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Personagens Esquecidas da História de Portugal

Johny89

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Duarte Lopes


Em 1578, partia de Lisboa, com destino a Luanda, um português chamado Duarte Lopes, acompanhando um seu tio que seguia para África com diversas mercadorias. Os portugueses ensaiavam então uma primeira fixação definitiva nesta região, com a fundação de Luanda três anos antes, por Paulo Dias de Novais. Os contactos com o reino do Congo eram, porém, muito anteriores. Na verdade, contavam já com quase um século, desde que Diogo Cão chegara à foz do Zaire e fora bem recebido pelas tribos locais. Duarte Lopes teve ocasião de conhecer com alguma profundidade a região, efectuando diversas viagens no interior do continente que o tornaram no primeiro grande explorador europeu de África. Vamos acompanhar alguns passos da sua vida, assim como a obra que nos deixou, chamada de "Relação do Reino do Congo e das terras circumvizinhas".

Conhece-se muito pouco da vida de Duarte Lopes. Sabe-se que terá nascido em Benavente em meados do século XVI, de família cristã-nova, e ignora-se a data da sua morte. Os dados da sua biografia referem-se sobretudo à sua estadia no reino Congo. Aqui viveu durante alguns anos, até 1584. Durante este tempo, Duarte Lopes viajou por diversas regiões de África, em parte graças aos favores do rei do Congo, que conseguiu captar, em parte devido à sua curiosidade e espírito aventureiro. No decorrer de tais viagens recolheu um vasto conjunto de informações, que mais tarde viriam a ser publicadas, e que constituem a primeira descrição fidedigna do interior de África. Por esta altura, os portugueses detinham um conhecimento de África que só muito mais tarde veio a ser suplantado. Todos conhecemos as viagens pioneiras de Livingstone e de Stanley, e também dos portugueses Serpa Pinto, Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens, no século XIX. Estes homens exploraram o interior de África, mas não foram os primeiros, ao contrário do que muitas vezes se julga. Já alguns portugueses, entre os quais Duarte Lopes, haviam dados os primeiros passos. A este propósito escreveu um historiador belga, no século XIX:

“Comparando uma carta de África, feita no ano de 1850, antes das viagens de Barth, Livingstone e Speke, com uma carta dos fins do século XVI, depois das grandes explorações de Diogo Cão, Francisco Gouveia e Duarte Lopes, vê-se que o interior desse continente era muito menos conhecido há 30 anos do que há 300 anos”.

Em 1585, após as suas viagens, Duarte Lopes regressa à Europa. A sua posição no interior do reino do Congo era tal que é nomeado embaixador deste reino junto do agora rei de Portugal Filipe I, e também junto do Papa. O Congo era nesta altura um reino cristão, mas havia uma situação de tensão e conflito com os portugueses estabelecidos em Angola. Duarte Lopes não consegue os seus objectivos junto do rei de Portugal, e segue para Roma, onde o Papa Sisto V o recebe favoravelmente. A política do rei do Congo nesta época, de que Duarte Lopes era porta-voz, era a de obter margem de manobra e apoio que contrabalançasse o peso crescente dos portugueses de Luanda, que ameaçavam o seu poder local e o seu prestígio.

É em Roma que Duarte Lopes entra em contactado com o humanista Filippo Pigafetta, certamente interessado em obter informações acerca do continente africano, que o português parecia conhecer tão bem. Dos contactos entre as duas personagens viria o italiano a escrever uma obra, chamada de “Relação do reino do Congo e das terras circumvizinhas”, que sairia em 1591. Na verdade, não sabemos se o italiano escreveu directamente dos relatos de Duarte Lopes, nem se este acompanhou de perto a redacção do texto. Desta forma, é impossível distinguir o que proveio das informações do português do que foram os acrescentos e correcções do humanista italiano.

Mas tal não diminui o interesse da “Relação”. Nela o autor mistura descrições do Congo e das suas diversas regiões com a história do reino desde a chegada dos portugueses, onde estão patentes as diferenças com a mentalidade europeia, mas igualmente o sentimento de curiosidade e interesse pela civilização africana. Eis como Lopes e Pigafetta descrevem os habitantes da terra:

“Os homens e mulheres são negros, alguns menos, tirando mais a baço, e têm os cabelos crespos e negros, alguns também vermelhos, a estatura dos homens é de mediana grandeza, e tirando-lhes a cor negra, são parecidos com os Portugueses: as pupilas dos olhos de diversas cores, negras e da cor do mar, e os lábios são grossos, como os Núbios e outros negros, e assim os seus rostos são cheios e subtis e váriados como nestas regiões, não como os negros da Núbia e da Guiné, que são disformes.”

Esta obra conheceu uma rápida expansão por toda a Europa, tendo sido traduzida pouco depois para outras línguas, o que revela o interesse que este tema despertava na época. Pigafetta fez acompanhar o texto com uma série de desenhos e ilustrações supostamente baseadas no relato de Duarte Lopes. Mas estas mostram que quem as desenhou nunca esteve em África: os habitantes parecem europeus, as cidades congolesas assemelham-se à Roma Clássica e mesmo os animais não têm correspondência com a realidade: a zebra, por exemplo, é claramente um cavalo pintado às riscas.

