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MISSÕES – Damba, Lucunga, Bembe

ferny

GF Prata
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Out 12, 2007
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MISSÕES Damba, Lucunga, Bembe



Os pára-quedistas caminhavam em campo aberto, ainda longe do objectivo. Os homens da frente seguiam de olhos fitados nos trilhos remexidos, desconfiando da montagem de armadilhas ou de minas escondidas. De repente... pararam! Ouviam-se vozes vindas da mata cerrada. Toda a gente se lançou ao chão e procurou abrigar-se. O sargento Assis mandou os dois homens da frente para verem mais de perto o que estava a acontecer. Subitamente, o sargento deu um sinal para todos saírem do trilho! Mesmo no sítio onde se atirou ao chão, sentiu um toque metálico ameaçador e um arrepio desceu-lhe pelas costas... quase lhe paralisou a respiração. Olhou para o cotovelo esquerdo... e, mesmo ali junto ao seu corpo, viu o prato de compressão da mina enterrada. Largou a armalite, respirou fundo e relaxou. Sem mexer o braço esquerdo, com a mão direita, foi retirando a terra em redor até ver o espaço de folga da mola de pressão da espoleta... que travou já nos limites das suas capacidades de movimento. O sargento Assis parecia um miúdo a segurar o brinquedo que jamais poderia partir... Ainda com o suor a escorrer pelo rosto, já com o perigoso objecto bem seguro nas mãos, num gesto de supremo alívio, balbucinou:

- Eh malta. Esta brincadeira só me cortou a respiração por uns instantes... agora está segura.

O capitão, que assistiu às manobras arriscadas do Assis, aproximou-se e, parecendo não dar importância ao calafrio do sargento, ordenou ao pessoal da frente:

- Vamos dar mais atenção aos trilhos que pisamos, sem perder de vista os morros, porque os gajos devem ter colocado a mina a contar com a nossa passagem e esperavam outros resultados.

O Abreu foi atrás procurar um carregador da arma que caiu com a atrapalhação, quando saltou fora do trilho. Ficou bastante chateado com os risos do Baleia que não respeitou a confusão do momento. E como conhece o Baleia de ginjeira, dos tempos dos bugios de Alcântara, logo replicou:

- Não me enganas com esse riso fininho. Se tivesses estado com um pé mesmo ao lado da mina, até te tinhas enfiado dentro do capacete e ficarias preto!

O sargento Félix entrou na mata, auscultou os ruídos, observou... e nada viu. Transmitiu ao comandante:

- Meu capitão, o trilho tem continuidade na direcção do morro maior. Os gajos podem estar lá.

- Oh pá, a secção do Seara já está no morro. Se não formos detectados, só temos que continuar vigilantes e seguir no rumo do objectivo. – observou o capitão.

Toda a gente avançou a corta-mato, por entre o capim, com passagem ao lado do morro e afastados da orla da mata. Foram duas horas a romper os camuflados, roçando os arbustos e as folhas ásperas, até à nova paragem. Quando o sol se escondia para os montes de Bessa Monteiro e começava a afundar-se no mar de Ambrizete, os homens do capim ficaram desolados por o verem partir sem uma despedida condigna. Durante o dia sempre apareceu envergonhado, por detrás dos novelos de nuvens de arminho. O capitão subiu a uma pequena elevação do terreno e observou os obstáculos, ordenando:

- Vamos ficar por aqui até de manhã. Ficam dois pelotões emboscados neste cruzamento de trilhos que, tão batidos que estão, devem conduzir a algum acampamento dentro da mata. O pelotão do Oliveira protege o lado direito e o pelotão do Aleixo protege o lado esquerdo. O pelotão do Simão vai instalar-se no morro, subindo pelo lado direito de modo a manter sempre a ligação. Durante o percurso para o morro, façam bastante barulho para despistar os bandoleiros.

Cada secção tomou a posição mais adequada, dentro do esquema das emboscadas aos turras. Estava o pessoal em movimento quando uma forte explosão fez estremecer o terreno... ali mesmo na mata próxima das posições do alferes Oliveira. Ninguém saiu do lugar! Gritos e vozes de gente amedrontada ecoaram no meio do fumo que se elevava na crista das árvores, aparentando grande confusão em coisa séria.

