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Outros exorcismos

Satpa

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Outros exorcismos

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Matthew Cobb é um biólogo na Faculdade de Ciências da Vida na Universidade de Manchester que estuda a genética do comportamento e química da comunicação em insectos. Ou, como se descreve, é um «neurobiólogo evolucionário - estou interessado em saber como a evolução moldou os sistemas sensoriais e comportamento animal através de genes e redes neuronais».

Cobb é igualmente um historiador de ciência cujo interesse na biologia e biólogos do século XVII se deve ao facto de considerar que «estudar a história da biologia enriquece a minha investigação e permite uma perspectiva muito valiosa para a compreensão dos problemas de hoje».

Este livro fascinante, com uma capa igualmente fascinante, conta-nos a história dos feitos filosóficos e científicos do século XVII que estiveram na base da nossa compreensão sobre a reprodução. Ao mesmo tempo, Cobb dá-nos uma visão realista e colorida, mas sem qualquer estetização, da sociedade da época descrevendo o contexto cultural, social e político em que estas descobertas pioneiras foram efectuadas.

A história desenvolve-se em torno de cientistas e pensadores principalmente na Holanda (que atravessava a sua «golden age», com um ambiente fértil para o renascimento das artes e da ciência), mas também em França, Itália e Inglaterra e sobre as descobertas que alteraram a forma como se olhava a reprodução, ou antes, a «geração» como se pensava na época.

De facto, nesses tempos em que as deduções filosóficas de Hipócrates e Aristóteles eram muitas vezes impostas,* pensava-se que os insectos se «geravam» espontaneamente do pó e matéria orgânica em decomposição e que os embriões humanos tinham origem no sangue menstrual. Os ovários, por exemplo, eram considerados orgãos vestigiais como os mamilos dos homens, os «testículos femininos» como eram designados.

Entre esses pensadores incluem-se alguns já abordados no De Rerum Natura como William Harvey ou Anton van Leeuwenhoek. Mas também são actores principais nesta corrida Francesco Redi, o médico e poeta italiano que contestou o princípio activo de Aristóteles com as suas experiências em que mostrou que as larvas não nascem por geração espontânea, Reinier de Graaf (o mesmo que deu nome ao folículo do ovário maduro, designado por «folículo de Graaf»), Nicolas Steno, que embora mais conhecido por ser um dos pais fundadores da geologia moderna, teve contribuições importantes para o estudo da anatomia e lançou as bases para a teoria da evolução de Darwin com a sua hipótese de que o registo fóssil era também um registo cronológico de criaturas diferentes que viveram em épocas diferentes.

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Claro que Jan Swammerdam, o autor da Historia Insectorum Generalis de que se reproduz uma ilustração e do «The Book of Nature», o livro revolucionário que determinou o interesse de Cobb neste período da História da ciência, não pode faltar nestoutro que descreve de forma magistral como são indissociáveis o trabalho científico destes pensadores e a vida cultural e social do século XVII.

Swammerdam, cujas observações sobre insectos o levaram à catalogação destes em quatro grandes divisões segundo o grau e o tipo das suas metamorfoses, das quais três foram mantidas na classificação actual, foi igualmente quem lançou as bases da neurobiologia ao propôr que o comportamento animal se baseia em estímulos nervosos.

Exorcizing the animal spirits: John Swammerdam on nerve function (formato pdf) é o título de um artigo de Cobb na Nature Reviews que realça esta faceta do visionário pensador do século XVII. Este artigo, que vale a pena ler, embora restrito a Swammerdam, de certa forma sumaria as ideias expressas no livro «The Egg and Sperm Race»:

«For more than 1,500 years, nerves were thought to function through the action of ‘animal spirits’. In the seventeenth century, René Descartes conceived of these ‘spirits’ as liquids or gases, and used the idea to explain reflex action. But he was rapidly proven wrong by a young Dutchman, Jan Swammerdam. Swammerdam’s elegant experiments pioneered the frog nerve–muscle preparation and laid the foundation of our modern understanding of nerve function.

The seventeenth-century scientific revolution, which established the foundations of much of modern science, is generally associated with physics and astronomy, and the work of giants such as Galileo and Newton. However, remarkable and decisive discoveries were also made in biology (or ‘natural history’), although most modern scientists know little of this work and even less of the researchers who pioneered important aspects of today’s knowledge.
(...)
The particular episode in the scientific revolution described here — the abandonment of the hypothesis of ‘animal spirits’ to explain nerve function — not only reveals how some familiar concepts and experiments were first developed, but also casts a fascinating light on how we interpret our own experimental findings. In particular, it shows us that the hypotheses we put forward to explain the natural world are often heavily influenced by the social world.»


Ontem, Cobb e outro biólogo já referido no De Rerum Natura, Jerry Coyne, publicaram uma carta na Nature, que pode ser lida na íntegra no Pharyngula para quem não tenha acesso à Nature, que ajuda a explicar como o mundo social, em especial a religião, influencia para tantos a forma como veêm o mundo natural. A carta foca-se no tema que mais inflama o nosso espaço de debate e vale a pena ser lida por ajudar a esclarecer algumas questões recorrentes nesse espaço e que podem ser apreciadas neste excerto:

«Surely science is about finding material explanations of the world -- explanations that can inspire those spooky feelings of awe, wonder and reverence in the hyper-evolved human brain.

Religion, on the other hand, is about humans thinking that awe, wonder and reverence are the clue to understanding a God-built Universe. (The same is true of religion's poor cousin, 'spirituality', which you slip into your Editorial rather as a creationist uses 'intelligent design'.) There is a fundamental conflict here, one that can never be reconciled until all religions cease making claims about the nature of reality».



*Em 1746, o reitor do Colégio das Artes de Coimbra proibia por decreto «...quaisquer conclusões opostas ao sistema de Aristóteles» e, em particular, «opiniões novas, pouco recebidas e inúteis para o estudo das Ciências Maiores, como são as de Renato Descartes, Gassendi(Pierre Gassendi recuperou o proscrito atomismo de Leucipo e Epicuro), Newton e outros».


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