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O conhecimento do espaço e do tempo, e a sobrevivência do Homem

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O conhecimento do espaço e do tempo, e a sobrevivência do Homem

O primeiro período da história da Astronomia tem o seu início há dezenas, ou mesmo centenas de milhares de anos. A Astronomia, juntamente com a aritmética, é talvez a mais antiga de todas as áreas do conhecimento. De certa forma ligada à Astronomia, encontramos também, em todas as épocas, e não importa em que região da Terra, nem qual o nível de evolução das civilizações, a preocupação do Homem relativamente às suas origens e ao seu destino final.

“De onde vimos?” e “Para onde vamos?”, são preocupações cosmológicas que sempre dominaram, e continuam a dominar o pensamento humano.

Desde a Pré-História que a observação do céu deve ter inquietado o espírito humano; por um lado, a revelação da existência de leis naturais imutáveis, por outro, a tentação de colocar no céu seres sobrenaturais todo poderosos. Percebemos, nessa época, a origem dos primeiros mitos e cultos astrais, que tiveram um papel importante nas diversas religiões primitivas. Ao observar o mundo, o Homem acreditava poder explicá-lo como uma consequência da actividade de espíritos motivados por emoções semelhantes às dos seres humanos. Vivia-se uma época em que o universo era completamente antropomórfico - a Época da Magia. É a época dos espíritos bons, mas também dos demoníacos, aos quais era atribuída a forma de animais e de plantas, e que tinham o poder de governar o mundo. Tudo o que era observado podia ser explicado de forma simples pela vontade e pelas acções desses espíritos.

Inicialmente, o Homem não tinha qualquer actividade, para além das que estavam relacionadas com a sua própria sobrevivência. Muito antes de se colocar certas questões sobre os fenómenos observados, ou até de tentar encontrar explicações para os justificar, o Homem primitivo pretenderia apenas sobreviver, no meio hostil que o rodeava. mas desde muito cedo a sua atenção terá sido atraída para diversos fenómenos astronómicos, sendo que o mais marcante terá sido, naturalmente, a sucessão dos dias e das noites.

Em épocas muito primitivas, na sua fase nómada, o Homem não havia ainda inventado a agricultura, e não tinha ainda aprendido a domesticar animais. A sobrevivência era difícil, quase um acto heróico. Terá nascido assim, a necessidade de contagem do tempo, isto é, a construção de calendários que permitissem prever com antecedência, a ocorrência de determinados acontecimentos essenciais à sua sobrevivência, como por exemplo os fluxos migratórios de certos animais, ou o amadurecimento de determinados frutos. Muito antes de inventar a escrita, o Homem aprendeu a conhecer as fases da Lua, constatou a sucessão periódica das estações do ano, apercebeu-se do movimento diurno aparente das estrelas, que noite após noite as trazia de volta, e, percebendo que mantinham as suas posições relativas, “inventou” as constelações, verdadeiros referenciais que lhe permitiam orientar-se.

A Astronomia nasce com a aprendizagem deste tipo de conhecimentos, simples mas essenciais. As actividades necessárias à sobrevivência da espécie humana estão pois na origem das primeiras atitudes directamente ligadas à Astronomia, a qual, por esse motivo, se encontra intimamente relacionada com a evolução do Homem desde os tempos mais primitivos.

Cerca de uma dezena de milhares de anos atrás, na tentativa de assegurar mais facilmente a sua sobrevivência, o Homem opera uma transformação fundamental: abandona o modo de vida nómada, que adoptara durante centenas de milhares de anos, e torna-se sedentário. Paralelamente, esta transformação tem também consequências importantes para a evolução da Astronomia. Na verdade, a fixação numa determinada região torna mais fácil o registo de observações sistemáticas, bem como a sua conservação para posterior consulta e análise, sendo este um factor essencial para o desenvolvimento e sofisticação dos calendários mais primitivos. Esses registos são talvez as mais antigas formas de escrita que possamos imaginar, e a forte ligação que todas as civilizações, que se desenvolveram a partir dessa época, tinham com a astronomia resultava sobretudo dessa necessidade “vital” que consistia no melhoramento constante dos calendários.

Convém aqui referir o facto de que a partir de determinada época, para além de questões de sobrevivência, existiriam em simultâneo motivações astrológicas e/ou religiosas para observar o céu. Astronomia, astrologia e religião, ter-se-ão desenvolvido em conjunto a partir de então, e na maior parte das vezes estando a primeira ao “serviço” das outras duas.

Mais tarde a Época da Magia acabará por dar lugar à Época da Mitologia. Os espíritos, que eram omnipresentes e omnipotentes, “transformaram-se” em deuses que personificavam abstracções do pensamento. O Homem adquire então consciência da sua pequenez perante o mundo, mas, paradoxalmente, acredita que desempenha o principal papel no palco universal. Vive-se uma época em que o universo é perfeitamente antropocêntrico, na qual as diversas mitologias podem ser hoje interpretadas como modelos cosmológicos pré-científicos. Na verdade, a mitologia não é mais do que a expressão figurativa de certas cosmologias, sobretudo as que se desenvolveram utilizando complexas redes de mitos, que na época preenchiam o imaginário de todos. Estes modelos representam talvez as primeiras tentativas para explicar o Universo através de uma utilização sistemática do raciocínio. Podemos citar, por exemplo, mitologias criadas por civilizações importantes, como a civilização maia ou a egípcia, a judaica ou a grega, e mais a oriente, as que foram construídas pela civilização babilónica, a indiana ou a chinesa. Na verdade, todas elas constituem os mais primitivos modelos, conhecidos, que o Homem construiu para explicar o Universo.
 