Noutros aspectos, provavelmente os que provêm mais directamente de Duarte Lopes, a obra revela rigor e cuidado. A descrição da capital do reino, S. Salvador do Congo (no Norte da actual Angola) e das suas diversas províncias, assim como a história do reino desde a chegada dos portugueses, é muito interessante e provavelmente fidedigna. É particularmente curiosa a forma como descreve as alterações que a conversão do rei ao Cristianismo e o contacto com os portugueses provocaram ao nível do quotidiano e do vestuário local:

“Antigamente este rei e os seus cortesãos vestiam-se de panos de palma, com os quais se cobriam da cintura para baixo, apertando-os com cintos feitos da mesma matéria e de belos lavores; no ombro traziam um rabo de zebra preso a um cabo, por ser de uso antigo naquelas regiões; na cabeça tinham carapuças de cor amarela e encarnada; andavam descalços a maior parte deles. Mas depois daquele reino ser cristianizado, os grandes da corte começaram a vestir-se à moda dos portugueses, trazendo mantos, capas, tabardos de escarlata e de telas de seda; na cabeça, chapéus e barretes, nos pés, alparcas de veludo, de couro, e borzeguins à moda portuguesa. Logo que o rei se converteu ao Cristianismo, reformou também a sua corte de certo modo imitando a de Portugal, e principalmente quanto ao modo de estar à mesa. Possui baixela de ouro e de prata, com um salva para comer e beber.”

Duarte Lopes regressou novamente a Madrid, onde voltou a contactar Filipe II e a informá-lo das vantagens de intervir no Congo e de promover o relacionamento com aquele rei. Lopes pretendia provavelmente incrementar a acção evangelizadora naquela região de África, invocando para tal o interesse da Coroa Portuguesa nas possíveis riquezas, como ouro e prata, que estariam hipoteticamente por descobrir no interior do reino. Nada mais conhecemos da sua vida, nem sequer se alguma vez regressou a África. Apenas conhecemos a “Relação do Congo”, que permaneceria durante muito tempo como a mais importante descrição de um reino africano.

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Johny89

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Fernando de Oliveira


A época dos Descobrimentos foi fértil em vidas aventurosas, de que são conhecidos tantos exemplos. Ficou célebre, entre outras, a de Fernão Mendes Pinto, descrita pelo próprio na sua Peregrinação. Mas outras personagens, igualmente interessantes e não menos curiosas, viveram no século XVI uma vida recheada de peripécias. Entre elas destaca-se uma, pouco conhecida ou mesmo geralmente ignorada. Trata-se do Padre Fernando de Oliveira, de cuja vida verdadeiramente excepcional e obra ímpar vamos hoje falar.

Fernando de Oliveira nasceu em 1507, em Aveiro, não se possuindo informações seguras sobre a sua ascendência. Estudou durante a sua juventude em Évora, no Convento de S. Domingos, Ordem na qual ingressa. Cedo se distinguiram os seus dotes académicos, sobretudo na disciplina de Gramática. Porém, Fernando Oliveira aliava a mais fina inteligência a um carácter irrequieto e desassossegado, que lhe causaria diversos problemas ao longo da sua vida. O primeiro surgiu cedo quando, aos 25 anos, o nosso homem, por motivos desconhecidos, deserta da Ordem religiosa e e foge para Castela. Mas alguns anos mais tarde está de regresso. Publica então uma Gramática de Língua Portuguesa, a primeira que se conhece. Até 1545 exerce a profissão de professor, chegando a dirigir a educação dos filhos de João de Barros, o célebre cronista. Fernando de Oliveira ganha a amizade de gente poderosa, que mais tarde lhe seria necessária em tempos de dificuldades. Sabe-se que por esta altura viajou a Itália, desconhecendo-se os motivos de tal estadia. De qualquer modo, o seu carácter irrequieto não se adaptava a uma vida sedentária, pelo que não ficou muito tempo em Lisboa. Nesse ano de 1545 alista-se como piloto, e com nome falso, numa armada francesa, ao serviço de Francisco I. Esta parte rumo a Inglaterra, com o objectivo de defrontar as armadas inglesas. Fernando Oliveira participa nos combates que se seguem, alcançando uma grande notoriedade junto do almirante francês. Acabou por ser feito prisioneiro pelos ingleses, e levado para Inglaterra. Os seus dotes diplomáticos, a sua habilidade, inteligência e cultura levaram a que alcançasse grande prestígio na corte inglesa, mesmo junto do rei Henrique VIII. Vive durante alguns anos em Inglaterra, regressando depois a Lisboa, onde entrega a D. João III uma carta do rei inglês.

As aventuras de Fernando Oliveira, a sua estadia em Inglaterra, a simpatia que sentia pela religião protestante, o contacto com o rei inglês que se havia revoltado contra o Papa, acabaram por lhe criar problemas. Pouco depois do seu regresso a Portugal é denunciado à Inquisição como hereje, preso e interrogado. Só em 1551, e devido á amizade de gente influente, é posto em liberdade. Este período difícil não o fez esmorecer no seu gosto pela aventura. Embarca imediatamente numa armada com destino a Marrocos. Esta é atacada por uma frota de piratas argelinos, e derrotada. Tal deveu-se em grande parte á má preparação dos marinheiros portugueses que navegavam na armada, que rapidamente se desorientaram, como ficou escrito numa das suas obras:

“Os marinheiros eram lavradores de Entre Douro e Minho, e soldados vagabundos de Lisboa (…); desta feição equipadas as nossas caravelas, com a vista dos Turcos desatinou a gente delas de tal maneira que ferviam de uma para outra sem ordem, como formigueiro esgravatado. Uns faziam vela sem haver vento, (…) outros cortavam as amarras sem olhar para onde viravam as proas, outros deixavam os navios como homens que não cuidavam o que faziam. (…) A graça toda foi (…) quererem depois de perdidos dar a culpa uns a outros, tendo-a todos (…)”.

Foram os portugueses levados como prisioneiros para Argel, e mais uma vez conseguiu o nosso homem destacar-se, sendo encarregue das negociações com vista á obtenção do resgate. Regressado uma vez mais a Lisboa, segue para Coimbra, onde exerce o ofício de revisor na Imprensa da Universidade. Entre 1554 e 1555, Fernando Oliveira rege na mesma Universidade a cadeira de Humanidades. Mas os seus problemas não tinham ainda terminado. Fernando Oliveira era o que se pode chamar de um homem “sem papas na língua”, rebelde e irrequieto; a sua sinceridade e frontalidade grangeavam-lhe grandes amizades, mas criavam igualmente grandes inimigos. De qualquer modo, em 1555 é novamente preso pela Inquisição, que lhe criou problemas até ao fim da sua vida. Não sabemos a data da sua morte, e pouco conhecemos dos últimos anos da sua vida. Apenas sabemos que, mais tarde, quando contava cerca de 58 anos de idade, D. Sebastião lhe concedeu uma pensão vitalícia de 20 000 reis.

