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Bichos Do Capim

ferny

GF Prata
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Out 12, 2007
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BICHOS DO CAPIM




Observando as fotografias aéreas, o comandante informa que o objectivo estará do outro lado do morro, a mais de quatro quilómetros. O silêncio é absoluto, de vez em quando cortado pelo agudo canto das aves. A entrada na densa floresta é difícil, tal é o enleio naquele emaranhado de lianas. Com os cantis cheios de água, a companhia avança e ultrapassa este obstáculo, logo encontra vegetação menos densa que permite andar mais à vontade e contornar o morro pelo lado esquerdo, seguindo uma estreita picada. O tempo passa e o sol vai desaparecendo no horizonte, e ainda não se encontrou um local de abrigo até à madrugada. Com a lua a espreitar, o pessoal desloca-se silenciosamente em fila indiana até às proximidades do acampamento inimigo – mais ou menos seiscentos metros. Cada secção prepara o seu esquema de vigilância nocturna, sendo armadilhadas as picadas em redor. Dali já se avistam as cubatas, onde há algum movimento e pouco barulho. Ao amanhecer, é o momento propício para o assalto; pois, há que contar com a claridade da lua em quarto minguante.

Aconchegados no meio daquela frondosa selva africana, junto ao riacho que, uns quinhentos metros abaixo, passa ao lado do acampamento inimigo, apenas os vultos das árvores podem assustar... Mas tudo está imóvel e silencioso, para se dormir algumas horas. Durante a noite, ouvem-se pequenos barulhos, que as águas do riacho vão atenuando. Antes do mata-bicho, cada secção desmonta as armadilhas que montou nas picadas da respectiva zona e toma as posições de assalto: dois pelotões pelos flancos, um no golpe de mão e uma secção de prevenção. Em deslocação para o ataque, a coluna segue pelas margens do riacho, avançando com muito cuidado fazendo uso dos ensinamentos colhidos nas “pistas de silêncio” de Tancos; o Ventura tropeça numa liana e cai dentro da água, molhando o equipamento. Levanta-se com a ajuda do Quiquiri, e todos sentem um arrepio de denúncia. Estava em perigo tão importante missão. Voltando a normalidade da aproximação, os pontos estratégicos foram sendo tomados. O dia prometia muito calor, as lufadas de ar quente vindas do morro, misturadas com a humidade do vale, já faziam transpirar; mais abaixo, há a confluência deste riacho com o rio Mbridge!

Como um relâmpago, o pessoal entra na sanzala, o primeiro sentinela é abatido e dois outros tentam fugir e morrem de armas na mão, enquanto alguns conseguem escapar-se pelo mato. O Santos atira-se a um que sai da palhota, ainda ensonado, e domina-o; logo ao lado, a secção do Ferreira prende mais três mal refeitos do sono. Revistam-se todas as palhotas cuidadosamente e recolhe-se o pouco material existente – quatro canhangulos e cinco granadas, algumas catanas. Os prisioneiros são atados com cordas e amarrados uns aos outros, com as mãos atrás das costas, para evitar fugas.

Com a situação controlada, é o momento do mata-bicho: uma lata de sardinha, umas bolachas da manutenção militar e uma lata de fruta, tudo regado com a fresca água do rio, são uma delícia! Alguns, mais ousados, colhem as mangas amarelinhas; outros, incendeiam as palhotas, como forma de dissuasão de meios; e quando estava o pessoal a reorganizar-se para se dirigir para Sul, na direcção de Bessa Monteiro, começam a chover roquetes sobre as árvores que servem de abrigo. Imprevisivelmente, os fugitivos tomaram posição no morro, obrigando a uma reacção de defesa e ataque com rajadas e umas granadas de bazooka, que produziram algum efeito, silenciando o inimigo. O comandante da companhia vai junto do telegrafista e pede apoio a um avião PV2 que andava perto. Poucos minutos passados, já duas bombas caem no morro, deixando estilhaços por mais de duzentos metros. Os prisioneiros agitam-se com o fogo das bombas, mas logo são empurrados com os canos das armalites.

Caminhar pela picada é uma solução muito arriscada, com os naturais receios de emboscadas ou armadilhas; o caminho é difícil, em zona de capim com mais de um metro de altura, e a companhia segue em corta-mato. Da planície avistam-se tufos de floresta e o vale que, lá longe, leva a Bessa Monteiro. Na orla dos tufos densos descobrem-se três palhotas. O terceiro pelotão faz o avanço de reconhecimento, sem encontrar nada de novo – estão desabitadas! A marcha continua mais uns quilómetros para Norte, na direcção da povoação do Bembe. Chegados à confluência de dois pequenos rios, o comandante da companhia avisa:

– Paramos duas horas para almoçar e descansar; depois vamos continuar a bater o vale até encontrarmos um riacho que nos há-de guiar até uma estrada.

