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De Buela ao Luvo – TRILHOS SEM FRONTEIRA

ferny

GF Prata
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De Buela ao Luvo – TRILHOS SEM FRONTEIRA




O que temos? Um horizonte de incertezas. O capim não tem fronteiras e, a qualquer momento, as tropas poderiam pisar território do Congo. Ao fim da tarde, já se avistavam os morros convergindo na direcção do Luvo, muito próximos do objectivo situado no vale que se abre para o Zaire. Antes que a noite desça o manto da escuridão sobre um punhado de homens descarregado nas longínquas terras do Norte, o comandante dá as instruções para o assalto da próxima madrugada, não esquecendo de lembrar que, com o inimigo nas proximidades, é necessário redobrar a vigilância onde o silêncio é fundamental para o sucesso.

“Anda este estafermo a dar lustro às árvores e não tem jeito para ajudar a armar a tenda”, barafustou o Baleia. Ao lusco-fusco já todo o mundo se aconchega no silêncio da manta... até que o sentinela o chama para fazer o turno... que durou até de manhã! Tão bela manhã, que lhe deu gozo assistir ao acordar dos passarinhos que a guerra não conseguiu escorraçar.

Saindo da mata, vislumbra-se o descampado, um paraíso no infinito do horizonte, para Bessa Monteiro. Aquele ar carrancudo do Alfredo, inconformado com a balbúrdia em que o Serôdio deixou a tenda... “Que porra, logo me havia de calhar uma parelha destas”, resmungou.

O objectivo fica lá bem no meio da mata. Para lá chegar, há apenas um trilho com passagem entre a vegetação densa e um morro. Os homens da frente medem os perigos de um ataque, porque o escarpado do morro pode servir os intentos dos bandidos. Nunca se sabe para quem aponta o cano sujo da metralhadora que o turra acaricia no cimo da encosta. Olhamos o capim ondulado, que se estende encosta acima, e ficamos inquietos. Há evidentes sinais da presença de bandoleiros que podem marcar os nossos destinos para sempre. Caminhamos lentamente, de corpos tensos e arma aperrada, pronta a vomitar fogo! A subida até ao cimo do morro coloca-nos em situação de desvantagem perante um inimigo que possa estar lá acantonado. Ainda sentimos o frio do orvalho do cacimbo da madrugada, e estamos temerosos perante o perigo de ficarmos com o corpo esburacado pelas balas. Já não bastam as noites a dormir na dureza do chão e este respirar as poeiras desmaiadas que os rodados das viaturas massacram, para chegar perto do objectivo e encontrar as naturais dificuldades do terreno para o atacar sem corrermos graves perigos.




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Do alto daquele escarpado avistam-se as palhotas no meio do matagal. É esse o objectivo desta missão: assaltar o esconderijo dos inimigos que têm flagelado as tropas que passam em coluna nos caminhos de S. Salvador e do Lufico. Dos três soldados feridos no ataque da passada semana, dois morreram com hemorragias e por falta de condições de evacuação. Já não regressam ao cais de embarque. Os seus últimos gritos foram serenamente sufocados pelo choro dos companheiros! Será que a Pátria os merece?

Ao lembrar-me das “pasquinadas” entre o Sr. Augusto Lima, do «Diário de Luanda», e o Sr. Lara, do «Notícia!», acerca da forma de defenderem os seus bens em Angola, com tantos disparates contidos nos seus anseios de curto alcance, dava para rir à gargalhada; mas o momento obriga-nos a virar a atenção para o esconderijo dos bandidos junto à fronteira do Congo. Esses senhores estão tão bem instalados no ar condicionado de Luanda que nem sentem o cheiro da guerra.

Já embrenhados na densidade do capim, os homens, que alguns luandenses tratam como bestas, tentam abrir caminho à catanada e guiar-se nos trilhos completamente obstruídos. Desde o morro sobranceiro ao acampamento inimigo que se observa o movimento dos terroristas entre as palhotas; isto obriga a redobrados cuidados de aproximação. Os pára-quedistas, de mochila às costas, uma mão segurando a arma e outra a catana, prosseguem na dura batalha com a natureza. Mas chegam lá, com cinco horas de atraso em relação ao plano da missão urdida pelos serviços de informação. Tal dureza provou que não há capim que resista aos pára-quedistas.

Estes sessenta pára-quedistas, habituados às difíceis operações nas matas da Canda, Quipedro, Sanga, Lucunga, Songo, 31 de Janeiro, Onzo, Sacandica a Quimbele, dos morros de Quicabo, Pedra Verde e tantas outras zonas calcorreadas a tempo inteiro, estão dispostos a aniquilar mais este refúgio dos bandidos da UPA. Depois de estudar bem o terreno, o capitão ordena a disposição das secções para o ataque:

– A secção do Ribeiro Pedro entra pelo flanco esquerdo e faz de tampão às fugas; a secção do Seara protege o lado direito.

A mais de duzentos metros das palhotas, o pessoal começa a movimentar-se com precaução.



– O pelotão do Simão vai fazer o assalto, distribuindo as três secções pelas palhotas da esquerda, direita e centro. Quem oferecer resistência ou tentar fugir deve ser abatido a tiro, nada de granadas. – avisa o capitão – A secção do Matos fica deste lado para manter a segurança da retaguarda – conclui o chefe.

Os olhos já vidrados eram o espelho do esforço que o Peseiro fazia na contenção do dedo no gatilho... e o estrondo das explosões fez assobiar um som estridente que inflamou os tímpanos! Mal começa o assalto, em poucos segundos está instalado o caos. As mulheres saem das palhotas com crianças a gritar; alguns terroristas fogem na direcção da mata, mas são atingidos pelas balas descarregadas com precisão; ainda cambaleando, caem mais à frente, feridos de morte. Os soldados agarram as mulheres com as crianças, evitando que sejam apanhadas no fogacho que se espalhou pela mata.

– Alto ao fogo! – ordena o capitão, com voz imperativa e forte.

Cinco minutos de reboliço foram o bastante para dizimar cinco bandidos, estendidos no terreiro das palhotas, quase todos sem conserto, para os quais não há maneira de arranjar socorro. Quatro mulheres e duas crianças acompanham os pára-quedistas até à povoação do Luvo, percorrendo uns longos vinte quilómetros, em trilhos difíceis. As armas dos bandidos, duas armas finas e três canhangulos, foram transportadas pelas mulheres. Do espólio encontrado numa das palhotas fazem parte fotografias e documentos comprovativos de reuniões dos chefes da UPA com representantes missionários evangélicos pertencentes a igrejas americanas e belgas.

De cima do morro, o espectáculo é desolador: as palhotas em chamas ardem e incendeiam o capim em redor, até à mata densa. Assim se reduzem os meios de subsistência dos bandidos que acreditam nos carrascos da União das Populações de Angola.
 
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