O padre Fernando Oliveira deixou-nos algumas obras escritas, sendo as mais importantes as que tratam de náutica e construção naval, onde revela ser um profundo conhecedor. A mais famosa chama-se “A arte da guerra do mar”. É um tratado de guerra naval, verdadeiramente notável e avançado para a época, onde se pode notar a lucidez e inteligência do autor ao tratar de problemas ainda actuais no nosso tempo. Eis como define ser a guerra justa:

“Mal feito é fazer guerra sem justiça, e os cristãos a não podemos fazer a nenhuns homens que seja, de qualquer condição nem estado. (…) doutro modo seria falso nosso nome, e poder-nos-iam culpar de hipócritas, como aqueles de que Cristo diz; dizem e não fazem. Os quais ele mesmo chama hipócritas, que quer dizer falsos e mentirosos. Mentiroso é aquele que apregoa vinho e vende vinagre, aquele que se nomeia pacífico e faz guerra sem justiça.”

No resto da obra, o padre Fernando Oliveira traça o quadro completo da vida naval, desde a qualidade das madeiras para a construção dos navios, a escolha, treino e comportamento dos marinheiros e soldados, as tácticas navais, os equipamentos, materiais e mantimentos adequados, as condições de navegação, os ventos e marés. Tal decorria do conhecimento prático que tinha dos navios e navegação, do contacto com as gentes e lides do mar. Veja-se, por exemplo, e para terminar, o que diz acerca dos mantimentos adequados para os navios:

“O biscoito, que é a principal vitualha, de trigo é o melhor, porque o centeio e cevada são mais húmidos e frios, e o pão deles toma mais bolor e corrompe-se mais cedo; o melhor é muito seco, e sendo muito cozido segundo se requere para biscoito por tempo esboroa-se e desfaz-se em pó.”

Pouco antes de falecer, defendeu António I de Portugal, Prior do Crato, contra Felipe II, com duas obras historiográficas a sustentarem a legitimidade do candidato português e contestarem a solução da Monarquia Dual, aprovada nas Cortes de Tomar (1581).


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Johny89

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Lopo Barriga


Lopo Barriga (nascido na Sertã) foi um guerreiro português do século XVI. Nuno Fernandes de Ataíde, assim que recebeu o cargo de governador de Safim, em Marrocos, nomeou Lopo Barriga para adail desta praça.

Foi aprisionado com os seus homens quando se preparava para tomar o castelo de Alguel. No entanto conseguiu escapar, depois de matar o mouro que o segurava e conseguir um cavalo e uma lança para fugir. A sua fama de guerreiro intrépido e feroz consolidou-se depois de ter caído em poder dos mouros e de, mesmo algemado, matar um deles que se atreveu a pegar-lhe na barba.

Finalmente, D. João III de Portugal providencia o seu resgate. Quando Lopo Barriga chegou de novo ao reino casou-se com D. Joana de Eça. Deste casamento nasceram Pedro Barriga, D. Francisca de Vilhena e D. Beatriz de Vilhena.

O adail de Safim tinha tal fama de bravura que havia mouros que faziam viagens de propósito para o ver enquanto este esteve cativo, e quando se lançava alguma maldição a alguém sublinhava-se com a frase "lançadas de Lopo Barriga te colham!".

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Johny89

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Pêro Magalhães Gândavo


Com o descobrimento do Brasil pela armada de Pedro Álvares Cabral, no ano de 1500, abriu-se aos portugueses o vasto continente Sul-Americano, que viria a ser lenta e gradualmente explorado no decorrer dos séculos seguintes. É verdade que durante a primeira metade do século XVI, os portugueses estavam sobretudo virados para a Índia e o Oriente, mas a terra brasileira passou a despertar cada vez mais o interesse de todos. Assim, os portugueses começaram por se fixar ao longo da linha de costa, avançando depois gradualmente para o interior. Um dos aspectos mais interessantes deste contacto é o facto de depararem com uma terra completamente estranha, com produtos, animais, plantas e habitantes nunca anteriormente conhecidos na Europa, e que despertavam naturalmente uma grande curiosidade. Vamos falar da primeira História do Brasil, escrita ainda no século XVI, onde são descritos estes aspectos e onde é traçado o primeiro balanço da presença portuguesa naquela região. A obra chama-se História da Província Santa Cruz, a que vulgarmente chamamos Brasil, e o seu autor é o português Pêro Magalhães de Gândavo.

Pouco de conhece da vida de Pêro Magalhães de Gândavo. Nasceu provavelmente em Braga, por volta de 1540, sendo descendente de uma família de comerciantes flamengos oriundos da cidade de Gand, daí o seu apedido Gândavo. Em Braga viveu boa parte da sua vida, tendo ali casado e ensinado Latim e Português. Era, aliás, um bom conhecedor da nossa língua, tendo escrito uma obra de ortografia e gramática portuguesa. Partiu a certa altura para o Brasil, tendo então tomado contacto com aquela terra, que lhe serviu de inspiração para a obra de que falamos aqui hoje. A sua História da Província Santa Cruz. Já no seu tempo era comum a designação de “Brasil”, mas o autor justifica, logo no início da obra, porque se deveria antes chamar esta terra de Santa Cruz, nome pelo qual fora baptizada e que caía gradualmente no esquecimento:

“Não nos esqueçamos do nome de Cristo por outro que lhe deu o vulgo mal considerado, depois que o pau da tinta começou a vir a estes reinos. Ao qual chamamos brasil por ser vermelho e ter semelhança de brasa, e daqui ficou a terra com este nome de Brasil. Mas que para nesta parte magoemos ao Demónio, que tanto trabalhou e trabalha por extinguir a memória da Santa Cruz e desterrá-la dos corações dos homens, tornemos-lhe a restituir seu nome, e chamemos-lhe Província de Santa Cruz, como em princípio.”