O alferes Simão certificou-se de que o pelotão estava bem posicionado e olhou os seus homens confiado no sucesso do ataque. O cabo Morgado enfiou uma granada na bazooka e preparou um eventual disparo. Mas já estavam três bandidos a subir o trilho no enfiamento da zona de morte, ao encontro dos homens de armas aperradas e prontas a disparar. O Zagalo, já engatilhado, aguçou a pontaria com precisão. Dois tiros não foram suficientes para deitar por terra o bandido da frente, e o Vilela ficou estarrecido ao vê-lo fugir em ziguezague, com o corpo furado. Os outros dois esconderam-se atrás do tronco grosso de uma árvore, respondendo com rajadas. O Morgado aproveitou para disparar a bazooka... a pressão no gatilho... um rasto de fogo... e uma tremenda explosão no meio das árvores onde estavam os terroristas. Os corpos ficaram desfeitos e as armas... também!

O capitão encorajou a malta a fazer uma batida à mata, ficando um grupo emboscado no trilho que seguia para norte, no rumo da Damba. O sol já se foi e a noite ameaçava a continuidade da busca. Mais de trezentos metros abaixo, próximo dum riacho, havia pedaços de corpos desfeitos e espalhados nas paredes de adobe das primeiras palhotas, tal foi o efeito da explosão que abriu uma cratera que dava para enterrar os desgraçados.

- Que azar do caraças! – berrou o Baleia, lá do fundo das palhotas.

O sargento Ferreira, que estava mais perto, viu o soldado com a bota presa numa armadilha para caça. Ajudou-o a safar-se da difícil situação, e logo chamou o enfermeiro Pena. Se não fosse o couro da bota, o rapaz teria sofrido mais do que o simples raspão na perna direita. Depois de desinfectada a ferida e colocada uma compressa com ligaduras, o capitão inteirou-se da situação e não viu razão para pedir evacuação que, só poderia ser no dia seguinte, atendendo à falta de claridade para o voo do helicóptero. E qualquer movimento de aeronaves na zona poderia denunciar a posição da tropa emboscada. Mesmo assim, com a noite a apertar, foi necessário procurar um lugar mais seguro para pernoitar. Um tufo de árvores no meio do descampado de capim foi o sítio escolhido.



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Durante a noite não se ouviram as hienas a chorar os mortos e, na alvorada, a ausência do chilreio dos pássaros davam um sinal de vários perigos... Assim, a manhã acordou silenciosa com o sol a prometer estorricar os corpos. O capitão juntou os comandantes de pelotão, para fazer o ponto da situação; observando a carta topográfica e as fotografias aéreas, comentou:

- Apesar dos recontros de ontem, conseguimos bater uma área bastante maior do que estava planeado. Hoje vamos bater aquele morro a norte e a mata em direcção ao rio Lucunga.

O Baleia queixava-se do ferimento na perna. Mas o Abreu não lhe deu tréguas. Tinha presente a chacota do dia anterior, por causa dos cornudos.

- Queres boleia, é. Aqui não há pista para o zingarelho aterrar... aguenta firme.

O enfermeiro Pena foi junto do ferido e deu-lhe dois comprimidos, um analgésico e um antibiótico. O Baleia fez uma careta, bebeu um gole de água do cantil, engoliu os comprimidos e sacudiu a cabeça!

Uma rajada de metralhadora apanhou o pessoal de surpresa. Cada um se aninhou como pode junto das pequenas árvores, enquanto as rajadas esporádicas denotavam a fúria dos bandidos e a poupança de munições. Mesmo à distância, os tipos não deixavam de marcar presença. O capitão, em tom pesaroso, comentou:

- Os cabrões estão em permanente progresso! Já sabem colocar minas nas picadas, andam em pequenos grupos, têm boas armas automáticas e, ainda, têm o descaramento de nos chatear nas horas de descanso. Isto está a ficar mais preto!

Com uma observação mais cuidada, constatou que as rajadas vinham do morro e ordenou:

- Temos que os arrumar dali hoje. Vamos agir por secções, a pequenas distâncias e sempre à vista, para cercar-mos o morro. O pelotão do Oliveira avança por lanços até chegar ao cimo. Cuidado com os fogos cruzados...

