• Olá Visitante, se gosta do forum e pretende contribuir com um donativo para auxiliar nos encargos financeiros inerentes ao alojamento desta plataforma, pode encontrar mais informações sobre os várias formas disponíveis para o fazer no seguinte tópico: leia mais... O seu contributo é importante! Obrigado.

Variedade mais mortal da malária cria resistência a drogas

Grunge

GF Ouro
Membro Inactivo
Entrou
Ago 29, 2007
Mensagens
5,124
Gostos Recebidos
0
Variedade mais mortal da malária cria resistência a drogas

As aflições da empobrecida nação do Camboja estão em sua forma mais evidente na região oeste: garotas procurando emprego na frente de restaurantes, sujas estradas esburacadas e abundantes sinais de "Perigo, Minas!" Mas o que chama a atenção é um problema potencialmente mais grave, especialmente para os que são de fora. O parasita que causa a forma mais mortal da malária está mostrando os primeiros sinais de resistência à melhor droga existente contra a doença.

Nos últimos anos, a combinação de tratamentos com artemisina, uma droga antimalária extraída de uma planta usada na medicina tradicional chinesa, tem sido considerada a maior esperança para a erradicação da malária na África, onde mais de duas mil crianças morrem pela doença por dia.

Agora uma série de estudos, como um recentemente publicado no New England Journal of Medicine e outro prestes a sair, consolidou um consenso entre pesquisadores que a artemisina está perdendo sua potência e que maiores esforços são necessários para evitar que a variação da malária resistente à droga saia da região e se espalhe pelo mundo.

"Isso é algo que não dá para esconder debaixo do tapete," disse R. Timothy Ziemer, almirante aposentado da Marinha americana que chefia a Iniciativa do Presidente dos EUA contra a Malária, um programa lançado pelo governo Bush há três anos para cortar as mortes da doença pela metade nos países mais afetados.

Mês passado, Ziemer se encontrou com os governos tailandês e cambojano para tratar do problema da resistência, que afeta as drogas usadas pela iniciativa na África.

"Acredito que precisamos chamar muita atenção para o caso: gente, isso é importante," ele disse.

Embora os dois estudos mostrem sinais preliminares da resistência à artemisina, os medicamentos foram considerados ineficazes em apenas dois pacientes no estudo já publicado. E, ao final, eles acabaram sendo curados.

Mas especialistas da doença alertam que essa área da fronteira tailandesa-cambojana já foi no passado a origem de variedades resistentes da malária, começando nos anos 1950 com a droga cloroquina.

Introduzida imediatamente após a Segunda Guerra Mundial, a cloroquina foi considerada uma cura milagrosa contra a malária falciparum, o tipo mais mortal. No entanto, o parasita evoluiu, a variedade resistente se espalhou e a cloroquina é hoje considerada praticamente inútil contra a malária falciparum em muitas partes do mundo, inclusive na África subsaariana.

Levou décadas para essa forma resistente se espalhar pelo mundo, portanto, espera-se que as drogas com base na artemisina ainda sejam eficazes por muitos anos.

Como precaução contra a resistência à artemisina, autoridades de saúde globais tentam assegurar que seja vendida apenas uma pílula da droga combinada a outros remédios antimalária que ficam mais tempo no sangue, garantindo o extermínio de quaisquer parasitas resistentes à artemisina.

Os dois testes recentes foram feitos em comprimidos que não tinham outras drogas combinadas. Mas se a resistência se disseminar, não existem novas drogas para substituir as combinações de artemisina e nenhuma perspectiva de que existirão tão cedo.

"Isso pode se espalhar em qualquer direção; precisamos garantir que isso não aconteça," disse Pascal Ringwald, coordenador para malária da Organização Mundial de Saúde que há três anos liderou um estudo sobre a resistência à droga no Camboja e é um dos autores do estudo a ser publicado. "Sabemos que ainda não chegou ao Bangladesh," disse. "Nem à Índia."

Documentos científicos mostram como nos anos 1950 os parasitas da malária resistentes à cloroquina se espalharam pela Tailândia, Burma, Índia e África, onde ocorre a vasta maioria do um milhão de mortes anuais relacionadas à doença.

Para evitar a repetição de tratamentos com artemisina, os Estados Unidos deixaram de lado diferenças políticas e aprovaram a criação de um centro de monitoramento da malária sob o regime militar de Mianmar, ex-Burma. A Bill and Melinda Gates Foundation, grande financiadora de pesquisas sobre malária, está doando US$ 14 milhões aos governos tailandês e cambojano para ajudá-los a custear um programa de contenção.

Esse programa inclui o fornecimento de telas antimosquito, um programa de exames para os habitantes de áreas afetadas e visitas de acompanhamento por agentes de saúde para averiguar a efetividade das drogas, disse o doutor Duong Socheat, diretor do Centro Cambojano contra a Malária. Do lado tailandês da fronteira, o governo possui "microscopistas sobre motocicletas" que coletam amostras de sangue de habitantes e trabalhadores migrantes, as analisam no local e fornecem os remédios.

