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«Se não escrevesse estava internada», Margarida Rebelo Pinto

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«Se não escrevesse estava internada», Margarida Rebelo Pinto

Recuperada do AVC que sofreu há um ano, Margarida Rebelo Pinto regressa aos livros com uma intriga familiar que atravessa três gerações. Pretexto para uma entrevista em torno do que mudou e não mudou no país e na vida da escritora

No seu novo romance, Português Suave, faz uso de já ter entrado numa idade com património histórico. O que acha que mudou e não mudou no país nas últimas décadas?

Faço parte da última geração educada com medo, em que pais e filhos aceitam que haja tabus entre eles. Isso tem-se diluído. Hoje os miúdos não têm medo dos pais, têm mais ou menos respeito. As crianças já têm acesso a todos os assuntos, crescem muito depressa. Por outro lado, os pais amadurecem muito mais tarde.

Há um esbatimento de noções como responsabilidade, maturidade ou constituir família. Agora os rapazes já não precisam de ser ‘às direitas’, as meninas já não precisam de ser tão compostas ou tão ‘sérias’. Acho que isso tem a ver com o enfraquecimento acentuado dos ideais católicos e do Estado Novo, que não ruíram ao mesmo tempo, mas quase. A Igreja acabou por cair a seguir ao regime.



Por estar tão associada a ele?

Exactamente. Entre os anos 80 e 90 houve uma desertificação dos crentes e dos praticantes. Eu já não levo o meu filho à missa de domingo e no meu grupo de amigos há muito pouca gente a fazê-lo. Na minha geração íamos todos à missa. E só havia um telefone em casa. Quando as filhas chegavam à adolescência, os pais mandavam invariavelmente estender uma linha muito comprida para que falássemos com alguma privacidade na casa de banho, na despensa, na varanda, onde nos pudéssemos fechar. Quando olho para trás e começo a pensar em tudo o que mudou – apesar de ser a mais nova de três irmãos e de ter sido sempre um bocadinho tratada como a benjamim, a mais rebelde –, sinto que já cresci num mundo diferente. E é engraçado, porque só o senti agora.

Foi por isso que quis escrever este livro?

Achei interessante escrever um romance em que retratasse três gerações diferentes indo mais aos aspectos sociológicos e históricos de cada época, mas sem nunca deixar de ter as histórias de amor e as intrigas familiares, que são sempre a minha massa de vidraceiro, aquele material de construção que serve para tudo. A massa de vidraceiro está para a construção como as intrigas familiares, os amores e desamores estão para a minha escrita. Mas para escrever este livro precisei de amadurecer para olhar para trás e pensar: ‘Já vivi metade da minha vida, passei por várias épocas diferentes, isto mudou muito, então vamos lá fazer uma espécie de espelho do que mudou e do que não mudou’. E acho que mudou muito pouca coisa. No íntimo das pessoas, na maneira como se comportam e reagem, acho que continuam fechadas, desconfiadas, estereotipadas, a julgar os outros. A inveja continua a ser o desporto nacional.

SOL
Por Vladimiro Nunes
 
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