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Lince-ibérico: sua biologia, evolução populacional e conservação

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Filipa Alves

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O lince-ibérico é actualmente o felino mais ameaçado do Mundo, tendo sofrido um processo de regressão acentuada desde o século XIX até ao início do século XXI. Porém, graças a um conjunto crescente de projectos que visam a sua conservação, parece estar a iniciar-se a sua recuperação.

1 Apresentação da espécie

1.1 Classificação e morfologia

O lince-ibérico, Lynx pardinus, é uma espécie de carnívoro que pertence à família Felidae, que inclui animais de grandes dimensões como o leão, o tigre, ou o jaguar, mas que inclui igualmente animais de menores dimensões, como o gato-bravo, o gato doméstico ou o ocelote.

O lince-ibérico trata-se de um animal de dimensões médias, cujo comprimento varia entre 90cm e 120cm e que pesa 9-10Kg, no caso das fêmeas, e 12-14Kg no caso dos machos. Possui uma cabeça pequena em proporção com o corpo e os seus membros robustos terminam em patas com quatro dedos equipados com unhas, que pode recolher completamente.

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Possui uma pelagem castanho-amarelada com manchas pretas, que lhe permite passar despercebido no seu ambiente natural, e apresenta como características inconfundíveis a cauda curta com a ponta negra, um conjunto de pêlos compridos nas extremidades das orelhas – os pincéis – e umas patilhas de longos pelos pretos e brancos de ambos os lados do focinho que se assemelham a barbas.

1.2. Biologia e ecologia

O lince-ibérico ocorre apenas na Península Ibérica onde actualmente habita zonas que combinam áreas ricas em arbustos, onde encontra abrigo, e áreas mais abertas – que lhe proporcionam alimento. É uma espécie considerada especialista de habitat porque a sua presença está, na maioria dos casos, associada a áreas de matagal mediterrânico. Pelo contrário, evita zonas com maior influência humana como as plantações industriais, os campos agrícolas, as áreas urbanizadas ou as imediações de estradas, embora possa atravessá-las quando, enquanto jovem, procura uma área onde estabelecer-se.

Trata-se de uma espécie solitária - os machos e fêmeas adultos só contactam na época de acasalamento – e territorial – os machos adultos ocupam áreas exclusivas que defendem uns dos outros, tal como acontece com as fêmeas. No entanto, os territórios de machos e fêmeas podem sobrepor-se.

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À semelhança da maioria dos outros carnívoros presentes na Península Ibérica, como é o caso do lobo, do texugo ou da geneta, o período de actividade do lince inicia-se com o anoitecer. Nesta altura inicia as deslocações dentro do seu território à procura de alimento. Tal como acontece com o habitat, a espécie é também uma especialista em termos alimentares porque alimenta-se maioritariamente de coelho-bravo - um lince adulto necessita de ingerir diariamente o equivalente a um coelho-bravo. Em áreas ou em alturas em que a abundância de coelho é baixa, o lince caça também outros tipos de presas, como roedores, gamos, lebres, patos ou perdizes, ainda que prefira manifestamente o coelho.



 

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A época de reprodução do lince tem um pico entre Dezembro e Janeiro. As crias, em número de 2 a 4, nascem depois de dois meses de gestação em cavidades naturais como troncos ocos de árvores de grandes dimensões ou cavidades rochosas, onde permanecem até aos dois meses de idade. Nessa altura, começam a acompanhar a mãe nas suas deslocações diárias até atingirem 1-2 anos de idade, quando dispersam, isto é, abandonam a progenitora e iniciam a procura do seu próprio território.

2.Evolução histórica e situação actual da abundância e área de distribuição do lince-ibérico

O lince-ibérico é, na actualidade, a espécie de felino mais ameaçada do mundo, como consequência do reduzido número e tamanho das suas populações e da sua área de distribuição restrita. A nível global e em Portugal é considerada uma espécie “criticamente em perigo”.

A espécie esteve presente em praticamente toda a Península Ibérica até meados do século XIX. Desde então e até à actualidade a área de distribuição da espécie foi sendo progressivamente reduzida, ao mesmo tempo que ocorria uma diminuição significativa da sua abundância, tendências que se acentuaram no passado recente. Com efeito, calcula-se que entre 1960 e 1990 a área ocupada pela espécie e o número de indivíduos tenham sofrido uma redução de 80%. Na década de 1980, a presença da espécie restringir-se-ia 11 000Km2 na zona central e sudoeste da Península Ibérica e em 1988, a população ibérica seria composta por 1000-1200 indivíduos. Um estudo realizado em 1996-98 em Espanha estimou que persistiriam apenas entre 500-600 animais.