Mas alguns especialistas gostariam de ver uma abordagem ainda mais agressiva.

"Muitos de nós acham que isso deveria ser tratado da mesma forma que o SARS," disse o coronel Alan J. Magill, pesquisador do Instituto do Exército Walter Reed de Pesquisa, em Maryland. "Isso deveria ser uma emergência global abordada de forma global." O SARS, doença respiratória que se espalhou rapidamente pela Ásia e outros lugares em 2003, matou mais de 700 pessoas.

O parasita falciparum é um dos quatro tipos de malária e de longe o mais virulento. Ele entra na corrente sangüínea por picada de mosquito e, após incubação de cerca de duas semanas, se multiplica e assume o controle das células vermelhas do sangue. Então, causa febre, calafrios, dores de cabeça e náusea, entre outros sintomas. Se não tratada, as células infectadas podem bloquear os vasos sanguíneos e fatalmente cortar o suprimento de sangue a órgãos vitais.

Os estudos recentes mostram que as drogas com base na artemisina estão se tornando menos efetivas na remoção do parasita da corrente sangüínea. Enquanto há alguns anos eram necessárias 48 horas para limpar o sangue dos parasitas, agora o processo pode levar 120 horas.

"O que nosso estudo demonstra é que o tratamento não funciona em alguns pacientes - a malária vai embora e depois retorna," disse o tenente-coronel Mark M. Fukuda, médico do Exército americano cujo estudo foi publicado no New England Journal of Medicine em dezembro.

Regiões diferentes utilizam combinações diferentes de artemisina. O governo cambojano recomenda que a artemisina seja combinada à mefloquina, desenvolvida por militares dos Estados Unidos e conhecida comercialmente como Lariam. O artemeter, um derivado da artemisina, é normalmente combinado a outra droga antimalária, a lumefantrina. Recentemente, essa foi considerada a combinação mais efetiva em um estudo com crianças em Papua-Nova Guiné.

O mosquito responsável pela transmissão da malária ainda é endêmico nos Estados Unidos. Mas moradias modernas, melhor acesso ao sistema de saúde e o uso de inseticidas praticamente erradicaram a doença nos países mais ricos.

Em Tasanh, um vilarejo 32 quilômetros a leste da fronteira tailandesa, Fukuda e uma equipe de pesquisadores trabalham no que chamam eufemisticamente de ambiente mais desafiador. Tasanh é abastecido por uma estrada de terra, não tem água corrente, nem fornecimento público de eletricidade.

Em uma clínica pequena e simples, Chet Chen, um paciente de 18 anos com malária, se deita indiferente sobre uma cama com armação de metal perto de uma amostra de sua urina em uma garrafa de água. O enfermeiro que examina amostras de sangue está do lado de fora ajudando a consertar o cortador de grama.

Em um anexo pequeno e mais novo da clínica, Fukuda e seus pesquisadores trabalham em um ambiente trilíngüe - khmer (cambojano), tailandês e inglês - o que às vezes gera confusão.

Os americanos na clínica recentemente riram quando um pesquisador tailandês descreveu em inglês um paciente com "corpo quente" - uma tradução literal da expressão tailandesa para "febre," mas que acaba evocando imagens de clubes noturnos.

Fukuda chama essa região do Camboja como o "canário na mina de carvão" da resistência a drogas, ou um sinal de perigo.

No passado, trabalhadores migrantes em plantações e minas de pedras preciosas ajudaram a espalhar para o oeste a variedade resistente à droga. Um histórico de agitação civil, drogas falsas e um governo fraco e subfinanciado tornou o controle da malária difícil. No caso da cloroquina, o uso preventivo da droga - que chegou a ser adicionada ao sal para proteger a população - pode ter levado à resistência ao remédio, afirmam Fukuda e outros.

Apenas nos anos 1990, a mefloquina, a droga do Exército americano, foi combinada à artemisina, desenvolvida a partir de uma erva chinesa.

As combinações baseadas em artemisina se mostraram rápidas e aparentemente desaceleraram a transmissão da doença, disse o doutor John MacArthur, especialista em doenças infecciosas da Agência Americana para o Desenvolvimento Internacional, em Bangcoc, Tailândia.

MacArthur e outros afirmam que a resistência às drogas contra a malária é uma conseqüência natural do uso disseminado do medicamento. "No caso da malária, é o darwinismo do parasita," disse. "Ele gosta de sobreviver."

Entretanto, alguns pesquisadores temem passar a mensagem errada ao público a respeito da eficácia das drogas baseadas em artemisina.

"Não é a sentença de morte da artemisina," disse o doutor Nicholas White, especialista em malária que é o presidente de um programa de pesquisa conjunto entre a Universidade Oxford e a Universidade Mahidol, na Tailândia. "As drogas ainda funcionam no Camboja, embora não tão bem quanto costumavam."

Mas dado o histórico de fracassos médicos da região, parece haver um consenso sobre a solução. "Se livrar de toda malária do Camboja," disse White. "Erradicá-la. Eliminá-la."


The New York Times
 
Topo