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O Jogo da Morte

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GF Platina
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Fev 10, 2010
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Uma partida de morte entre alemães e ucranianos.

A incrível partida que reuniu ex-jogadores ucranianos contra nazis que invadiram a União Soviética em plena Segunda Guerra Mundial.

Primeiro tempo. O Flakelf, time dos orgulhosos pilotos da Luftwaffe (Força Aérea Alemã), vencia a equipa ucraniana Start por 1 a 0 na base do pontapé e da ajuda do árbitro. Os jogadores ucranianos do Start dominavam a bola e escapavam como podiam das ferozes investidas alemãs e aos poucos impunham o seu estilo. No avanço rápido, Kusmenko driblou o defesa-central alemão em direcção à meia-lua e foi puxado pela camisa por trás. A claque ucraniana assobiou perante a complacência do árbitro. Kusmenko, ainda em movimento, dominou a bola, saltou sobre outro defesa-central alemão e meteu um golo directo na baliza, empatando o jogo. A claque ucraniana enlouqueceu. O grito de golo foi como se tivesse libertado da opressão. Sim, era uma partida de futebol entre invasores e conquistados. No dia 9 de Agosto de 1942, o jogo era importante para os dois lados, em guerra desde 1941.
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A partida não foi jogada no novíssimo Estádio Estaline (ironicamente inaugurado em 22 de
Junho de 1941, dia da invasão) ou no do Dínamo (o tradicional, inaugurado em 1927), mas
no pequeno estádio Zenith, com capacidade para 10.000 adeptos.

"Isso era para o caso de os alemães perderem e não haver desordem na saída", afirma o escritor inglês James Riordan, autor do livro "Jogo da Morte". O estádio estava cercado por soldados armados e cães. Os assentos foram ocupados por soldados nazis e mercenários ucranianos. O resto do espaço foi preenchido por velhos, mulheres e crianças, arrebanhados para testemunhar a vitória germânica.

Kiev, capital da Ucrânia, estava sob o domínio do exército nazi desde 26 de Setembro de 1941. O torneio de futebol fora suspenso e os jogadores da cidade estavam na frente soviética. Com a ocupação, os soldados ucranianos foram aprisionados e enviados ao campos de concentração nos arredores da cidade. Parte foi executada. Outros foram enviados à Alemanha para trabalhos forçados. Alguns presos classificados como inofensivos foram libertados e voltaram a Kiev, onde perambulavam como mendigos, sem trabalho, casa ou comida.
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A cidade de Kiev destruída pela guerra nos anos
40, durante a Segunda Guerra Mundial.

Eventualmente reuniam-se na Padaria N°3, que abastecia toda a cidade, inclusive as tropas nazis. O gerente, Iosif Kordik, empregava alguns jogadores desocupados, como Nicolai Trusevich, ex-jogador do Dínamo, agora trabalhando na limpeza da padaria. A equipa, fundada em 1927, era destaque no campeonato nacional soviético de futebol desde seu início, em 1936, quando foi vice-campeão, perdendo para o Spartak de Moscovo. Kordik, adepto fanático do Dínamo, teve a ideia de montar uma equipa de futebol amador visando manter os homens motivados. Pediu a Trusevich para encontrar seus velhos companheiros de bola, inclusive os da equipa rival, o Lokomotiv.

O empregado de limpeza Nicolai passou a Primavera de 1942 atrás deles e encontrou Makar Goncharenko, do Dínamo. O jornalista e escritor escocês Andy Dougan relata no seu livro "Futebol e Guerra", as palavras de Goncharenko: "Nicolai encontrou-me na Rua Kreschatick, onde eu morava ilegalmente na casa da minha sogra, e veio com a ideia de procurar os outros jogadores".

Nas semanas seguintes, formaram uma equipa, que baptizara de FC Start. Eram 8 jogadores do Dynamo e 3 do Locomotiv, que batiam bola à noite no fundo da padaria. Logo decidiram encarar um torneio municipal organizado pelos nazis. Usariam camisas vermelhas, que Trusevich e Putistin acharam num depósito abandonado. Trusevich dizia que suas armas seriam as vitórias no relvado, e a camisa vermelha jamais seria derrotada pelos nazis.
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Alguns dos jogadores da equipa do FC Start que enfrentaram os nazis.