Sendo Gândavo o primeiro historiador do Brasil, é natural que esta obra fosse pioneira no que se refere à descrição da terra brasileira. De facto, o autor ocupa a maior parte do trabalho com a descrição de uma série de aspectos locais. Em primeiro lugar, os animais, que eram em boa parte deconhecidos: o papa-formigas, o tatu, uma série de aves e peixes exóticos são descritos com espanto, estranheza e maravilha. Chega mesmo a descrever um suposto monstro que teria aparecido na capitania de S. Vicente, e que fora morto pelos portugueses da localidade.

Os habitantes locais não são esquecidos. Gândavo descreve os índios brasileiros segundo, evidentemente, os padrões da sua época: os usos e costumes, o carácter e o modo de vestir, a cor, os cabelos e a linguagem são os aspectos masi salientes da sua descrição. Sendo Gândavo um homem de letras, não deixa de assinalar algumas característica da língua local, nomeadamente o facto de haver diferenças consoante os grupos e as tribos índias. O que mais o impressiona, como era normal para a mentalidade portuguesa da época, são alguns dos ritos religiosos, nomeadamente supostas práticas de canibalismo que alegadamente existiam e que lhe causam o maior horror. Para contrabalançar estas apreciações, não deixa de assinalar o sucesso da missionação dos jesuítas naquela terra, que por esta altura conhecia um rápido avanço. As plantas brasileiras merecem igualmente a sua atenção. A que descreve com maior cuidado é a mandioca, assinalando as suas utilidades, assim como as características de cada parte da planta. Descreve a bananeira, que os portugueses trouxeram de S. Tomé, sendo os seus frutos muito apreciados localmente, dizendo que “parecem-se na feição com pepinos, e criam-se em cachos; esta fruta é muito saborosa, e das boas que há na terra; tem uma pele como de figo (ainda que mais dura), a qual lhe lançam fora quando a querem comer, mas faz dano à saúde, e causa febre”. Também os cajús e os ananases despertaram-lhe a curiosidade. Eis como descreve estes últimos:

“Outra fruta há nesta terra, muito melhor e mais prezada dos moradores de todas, que se cria numa planta humilde junto do chão: a qual planta tem umas pencas como de erva babosa. A esta fruta chamam ananases e nascem como alcachofras, os quais parecem naturalmente pinhas, e são do mesmo tamanho e alguns maiores. Depois que são maduros, têm um cheiro muito suave, e comem-se aparados, feitos em talhadas. São tão saborosos, que a juízo de todos, não há fruta neste reino que no gosto lhes faça vantagem”.

A História da Província de Santa Cruz não se limita a aspectos descritivos. Para além de relatar a descoberta do Brasil pelos portugueses, assim como os primórdios da colonização, descreve ainda as diversas capitanias em que se dividia o território brasileiro. Traça, por fim, um retrato das potencialidades que esta terra reservava aos portugueses, tal como a vastidão do território e dos seus recursos.

Pouco mais se conhece da vida de Pêro Magalhães de Gândavo. Sabe-se que viveu durante algum tempo no Brasil, regressando posteriormente a Portugal. Em 1576 é chamado de novo a esta terra, desta vez para desempenhar o cargo de Provedor da Baía. Em 1579 era ainda vivo, nada mais se sabendo da sua biografia. Embora fosse conhecido na sua época como humanista e letrado, ficou na História como o autor da obra sobre o Brasil. Esta foi publicada ainda em vida do autor, em 1575. Uma das curiosidades mais interessantes acerca desta obra é que ela prova que Gândavo conheceu pessoalmente Luís de Camões. Foi aqui, como prólogo ao corpo da obra, que o poeta publicou pela primeira vez trabalhos seus. Trata-se, neste caso, de um conjunto de tercetos e um sonetos dedicados a D. Leonis Pereira, que fora capitão de Malaca, e a quem Gândavo dedica igualmente a sua obra.

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Luís António Verney

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Foi um filósofo, teólogo, professor e escritor português. Para além disso, foi também um grande representante do Iluminismo em Portugal, e um dos mais famosos estrangeirados portugueses. O ponto mais alto da sua vida, acontece em 1746, quando é editada a sua obra mais conhecida: "O Verdadeiro Método de Estudar".

Filho de pai francês e de mãe portuguesa, Verney estudou no Colégio de Santo Antão e na reformadora Congregação do Oratório até se formar em Teologia na Universidade de Évora.

Parte, então, para Roma, em demanda de saber, alcançando o doutoramento em Teologia e Jurisprudência. O mais conhecido e activo estrangeirado português, colheu fora de Portugal os pensamentos de renovação que iluminavam a Europa enquanto o seu país vivia as trevas obscurantistas da intolerância da Inquisição.

A pedido do rei D. João V, Verney inicia a sua colaboração com o processo de Reforma pedagógica de Portugal, contribuindo inestimavelmente para uma aproximação profícua com os ventos do progresso cultural que animavam os espíritos iluministas dos europeus mais progressistas.

Da plêiade de mentes novas que o século XVIII português conheceu, Verney destaca-se pelas consequências da sua acção. Após a divulgação do seu programa de renovação, n' "O Verdadeiro Método de Estudar", assistimos à ultrapassagem do reinado da influência dos jesuítas medievalizantes, expulsos por Sebastião de Carvalho e Melo, Conde de Oeiras e Marquês de Pombal, e sua substituição no ensino pela empreendedora Congregação do Oratório, edificadora da modernidade científica no ensino superior. E surpreendendo pelas propostas arrojadas que apresentou, aconselhava por exemplo que não mais se interpretasse o mundo à luz das teorias dos antigos filósofos como Aristóteles, porque esses filósofos não tinham telescópio e outros instrumentos modernos que permitem realmente observar a Natureza.