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A Grécia: berço da civilização ocidental

A Grécia: berço da civilização ocidental

Tales de Mileto.
Independentemente das fontes onde beberam os pensadores gregos da Antiguidade Clássica, podemos dizer que a civilização ocidental tem as suas raízes mais profundas mergulhadas na civilização grega daquela época. Na verdade, a civilização grega da Antiguidade operou uma transformação cultural e civilizacional de tal envergadura que afectou todas as áreas do conhecimento, e marcou a primeira grande ruptura verificada na história do pensamento humano. Foi esta ruptura que alterou em definitivo, e radicalmente, o percurso evolutivo da civilização ocidental. De tal forma que, passados cerca de 2500 anos, podemos dizer que a Grécia da Antiguidade continua presente. O Homem grego foi sempre testemunha de uma humanidade que quase não mudou ao longo dos tempos. A cultura grega chega aos nossos dias atingindo-nos fortemente, e se assim não fosse, o mundo ocidental não seria certamente como hoje o conhecemos. O pensamento grego esteve presente em Mileto, com Tales, mas também em Atenas, com Sócrates, e ainda em Alexandria, com Aristarco, antes de brilhar em Siracusa, com Arquimedes. Mais tarde estará em Roma e em Florença, com os de Medicis, sem nunca deixar de influenciar a cultura ocidental até aos dias de hoje. Apesar das primeiras reflexões filosóficas sistemáticas e sustentadas terem tido a sua origem na Grécia Antiga, é muitas vezes admitido que os problemas essenciais não mudaram significativamente desde então... podendo considerar-se que os filósofos gregos “apenas” indicaram o caminho, que depois, e até à época actual, a ciência mais não fez que percorrer.

O início da revolução efectuada pelos gregos pode situar-se por volta do início do século VI a.C.,. É também a partir dessa época que é possível reconhecer uma utilização sistemática da geometria, nos métodos adoptados pelos astrónomos gregos, métodos esses que teriam uma importância fundamental na evolução da ciência, nos séculos que se seguiriam. Convém dizer que o que hoje sabemos sobre o conhecimento astronómico grego no início desta nova época, se deve às obras de Aristóteles que chegaram até nós, as quais foram escritas cerca de dois séculos mais tarde, isto é, no século IV a.C., e onde Aristóteles nos oferece uma compilação do conhecimento produzido pelos pensadores gregos dos séculos anteriores. Aristóteles refere muitas reflexões e propostas de filósofos e pensadores em geral, mas no que à astronomia e cosmologia diz respeito, merecem destaque as referências a Tales, Anaximandro, Anaxímenes, e Pitágoras, todos do século VI a.C..

Segundo Aristóteles, a grande transformação começa, como dissemos, no início do século VI a.C., sendo os pensadores da Escola de Tales os principais protagonistas. É a partir daí que ciência e religião (mitologia) começam a percorrer caminhos distintos. O sobrenatural é retirado das explicações construídas para os diversos fenómenos da natureza, nas quais os deuses passam a ter um papel absolutamente secundário (com a excepção de alguns casos pontuais). Aristóteles considerava Tales como o pai da filosofia natural, e há histórias/lendas cuja importância será, pelo menos, a de ilustrar o carácter eminentemente pragmático da filosofia desta escola. Conta-se por exemplo, que Tales terá utilizado os seus conhecimentos meteorológicos e astronómicos para prever, quer uma superprodução de azeitona, quer um eclipse do Sol que teria tido lugar durante uma batalha contra os persas, ajudando este fenómeno, inexplicável para os persas, à vitória grega. Mas estes exemplos servem também para evidenciar a importância da astronomia na vida do Homem grego, agricultor ou soldado.


Aristóteles.
Enquanto em Mileto e Samos florescia a Escola de Tales, numa outra região (hoje a Itália meridional) nascia a Escola Pitagórica. Fundada sobre uma concepção matemática do mundo, ela conferia aos números e às figuras geométricas, determinadas propriedades místicas, as quais haveriam de conduzir os pitagóricos a uma concepção religiosa do Universo. Para os pitagóricos o Universo teria sido construído pela Divindade Suprema, ao compor grupos de números... Para eles o número era a razão de toda a existência. Tudo o que existia, e não apenas o mundo físico, mas também os conceitos, as opiniões, as oportunidades ou as injustiças, teriam que poder ser traduzidos por números. Tudo seria regulado pela aritmética, e tudo teria que ter o seu lugar próprio na estrutura global do Universo. Por tudo isto, Pitágoras é muito justamente considerado o pai da numerologia, com inúmeros seguidores, e não só na Antiguidade. Mas Aristóteles conta-nos ainda que a Escola Pitagórica produziu também um modelo geométrico para o Universo. Este modelo tinha, entre outras, a particularidade de pelo menos inicialmente não ser um modelo geocêntrico. O não geocentrismo do modelo ter-se-á ficado a dever a questões de ordem moral e religiosa, uma vez que para os pitagóricos, a Terra e tudo o que nela existia, humanidade incluída, era considerado imperfeito, e portanto a Terra não poderia ocupar o centro, isto é, o local mais importante no Universo finito e esférico dos pitagóricos. Esse lugar especial estava reservado à Fornalha Central, ou “motor” do Universo, e que deverá ser identificado com o local destinado à Divindade Suprema: Zeus. À sua volta orbitariam então todos os corpos celestes ao longo de trajectórias perfeitamente circulares controladas pelo “motor divino”. Estes seriam os primeiros modelos cosmológicos construídos de uma forma geométrica, adoptando o paradigma da simplicidade da trajectória circular, o qual só viria a ser abandonado no século XVII d.C., após o trabalho de Kepler.