Cumprindo a promessa, no campeonato, o Start só aplicou goleadas:
- 6 a 2 na Guarnição Húngara;
- 11 a 0 na Guarnição Romena;
- 9 a 1 nos Operários da Estrada de Ferro;
Sempre encantando o público com seu futebol estiloso, veio-lhes um convite para enfrentar uma equipa alemã, o PGS. Venceram por 6 a 0.

Os nazis humilhados, desafiaram o Start a jogar contra o poderoso Flakelf (literalmente: "11 à prova de balas"). Em 6 de Agosto a subnutrida equipa do Start derrotou a bem alimentada equipa alemã nazi no seu melhor estilo: 5 a 1. O Start havia vencido todas as equipas dos inimigos, mas a gota de água foi ter goleado o Flakelf, a equipa de pilotos da Luftwaffe (Força Aérea Alemã), e dos artilheiros, que manejavam artilharia antiaérea. Inconformados com a derrota, os nazis pediram desforra.

Naquela tarde de domingo de Agosto, a população de Kiev só pensava em ver os opressores goleados e humilhados. O estádio fervilhava. Os nazis remexiam-se nos assentos esperando pelo início do tira-teimas. O árbitro, um oficial da SS, foi antes do jogo ao vestiário do Start e disse aos atletas ucranianos que eles deveriam seguir todas as regras, inclusive fazer o cumprimento à moda nazi. Antes de começar o jogo, os atletas se perfilaram, tendo ao fundo bandeiras vermelhas com a suástica. Os alemães, de calções pretos e camisas brancas, saudaram com o notório "Heil, Hitler!". Os ucranianos, de calções brancos e camisas vermelhas, levantaram parcialmente os braços e bateram as mãos no peito gritando: "Fizkult-urra-urra-urra!", ou seja: "Viva a Fisicultura" ou "Hurra ao desporto", uma tradicional saudação soviética.

O árbitro soou o apito e então só fez vistas grossas às faltas do Flakelf, inclusive sobre o guarda-redes Trusevich, que sofria uma pancada a cada defesa. Foram tantas que após levar um pontapé na cabeça, ainda meio tonto, não conseguiu evitar que os alemães abrissem a contagem. No final do primeiro tempo, Goncharenko arrancou soberano, driblou toda a defesa do Flakelf e espetou mais um golo na baliza: 2 a 1. Nem bem o Flakelf deu a saída, o Start retomou a bola e num ataque fulminante meteu mais um golo: 3 a 1.

A situação ficou pior para os alemães. No intervalo, um colaborador dos nazis, Georgi Shvetsov, foi ao vestiário do Start e pediu para entregarem o jogo. Um oficial da SS que o acompanhava sugeriu que deveriam perder ou haveria consequências. As equipas foram para o segundo tempo. O árbitro deixava a pancadaria correr solta. O Flakelf pressionou e marcou dois golos, deixando os nazis contentes com o resultado: 3 a 3.

Mas o Start tinha futebol para liquidar a factura. E em dois lances fez dois golos: 5 a 3. Pouco antes de acabar a partida, o defesa-central Klimenko driblou toda a defesa alemã e o guarda-redes, mas em vez de cruzar a linha do golo, virou-se e chutou a bola de volta para o meio campo. O árbitro apitou o final de jogo antes dos 45 minutos.

Muita coisa se escreveu sobre o "Jogo da Morte".

O escritor uruguaio Eduardo Galeano regista no seu livro "Futebol ao Sol e à Sombra":

"Durante a ocupação alemã, o Dínamo de Kiev cometeu o acto insano de derrotar o esquadrão de Hitler no estádio local. Depois de terem sido avisados de que se ganharem vão morrer, estavam conformados de perder, tremendo de medo e fome, mas não puderam resistir à tentação da dignidade. Quando o jogo acabou, todos os 11 jogadores ucranianos foram mortos com suas camisas à beira de um precipício".

Na verdade, isso não aconteceu, pois consta que o Start jogou no dia 16 contra o Rukh e aplicou uma goleada de 8 a 0. Essa sim foi a última partida. No dia 18, a Gestapo invadiu a Padaria N°3 e prendeu 9 jogadores, alegando suspeita de trabalharem para a NKVD, a Polícia Secreta Comunista, à qual os atletas do Dínamo eram obrigados a se filiar durante o período da União Soviética para poder jogar futebol. Depois prenderam os jogadores Nicolai Korotkikh e Oleksiy Klimenko. O primeiro morreu torturado e o segundo, baleado ao tentar fugir da Gestapo. O resto da equipa foi enviado ao campo de Siretz, onde os prisioneiros trabalhavam como escravos até à morte.