Aconselhava também que se estudasse a gramática do Português, como se estudava a gramática do Latim. E recomendava que se pusesse de parte o vocabulário obsoleto, antiquado, e se passasse a usar na escrita palavras do português corrente.

Devido a problemas de saúde e, principalmente, devido a incompreensões por parte dos seus compatriotas, nomeadamente, os cortesãos e o Marquês de Pombal, parte definitivamente para Roma, onde vive até ao fim dos seus dias.

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Johny89

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Pedro Jacques de Magalhães


Pedro Jacques de Magalhãs (1620 — 1688), 1º visconde de Fonte Arcada, foi um dos comandantes portugueses na Guerra da Restauração, que se destacou na Batalha de Castelo Rodrigo.

Revelando-se como um firme opositor ao domínio filipino, foi preso na América espanhola a seguir ao golpe de 1 de Dezembro de 1640, juntamente com outros portugueses, de entre os quais figurava João Rodrigues de Vasconcelos e Sousa, 2º conde de Castelo Melhor, quando tentavam apoderar-se de uma armada espanhola carregada de prata, tendo como objectivo conduzi-la a Portugal. Pouco depois consegue fugir, regressando à Pátria, onde é provido no cargo de governador de Olivença. Ocupava este cargo em 1646 quando foi ferido num ataque militar a Valência.

A 4 de Novembro de 1649 D. João IV confiou-lhe o almirantado da esquadra que escoltou a primeira frota da Companhia Geral do Comércio do Brasil, composta por 40 naus, que largou do Tejo com destino a esta colónia e ancorou em Pernambuco sem quaisquer incidentes com os holandeses. No dia 20 de Dezembro de 1653 voltou ao mesmo local da costa brasileira, desta feita como capitão-general, em parceria com Francisco de Brito Freire, com uma armada de 60 navios «bem aparelhados», numa missão de clara intimidação aos holandeses, a respeito dos quais haviam chegado à corte notícias de ataques a algumas naus da jovem Companhia Geral e de objecções diplomáticas aos seus direitos naquelas águas. Pedro Jacques de Magalhães não hesitou perante a oportunidade que assim se lhe oferecia para intervir nas lutas contra as invasões holandesas do Brasil. A sua acção de maior relevo ao comando dessa armada foi o auxílio que prestou ao mestre de campo general de Pernambuco, Francisco Barreto de Meneses, no cerco de Recife, em 1654.

Voltando de novo a Portugal, «aparece-nos envolvido na maior parte dos combates que se vão travar até ao fim da Guerra da Restauração». Com efeito, em 1658 surge como general de Artilharia do exército do Alentejo e no ano seguinte toma parte na Batalha das Linhas de Elvas, ocupando a patente de 1º mestre de campo deixada vaga pelo general André de Albuquerque de Ribafria, que aí foi mortalmente ferido.

Em 1663, sendo já mestre de campo general da Beira, acorre outra vez ao Alentejo com as suas forças em socorro do exército do 3º conde de Castelo Melhor, governador das Armas desta província, o qual temia pela sua segurança, em consequência da recente ofensiva de D. João de Áustria. Toma, então, parte na conquista de Évora, de onde sai novamente ferido. É assinalada a sua presença «no Ameixial, voltando depois à Beira, e tomando parte, em 1664, na conquista de Alcântara, onde foi ferido mais uma vez, ficando aleijado duma perna» para o resto da vida.

O infortúnio de Alcântara não parece ter refreado os ânimos do intrépido militar que, tendo sido promovido, nesse mesmo ano de 1663, a governador das armas da província da Beira, aliás no comando único dos dois partidos, o partido de Almeida e o de Penamacor, viria a colher a maior glória da sua carreira do sucesso que logrou obter na célebre batalha de Castelo Rodrigo, a 7 de Julho de 1664. Haja em vista a descrição coeva que no Mercúrio Português o seu redactor, António de Sousa de Macedo, fazia dos factos.

Em Outubro de 1665, temendo-se uma reacção dos castelhanos no Norte, Pedro Jacques de Magalhães juntou as suas forças com as dos condes de São João e de Miranda e foi com eles guarnecer a fronteira do Minho, de onde aproveiram para fazer algumas incursões na Galiza, chegando a ocupar a fortaleza de La Guardia. Em retaliação, foças castelhanas irromperam pela raia de Trás-os-Montes, assolando as terras do Barroso, Montalegre e Chaves.

Em 1668 fez parte das cortes de Lisboa que sancionaram a deposição de D. Afonso VI e juraram o infante D. Pedro príncipe regente e governador do reino.

Não terminava ainda a acção deste militar ao serviço da coroa portuguesa, que entretanto pareceu ao conselho de D. Pedro II sobejamente meritória pelo que, por carta datada de 6 de Fevereiro de 1671, o monarca, aliás regente, lhe concedeu o título de 1º visconde de Fonte Arcada. Em 21 de Julho de 1675 Pedro Jacques de Magalhães, provido no posto de capitão-general da armada real, comandou de uma esquadra de 11 navios de guerra que D. Pedro II ordenou fosse aprestada para patrulhar as águas do litoral entre o Cabo de São Vicente e as Berlengas onde actuavam os corsários mouros de Argel. A rota traçada visava amendrontar os mouros, mas «não se viram os resultados de tão custosa empresa», pois eles continuaram a atacar as frotas das carreiras da Índia e do Brasil.

Nesse mesmo ano «foi enviado em socorro dos espanhóis que os mouros cercavam em Oran na Argélia e conseguiu introduzir o socorro na praça, à custa de inúmeras dificuldades, sendo esta a última acção conhecida da sua agitada e notável carreira militar, que terminava com a sua morte em 1688».