Apesar das concepções completamente distintas das duas escolas, a de Tales e a pitagórica, elas revelaram-se fundamentais para que fossem possíveis as primeiras grandes descobertas astronómicas da antiguidade. De entre essas descobertas podemos destacar o reconhecimento da Terra como um corpo celeste isolado no espaço, ou o da harmonia da esfericidade, mas também o da queda dos graves para o centro da Terra, ou ainda o das engenhosas combinações geométricas que permitiam prever as posições planetárias, e que estiveram na origem do complexo sistema geocêntrico ptolemaico.

Por esta altura a civilização grega tinha já desenvolvido modelos, que embora possam hoje parecer ingénuos, e até bizarros, ilustravam já, de certa forma, um tipo de abordagem e raciocínio científico que não era de todo trivial, introduzindo argumentos lógicos, sustentados na experiência adquirida na vida quotidiana. Com base na obra de Aristóteles, é possível admitir que os primeiros pensadores gregos são efectivamente os primeiros a tentar substituir as velhas e complexas teias “explicativas” mitológicas, por algo mais natural, algo que de alguma forma pudesse estar relacionado com a própria natureza do Universo observado. São estes pensadores os primeiros a acreditar que a natureza podia ser explicada por leis que não fossem determinadas pelas emoções divinas, e que deveriam ser completamente impessoais, independentes do estado de espírito dos homens. É assim que as explicações para questões fundamentais passam a ser racionalizadas. É toda uma nova forma de abordar, pensar e reflectir os problemas, a qual nunca antes havia sido tentada. Nos séculos seguintes, consequência natural do conhecimento criado, todos estes desenvolvimentos permitiram uma notável evolução cultural, com implicações óbvias em termos civilizacionais.

Apesar das claras reminiscências mitológicas presentes nos universos pitagóricos, os socráticos, sobretudo Platão e Aristóteles, aproveitaram a concepção geométrica desses sistemas tornando-se adeptos dos modelos esféricos, simples, e harmoniosos da Escola Pitagórica, mas retirando as suas características mitológicas, o que “obrigou” à introdução de uma alteração significativa: a posição central seria a partir daí ocupada pela Terra. Nascia o geocentrismo. O modelo cosmológico geocêntrico sofreu muitos desenvolvimentos desde então, e os filósofos, matemáticos, e pensadores em geral, ajustaram a ideia inicial de acordo com os seus “interesses” particulares. Os filósofos, por exemplo, estavam sobretudo preocupados com o conceito de harmonia, com os ciclos planetários, e com um eventual novo conceito de divindade. Os matemáticos, por seu lado, debruçaram-se principalmente sobre a descrição puramente geométrica do Universo. A astronomia aproveitou todo o conhecimento assim criado para construir modelos cada vez mais sofisticados. O objectivo, tal como hoje, era reproduzir o melhor possível os dados de observação disponíveis. A sofisticação atingiu um nível tal, que foi necessário esperar até finais do século XVI, para ter observações suficientemente precisas que mostrassem a incorrecção do modelo geocêntrico. De facto, os cosmólogos gregos acabaram por desenvolver um notável quadro global do Universo, explicando-o através de modelos assentes em bases filosóficas e matemáticas racionais.

O coroar de todo o trabalho astronómico e cosmológico desenvolvido pela civilização grega acontece no século II d.C. com Ptolomeu, cuja obra, A Grande Síntese Matemática, ou Almageste ("O Maior"), como ficou conhecido depois da tradução Árabe, é uma das estrelas mais brilhantes de todo o empreendimento intelectual levado a cabo pelos gregos. Neste trabalho, Ptolomeu apresenta uma concepção global, harmoniosa, e geométrica do Universo. Mas é também um trabalho que é um tratado completo de astronomia prática, acompanhado das noções de trigonometria necessárias à compreensão da obra, e baseia-se quase totalmente na física de Aristóteles, criada cerca de seis séculos antes. A astronomia de Ptolomeu irá ser sistematicamente utilizada durante cerca de catorze séculos, sem conhecer ataques significativos ou fundamentais, e será necessário esperar até ao período do Renascimento para que a astronomia seja colocada numa via diferente da que até aí tinha percorrido.

