nas instruções dadas a Pedro Álvares Cabral era claramente recomendado que, no caso de ter de travar um combate no mar, o fizesse utilizando a artilharia e com os navios formados em coluna. Será, por isso de admitir que nesta primeira batalha naval que os Portugueses travaram na Índia os nosso navios tenham tenham inaugurado a era da formatura em coluna que haveria de durar até à 2ª Guerra Mundial.
Por volta do meio-dia, caindo o vento e ficando as naus imobilizadas é natural que os paraus e zambucos tenham intensificado os seus ataques, que continuaram a ser repelidos pelo fogo da nossa artilharia. Vinda a viração, é de supor que João da Nova., pela razão já referida, tenha posto a proa a nordeste, continuando a batalha a desenrolar-se nos moldes anteriores: arremessos de flechas e tentativas de abordagem, por parte dos navios de Calicut; descargas cerradas da artilharia, por parte dos portugueses. Ao pôr do Sol, tornando a cair o vento, as duas armadas fundearam perto da costa. Nos combates desse dia haviam sido afundados dois paraus de Calicut e avariados muitos outros.
Durante a noite, em que os portugueses tiveram de estar sempre de armas na mão, os malabares tentaram por diversas vezes pegar fogo às nossas naus, levando para junto delas almadias (espécie de pirogas) carregadas com materiais inflamáveis. Mas, de todas as vezes, foram pressentidos e escorraçados.
O dia 1 de Janeiro foi, praticamente, uma repetição do dia anterior. De manhã, com o terral, João da Nova deverá ter feito um bordo para o mar e, à tarde, com a viração, deverá ter feito um bordo para a terra, acabando por fundear, ao pôr do Sol, nas proximidades do Monte Deli, que fica cerca de quinze milhas a norte de Cananor. Durante todo esse dia continuou a ser perseguido pelas naus, paraus e zambucos de Calicut, tendo conseguido afundar três das primeiras e mais sete dos segundos e terceiros.
Ao outro dia de manhã, a 2 de Janeiro, estando a armada portuguesa francamente a barlavento de Cananor e tendo os portugueses perdido todo e qualquer receio do inimigo, que, afinal, se revelara um «tigre de papel», é natural que João da Nova tenha decidido voltar para trás e começar a perseguir aqueles que até então o tinham estado a perseguir. Nesta fase da batalha foram afundadas mais duas naus e três paraus ou zambucos de Calicut.
É possível que tenha sido nesta altura que o inimigo tentou pôr cobro à chacina de que estava sendo alvo, mostrando por diversas vezes uma bandeira branca, conforme refere Castanheda. O que não oferece dúvidas é que a armada de Calicut, com muitos navios avariados e cheios de mortos e feridos, completamente desbaratada, já não pensava senão em escapar-se. Com as suas guarnições exaustas por três dias de combates e duas noites de constantes sobressaltos, João da Nova abandonou a perseguição e dirigiu-se, de novo, a Cananor.
Nesta batalha, em que ficou claramente demonstrada a superioridade da artilharia e dos navios portugueses sobre os seus congéneres indianos, sofreram os inimigos mais de quatrocentos mortos, além dos feridos, que devem ter sido em número muito elevado. Dos nossos, apenas uma dezena sofreram ferimentos ligeiros.
De regresso a Cananor, a nossa armada capturou ainda uma «nau de Meca», a que, depois de saqueada, João da Nova mandou lançar fogo com todos os tripulantes dentro.
Já de regresso a Portugal, por alturas de Monte Deli, caiu-lhe nas mãos uma segunda «nau de Meca», que teve o mesmo destino da primeira.
A armada de João da Nova, que chegou sem novidade a Lisboa em Setembro de 1502, foi uma das poucas armadas da Índia que conseguiu ir e voltar com os navios todos juntos e sem perder nenhum.
Para terminar, diremos também que foi esta armada que, na torna-viagem, descobriu a ilha de Santa Helena, no Atlântico Sul, que, mais tarde, se haveria de transformar num ponto de escala fundamental para a viagem de regresso da Índia.
Saturnino Monteiro
em «Batalhas e Combates da Marinha Portuguesa»