A 5 de Novembro do mesmo ano de 1675 foi admitido como familiar do Santo Ofício.

Dando por terminada a sua carreira militar em 1676, afigura-se-nos após essa data mais empenhado em assegurar a integridade do seu património, pois em 1681 instituiu formalmente o morgadio da Terrugem, o qual integrou o imponente palácio da Flor da Murta que havia sido construído pelos senhores de Alconchel, da família Pereira Faria, depois passado aos Meneses. A medida, porém, não resultou visto que o imóvel regressaria à posse desta nobre família por via do casamento de uma das suas filhas, Antónia Madalena de Vilhena, com D. António de Meneses de Sotto Mayor. Por essa altura, para além de senhor da casa dos Jacques de Magalhães, já seria comendador da ordem de Cristo e membro do conselho real e da junta do comércio.

Relativamente à comendadoria da ordem de Cristo, mencionada por Felgueiras Gaio no Nobiliário das Famílias de Portugal, podemos concretizar, crendo nas anotações do Pe. António da Costa, que se tratava das comendas de São Pedro de Joanes e da Foz de Arouce. De acordo com a mesma fonte, usaria ainda o título de alcaide mor de Castelo Rodrigo, e também «por mercè del Rey D. Pedro o Segundo».

Em 1684, na qualidade de general do mar, Pedro Jacques de Magalhães destacava-se no conselho de guerra dos restantes conselheiros de Estado, ao lado de outras figuras de proa desse conselho, que também deixaram bom nome na guerra da Restauração, designadamente Nuno da Cunha, conde de Pontével, Dinis de Melo e Castro, governador das armas do Alentejo e Francisco Barreto. Era a devida homenagem ao homem que consumira a sua vida nas mais encarniçadas batalhas para a a reconstrução da sobrania nacional.

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Johny89

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Diogo de Azambuja


É bem conhecida de todos a importância da figura do rei D. João II, o Príncipe Perfeito, no processo dos Descobrimentos. É, de facto, durante o seu reinado que se consolida a Expansão Portuguesa e se assegura a descoberta da passagem marítima para o Oceano Índico, abrindo caminho á instalação dos portugueses no Oriente. Os Descobrimentos recebem, assim, um impulso decisivo para o seu bom sucesso, definindo este rei uma série de objectivos claros a atingir. Embora a grande etapa fosse a descoberta do caminho marítimo para a Índia, D. João II pretendia também assegurar a presença portuguesa em África, garantindo a segurança das rotas marítimas e promovendo a exploração económica, nomeadamente através do comércio. Neste sentido, uma das acções mais importantes desencadeadas no seu reinado é precisamente a construção de uma fortaleza na costa africana, que se viria a chamar São Jorge da Mina. É disto que falaremos hoje, acompanhando a biografia do seu construtor, Diogo de Azambuja.

Quando D. João II sobe ao trono, em 1481, os portugueses tinham já uma longa experiência acumulada de navegação, exploração e contacto com África. D. João II, como é sabido, tinha um projecto de centralização do seu poder, através da contenção dos privilégios da grande nobreza, que aplicou nas Cortes em que foi jurado rei, em Évora. Do mesmo modo, possuía igualmente um projecto bem definido de expansão ultramarina, assente na exploração da costa africana e na descoberta da passagem para Oriente contornando o continente africano. O monarca decide avançar imediatamente com um plano global de descobrimento da costa, que levaria pouco deposi á viagem de Bartolomeu Dias e ao descobrimento da passagem para o Índico. Para já, duas medidas foram imediatamente tomadas: a primeira foi a de prosseguir o reconhecimento da costa, e para tal foi enviado Diogo Cão, que chegaria ao reino do Congo. A segunda foi a de construir, na chamada Costa do Ouro, uma fortaleza que servisse de entreposto do tráfico daquele metal, de ponto de apoio à nevegação portuguesa e de sinal inequívoco, dirigido sobretudo aos castelhanos, da exclusividade de navegação portuguesa nas águas da Guiné.

Assim, o rei prepara em 1481 uma expedição composta por nove caravelas e duas grandes naus. Levava esta armada cerca de 600 soldados e 100 pedreiros e carpinteiros, e carregava a pedra necessária para a construção da fortaleza. Após alguma hesitação, D. João II acaba por entregar o comando desta expedição a um Diogo de Azambuja, homem já dos seus cinquenta anos. Quem era esta personagem, a quem o rei confiou o sucesso de tão importante missão?

Diogo de Azambuja, não sendo propriamente um navegador, era no entanto um homem inteligente e hábil, um excelente militar e estratega, da confiança, evidentemente, do rei, e capaz de erguer no espaço de tempo mais curto possível uma fortaleza numa região ainda em grande parte desconhecida. Era cavaleiro da Casa de el-rei, tendo prestado serviço em Alcácer-Ceguer e em Aragão. Participou nas guerras com Castela, recebendo em 1480 o privilégio de fidalgo. Vemos, assim, que D. João II entrega a responsabilidade da construção da fortaleza não a um navegador, mas a um militar experiente, capaz de conduzir tal tarefa arriscada e difícil. A armada parte em Dezembro de 1481, rumando para Sul. A expedição segue até ao Golfo da Guiné, na Costa mais tarde designada Da Mina, procedendo Diogo de Azambuja ao reconhecimento da costa, de forma a encontrar o local mais favorável para a construção da fortaleza. Escolhe uma baía para desembarcar, o que faz a 19 de Janeiro de 1482, e de imediato se iniciam os trabalhos de construção. Ao cabo de 20 dias, já estava a fortaleza bem encaminhada, concluindo-se a sua construção pouco depois. Á data encontrava-se no local um navio português, que procedia ao comércio com as populações locais, mas o seu bom senso, o tacto de Diogo de Azambuja e, sobretudo, a boa recepção do rei local permitiram evitar conflitos e foram o factor decisivo para o êxito da missão.

