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Burro

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BURRO

Um item lexical que tem recebido explicações etimológicas populares é a palavra burro.
Segundo José Pedro Machado (Dicionário etimológico da língua portuguesa - 2.ed. Lisboa: Confluência, 1967, s.v.), o nome burro, para o animal, se origina do nome latino burros, que designa a cor ruça ou encarnada. E acrescenta que “em Portugal, o burro é vulgar e frequentemente denominado “ruço”.” Mas parece que não é exactamente essa a explicação adequada.

Existem histórias curiosas a respeito da origem dessa palavra. Uma delas sugere que burro, significando pessoa pouco inteligente, tenha vindo do nome latino da cor vermelha burros, porque os dicionários tinham antigamente a capa vermelha. Como aquele que os consultava era ignorante ou burro, o nome da cor do livro, por metonímia, teria passado a designar o consulente e, por extensão, teria passado a designar todo aquele que fosse curto de inteligência.

Em Aventuras de um caçador de palavras (Rio de Janeiro: Académica, 1965, p. 48 - 51), Aires da Mata Machado Filho, no estudo “Origem da palavra burro”, procura explicar como a palavra burro adquiriu a acepção escolar de “tradução literal de autor clássico para uso dos estudantes”, e refere-se também à crença greco-latina na estupidez do burro. Não é do burro, o livro facilitado, nem do sinónimo de “pouco inteligente” que venho falar aqui. Nem eu teria competência para acrescentar algo ao estudo sério do escritor mineiro. Nem mesmo pretendo falar da expressão “cor de burro quando foge”, que Castro Lopes acredita ser corruptela de “corre de burro quando foge”, num estudo incluído às páginas 249 - 250, do seu Origens de anexins (2. ed. - Rio de Janeiro - Francisco Alves, 1909). Afinal, argumenta Castro Lopes, burro não apresenta nenhuma cor especial quando se põe em fuga. É possível contudo que a expressão “cor de burro quando foge” se refira à cor vermelha que um fujão possa apresentar (a etimologia explicaria a expressão).

Burros é adjectivo de primeira classe em latim. Os adjectivos latinos de primeira classe têm declinações e formas distintas para cada um dos três géneros: o masculino (em –us) e o neutro (em –um) seguem a segunda declinação, e o feminino (em –a) segue a primeira declinação. Assim, burros tinha três formas: burros (masculino), burra (feminino) e burrum (neutro). Segundo Ernout & Meillet (Dictionnaire étymologique de la langue latine - Paris - Klincksieck, 1967, s.v.), burro origina-se do grego pyrrós, e designa a cor ruiva. De burros – dizem esses autores – deriva um adjectivo burranicos, substantivado, atestado pelo gramático Pompeius Festus (séc. II d.C).

A palavra francesa bourrique, para designar o asno, origina-se do espanhol burrico, pelo latim popular *burricos, alteração, por cruzamento, de burros (ruivo) ou burra (crina) com buricos (pequeno cavalo), segundo Bloch & Wartburg (Dictionnaire étymologique de la langue française - 6.ed. Paris - Presses Universitaires de France - 1975, s.v.). Também há em francês bourricot e bourriquet.

Burrico, segundo Corominas (Dicionário crítico etimológico de la língua castelhana - Madrid - Gredos, 1976, s.v.), se origina do latim tardio *burricos (cavalo pequeno). O dicionário de latim de Lewis & Short (A latin dictionary - Oxford - Clarendon Press, 1975, s.v. burricos) regista burricos ou buricos, com a indicação de que a palavra foi usada por Varrão, Paulinus Nolanus e Vegetuis Renatus, com o sentido de “pequeno cavalo”.

Burro só pode ser, portanto, uma derivação regressiva de burricos, em português. Confirma-o o Dicionário etimológico da língua portuguesa (Rio de Janeiro: Académica, Francisco Alves, São José, Livros de Portugal – depositários, 1955, s.v.), de Antenor Nascentes, que rejeita, citando Diez, “a aproximação com o lat. burros, ruivo(...)”.

A forma hipotética *burrico, registada no citado dicionário de Ernout & Meillet, é palavra do latim vulgar, sinonima de manusear, designação dialectal de pónei, poldra ou potro.

Do adjectivo burros, ruivo, temos o português borro (designativo do carneiro entre um e dois anos) e borracho (que designa o pombo sem penas, por sua coloração avermelhada). E possivelmente borrega (ovelha de um ano). Talvez não mais que isso. Infelizmente... para os que dão asas à imaginação, formulando histórias bonitas para suas etimologias populares.

 
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