Foram três longas horas de arrepiar. Entre trilhos armadilhados e rajadas de metralhadora, tudo foi vencido até ao aniquilamento do pequeno grupo de terroristas. Às duas da tarde as tensões abrandaram e cada um comeu o seu farnel... sem deixar de olhar no horizonte... a povoação do Bembe ainda longe, muito longe. E seguiram-se mais quatro horas de esforçada marcha em corta-mato, para contornar mais um morro, com o devido respeito!



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Ao cair da noite, a escolha do sítio para o merecido descanso trouxe à memória as surpresas do dia anterior. Os movimentos silenciosos tentaram iludir a vigilância de qualquer inimigo que andasse por ali. Pois, ninguém estava interessado em duas noites mal passadas. Presumia-se que a ligação à fronteira pelos trilhos na direcção de Madimba-Canda estariam nas proximidades. E para chegar ao tufo de árvores mais apropriado para uma noite tranquila faltariam apenas trezentos metros de capim que as pernas curvariam lentamente. Era um refúgio mais amplo e afastado de qualquer obstáculo que pudesse servir de abrigo aos bandoleiros. A noite foi calma e até o pequeno-almoço foi animado... com as chalaças irónicas do Abreu.

- Oh Fonseca, vê se te cuidas lá com a gaita, porque foi uma sorte trazer a Terramicina; podias ter de ir para o Negage com a pichota a pingar!

O capitão estava atento às conversas; olhou para a carta topográfica e deu uma explicação:

- Hoje vamos suar as estopinhas para bater aquele vale – apontou na direcção do rio Lucunga. Os nossos amigos da UPA estão virados para nos pregar arrepios, mas vamos caminhar fora dos trilhos, sempre que possível.

Enquanto o capitão falava, já os homens do capim punham as mochilas às costas e verificavam as armas, prontos para continuar mais dois dias... Mas o capitão continuou a falar:

- Terminada a missão, regressaremos a Luanda logo a seguir. – pôs a boina na cabeça, virou-se para o Fonseca e fez uma grave observação:

- Cuidado com as gaitas mais sensíveis ao roçar do capim, pois não quero ninguém a mijar sangue...

O enfermeiro Pena aproveitou a deixa para lembrar alguns recursos de defesa:

- Podem apalpar a gajas mas com mais suavidade, evitando o deslize para a toca das doenças venéreas, que nestes climas quentes proliferam rapidamente. No posto de socorros da companhia há pomadas e líquidos para desinfectar e proteger. Nas povoações onde há meninas, evitem o contacto sexual; podem ficar com a gaita esfarrapada.

A picada que parte do morro para a mata sobranceira ao rio entronca num labirinto de trilhos, indiciando recentes movimentos em direcção ao rio. O capitão, voltado para o rio, murmurou:

- Teremos que disputar estes trilhos com os gajos da UPA; não temos outro caminho!



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Uns minutos para encher os cantis, quando o sol do meio-dia estendia os raios inclementes por cima dos homens de camuflados ensopados numa crosta de dezasseis dias, pareciam uma infinidade para quem se despedia do rio Lucunga, com uma forte vontade de regressar ao reboliço de Luanda.

- Muito obrigado meu capitão, por lembrar que ninguém tem pichota de aço! – resmungou o Fonseca, já sentado em cima do saco, enquanto não chegavam as viaturas para o transporte até ao aeródromo do Toto.

O Nordatlas já rodava na pista, depois duma aterragem perfeita, quando o capitão Veríssimo sorriu, abanando a cabeça de satisfação. Desta vez regressavam todos... mercê da experiência dum veterano... com alguns meses de missões em diversas zonas de conflitos, especialmente na Damba e em 31 de Janeiro; também a sua natural sagacidade ajudou a enganar os sacanas da UPA. Mal as portas se abriram, embarcou o pelotão do tenente Aleixo – na tropa a antiguidade conta!

Antes da noite, já todos se acotovelavam para a barrela nos balneários do Hangar Velho, antes do bulício nocturno de Luanda, onde se disputam as mulheres da noite e a cerveja não tem medidas. Dezoito dias de ausência dos odores das mulheres, das meninas finas e, mesmo, das prostitutas, é muito tempo; para além da xingaria dos bares, os cheiros abomináveis dos esgotos também fazem parte da cidade!
 
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