Em Fevereiro de 1943, em represália às dissidências ucranianas, os nazis executaram um terço dos prisioneiros de Siretz, entre eles, Ivan Kuzmenko e Nicolai Trusevich. Conta-se que, ao ser alvejado, Trusevich caiu ao chão, mas com sua agilidade de atleta voltou a ficar de pé e gritou: "O desporto vermelho jamais morrerá!" E então caiu sem vida, vestido com sua camisa vermelha e preta de guarda-redes. Essa dramática história foi contada por Fedir Tyutchev, Mikhail Sviridelsky e Makar Goncharenko, que fugiram de Siretz em 6 de Novembro de 1943, e foram acolhidos pelo Exército Vermelho, que a essa altura da guerra entrava em Kiev.

Em 16 de Novembro, o jornal soviético Izvestia foi o primeiro a denunciar a execução dos atletas pelos alemães, mas não contou nada sobre o jogo da morte. O assunto veio à tona em 1958, quando Petro Severov publicou o artigo "O Duelo Final" no jornal Evening Kiev. Em 1959, Severov e Naum Khalemsky lançaram um livro com o mesmo título. Mark Pougatch, apresentador de desporto da emissora BBC, da Grã-Bretanha, citou um documentário grego sobre o evento no qual um ex-jogador do Flakelf chamado Willie Endelbardt afirmava que, antes do jogo, um oficial alemão entrou no vestiário e disse aos jogadores: "Este é um jogo especial e vocês têm que vencer para provar a superioridade da raça ariana". Willie afirmou que os alemães respeitaram os adversários. Em 1992, Makar Goncharenko revelou, pouco antes de morrer, que o árbitro alemão foi ao vestiário antes do jogo, mas não fez qualquer ameaça, apenas pediu para seguir as regras e saudar o adversário à moda nazi.

Em 2005, no inquérito que durou cerca de 40 anos, a Comissão de Investigação de Hamburgo não encontrou ligação entre a vitória no jogo e a morte dos ucranianos.
FC_Start_vs_Flakelf.jpeg

Para adensar o mistério, existe uma foto tirada antes da partida, em que alemães e
ucranianos estão juntos e sorrindo. Mas não há registos do que ocorreu durante e
depois do jogo da morte.

[video=youtube_share;e8r3sUWp-P8]https://youtu.be/e8r3sUWp-P8[/video]
 
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Filme "Fuga para a Vitória"

Inspirado na comovente história verídica do FC Start, o realizador norte-americano John Huston (1906-1987) realizou em 1982, o filme "Fuga para a Vitória", que chamou atenção na época do seu lançamento, por participaram algumas estrelas do futebol, como Bobby Moore (1941-1993), considerado um dos melhores guarda-redes do século XX; Osvaldo Ardiles nascido em 1952, futebolista, e actualmente treinador de futebol argentino; Kazimierz Deyna (1947-1989), jogador polaco, que viria a morrer no acidente de automóvel em 1984, em San Diego, na Califórnia (E.U.A.). E o famoso Pelé, de seu nome, Edson Arantes do Nascimento, considerado o maior futebolista da história. No filme participaram também nomes célebres ligados ao cinema: Sylvester Stallone, Michael Caine e Max Von Sydow.V
[video=youtube_share;abO0lm6L4T0]https://youtu.be/abO0lm6L4T0[/video]
O filme relata a vida de prisioneiros aliados que são internados no campo de prisão nazi durante a Segunda Guerra Mundial. No campo alemão de prisioneiros de guerra, o major Karl von Steiner (Max Von Sydow), que no passado havia sido jogador da selecção alemã de futebol, tem a ideia de fazer um jogo entre a Alemanha e uma selecção composta pelos prisioneiros aliados, liderados pelo capitão John Colby (Michael Caine), um militar inglês que era um conhecido jogador de futebol. Colby também teria a tarefa de seleccionar e treinar a time, para enfrentar a time alemã no Estádio Colombes, que fica próximo à Paris. Enquanto os nazis, com excepção de Steiner, planeiam fazer de tudo para vencer o jogo e assim usar ao máximo a propaganda de guerra nazi, os jogadores aliados planeiam uma arriscada fuga durante o intervalo da partida.
 
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