A terminar temos que dizer que a qualidade do saber produzido pela civilização grega não pode questionar-se, mas também podemos dizer que os astrónomos herdaram da Antiguidade, uma série de postulados que bloquearam durante séculos, o desenvolvimento da astronomia, a saber:

* em primeiro lugar o geocentrismo, com a Terra rigorosamente imóvel a ocupar o centro do universo;
* depois, a divisão do universo em dois mundos; de um lado o cosmos, onde tudo é puro e inalterável, o mundo do éter (a quinta essência) e dos movimentos perfeitos, circulares; do outro, o mundo sublunar da imperfeição e da mudança, o mundo da Terra e dos quatro elementos (terra, água, ar e fogo), o mundo dos movimentos rectilíneos e dos movimentos ascendentes ou descendentes;
* finalmente, o movimento circular uniforme (ou a combinação de movimentos deste tipo), como o único permitido para os corpos celestes.


Estes postulados aristotélicos, de certa forma princípios cosmológicos, “reinaram” de uma forma quase absoluta durante cerca de vinte séculos. As excepções resumem-se às propostas de Heraclides e Aristarco. Enquanto Heraclides propunha um movimento de rotação para a Terra com o objectivo de explicar de forma simples a sucessão dos dias e das noites, Aristarco, era o primeiro astrónomo heliocentrista da Antiguidade (mas também o último), o único verdadeiro percursor das ideias de Copérnico, não tendo contudo conseguido impor-se aos geocentristas aristotélicos.
 

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O nascimento do Islão

O nascimento do Islão

Entre o século VI a.C. e o século II da nossa era, isto é, desde Tales até Ptolomeu, a civilização grega, e em particular a sua intelectualidade, iluminou a humanidade. Após este período brilhante, a “inspiração” e a civilização grega começaram a desvanecer-se.

Apesar do declínio, o sistema geocêntrico de Ptolomeu, inspirado no universo aristotélico, e em todo o conhecimento que ele encerra, pode ser considerado como uma das maiores obras astronómicas produzidas por aquela civilização, mesmo tendo em conta que não incluía muitos dos desenvolvimentos criados pela cultura grega. Podemos referir, por exemplo, que a ideia de Platão de um universo infinito, não estava contemplada, o mesmo acontecendo em relação à sugestão de Demócrito segundo a qual a Via Láctea seria um enorme aglomerado de estrelas. Contudo, em termos de evolução da astronomia, talvez mais grave, terá sido o facto de Ptolomeu ter completamente ignorado a proposta de Heraclides, segundo a qual a Terra deveria rodar sobre si própria, e a de Aristarco, que propunha que a Terra orbitaria em torno do Sol.

Depois do declínio grego, a civilização romana ainda conseguiu produzir algum conhecimento, se bem que na maior parte das áreas, a um nível incomparavelmente inferior ao dos gregos. A partir do século V, com o início da decadência irreversível do Império Romano após a invasão do sul da Europa por povos mais ou menos bárbaros vindos do Norte, o poder ficou nas mãos de quem não possuía uma evolução cultural e intelectual, suficiente para assimilar os conceitos associados ao saber criado pelo mundo greco-romano. A partir daí, o processo de criação de saber mergulha no vazio, e na Europa assiste-se ao início de uma crise civilizacional profunda.

É um pouco mais a oriente, na Síria, na Pérsia, e sobretudo em Constantinopla, que se tenta preservar o saber criado pelas civilizações da Antiguidade. O Islão tem então um papel histórico que se revelará de extrema importância. Na verdade, a civilização muçulmana chamou a si a responsabilidade de recolher, preservar, e transmitir o conhecimento produzido pelas civilizações anteriores, mas sobretudo o que havia sido criado pela civilização grega.

Tendo como mola impulsionadora a religião, e como força motriz a mensagem cosmológica de uma irmandade eterna e universal entre os crentes muçulmanos, a cultura árabe espalha-se rapidamente, e estende-se do Atlântico até à Índia. Contudo, é nos territórios situados nas margens do Mediterrâneo que a expansão do Império Árabe assume maior relevância, sendo que o interesse do povo árabe por esta região é perfeitamente justificado, pois tinha sido o berço de poderosas civilizações da Antiguidade.

Passam então a ser frequentes os contactos entre intelectuais europeus e centros culturais da civilização islâmica, como Córdoba, Toledo, e outros espalhados um pouco por todo o império. Estes contactos permitiram a alguns intelectuais mais atentos, entre os quais devemos destacar os monges dos mosteiros dos Pirenéus, um primeiro conhecimento das obras dos pensadores gregos que entretanto haviam sido traduzidas para árabe. Quase de imediato, começa a sentir-se a necessidade de traduzir também para latim essas obras até então desconhecidas ou, nalguns casos, simplesmente ignoradas. Essas traduções para latim tiveram o efeito esperado, ou seja, um número muito maior de estudiosos passou a ter acesso à cultura grega.

Apesar dos muçulmanos não terem contribuído de forma significativa para o progresso de muitas das áreas do saber, não deve ser esquecido o enorme trabalho desenvolvido por este povo na preservação e transmissão do conhecimento herdado da Antiguidade. Sem esse trabalho talvez não tivesse sido possível a evolução a que a Europa assistiu nos séculos que se seguiram à decadência do Império Islâmico. Foram os muçulmanos os principais responsáveis pelo despertar e sacudir das consciências na Europa. Por todo esse trabalho, pode dizer-se que o mundo ocidental está em dívida para com a civilização islâmica.

