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O caçador de borboletas

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O caçador de borboletas

Vladimir recebeu muitas prendas no Natal, entre livros, discos, legos, jogos de computador, mas gostou sobretudo do equipamento para caçar borboletas. O equipamento incluía uma rede, um frasco de vidro, algodão, éter, uma caixa de madeira com o fundo de cortiça, e alfinetes coloridos. O pai explicou-lhe que a caixa servia para guardar as borboletas. Matam-se as borboletas com o éter, espetam-se na cortiça, de asas estacadas, e dessa forma, mesmo mortas, elas duram muito tempo. É assim que fazem os coleccionadores.

Aquilo deixou-o entusiasmado. Ele gostava de insectos mas não sabia que era possível coleccioná-los, como quem colecciona selos, conchas ou postais, talvez até trocar exemplares repetidos com os amigos.

Nessa mesma tarde saiu para caçar borboletas. Foi para o matagal junto ao rio, atrás de casa, um lugar onde se juntavam insectos de todo o tipo. Já tinha apanhado cinco borboletas que guardara dentro do frasco de vidro, quando ouviu alguém cantar com uma voz de algodão doce – uma voz tão doce e tão macia que ele julgou que sonhava. Espreitou e viu uma linda borboleta, linda como um arco-íris, mas ainda mais colorida e luminosa. Sentiu o que deve sentir em momentos assim todo o caçador: sentiu que o ar lhe faltava, sentiu que as mãos lhe tremiam, sentiu uma espécie de alegria muito grande. Lançou a rede e viu a borboleta soltar-se num voo curto e depois debater-se, já presa, nas malhas de nylon. Passou a para o frasco e ficou um longo momento a olhar para ela.

— Agora és minha – disse-lhe. — Toda a tua beleza me pertence.

A borboleta agitou as asas muito levemente e ele ouviu a mesma voz que há instantes o encantara:

— Isso não é possível – era a borboleta que falava. — Sabes como surgiram as borboletas? Foi há muito, muito tempo, na Índia. Vivia ali um homem sábio e bom, chamado Buda…

Vladimir esfregou os olhos:

— Meu Deus! Estou a sonhar?

A borboleta riu-se:

— Isso não tem importância. Ouve a minha história. Buda, o tal homem sábio e bom, achou que faltava alegria ao ar. Então colheu uma mão cheia de flores e lançou-as ao vento e disse: “Voem!” E foi assim que surgiram as primeiras borboletas. A beleza das borboletas é para ser vista no ar, entendes? É uma beleza para ser voada.

— Não! – disse Vladimir abanando a cabeça. — Eu sou um caçador de borboletas. As borboletas nascem, voam e morrem e se não forem coleccionadores como eu, desaparecem para sempre.

A borboleta riu-se de novo (um riso calmo, como um regato correndo, não era um riso de troça):

— Estás enganado. Há certas coisas que não se podem guardar. Por exemplo, não podes guardar a luz do luar, ou a brisa perfumada de um pomar de macieiras. Não podes guardar as estrelas dentro de uma caixa. No entanto podes coleccionar estrelas. Escolhe uma quando a noite chegar. Será tua. Mas deixa-a guardada na noite. É ali o lugar dela.

Vladimir começava a achar que ela tinha razão.

— Se eu te libertar agora – perguntou – tu serás minha?

A borboleta fechou e abriu as asas iluminando o frasco com uma luz de todas as cores.

— Já sou tua – disse – e tu já és meu. Sabes? Eu colecciono caçadores de borboletas.

Vladimir regressou a casa alegre como um pássaro. O pai quis saber se ele tinha feito uma boa caçada. O menino mostrou-lhe com orgulho o frasco vazio:

— Muito boa – disse. — Estás a ver? Deixei fugir a borboleta mais bela do mundo.


José Eduardo Agualusa
 
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