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Actualmente, as únicas populações viáveis de lince ocorrem em território Espanhol, onde lhe foi atribuído o estatuto de “Em Perigo”. Calcula-se que em 2009 a abundância da espécie não fosse superior a 220-225 animais que habitavam apenas 400Km2. São apenas dois os núcleos populacionais viáveis confirmados, localizados na Andaluzia (Espanha) - um em Doñana e outro em Andújar-Cardeña (Sierra Morena Oriental), - embora haja registos isolados de animais em Montes de Toledo Oriental, no Sistema Central Ocidental e na Sierra Morena Ocidental.

Em Portugal a espécie terá deixado de estar presente no Norte e centro do país no início do século XX e terá sido nos anos 40 que a sua abundância sofreu uma diminuição drástica a sul. Estudos realizados entre 1987 e 1996 localizaram a presença da espécie em 5 áreas principais – Malcata, São Mamede, Vale do Guadiana, Vale do Sado e Algarve-Odemira – e calcula-se que em 1996 a população não fosse superior a 40 indivíduos. Em estudos mais recentes não foram detectados quaisquer animais residentes (reprodutores), nomeadamente na última investigação realizada à escala nacional em 2002-2003. Desde 2000 têm sido detectados esporadicamente alguns sinais de presença do lince em território Português, provavelmente de animais oriundos das populações espanholas à procura de novos territórios, como aconteceu no início de 2010 com um macho jovem. O animal, equipado com um colar emissor que permite seguir os seus movimentos, pertence a uma população espanhola fronteiriça e entrou em território português na zona de Moura-Barrancos. Apesar disso, considera-se que o cenário actual em Portugal deverá ser de pré-extinção, requerendo acções de conservação urgentes.

As causas do declínio populacional e da regressão da área de ocorrência da espécie são várias, mas relacionam-se sobretudo com a diminuição das populações de coelho-bravo e a perda de habitat.

Com efeito, a diminuição significativa da abundância da presa principal, o coelho-bravo, como consequência da proliferação de doenças como a mixomatose e a doença hemorrágica viral afectou de forma muito negativa as populações de lince-ibérico, especialista em termos alimentares. A este fenómeno acresceu a destruição e formação de manchas isoladas do habitat preferencial da espécie – o matagal mediterrânico – devido à instalação de extensos campos de cultivo/alteração das práticas agrícolas e à implantação de povoamentos florestais industriais, bem como devido à expansão das vias de comunicação e à construção de barragens.

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Outros factores que também poderão ter tido um papel relevante no declínio do lince foram a elevada mortalidade resultante de causas não-naturais, como o atropelamento e abate ilegal a tiro ou com recurso a armadilhas. Os problemas de infertilidade e os fenómenos típicos de degradação genética associados a populações de tamanho reduzido também devem ser considerados.


 

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3. Proporcionar à espécie um futuro – Medidas de conservação

A precária situação em que o lince se encontra e o facto de ser o felino mais ameaçado do mundo despertaram um grande interesse e preocupação da parte da sociedade e das autoridades, que conduziram à acção. Com efeito, está ser implementado na Península Ibérica um conjunto de medidas de conservação integradas em programas delineados para recuperar a espécie tanto em território espanhol como nacional.

Em Espanha o objectivo último da “Estratégia para la Conservación del Lince Ibérico da espécie” elaborada, em 1999 e actualizada em 2007, é que o lince-ibérico volte a ser uma peça funcional do matagal mediterrânico e cada comunidade autónoma inscrita na área de ocorrência histórica da espécie possui o seu próprio Plano de Acção.

Em Portugal, o “Plano de Acção para a Conservação do Lince-ibérico” tem âmbito nacional e tem como objectivo principal a concretização da conservação da espécie no país - revertendo a tendência de declínio populacional e promovendo a reocupação dos locais de presença histórica – contribuindo para viabilidade da espécie no contexto ibérico.

Para a concretização dos programas de conservação estão previstas várias medidas que se materializam através de acções específicas e que incluem:

Recuperação e conservação do habitat e das populações de presas: para que uma população seja viável, o meio tem de ter condições para a suportar o que passa por, antes de tudo, disponibilizar-lhe abrigo e alimento. Visto que a destruição/perda de habitat e a falta de alimento foram as principais causas de declínio populacional do lince, as acções de melhoria do habitat são essenciais. Estas acções incluem recuperação de áreas de matagal mediterrânico e o fomento das populações de coelho, através do repovoamento, disponibilização de alimento e de zonas de abrigo.
Redução das causas de mortalidade não-natural: a diminuição da incidência de mortalidade não-natural da espécie é essencial para garantir a viabilidade das populações a longo-prazo. Para tal é importante reduzir o impacto das estradas - que para, além de actuarem como barreiras aos movimentos dos animais causam, um número considerável de mortes por atropelamento – e controlar o abate ilegal.
Educação e sensibilização da sociedade para a importância da conservação do lince: dada a extensão da humanização da paisagem mediterrânica é essencial, para além de tornar a conservação da espécie compatível com actividades como a gestão agro-florestal, a caça e o turismo, sensibilizar e educar o público em geral, e as populações de áreas de ocorrência histórica/ potencial da espécie em particular, para a importância da espécie e da sua conservação.
Reforço populacional e reintrodução
 

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Dado o seu reduzido tamanho, está previsto o reforço de alguns núcleos populacionais já existentes e, quando estejam criadas as condições que garantam a viabilidade populacional em zonas de ocorrência histórica da espécie, está previsto reintroduzir animais em locais de ocorrência histórica. Para tal é fundamental a implementação de um programa de reprodução em cativeiro para aumentar o número de indivíduos disponíveis para estas acções.