O despertar de consciências, e o consequente acordar da Europa, começa a verificar-se por volta dos séculos XI-XII, mas não tem implicações imediatas ao nível da astronomia, muito embora as questões cosmológicas tivessem passado a estar no centro das atenções dos intelectuais europeus. De facto, entre os séculos X e XV, não há qualquer desenvolvimento significativo na astronomia europeia. Foi necessário um trabalho prévio de assimilação das obras gregas, para depois se passar à fase seguinte: questionar esses trabalhos. Foi assim que as questões cosmológicas foram repensadas, e as consequências dessa reflexão foram importantes na evolução da astronomia que se verificou posteriormente.

Desde que as traduções dos primeiros trabalhos são conhecidas e estudadas, por volta do século XI, assistiu-se desde logo ao nascimento de uma torrente de novas ideias. As nuvens negras que pairavam sobre o conhecimento começam a dissipar-se. Começam a surgir jovens interessados em debater questões fundamentais nas diversas áreas do conhecimento. É o abanão necessário ao nascimento de novos centros de criação de saber. Surgem as universidades.

Do ponto de vista puramente astronómico, não pode ser ignorada a influência que teve a obra de Ptolomeu, o Almageste, no seio das universidades europeias da época. Na verdade, a “Biblia da Astronomia” possuía virtuosidades técnicas tais, que não era comparável a nenhum outro trabalho astronómico conhecido na Europa, e o debate surge com naturalidade. Entre os problemas mais discutidos desde o início, estavam naturalmente questões filosóficas, religiosas, e cosmológicas. A discussão rapidamente transpôs as portas das universidades, “atingindo” fortemente tudo e todos, mas principalmente outros intelectuais, e não apenas os académicos, que entretanto se tinham dado conta da necessidade de repensar os modelos teológicos. Um bom exemplo é o de S. Tomás de Aquino, quando no século XIII, e em consequência de toda a agitação intelectual que já se verificava, sentiu a necessidade de mostrar que a teologia cristã se poderia perfeitamente acomodar num universo aristotélico, desde que fossem efectuadas algumas (poucas) transformações; o modelo de universo adoptado, por exemplo, teria que perder o seu carácter eterno, uma vez que havia sido criado por Deus. Um outro exemplo pode encontrar-se em A Divina Comédia, de Dante, onde o autor faz uma clara adaptação do modelo cosmológico aristotélico, para o compatibilizar com a teologia cristã.

Nos finais do século XIV, ainda sem uma evolução na astronomia que fornecesse dados de observação que permitissem sustentar alguma da insatisfação que se ia notando relativamente ao modelo de Ptolomeu, o universo medieval atinge o auge: era completamente antropocêntrico, santificado pela religião, sancionado pela filosofia, e racionalizado pela ciência geocêntrica aristotélica.
 

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A revolução heliocêntrica

A revolução heliocêntrica

Apesar da conciliação que, entre o século XII e o século XV, se tentou, e de certa forma conseguiu, entre a cosmologia aristotélica e a teologia cristã, havia quem não estivesse completamente satisfeito com toda essa aparente harmonia. Os filósofos naturalistas terão sido os primeiros a avançar , em particular, com algumas objecções ao modelo de Ptolomeu. Os seus argumentos baseavam-se principalmente na constatação do facto de que naquele modelo, os movimentos planetários não eram circulares e uniformes, contrariando assim os princípios de simplicidade, harmonia, e simetria, defendidos por Aristóteles. A possibilidade de um movimento de rotação para a Terra era outro debate que muito apaixonava alguns intelectuais. Apesar dos argumentos a favor de uma Terra em rotação, o peso histórico dos princípios aristotélicos era ainda suficiente para preferir as antigas concepções de simplicidade e harmonia que sustentavam uma Terra imóvel no centro do Universo.

Os intelectuais medievais não são contudo, os primeiros a questionar os princípios cosmológicos aristotélicos. Como vimos anteriormente, quer Heraclides, quer sobretudo Aristarco, já o haviam feito na Antiguidade. No entanto, na época medieval, são alguns académicos parisienses e muitos intelectuais do seio da Igreja Católica, os primeiros a manifestar uma profunda insatisfação relativamente às ideias aristotélicas, e a tentar criar e desenvolver modelos alternativos. A título de exemplo é justo referir três membros da Igreja que, em três séculos consecutivos, deram um contributo importante à revolução que se já se adivinhava: Roger Bacon, um monge franciscano do século XIII, Nicolau Oresme, bispo do século XIV, e no século XV, o Cardeal Nicolau de Cusa.

Roger Bacon reflectiu muito sobre o que hoje conhecemos como método científico, defendendo que para avançar no caminho que conduz ao conhecimento, não basta ler velhos textos. Segundo ele, é igualmente importante, e necessário, efectuar observações, utilizar a matemática para verificar os resultados, e realizar novas experiências e observações.

