• Olá Visitante, se gosta do forum e pretende contribuir com um donativo para auxiliar nos encargos financeiros inerentes ao alojamento desta plataforma, pode encontrar mais informações sobre os várias formas disponíveis para o fazer no seguinte tópico: leia mais... O seu contributo é importante! Obrigado.

OperaÇÃo Canda

ferny

GF Prata
Entrou
Out 12, 2007
Mensagens
445
Gostos Recebidos
0
OPERAÇÃO CANDA
brevetforum.gif






branco_image005.jpg







A manhã acordou cedo, com o céu salpicado de pequenos cúmulos de nuvens, e os pára-quedistas prepararam o equipamento para embarcar com destino às matas da serra da Canda, considerado um dos santuários dos bandoleiros da UPA. Nas pistas de Luanda perfilavam-se algumas dezenas de aviões de apoio à segunda grande operação militar no Norte de Angola. Para além dos aviões de combate ao solo, tinham relevância os aviões Nordatlas e Skymaster, à espera que os homens da boina verde se amanhassem com um capacete de ferro na cabeça, uma mochila carregada com rações para três dias, manta individual e capa de tenda com escoras e pá articulada, a arma dentro de um saco de protecção ao choque no solo, porta-granadas com algumas granadas de mão, cantil com um litro de água e doze carregadores com balas de 7,62 mm. Aparentemente, toda a gente estava tranquila, como se fosse para um salto de treino nos terrenos do campo de golfe junto do aeroporto de Luanda... ou no campo do Arrepiado, nas margens do rio Tejo... ou, ainda, durante a instrução de combate, nas bouças do Gavião e Asseiceira. Para disfarçar o nervosismo, contavam-se anedotas; e foi o cabo Frielas o mais aplaudido:



“A mulher do Gaspar estava farta das chegadas tardias e resolveu pregar-lhe uma partida. Em determinada noite, quando ele subia as escadas devagarinho e em surdina, foi surpreendido pela voz da esposa que lhe gritou do quarto de dormir:

- És tu ou é o gato?

O Gaspar, pensando salvar-se do raspanete, imitou logo o bicho gato:

- Miaauuu, miaaauuuuu!

Ouviu-se a voz da mulher:

- Então! És mesmo tu, seu grande patife. Desde quando é que temos gato?”



Os raios de sol perfuravam as nuvens e já aqueciam os corpos, quando um barulho ensurdecedor de motores deu o sinal para o arranque de tão importante missão. Na frente, arrancou o grupo incumbido de preparar a balizagem, tendo como chefe o capitão Campos Costa. Passava das nove horas da manhã, os aviões começaram a acelerar os motores e toda a carlinga estremecia. Os experimentados pilotos alinharam-nos na pista donde levantaram um a um, de focinho virado aos céus, tomando o rumo do norte, passando por cima do Cacuaco até se inclinarem para o azimute de 50º, já a uma altura considerável. Alguns pára-quedistas sentiram um aperto no estômago, ao olharem pelos postigos para as matas verdejantes por onde se escondiam os bandoleiros. As picadas vistas de cima, serpenteando por entre morros e vales, eram muito mais fascinantes do que percorridas a pé. Os olhares clareavam à medida que os aviões passavam para cima das nuvens e estabilizavam.

Só ao comandante da 2ª companhia e, provavelmente, ao comandante do batalhão terão sido fornecidas informações concretas sobre as missões operacionais; todos os outros pára-quedistas voavam para o desconhecido, esperando que a aterragem fosse suave... e, se possível, no meio de muitas mulheres disponíveis para ajudar a montar a tenda!


branco_image007.jpg





Atingida a altitude de voo convencionada para aproximação à zona de saltos, logo o largador se levantou olhando o grupo de homens que estavam na sua frente. Não estranhou ver os sorrisos amarelos estampados no rosto daqueles que não escondiam as dificuldades em vencer o medo, que sempre aparece nos momentos que antecedem a saída da porta do avião para o vazio do espaço. Não admira. Quase todos eram estreantes no salto operacional sobre zona inimiga! A audácia e a coragem demonstradas em treino não esmorecem, mesmo num empreendimento de respeito.