Sentados, olhando o rio, abrem as mochilas e sai o almoço – umas conservas e bolachas. O Alfredo adormece profundamente, agarrado à Armalite. Não é por muito tempo, o Morgado dá-lhe um empurrão e ele acorda muito assustado:

– Onde é o ataque? A minha arma, onde está a minha arma?

E logo o Algarvio ironiza:

– Tens os joelhos a aperta-la, seu nabo!

O capitão mandou sossegar a malta. Virou-se para o comandante do primeiro pelotão e disse:

– Alferes Oliveira, vamos tentar interrogar os presos. Podem dizer alguma coisa que nos ajude no resto da missão.

Aproximando-se dos presos à guarda da secção do Ferreira, sentou-se de frente para o que parecia ter um aspecto tímido e perguntou:

– Sabes onde fica a tua terra?

O matumbo olhou em redor, deitou os olhos ao chão e murmurou umas palavras que ninguém percebeu. O capitão puxa do papel amarrotado que traz no camuflado e pronuncia algumas palavras da língua quimbundo:

– Eie uejie kuzuela putu?

O negro, levantando os olhos, pronunciou mais palavras imperceptíveis:

– Kana, ngana.

Sem muita convicção das respostas, o capitão dá ordens para avançar em direcção ao vale. Mais um riacho aparece, e tem de ser atravessado por cima de troncos de velhas árvores. Antes de continuar, o pessoal dá uma vista de olhos para ver se existem armadilhas. Vencido o perigoso obstáculo, é feito o reconhecimento da zona. Com o sol a escapulir-se por entre as frondosas árvores, apressa-se o andamento para encontrar local seguro para a pernoita. Como quem abre as portas da mata e sai para a planura da savana, avista-se uma pequena elevação no terreno. A penumbra da noite corre na direcção do oceano longínquo, e o capitão manda o pelotão do alferes Nunes dar uma vista de olhos ao morro onde pretende acantonar o pessoal. É uma zona de capim alto com alguns arbustos, de onde o alferes Nunes faz sinal para avançar. Uma fila com mais de setenta pára-quedistas estende-se lentamente pela colina acima. Todos se instalam por grupos e logo tratam de comer a última ração. Antes do descanso do corpo, ainda deu para desfrutar a vista espectacular sobre o vale do rio.







A noite fria deu lugar a uma manhã de neblina estendida como um lençol sobre o vale. A primeira acção oficial foi mais uma tentativa de interrogar os prisioneiros. Às perguntas em português continuaram mudos e sem vontade de colaborar. Mais de uma hora de interrogatório e nada disseram que se percebesse... Gemeram, quando o Alfredo lhes atestou com o cinturão, mas continuaram calados.

A vista tem um largo horizonte para procurar pontos de referência. O sargento Ferreira descobre uma povoação longínqua e chama o capitão:

– Meu capitão, parece que vemos o Toto! Ora veja lá no mapa.

O capitão abre a carta e observa:

– Por ali deve ser o Bembe. O Toto é mais longe e para Sul, ainda temos muito que andar! Aproveitem para descansar agora.

Seguindo o azimute apontado ao aeródromo do Toto, galgando o capim até uma picada segura, embora sinuosa, as caras parecem mais sorridentes. De caminho, descobre-se um pequeno acampamento com três palhotas já muito usadas, sem qualquer habitante. Aí são encontrados documentos escondidos por cima duma das portas. O capitão analisa o conteúdo e constata que houve reuniões de operacionais da UPA/FNLA com alguns chefes: Manuel Domingos, Augusto Mangana, Tussamba Kua Ferrás, Pedro Naingui e outros.

As palhotas ficaram a arder... e a companhia continuou no rumo do aeródromo do Toto. No meio de um descampado de capim curto, avista-se um helicóptero a sobrevoar a zona. O operador do rádio entrou em contacto com o piloto, pedindo informações sobre direcção e distância até ao Toto:

– Estão no bom caminho; mais uns quinze quilómetros e... Atenção com as minas ou emboscadas, porque ainda ontem houve algumas baixas.

O zingarelho desapareceu nos céus do Norte, perante o desânimo e consternação do pessoal, que esperava receber algum apoio logístico, especialmente água para os mais sequiosos. Todos se arrastam penosamente, tendo em vista chegar antes da noite, para recuperar forças e ânimo para as novas missões.
 
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