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Nações Unidas consideram as bactérias multirresistentes a maior ameaça à saúde pública. E pedem medidas urgentes
Paulo André Fernandes, director do Programa de Prevenção e Controlo de Infecções e de Resistência aos Antimicrobianos, defende que o uso errado de antibióticos pode gerar um retrocesso no tratamento de infecções, por isso é necessário mudar hábitos.
Paulo André Fernandes, diretor do Programa de Prevenção e Controlo de Infecções e de Resistência aos Antimicrobianos
A decisão da ONU sobre o combate às bactérias multirresistentes aos antibióticos levou anos a ser alcançada, apesar de se estimar em 700 mil o número de mortes anuais devidas a esta ameaça.
Porquê tanto tempo?
Porque a visibilidade do problema a nível mundial apenas agora atingiu uma dimensão que fez chefes de Estado e governo reunirem-se e acordarem numa série de princípios e decisões.
Até há pouco tempo este era um problema discutido e valorizado na comunidade científica e entre os profissionais de saúde.
O problema foi ganhando notoriedade, quer pelo seu progressivo agravamento afectando a saúde das pessoas quer por se ter percebido que não se trata só de uma grave ameaça à saúde a nível mundial, mas também um problema com sérias implicações económicas, afectando as despesas dos sistemas de saúde e os produtos internos brutos nacionais, o que levou a tomadas de posição da Organização Mundial da Saúde, da Assembleia Mundial da Saúde, mas também do Fórum Económico Internacional (Davos), do G7, do G20 e agora da ONU, na Assembleia Geral e na Reunião de Alto Nível sobre Resistências aos Antimi-crobianos (RAM).
Como atua uma bactéria multirresistente?
Perante uma infecção, e antes do isolamento da bactéria responsável e identificação do seu perfil de resistências, os médicos prescrevem um antibiótico que actua sobre as bactérias que provavelmente estão presentes.
Se está presente uma bactéria multirresistente, esse antibiótico não vai ser eficaz, o que torna a infecção mais difícil de tratar.
Na maior parte dos casos, as bactérias multirresistentes não são em si próprias mais agressivas.
São é mais difíceis de matar porque os antibióticos usualmente utilizados não são eficazes. Com o agravar do problema, estes microrganismos têm sido mais frequentes e têm adquirido novas resistências, de tal forma que existem alguns, em todo o mundo, susceptíveis a poucos ou nenhuns dos antibióticos de que dispomos.
Em Espanha, calcula-se que morram 1500 a 2000 pessoas por ano devido à resistência bacteriana aos antibióticos. Temos uma estimativa para Portugal?
Apenas com estudos estatísticos complexos é possível distinguir entre a mortalidade nos doentes que falecem com uma infecção por uma bactéria multirresistente, mas esse desfecho acontece pela doença de base, e os que falecem directamente por causa da infecção. Esses estudos têm sido realizados, mas não entre nós. E demonstram que mais resistências significam pior prognóstico e, portanto, maior mortalidade da infecção.
Mais importante do que saber exactamente quantas pessoas morrem em Portugal por este tipo de infecções, é ter a noção de que o problema tem de ser controlado. Estimativas a nível mundial prevêem que em 2050 morram mais pessoas devido às resistências aos antimicrobianos do que devido ao cancro, se a situação não for controlada.
Trata-se sobretudo de declarar guerra ao uso errado de antibióticos. Existe alguma estimativa sobre a dimensão desse mau uso em Portugal?
Não temos números nacionais, mas a literatura refere que até metade das utilizações de antibióticos pode ser inapropriada, e isso acontece quer na saúde humana quer na saúde e criação animal.
Se os antibióticos forem utilizados de forma racional, reduziremos a pressão sobre as bactérias, geradora de aumento das resistências, e criaremos condições para a inversão da situação.
Porque crê que o uso errado sucede?
O uso errado dos antibióticos instalou-se porque as pessoas, em gerações anteriores, viram os antibióticos quase como um milagre que começou a salvar vidas perante infecções antes incuráveis.
Lembremo-nos da tuberculose, por exemplo, como matava jovens e adultos há 50 ou 60 anos e como passou a ser curada uma proporção enorme de casos, após a generalização do uso dos antibiótico. Gerou-se uma confiança ilimitada nos antibióticos.
Em Portugal temos elevados níveis de iliteracia em saúde e estudos recentes, como o Eurobarómetro, demonstram que os portugueses continuam a ser, na Europa, dos que menos sabem sobre antibióticos e o seu uso correto. Já no próximo mês de Novembro serão concretizadas diversas iniciativas nesta área, a propósito do dia europeu e da semana mundial pelo uso correto dos antibióticos, que decorrerá de 14 a 18 de Novembro.
Um outro uso errado dos antibióticos é o que ocorre na pecuária. É legal usar estes medicamentos na criação de animais? São usados porquê? Qual o controlo efectuado pelas autoridades?
Em muitos países, 50% do uso de antibióticos ocorre na veterinária e na pecuária. Na criação animal, são usados com o objectivo de acelerar o crescimento, embora esse objectivo esteja a ser posto em causa de forma crescente. É verdade que o problema só poderá ser resolvido se abordado em todas as suas vertentes.
Que medidas foram tomadas em Portugal nesta matéria?
Em Portugal, o trabalho na área do controlo das resistências aos antimicrobianos e da prevenção e controlo da infecções associados aos cuidados de saúde (antes designadas por infecções hospitalares) desenvolve-se há décadas.
Desde 2013, estes dois problemas estão a ser abordados por um programa prioritário da Direcção-Geral da Saúde (PPCIRA), em colaboração com outras instituições, como o Infarmed, o Instituto Ricardo Jorge (INSA) e, mais recentemente, a ACSS.
O PPCIRA tem uma estrutura nacional, baseada em grupos coordenadores regionais e grupos coordenadores locais, compostas por profissionais que nas unidades de saúde travam diariamente esta guerra.
Existem normas de actuação, têm sido promovidas campanhas de boas práticas entre os profissionais, com destaque para a correta higienizarão das mãos, têm sido implementados programas de apoio à prescrição de antibióticos em diversas unidades de saúde e têm sido implementadas medidas específicas perante problemas concretos.
O que acontecerá se não se parar o seu uso errado?
Voltaremos à era em que os antibióticos não existiam e não conseguimos tratar as infecções, como a tuberculose. Não serão só as infecções que não conseguiremos tratar. Há muitas situações, como nascimento de grandes prematuros e muitos tratamentos, como quimioterapia, imunoterapia, cirurgias complicadas, que só podemos fazer porque tratamos as frequentes e graves complicações infecciosas.
Se deixarmos de conseguir tratá-las, será toda a medicina moderna que será posta em causa, com consequências gravíssimas para a sobrevida das pessoas.
Trabalhos recentemente publicados prevêem que em 2050 ocorrerão cerca 390 mil mortes por ano na Europa, devidas às resistências aos antibióticos, se o agravamento das resistências não for controlado.
Este número significa que morrerão mais pessoas por causa destas resistências do que devido, por exemplo, a neoplasias.
Que conselhos dá?
Os profissionais de saúde têm de ter boas práticas, na prevenção da transmissão da infecção e na prescrição de antibióticos.
Os cidadãos devem procurar a informação junto dos profissionais, devem proceder de forma responsável, não pressionando o médico para que prescreva antibiótico em situações sem indicação. Temos em mãos um problema sério.
Para já, a Assembleia Geral das Nações Unidas deu mais um passo importante. Importará agora que os documentos aprovados se traduzam em acções concretas à escala nacional e local, para que não se fiquem por meras declarações de intenções.
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