Por seu lado, Oresme, preocupou-se sobretudo com os problemas associados aos movimentos. Uma questão essencial para o desenvolvimento dos modelos cosmológicos. Recusava velhos argumentos segundo os quais a Terra não podia ter um movimento de rotação, e mostrou que a rotação da Terra proposta por Heraclides, simplificava imenso a estrutura do universo.

Finalmente, Nicolau de Cusa, argumentando que o Universo havia sido criado por Deus, uma Entidade infinita e sem localização específica, tentou conciliar a teologia cristã com a geometria do universo, concluindo que o universo é infinito e ilimitado, sem fronteira, e sem centro definido. Apesar disto, não se opunha frontalmente ao sistema geocêntrico. Considerava até que a colocação da Terra no centro do universo poderia ser útil, fazendo no entanto notar que as observações não forneciam qualquer evidência que o permitisse concluir. Relativamente à questão fundamental dos movimentos “admitidos” para a Terra, considerou que, como não havia um verdadeiro centro no Universo, não existiam argumentos em favor de uma Terra em movimento.

Bacon, Oresme, e Nicolau de Cusa, ao contribuírem de forma fundamental para a criação de uma teoria alternativa ao universo de Aristóteles, são o exemplo de verdadeiros precursores da revolução profunda que, nos séculos seguintes, iria transformar a Europa e o mundo. Foi a reflexão profunda sobre questões fundamentais que permitiu pôr em causa velhos conceitos e concepções cosmológicas.

Por esta época, correspondente ao último período da Idade Média, fecha-se um ciclo importante na história da astronomia, no qual podemos destacar no século XII, as traduções das obras gregas da Antiguidade, enquanto que no século XIII a aprendizagem e assimilação do seu conteúdo foi o que mais preocupou os estudiosos; finalmente nos séculos XIV e XV, a comunidade intelectual faz progressos importantes ao questionar de uma forma sustentada as ideias de Aristóteles, ao mesmo tempo que procura alternativas.

No período que se vai seguir assiste-se a uma revolução global, iniciada com a proposta heliocêntrica de Nicolau Copérnico, no início do século XVI, e que apenas termina quase dois séculos mais tarde com os seguidores das teorias newtonianas. É uma revolução global, no sentido de que é uma revolução que atinge fortemente todas as áreas. É um processo abrangente, não é apenas uma revolução científica. É uma verdadeira revolução intelectual, com profundas implicações culturais, sociais, e religiosas. O desenvolvimento dos acontecimentos que se seguem, como em qualquer revolução, revela-se pleno de disputas, tendo como principais protagonistas os apoiantes dos princípios filosóficos aristotélicos e os heliocentristas. Entre os primeiros encontra-se a Igreja Católica, com o seu poder imenso e a sua enorme influência, mas também os protestantes reformistas(!?), como João Calvino ou Martinho Lutero, também eles muito influentes na época.

A princípio a reacção ao heliocentrismo não foi muito violenta, até porque o trabalho de Copérnico, De Revolutionibus, continha um prefácio, anónimo... e muito subtil, que apresentava o modelo como uma mera hipótese, entre muitas outras, e que permitia aos matemáticos efectuarem os cálculos de Copérnico, mas sem a “obrigação” de admitir a sua cosmologia. Apenas mais tarde, quando começa a ser claro que a obra atinge também físicos e filósofos, se dá início a um movimento de reacção que atinge momentos de grande violência.

Um dos mais corrosivos e acérrimos defensores do heliocentrismo é Giordano Bruno, que faz um notável trabalho de “propaganda” do novo sistema de Copérnico. Giordano divulga mesmo a ideia de que se a Terra é um planeta como os outros, a divisão do Universo em cosmos e mundo sublunar deixara de fazer qualquer sentido. Proclama, por isso, a união entre o Céu e a Terra, a identificação entre o Sol e as outras estrelas, e a pluralidade de “mundos” semelhantes à nossa Terra.

É, no entanto, Galileu quem desfere o golpe final no geocentrismo. Fá-lo sobretudo com a descoberta dos satélites de Júpiter, pois mostra a quem quer “ver”, que a Terra não é o único centro para os movimentos, como sustentava a física de Aristóteles. Galileu constatara que Júpiter era também o centro para alguns movimentos: os movimentos dos seus satélites. É desta forma que o sistema de Copérnico, simples hipótese cinemática, se transforma em realidade física.

Depois disto, e em termos puramente científicos, a reacção da Igreja Católica foi tão brutal quanto ineficaz... Giordano Bruno foi queimado em Roma em 1600, as propostas de Copérnico são condenadas solenemente em 1616, mais de 70 anos após a sua publicação, e houve ainda, em 1633, o conhecido processo a que teve que se sujeitar Galileu.

Entre as questões mais importantes em torno das quais se desenvolveu o debate, há duas que são verdadeiramente fundamentais. Em primeiro lugar, naturalmente, o problema de saber a quem atribuir, se à Terra se ao Sol, a posição central (e portanto “privilegiada”), no modelo de Universo. Depois, foi necessário solucionar a questão sobre o(s) movimento(s) da Terra. Saber se era razoável admitir, para a Terra, movimento de translação e/ou de rotação.