As informações colhidas em diversas origens preocupavam os mais esclarecidos: bastante movimento de pessoas nos trilhos; vestígios de palhotas dentro das matas, vistas pelos pilotos dos aviões em voo baixo; testemunho de bakongos aprisionados junto à fronteira com o ex-Congo Belga, quando observavam o movimento da tropa; frequentes ataques às colunas em deslocação nas picadas de Bembe ou Bessa Monteiro para Norte. Isto dava consistência à pretensão dos bandidos em dominarem a região por onde passam os carregadores com o reabastecimento de armas e equipamentos vindos da fronteira do ex-Congo Belga, para daí lançarem ataques mais para sul.

Passada a vertical da povoação do Bembe, o largador deu indicações aos repórteres para se posicionarem na retaguarda do avião, deixando caminho livre para o movimento de saída dos pára-quedistas. Frente aos seus homens e num gesto enérgico, o sargento deu sinal de levantar, colocar capacetes na cabeça e verificar equipamentos. Logo um sorriso mais aberto desanuviou a pressão do corpo tenso. Mal acendeu a luz vermelha, o sargento mandou enganchar as tiras de abertura dos pára-quedas... e toda a gente se movimentou num automatismo descontraído! Em seguida, foi feita a verificação da posição dos sacos e mochilas que os pára-quedistas levavam presas na frente das pernas. O avião cortava a neblina que ainda persistia em cobrir a serra e já a luz verde dava o sinal de que não haveria recuos nem hesitações na saída... e o sargento ordenou:

- Em posição! Jáaa...

Um a um, os pára-quedistas saltaram para o vácuo das alturas, numa saída compassada, sob o controlo do sargento que, em três passagens sobre a zona sinalizada, se livrou de mais de duas dezenas de homens que ficaram suspensos nas calotes de nylon, entregues à sua sorte até chegarem ao chão... se não ficassem em cima duma árvore! Naquela vez tiveram o privilégio de serem vistos pelos bandidos, se calhar, aturdidos com tão inesperado espectáculo! Sem possibilidades de usar as armas enquanto desciam, os pára-quedistas só esperavam que os terroristas estivessem distraídos na construção das novas palhotas!



branco_image009.jpg




Logo que os primeiros tocaram terra firme, sacaram a arma de dentro do saco protector e tomaram posição para eventuais ataques, enquanto se aproximavam do ponto de reunião do grupo. E poucos deram conta duma grave anomalia com a tira de abertura do pára-quedas do Luís Filipe Pimentel... que se esforçava tenazmente por se livrar da perigosa situação. Ficou preso ao avião que tomava altura para melhorar as condições de recurso. E o sargento, deitado na saída da porta do avião, através de sinais convencionais, dava instruções ao Pimentel para segurar bem o punho do pára-quedas de reserva, que acidentalmente poderia abrir-se e provocar uma tragédia... – a queda do avião. Mas o pára-quedista ampliava a sua força e lutava contra uma morte inglória, caso não se livrasse da difícil situação. Enquanto o sargento insistia em acalmar o Pimentel, o repórter fotográfico Joaquim Cabral foi colhendo imagens da insólita situação. A mais de mil metros de altura, o avião continuava a voar em círculo, sobre a zona de saltos, e o Luís Pimentel rodopiava por efeito das tiras torcidas. Em terra, os companheiros observavam o infortunado amigo, sem nada poderem fazer para o ajudar. A tira extractora de outro pára-quedas continuava a não deixar espaço para encher de vento a calote de nylon... e o Pimentel ali estava, sem um canivete com que pudesse cortar a merda da tira entrançada.



branco_image011.jpg



O capitão Almendra, temendo a sorte do Pimentel, já se inquietava, porque minutos antes, ao sair de outro avião menos adequado para lançamento de pára-quedistas, o cabo Cunha havia sucumbido à queda-livre, sem que o pára-quedas se abrisse. Ao que parece, devido ao corte da tira extractora na longarina da porta do avião!

Num esforço desmedido, o largador puxou as tiras, que prendiam o Pimentel, até próximo da porta do avião... largando-as de repente! Mas só na segunda tentativa, o nylon se enfunou e o Pimentel, exausto e com um sangue frio admirável, sentiu-se solto, em queda para o abismo... que a grande calote amainou numa aterragem suave. Lá em baixo esperava-o um pântano com bichos maus! E a espingarda... caiu durante as voltas que o avião deu sobre a zona. Por momentos, sentiu-se perdido... sem arma, longe dos companheiros, sem um arranhão, mas muito próximo dos bandidos da sanzala do Pingo, só pensou em escapulir-se. Sem sequer se lembrar da hora de almoço, foi-se empoleirar em cima de uma árvore, confiante nas granadas de mão que trazia no saco.

