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Viagem à Etiópia

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Finalmente a segunda parte do relato da Ana Franco! E como prometido, cá vai o contexto:

Neste momento há várias linhas de investigação científica para tentar reduzir a taxa de infecção com malaria, ou de mortalidade devido a esta doença. Como referido num post anterior, a malaria é uma das maiores causas de morte no mundo, afectando todas as faixas etárias. Continua-se a tentar desenvolver uma vacina. Estão-se a desenvolver várias abordagens para eliminar os mosquitos, torná-los estéreis ou afastá-los das pessoas. Caso alguma destas investigações tenha sucesso, para aplicá-la a nível global serão necessaries muitos recursos. Uma maneira de tornar qualquer solução mais eficiente, e outra abordagem para tentar conter a doença, é a investigação sobre os padrões de parasitismo dos seres humanos por parte do mosquito, que transmite o parasita que causa a malaria. Ou seja, a epidemiologia da interacção mosquito-hospedeiro.
É neste ultimo aspecto que a Ana Franco está a fazer o doutoramento. Combina o desnvolvimento de modelos matemáticos em Londres com visitas de campo a locais onde a malária é endémica para obter os dados necessários para validar ou ajustar os modelos.


2. Etiópia (24 Agosto- 30 Setembro e 22 Novembro a 15 Dezembro 2004)
Após a Tanzania, segui para a Etiópia. Neste país, 7 vezes maior do que Portugal, a malária é reconhecida como principal causa de morte e morbilidade.
Ao contrario da Tanzânia, na Etiópia consegui autorização imediata das autoridades regionais de saúde (Ethiopian Southern Region Health Office) para conduzir um estudo. A única condição foi que tal fosse não-invasivo; i.e. eu não poderia recolher amostras humanas ou animais, incluindo mosquitos. Obter autorização para tal recolha implicaria um período de espera de 1 mês. Devido à sazonalidade da transmissão da malária, essa espera iria condicionar a fazibilidade do estudo naquela época de transmissão, pelo que enveredei pela opção não-invasiva.

Após viajar ~600 Km para sul da capital, atravessando vales, montes e lagos esplendorosos, e após ser “perseguida” por babuínos esfomeados, cheguei ao local escolhido para trabalho de campo: Konso Special Wereda.

mapa%20etiopia.jpg


O estudo que conduzi tem como objectivo investigar a associação entre diferentes praticas de maneio de gado/pequenos ruminantes e o risco de contrair malaria.Tendo em conta que teria de ser não-invasivo, optei por um estudo epidemiológico designado casocontrole.
Os casos de malária de 9 kebeles (kebele = aglomerado de vilas) confirmados em
laboratório foram identificados dos registos do “centro de saúde” local. A habitação dos respective doentes foi localizada, e um compreensivo questionário foi aí conduzido, assim como numa habitação vizinha controle. Os controles eram indivíduos que não tinham apresentado febre durante o mês anterior ao diagnostico do respectivo caso, sendo do mesmo grupo etário. Uma série de potenciais factores de risco foram analisados, incluindo: demografia da população humana e animal, práticas de maneio do gado/pequenos ruminantes, construção das casas, e ecologia do ambiente em redor. O preenchimento dos questionários envolveu um misto de perguntas, observações e medições de distancias com fita métrica e com um aparelho de posicionamento
geográfico (GPS – Geographic Positioning System).

Trabalhar num país tão diferente como este, envolveu vários desafios. De entre os principais problemas que dificultaram os estudo, saliento:
1) Língua: a língua inglesa é falada apenas por uma pequena minoria do povo Etíope. Para além disso, ao contrário da língua oficial do Pais, Amharico, o dialecto do local do estudo, Konsigna, não é uma língua escrita, sendo apenas falado.
2) Identificação dos casos de malária: os registos do “centro e saúde” local são muito incompletos. A única informação disponível era 1º nome (nome próprio) e 2º nome (nome do pai) de cada doente, e nome do kebele (i.e. aglomerado de vilas) no qual o indivíduo residia, o qual pode conter 1000 a 2000 pessoas, muitas delas com o mesmo 1º e 2º nome. Para facilitar a identificação, elaborei novos formulários que incluíam o 3º nome (nome do avô) assim como o nome da vila e sub-vila de cada indivíduo.
3) Calendários distintos: No “centro de saúde” local a data de diagnostico é registada de acordo com o Calendário Etíope (C.E), no qual cada ano consiste de 13 meses, sendo bastante distinto do Calendário Gregoriano (C.G.) utilizado pela comunidade internacional. Por exemplo, o ano 2004 C.G. corresponde ao ano de 1996 / 1997 C.E. Para conseguir fazer uso da informação recolhida, tive de estabelecer a equivalência entre C.G. e C. E. Para alem disso, nas vilas onde trabalhei, as pessoas regem-se por um outro calendário (Konsigna) distinto do calendário etíope nacional. Para conseguir que os participantes no estudo se situassem temporalmente nas questões que lhes eram colocadas, tive de elaborar um calendário que fizesse referência ás estacões do ano (Fig 12). Face tal cenário, senti-me como uma personagem a viver cenas do filme “Missão Impossível”…

calendario%20estacoes.jpg


etiopia%20fig%203.jpg


Algumas conclusões preliminares podem ser adiantadas relativamente ao conhecimento local sobre métodos para prevenção de picadas de mosquito. A maioria das pessoas desconhece qualquer método, varias referem cobrir-se com um cobertor à noite e apenas algumas demonstram conhecimento da existência de redes mosquiteiras. No entanto, deste ultimo grupo, apenas uma minoria realmente usa as redes. A maioria das pessoas é demasiado pobre para as poder comprar.
Mas, mais grave do que isto, é que várias não sabem onde podem adquirir a rede, e algumas das pessoas que a adquiriram não a utilizam porque 1) não sabem como montá-la; ou 2) as dimensões da rede são demasiado grandes para permitir montá-la no pequeno espaço onde as pessoas dormem.
Tal cenário evidencia que, paralelamente à necessidade de investir na divulgação e na redução do custo das redes mosquiteiras, é também urgente promover o ensino do modo de utilização das mesmas.

Publicado por MM às junho 28, 2005 12:02 PM
 
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