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Implementação em Espanha

Em território espanhol as medidas de conservação têm sido implementadas no âmbito de vários projectos LIFE com actuações no terreno (In-situ) para recuperar as populações silvestres, e do “Programa Ex-situ de Conservación del Lince Ibérico”, que tem como objectivo a ampliação da população através de reprodução em cativeiro, ao mesmo tempo que funciona como um “seguro de vida” da espécie em caso de catástrofe que vitime as populações silvestres.

Entre os vários projectos LIFE destaca-se, pela sua dimensão, o mais recente - “Conservación y reintroducción del Lince Ibérico (Lynx pardinus) en Andalucía”. Este projecto, que se iniciou em 2006 e decorre até 2011, envolve a colaboração da Consejeria de Medio Ambiente da Junta de Andalucía com outras entidades públicas, associações de caça e organizações conservacionistas, entre outros.

Por seu lado o “Programa de Ex-situ de Conservación del Lince Ibérico” iniciou-se em 2004 com um único centro de reprodução “El Acebuche” (Doñana) onde nasceram as primeiras crias em cativeiro em 2005. Desde então o número de centros tem vindo a aumentar – hoje são três - permitindo um aumento do número de animais reprodutores a integrar o Programa e do número de crias nascidas anualmente.

Implementação em Portugal

Em território português as medidas de conservação do lince-ibérico são implementadas em Sítios da Rede Natura 2000 inscritos na área de ocorrência histórica da espécie e no âmbito de diversos projectos levados a cabo por diferentes entidades.

Numa iniciativa inédita de cooperação transfronteiriça, está a ser implementado em Moura/Barrancos e na envolvente o projecto “IBERLINX – Acção Territorial Transfronteiriça de Conservação do Lince-ibérico”. Liderado pela EDIA - Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva, este projecto conta com a parceria da Águas do Algarve, da Junta de Andalucía e do Ayuntamiento de Valencia del Mombuey, e tem como objectivo garantir a correcta gestão de habitat em áreas com potencial para a ocorrência de lince-ibérico nos Sítios de Moura/Barrancos e Monchique e na sua envolvente. A área de implementação inclui o Parque de Natureza de Noudar (EDIA), bem como áreas adjacentes sob a gestão do Ayuntamiento de Valencia del Mombuey e outros territórios privados, de associações florestais e municípios. Ao unir esforços neste projecto de cooperação transfronteiriça, as diferentes entidades pretendem potenciar o alcance das medidas de conservação para favorecer uma espécie com uma área de ocorrência contínua, que não reconhece fronteiras territoriais administrativas.

A aplicação de medidas de recuperação de habitat e das populações de presas no lince encontra-se também a decorrer na Reserva Natural da Serra da Malcata pelo Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade que promove também um projecto de cariz semelhante e demonstrativo no Parque Natural do Vale do Guadiana e no Sítio Rede Natura 2000 com o mesmo nome ao abrigo de uma iniciativa denominada VALLIA – Valorização e Qualificação do Habitat do lince-ibérico no Alentejo.

Com o objectivo de criar um corredor de habitat mediterrânico adequado à conservação do lince-ibérico, a Liga para a Protecção da Natureza está a levar a cabo o Programa Lince, implementado ao abrigo do projecto LIFE “Recuperação do habitat do lince-ibérico no sítio de Moura/Barrancos” a que dá continuidade o Projecto LIFE + “Promoção do Habitat do Lince-ibérico e do Abutre-preto no Sudeste de Portugal”, e na Serra do Caldeirão.

Para além de todas estas acções no terreno, a conservação do lince-ibérico passa também reprodução da espécie em cativeiro, que a nível nacional está a ser levada a cabo no Centro Nacional de Reprodução do Lince-ibérico. O centro foi construído em Silves (Algarve) como a principal medida de compensação dos impactos da construção da Barragem de Odelouca num sítio Rede Natura 2000 incluído na área de ocorrência histórica do lince. O seu objectivo é estabelecer uma população saudável e que se reproduza, dando origem a animais que possam vir a ser reintroduzidas nas áreas de ocorrência histórica da espécie. Os 16 animais fundadores chegaram ao centro no último trimestre de 2009 ao abrigo do “Acordo de Cooperação entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha relativo ao Programa de Reprodução em Cativeiro do Lince-ibérico” e em Abril de 2010 nasceram as primeiras crias.


 
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