Acabada a fortaleza, estabelecidos os contactos amigáveis com as populações locais e accionadas as trocas comerciais, Diogo de Azambuja considerou terminada a tarefa, pelo que mandou regressar a armada a Lisboa com notícia do sucesso da missão, ficando ele próprio como capitão da fortaleza com sessenta soldados. Exerceu o cargo até 1484, data em que regressou a Lisboa. A fortaleza ficou conhecida como S. Jorge da Mina, devido á devoção que o rei tinha a este santo. Assim ficou assegurada a presença portuguesa na região, sendo a fortaleza a sede de um rico tráfico de ouro, que se manteve durante algumas décadas. Eis o que disse a esse respeito um dos homens de D. João II, Duarte Pacheco Pereira:

Temos sabido que em toda a Etiópia de Guiné, depois de ser dada Criação ao Mundo, este foi o primeiro edifício que se naquela região fez, na qual casa nosso senhor acrescentou tão grandemente o comércio, que em cada um ano se tira dali por resgate, que vêm para estes reinos de Portugal, 170 mil dobras de bom ouro fino, e muito mais em alguns anos se resgatam e compram aos negros que de longas terras este ouro ali trazem, os quais são mercadores de diversas nações (…); e estes levam desta casa muitas mercadorias, assim como lambéis, que é a principal delas (…), e pano vermelho e azul, e manilhas de latão, e lenços e corais, e umas conchas vermelhas que entre eles são muito estimadas, assim como nós cá estimamos as pedras preciosas. Isso mesmo vale aqui muito o vinho branco e umas contas azuis, a que eles chamam ‘coris’, e outras muitas coisas de desvairados modos. Esta gente até agora foram gentios, e já alguns deles são feitos cristãos. (…)

Quanto a Diogo de Azambuja, não terminaram aqui os seus feitos como homem de armas. Recompensado pelo rei com o cargo de alcaide de Monsaraz, para além de outras recompensas como a nomeação para o Conselho Real, Diogo de Azambuja manteve-se porém ligado á Corte e ao serviço do rei, embora a sua idade e uma deficiência física aconselhassem já a sua retirada. E é já com mais de setenta anos que aceita uma missão que o rei D. Manuel o encarrega, em 1506: construir uma fortaleza na região de Safim, no sul de Marrocos, de forma a aí permitir a fixação portuguesa. Diogo de Azambuja não só cumpriu tal missão com êxito, como tomou a própria cidade de Safim, permanecendo como capitão da cidade até 1509, com a idade de cerca de 77 anos. Nesta data regressou a Portugal, vindo a falecer em 1518.

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Nuno Álvares Botelho


A História da presença portuguesa no Oriente está recheada de histórias de grandes feitos militares, sobretudo na sua época áurea, o século XVI. Entre os grandes capitães figuram os nomes de Afonso de Albuquerque, D. João de Castro, Duarte Pacheco Pereira e outros, que são geralmente citados como exemplos de coragem, bravura e capacidade de liderança no campo de batalha. Na verdade, apontam-se geralmente estes nomes, entre outros, para ilustrar uma época de prosperidade, a Idade de Ouro do Império Português do Oriente, em oposição ao século XVII, geralmente visto como uma era de decadência económica e derrocada militar. Na verdade, porém, podemos constatar que nesta época de dificuldades incomparavelmente maiores, quando os ingleses e holandeses faziam guerra sem tréguas aos portugueses enfraquecidos, outras figuras destacaram-se igualmente em diversos domínios, seja no campo das reformas administrativas, da política ou da guerra. Neste último caso convém destacar devidamente a figura de um grande capitão, por vezes esquecido, que provou ser, em condições nítidamente adversas, um excelente estratega e um comandante militar de primeiro plano: Nuno Álvares Botelho, considerado por alguns como o último grande capitão português da Índia.

Nuno Álvares Botelho começou a sua vida militar muito novo. Originário da alta nobreza da corte, teve ocasião de, durante mais de 15 anos, aprender as lides da guerra no mar nas armadas de vigia das costas de Marrocos, entre 1598 e 1616. Aqui teve oportunidade de dominar perfeitamente os conhecimentos e as técnicas da luta naval, de que se tornou um exímio mas prudente capitão. O seu conhecimento não se esgotou, porém, nas costas africanas. Seria na Índia que se destacaria como o melhor comandante português, procedendo a arrojadas empresas que o tornariam numa personagem lendária, ainda em vida. Nuno Álvares Botelho foi por duas vezes á Índia entre 1617 e 1620, como comandante da armada da carreira Lisboa-Goa. A terceira foi definitiva, e ocorreu em 1624, com uma forte armada destinada a aliviar a aflitiva situação militar que os portugueses enfrentavam por todo o Índico.

A situação dos portugueses no Oriente havia-se degradado progressivamente desde os finais do século XVI. Nesta data haviam chegado ás águas do Índico os primeiros navios holandeses, ingleses e franceses, inimigos dos espanhóis, logo, dos portugueses que tinham agora um rei comum. Os norte-europeus haviam-se instalado no Oriente e tornavam-se a cada dia mais poderosos, ameaçando directamente as posições portuguesas. Durante as primeiras décadas, os portugueses, á custa de enormes despesas e de um grande esforço humano e financeiro, haviam conseguido resistir aos assaltos inimigos, mas a situação tendia a agravar-se. Em 1622 o primeiro grande golpe é desferido sobre Ormuz, cidade-chave de controle do Golgo Pérsico e que Afonso de Albuquerque havia tomado em 1515. Naquela data, o Xá da Pérsia, aliado aos ingleses, tomara a cidade de assalto, perante a impotência das forças portuguesas. A armada que Nuno Álvares Botelho comanda em 1624 destina-se precisamente a disputar o domínio do Estreito de Ormuz. Em Fevereiro de 1625 a armada portuguesa trava combate com uma frota anglo-holandesa muito superior em número e poder naval. Embora não fosse conclusiva, a batalha permitiu aos portugueses recuperar o prestígio na região e, provavelmente, salvar Mascate das investidas inglesas.