Com os trabalhos de Kepler e Galileu, o geocentrismo vê-se definitivamente ultrapassado. Depois de Kepler, a importância do movimento circular uniforme é “abolida”, e as suas leis para os movimentos planetários abrem caminho a uma reflexão bastante mais profunda do que a simples contemplação do céu. Por outro lado, a cada dia que passava, Galileu ia apresentando argumentos fortes contra a física de Aristóteles. As suas experiências sobre a queda dos graves, traduzidas em linguagem matemática, permitiram não apenas obter a lei de inércia, passo essencial para a compreensão da dinâmica dos astros, mas estiveram sobretudo na origem de uma transformação fundamental na física.

Hoje, cerca de 4 séculos depois, é fácil concluir que as questões em torno de todo o processo originado pela proposta heliocêntrica de Copérnico, eram mais filosóficas e culturais que científicas. Foi a esse nível que foram efectuadas as transformações mais importantes, e só assim foi possível o sucesso da revolução heliocêntrica! No entanto, convém recordar que foi o trabalho de astrónomos como Tycho Brahe, Kepler e Galileu, entre outros, que permitiu acabar de vez com a aceitação cega de alguns princípios que durante muitos séculos impediram uma maior evolução do conhecimento.
 

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Pensar o futuro...

Falar na história do Homem é falar no caminho percorrido em busca de conhecimento, desde a pré-história até aos dias de hoje. E, como vimos, uma parte importante dessa busca foi protagonizada pela cosmologia, a qual teve importantes consequências culturais, e influenciou decisivamente a evolução das civilizações.

Quanto à astronomia, vimos também a influência que teve ao longo da história, e como em menos de dois séculos (o tempo da revolução heliocêntrica), se transformou radicalmente. Na verdade, desde o início do século XVII, a invenção da luneta alterou completamente o estudo dos astros. Algumas noites de observação com uma luneta, permitiram a Galileu obter uma qualidade e quantidade de dados sobre os corpos celestes, superior à de todos os seus antecessores. Mas mais importante ainda foi o facto dessas observações permitirem finalmente rebater princípios, com cerca de dois mil anos, que dominavam e estrangulavam tanto a astronomia como a cosmologia. A construção de telescópios cada vez mais potentes, permitiu começar a ter consciência da vastidão do Universo, e criar a partir daí uma ligação entre conhecimento tecnológico e saber teórico, que ainda hoje se mantém, e que possibilitou que os respectivos desenvolvimentos se passassem a efectuar em paralelo. A astronomia, anteriormente ligada essencialmente à matemática, e em particular à geometria, evoluiu de tal forma que começou a ter fortes ligações a muitas das outras ciências.

Na época actual vivemos o início de uma nova era, que poderemos designar, em termos astronómicos, por Época Espacial, a qual é marcada pelas primeiras “aventuras” do Homem fora do nosso planeta. Ao longo do último século, a nossa visão sobre a globalidade do Universo alterou-se consideravelmente, e para isso contribuíram, por exemplo, os avanços teóricos conseguidos na física e na matemática, a implementação de novas técnicas de observação e a possibilidade de missões espaciais com sofisticado equipamento de pesquisa, e não podemos esquecer a revolução ao nível do cálculo, que as emergentes ciências de computação permitiram efectuar.

Quase todos os domínios do conhecimento têm usufruído desta evolução, aumentando assim o prestígio da astronomia. Mas o entusiasmo de que beneficiam nos dias de hoje as ciências associadas ao espaço exterior, não pode ser explicado apenas pelo sucesso mediático das missões espaciais, como muitas vezes se pretende. Acreditamos que as razões são mais profundas. Não podemos esquecer a importância conceptual da astronomia, nem tão pouco o seu peso histórico, quer ao nível da sobrevivência da espécie, quer ao nível da evolução do conhecimento. A importância da astronomia no desenvolvimento intelectual da humanidade é por isso consensualmente reconhecida. Hoje, como no passado, as ligações da astronomia, mas em particular da cosmologia, às questões mais fundamentais que sempre preocuparam o espírito humano, são evidentes. Apesar da cosmologia científica ter perdido muito do carácter filosófico e humanista que sempre caracterizou a cosmologia no seu sentido mais lato (não estritamente científico), é reconhecido que, juntamente com a astronomia, continua a ser um factor importante no desenvolvimento cultural, científico e tecnológico. Por outro lado, é talvez verdade que a cosmologia não científica tem hoje um menor peso do que aquele que ocupou ao longo de toda a história do pensamento humano, sendo mesmo decisiva no traçar desse percurso histórico. Para poder retomar esse lugar pensamos que será necessária uma nova revolução cultural, revolução essa que teria necessariamente implicações a todos os níveis, podendo alterar radicalmente, tal como no passado, a evolução das diversas áreas do conhecimento.

O peso da astronomia no futuro da humanidade deverá ser ainda mais marcante do que no passado. A necessidade de sobrevivência do Homem, tal como no período mais primitivo da sua história, irá passar indubitavelmente pela astronomia.

