- Entrou
- Abr 10, 2008
- Mensagens
- 3,080
- Gostos Recebidos
- 1
Sintra não enfada. Sintra não passa de moda. Sintra nunca se conhece, ainda que tudo pareça estar como sempre foi. Os palácios, os jardins e os museus. Para visitar de cavalo, a pé, ou de bicicleta eléctrica.
Os olhos de Charlotte emanam felicidade. Belga com ar nórdico e um à-vontade quase latino, descobriu Sintra há alguns meses. No princípio do Verão comprou um turismo de habitação (Casa Miradouro) e, juntamente com a família, fez dele o seu palácio. Uma construção do final do século XIX, situada a poucos metros do centro histórico, com seis quartos – em breve serão oito – um pé-direito enorme, tectos trabalhados em estuque e uma aura histórica que parece esconder entre as suas paredes todos os mistérios de Sintra. A família tem também um iate na marina de Cascais, onde organiza passeios de veleiro. Escusado será perguntar o que os fez ficar por cá? "Tudo isto", diz, enquanto olha à volta num jardim que fisga de pulmão aberto o Atlântico e a montanha, onde se erguem o Castelo dos Mouros e o Palácio da Pena. "Este sítio é único". É, mesmo para quem já o viu vezes sem conta.
Ilustre gente
De Eça de Queirós ao poeta inglês Lord Byron, que apelidou a vila de "Éden Glorioso" e "o local mais aprazível da Europa", foram muitos os escritores que viram em Sintra uma extensão perfeita da literatura. Pura, verdejante, poética e, acima de tudo, romântica, são vários os epítetos que se lhe aplicam, por isso é natural que também alguns lugares-comuns se colem à sua pele. Mas aqui, mais do que contrariá-los, há que os sorver.
A vila é uma espécie de museu, vivo, ao ar livre, em que as obras se vão sucedendo, mas que não deve ser visitado com a pressa e sentido de obrigação com que estes costumam ser visitados.
E começa-se por onde? Mais importante do que aquilo que pode fazer é o que não deve deixar de fazer. Como comer um crepe, almoçar ou simplesmente desfrutar da esplanada do Café Paris, no centro histórico da vila. Uma daqueles casas que nos habituamos a ver frequentadas por turistas estrangeiros e que do alto da nossa arrogância (da minha, pelo menos) julgamos ser um local a evitar. "Já cá tinha vindo alguma vez?", pergunta-me o empregado. Eu não, mas consta que Glenn Close ou Jeremy Irons passaram aqui muitas horas quando vieram a Portugal rodar o filme A Casa dos Espíritos. Johhny Depp fez o mesmo quando esteve na vila a filmar a A Nona Porta, de Roman Polanski. Almoçava e lá seguia na sua bicicleta.
Bicicleta?! A ideia é sugestiva, mas num terreno tão montanhoso, a maior parte das pessoas poderá pensar que terá sido apenas mais uma excentricidade da estrela americana. Se o foi, agora é um acto ao alcance de qualquer visitante, que pode, imagine-se, alugar bicicletas eléctricas. Os velocípedes não dispensam algumas pedaladas, mas não é preciso ser nenhum Eddy Merckx para subir a serra, uma vez que têm uma pequena bateria recarregável que facilita a vida aos ciclistas. O aluguer custa e30, num pacote no qual se inclui um sistema de GPS, cartas de localização dos principais monumentos de Sintra além de entradas nos parques e palácios da Pena e de Monserrate, no Castelo dos Mouros e no Convento dos Capuchos.
Pura fantasia
Estes são precisamente quatro dos locais imperdíveis – aos quais juntamos a Quinta da Regaleira. É por aqui que começamos. Um espaço de quatro hectares, que obedece a um plano de construção rigoroso que gira em torno de um poço repleto de passagens secretas. Sente-se desde logo a aura misteriosa – algo que atravessa toda a vila – com os pensamentos a serem facilmente transportados para outros séculos, abraçados pela vegetação densa, frondosa, entranha e paradoxalmente tropical para um país Atlântico. Toda a vila é assim. Um mistério fácil de explicar, já que muita desta vegetação luxuriante não tem aqui as suas raízes, tendo sido importada de paisagens exóticas por volta de 1839, numa campanha que durou mais de 25 anos. "De p*** madre." É desta forma que oiço um espantado espanhol classificar a Quinta da Regaleira, no descontraído mas certeiro calão que os caracteriza.
A expressão foi utilizada novamente no Parque de Monserrate, (residência de Verão da milionária família inglesa Cook no século XIX, que o transformou numa das belas criações do Romantismo), onde chegamos à conclusão conjunta de que mesmo Sintra sendo uma vila conhecida em todo o mundo – o seu centro histórico é Património Mundial da UNESCO – não se vêem magotes de turistas à beira de um ataque de nervos, nem excussões de autocarros da Barraqueiro repletos de fotógrafos kamikaze. "Isto é mesmo um lugar à parte. Parece que estamos um passo acima da realidade", concluiu o dito turista ao mesmo tempo que levantava a cabeça e procurava no horizonte o Palácio da Pena.
É para lá que vamos, partilhando a estrada com algumas bicicletas e gente que sobe serra acima a pé, não se parecendo importar com a longa distância a percorrer, nem com o nevoeiro e a chuva (característicos do microclima local) que parece vir confirmar de que a realidade não mora aqui. Tudo isto é fantasia e o Palácio da Pena, mandado construir por D. Fernando em 1503 e recentemente eleito como uma das 7 Maravilhas Nacionais, é o expoente máximo desta fábula. Contudo, o grande responsável por este Castelo de Fadas foi consorte D. Fernando de Saxe-Coburgo, que o adquiriu em 1838 e, com uma generosa dose de loucura, o transformou no mais notável conjunto arquitectónico do romantismo lusitano. "É ali que vive a Branca de Neve, mamã?", pergunta de forma pertinente uma criança assim que vê as cores e as formas do palácio. Não foi, mas deveria ter sido.
Rotas & Destinos