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Etelvino Laureano, bandarilheiro de Azambuja que aprendeu a tourear no Campo Pequeno

C.S.I.

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10 Jul 2008, 09:51h

O toureiro a quem um toiro malhado matou a alma numa tarde de sol em Espanha

Etelvino Laureano, nascido em Mira de Aire, perfilhado por Azambuja, aprendeu a tourear no sector 1 do Campo Pequeno, em Lisboa. A alma de toureiro do jovem que chegou a brilhar em Espanha foi “colhida” aos 24 anos por um toiro malhado. Morreu um matador para nascer um bandarilheiro. Retrato de um agricultor nas horas vagas, que aos 84 anos mantém a paixão pela festa brava.

Sente-se filho de Azambuja?

Nasci em Mira de Aire, mas sinto-me de Azambuja. Vim para cá com seis anos. Os meus pais vieram para a Quinta Curral do Boi, onde ainda moro, a seis quilómetros de Azambuja. Eram agricultores. Eu fui para a escola do Vale do Paraíso que era mais perto. Naquele tempo não havia transportes íamos a pé. Atravessávamos atalhos e carreiros até chegar à escola.

O que trouxe a família à vila?

O meu pai vendeu algumas coisas que tinha e comprou cá a propriedade. Hoje a Quinta Curral do Boi está muito dividida. O meu pai já faleceu há muitos anos. Éramos oito irmãos. Uns foram para o Brasil, outro para a Venezuela, cada um seguiu o seu caminho. Dedicaram-se a várias coisas e eu dediquei-me ao toureio. A partir de determinada altura, eu que gostei sempre da terra, dediquei-me ao campo. Agora é que não. Não tenho seguidores. Apenas uma filha e uma neta.

Foi cedo para Lisboa.

Fui para uma oficina de automóveis para aprender de mecânico. Acabei a aprender bate chapa, mas a diferença é pouca. Foi aí que surgiu a oportunidade de ser toureiro. Naquele tempo a empresa do campo pequeno era de um Bernardo da Costa Mesquitela. Uma pessoa correcta, já de idade… Para incentivar aficcionados e toureiros uma parte dos camarotes de segunda ordem do campo pequeno era para jovens até aos 16 anos. Dois escudos. Se não tínhamos o dinheiro pedíamos. Ou o sector 1 ajudava. Era onde íamos com o capote e a muleta tourear. No sector um da Rua do Ouro. Aí dei os primeiros passos como toureio. E o professor era um cronista tauromáquico que escrevia nos jornais da altura. Um teórico.

Era um cronista que ensinava a tourear?

Ele era muito aficionado mas nunca tinha toureado. Lia muito e estava muito relacionado com os toureiros espanhóis e mexicanos. Era comerciante. Tinha uma casa de mobílias na rua da Palma. Os rapazes apareciam e íamos para o sector um. Era lições teóricas, mas sem uma teoria muito acertada. Um dia os que estavam mais adiantados participaram numa garraiada em Vila Franca de Xira. Era em benefício de uma igreja e organizado por um padre ganadeiro. Tinha 12 anos. Fiquei entusiasmado. Ainda apanhei uma voltareta.

Percebeu o que queria?

Queria seguir a carreira de matador de toiros. Em 1947 fui para Sevilha. Foi a vez que toureei melhor. Foi a primeira vez que matei um toiro. Uma estocada perfeita. Nunca tinha matado. Cortei duas orelhas. Vim para cá. Toureei. Até que, já tinha 30 novilhadas, vou a Vila Viçosa com o matador de toiros “Carnicerito do México” em Setembro de 1947. Eu toureava como novilheiro. Fiquei impressionado com o que lhe aconteceu. Levou uma cornada no ventre com várias trajectórias. Um desastre… A enfermaria não era nada. Era um quarto com pensos e um enfermeiro. Nem uma ambulância havia. Foi num carro particular para o Hospital. Foi operá-lo um cirurgião militar. O militar talvez julgasse que a cornada é como um tiro… Morreu poucas horas depois da corrida.

Colocou em causa tudo?

Sim, mas nunca pensei tanto como depois de levar a minha cornada quando um médico de Madrid me disse: “Se fosse numa aldeia tinhas ido para Deus”. Estive a levar penicilina durante 48 horas de duas em duas horas. Noite e dia. Não se arranjava penicilina com facilidade. Só os hospitais principais é que tinham. Pensei no Carnicerito. Tinha sido no ano anterior. Eu não teria a possibilidade de tourear todos os dias em Madrid. Poderia acontecer-me a mesma coisa. E todos os dias olhava para a cornada. Tinha cá a cicatriz.

Como foi a sua colhida?

Foi no dia 19 Março de 1948. A tourear um natural. Com a mão esquerda. Foi um toiro malhado.

Teve a noção do que estava a acontecer?

Não senti a cornada. Por isso muita gente diz que o toiro de lide não sente a estocada porque está em luta. Vieram em meu socorro. Eu dizia “deixem-me”. Ia para agarrar a muleta. Os bandarilheiros a agarrar-me e o moço de espadas com o garrote para pôr na perna. Depois vi a sapatilha cheia de sangue. A enfermaria em Madrid é um hospital. Já o era e continua a ser. Estava lá o cirurgião, o melhor médico taurino, tinha quatro especialistas e mais três estagiários. Ele via as corridas do burladero e conforme o toiro agarrava o toureiro ele percebia logo as trajectórias. E eu rodei no piton e fiquei de cabeça para baixo.


O MIRANTE
 
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