Sabemos hoje que o Sol não é eterno, e portanto a nossa espécie não poderá viver eternamente na Terra, até ao fim dos tempos... Será necessário procurar outras paragens onde possamos prosseguir a aventura humana. E é “urgente” começar a pensar nesta questão, que é tão só uma questão de sobrevivência! Claro que o Sol não se “apagará” amanhã! Irá ainda brilhar durante cerca de cinco mil milhões de anos... mas também é verdade que não será de um dia para o outro que o Homem será capaz de resolver este problema, sobre o qual terá necessariamente que reflectir, mais cedo ou mais tarde... De forma consciente, ou não, estamos a dar os primeiros passos desta caminhada, já que, para além das missões espaciais que certamente se revelarão muito úteis, também a pesquisa actual sobre planetas extra-solares, por exemplo, pode oferecer em “breve”, surpresas agradáveis!

Claro que estamos no início de todo um processo que garantidamente será muitíssimo longo. Podemos pensar que não temos ainda resultados encorajadores. Por outro lado, podemos considerar que todos os resultados até agora obtidos são positivos, simplesmente porque são passos necessários. Mesmo que as pesquisas astronómicas nos “mostrem”, num futuro relativamente próximo, um novo mundo, há toda uma quantidade de problemas tecnológicos imensamente complicados que será necessário resolver. Um eventual futuro “abrigo” da humanidade, não será propriamente “aqui ao lado”, sobretudo se pensarmos que pelo menos por enquanto (!), não nos é “permitido” viajar mais rápido que a luz...

Contudo, seria um erro pensar que os problemas a resolver se resumem a problemas científicos e tecnológicos. É imediato perceber que este tipo de questões também colocará, inevitavelmente, problemas do domínio da filosofia, da cosmologia (em sentido lato), e do foro ético; problemas a nível cultural, e eventualmente problemas teológicos, etc.; e nenhum deles terá certamente uma solução simples. Toda a complexa problemática envolvida permite que pensemos que será necessária uma verdadeira revolução intelectual, à semelhança do que aconteceu na Grécia da Antiguidade, ou na Europa do Renascimento. Essa revolução poderá ocorrer num futuro mais ou menos próximo, mas porque necessária, será inevitável.

A pesquisa de vida noutro local do Universo, é igualmente uma vertente de orientação importante na astronomia actual, e certamente que continuará a sê-lo no futuro. A ideia da possibilidade de vida extraterrestre não é nova. Contudo, foi sempre combatida por crenças de natureza mais ou menos religiosa, tendo sido veemente refutada em particular pela Igreja Católica (mas não só) durante muito tempo, a qual, com todo o seu poder intelectual e ideológico, não admitia que para além dos territórios da cristandade conhecidos, e da visão abstracta de um Universo completamente diferente para além da Lua, pudesse existir qualquer outro tipo de seres. Claro que encontramos aí alguma influência dos princípios filosóficos e cosmológicos desenvolvidos pelos gregos na Antiguidade, mas também as consequências da conciliação efectuada na Idade Média, entre a teologia cristã e a filosofia aristotélica. Na verdade, quase dois mil anos antes, os modelos cosmológicos tinham sido criados sobre princípios que estabeleciam que a Terra e tudo o que ela continha era feito de substancias distintas das que constituíam todos os corpos celestes, e a fronteira entre o terrestre e o celeste, ainda se mantinha no início da revolução heliocêntrica. Foi necessário, por exemplo, revelar “novos mundos”, como o fizeram Cristóvão Colombo ou Fernão de Magalhães, para mostrar que o espaço humano não era tão limitado como se queria acreditar, e fazer acreditar! E contudo tratava-se apenas do espaço terrestre.

A revolução heliocêntrica veio alterar tudo. Ao “revelar” que o nosso planeta poderia ser semelhante a muitos outros, conseguiu persuadir filósofos (e não só) da possibilidade de vida noutros locais do Universo.

Foi essa revolução que permitiu que hoje tenhamos domínios de estudo como a exobiologia ou a astrobiologia (é redundante falar da astrofísica, a qual surge quase imediatamente após a revolução heliocêntrica). São estas novas áreas que, com as suas ligações à astronomia, mas também à física, à química, à biologia, à matemática, etc., nos poderão eventualmente proporcionar possíveis contactos com civilizações extraterrestres. A partir de então não falaremos mais destas questões ao nível da ficção; elas passarão a fazer parte da realidade, embora certamente de outra realidade!

O desenvolvimento científico e tecnológico dos nossos dias, a conquista do espaço, a divulgação sempre actualizada das observações astronómicas e das descobertas científicas em geral, estão na origem de uma curiosidade generalizada que hoje podemos constatar existir no cidadão comum. Toda esta informação lhe impõe também uma necessidade de formação ao nível das questões científicas, e em particular das que estão mais ligadas à astronomia e à cosmologia - é o fascínio pelo Universo.

Hoje, tal como o Homem grego há 2500 anos, procuramos um conhecimento mais completo sobre o Universo; e fazemo-lo procurando responder às mesmas questões! O conhecimento que criarmos será informação fundamental para que a astronomia possa cumprir o seu papel decisivo relativamente ao destino da humanidade; tal como o fez nas épocas mais primitivas da evolução do Homem. Foi esse papel, cumprido com sucesso, que nos permitiu chegar aos dias de hoje, e afirmá-lo!
 
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