Todos respiraram de alívio ao ver o Pimentel descer e ser engolido pelo alto capim, ali mesmo ao lado do pântano! Nas alturas, um avião de reconhecimento DO27 sobrevoava a zona... pouco depois aproximou-se um helicóptero, vindo da pista do Toto, que aterrou junto ao pântano para recolher o azarado com sorte, porque acabou por encontrar a arma!

O Pimentel pediu licença e entrou... para uns dias de descanso.

O dispositivo estava em marcha para o desempenho das missões planeadas com a nobre operação da tomada da Serra da Canda, desmantelamento dos acampamentos da UPA e redução das suas actividades terroristas sobre as colunas que utilizam as picadas para reabastecimento das tropas e populações a norte. As várias secções de pára-quedistas começaram a espalhar-se pelas povoações mais próximas, vencendo as íngremes escarpas viradas a norte. Um pelotão avançou para a sanzala de Banza-Tadi, onde as galinhas em debandada se cruzavam com a tropa que batia a zona em busca dos bandidos.
O pelotão que entrou na povoação do Pingo só encontrou destruição, fogo e medo: palhotas em chamas, cabras mortas à catanada... e os bandidos bem longe. Deixaram para trás um casal de velhos e um mancebo! Também deixaram uma arma, talvez na precipitação da debandada, temendo o recontro com aqueles homens vindos do céu... grande feitiço, ué!

Enquanto quatro pelotões, com mais de trinta homens cada, batiam as redondezas, vasculhando as matas na esteira dos terroristas, outros pára-quedistas preparavam um acantonamento provisório ao lado das sanzalas de Banza-Tadi, com o material recolhido depois dos saltos operacionais.

As primeiras grandes missões arrancaram para duas zonas distintas, em plena serra da Canda: um grupo embrenhou-se nas matas em direcção às margens dos rios Mbridge, Lefunde e Lueca, a fim de bater toda a zona e desmantelar abrigos dos bandidos da UPA; missão muito complicada com a progressão por trilhos e mato em declives recortados quase a pique. O outro grupo caminhou na direcção de Bazacomo, onde os aviões descobriram indícios de movimentos e prováveis esconderijos dos bandidos do Holden Roberto. Os primeiros prisioneiros ainda estavam incrédulos com o que viram cair dos céus...

- Estes homens têm feitiço grande, mesmo!

Nos dias seguintes, o grupo que ficou a montar o acampamento, desbravou o mato e preparou condições de apoio ao pessoal que dali partiu em missão, batendo o vale da serra até aos rios, desmantelando esconderijos e sanzalas.

Depois da limpeza da zona de Quipedro, da tomada de Nambuangongo, dos bombardeamentos aos morros da Pedra Verde, a serra da Canda era um dos últimos redutos importantes para os bandidos da UPA. Com as forças do exército vindas de Lucunga, Madimba e S. Salvador a escorraçar os terroristas para as matas do rio Mbridge, os pára-quedistas entraram em Zenda e foram aprisionando os bandoleiros que se entregavam, porque os que fugiam levavam fogacho atrás.

Enquanto os componentes do grupo do capitão Hamilton Almendra caminharam pela mata dentro, sem grandes recontros com o inimigo, vendo alguns bandidos em debandada rápida... e a sentirem o calor das balas trespassar-lhes a carne; os do grupo do tenente Joaquim Mensurado fartaram-se de atirar fogacho certeiro, como quem atira às lebres em campo aberto. Isto de andar sempre a corta-mato desgasta e mói o físico, mas só assim se conseguia chegar à toca dos bandidos... e os gajos nunca se ficaram a rir!

Na hora do regresso faziam-se contas à vida... a operação foi perfeita, com resultados bem mais consistentes do que o previsto. E o capitão Almendra bem podia orgulhar-se do pessoal. Não fora a morte do cabo Almeida Cunha e tudo seriam alegrias. Mas a vida dos pára-quedistas está sempre presa por um fio... que pode falhar entre o céu e a terra! E o Pimentel recordava:

- Seria o caraças se eu tivesse tirado a fotografia, com o equipamento, para mandar à namorada... como ele fez! Raios partam as mulheres...
 
Última edição:
Topo