Durante os anos seguintes, ou seja até 1628, todo o esforço das autoridades portuguesas na Índia estava virado para a recuperação de Ormuz e a retomada do controle da região. Nuno Álvares Botelho empreendeu incessantes acções com este fim, onde se destacou a sua capacidade de comendo e de conhecimento das tácticas de guerra naval. Não conseguiu, porém, por falta permanente de meios, atingir os seus objectivos. Pelo contrário, constata que o poderio naval dos inimigos, quer holandeses quer ingleses, crescia sem parar, ameaçando outras posições portuguesas, pelo que se tornava necessário enviar socorros a todo o lado ao mesmo tempo.

Devido ao agravamento da situação militar por todo o Índico, Nuno Álvares Botelho recolhe-se a Goa, onde faz uma pausa para retomar depois a sua actividade. O sinal de alarme surge imediatamente, desta vez do outro lado do Índico: Malaca estava cercada pelo sultão do Achém, velho inimigo dos portugueses, que já anteriormente havia assaltado a cidade sem êxito, mas que agora havia conseguido reunir uma formidável armada de 236 velas. Chegado o pedido de socorro a Goa, Nuno Álvares Botelho oferece-se para ir. Entretanto, havia integrado o conselho de Governadores da Índia, pelo falecimento do governador anterior. Resolvida a questão da sucessão, prepara-se então a armada de socorro a Malaca, que parte finalmente em Setembro de 1629 comandada pelo capitão Álvares Botelho. Era relativamente pequena, composta apenas de 28 navios pequenos, de remo, mas que a habilidade do comandante conseguiria ultrapassar.

Enquanto a armada fazia o caminho para Malaca, o Achém atacava a fortaleza, mas não conseguindo vencer a determinação dos portugueses da cidade assim como as robustas fortificações de que estava provida. Chegada entretanto a armada de socorro, procedeu-se então ao confronto, em que a habilidade do capitão em combate com a desorientação do general malaio se saldou por uma desastrosa derrota para a armada inimiga, com a destruição quase completa da sua frota. Nuno Álvares Botelho foi então recebido em triunfo na cidade pelo capitão português, procedendo-se á avaliação do valioso saque, sobretudo em peças de artilharia cujo número ultrapassava as 130.

Nuno Álvares Botelho tinha tanto de bom capitão como de modéstia. Era dotado, de facto, de uma personalidade excepcional. Enquanto outros se vangloriavam de pequenos e irrelevantes serviços, este capitão escrevia ao vice-rei de Goa com grande modéstia pessoal, nos termos seguintes:

“Descerquei Malaca, conservei a armada em que sirvo e destruí a dos inimigos, de que sempre se devem infinitas graças a Deus; os capitães e soldados cumpriram tão pontualmente com as suas obrigações como eu desejo que façam sempre todas as minhas coisas.”

A situação dos portugueses na região de Malaca não era melhor do que a existente no Estreito de Ormuz. Na verdade, os portugueses haviam sido aqui quase completamente ultrapassados pelos holandeses, que dominavam o comércio das especiarias das Molucas e de outras ilhas da Insulíndia Oriental. Restava aos portugueses o comércio da China, que conseguiria subsistir aos assaltos inimigos. Os holandeses haviam fundado a sua capital no Oriente em Batávia, bem perto de Malaca, pelo que a cidade sufocava lentamente com o aumento do poderio holandês.

Nuno Álvares Botelho tentou, logo após a sua vitória, aliviar a difícil situação em que a cidade se encontrava, fazendo frente ás armadas holandesas que proliferavam na região. Porém, quis o destino que o general português não prolongasse por muito mais tempo as suas façanhas militares. Na verdade, pouco depois da sua retumbante derrota em Malaca, Nuno Álvares Botelho morreu em pleno combate, não sem antes conseguir apresar diversas embarcações holandesas que carregavam pimenta na costa norte de Samatra. Foi a 5 de Maio de 1631, quando, em pleno combate com uma nau holandesa, é atingida a pequena embarcação de transporte em que seguia, morrendo afogado. Foi levado para Malaca onde foram celebradas as exéquias solenes, sendo enterrado na capela-mor. Assim morreu o último grande capitão português na Índia, cujos feitos militares causaram grande impressão na época, nomeadamente entre os cronistas que não deixaram de registar a sua biografia.

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Francisco Manuel de Melo

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São por demais conhecidos, na História da Literatura Portuguesa, alguns autores que aliaram a produção literária á dura vida de soldado, sendo os casos mais citados os de Luís de Camões, Diogo do Couto e Fernão Mendes Pinto. Todos conhecem a célebre alocução do Poeta em trazer numa mão a espada, e noutra a pena, sintetizando a ligação entre a escrita e a vida militar. Vamos falar de uma personagem que personifica na perfeição esta imagem. Trata-se de um dos maiores nomes da Literatura Portuguesa do século XVII, por vezes um pouco esquecido, e cuja riqueza do seu trabalho é bem a medida da sua vida aventurosa e atribulada: D. Francisco Manuel de Melo.

D. Francisco Manuel de Melo nasceu em Lisboa, a 23 de Novembro de 1608. Descendia de família fidalga, pelo menos por parte do pai. A sua infância e juventude foi a normal para um elemento da nobreza do seu tempo: teve a sua educação no Paço, e estudou no colégio de Santo Antão, da Companhia de Jesus. Tendo manifestado uma especial inclinação para a Matemática, escreve a sua primeira obra aos 17 anos, nesta disciplina. Porém, logo com esta idade viria a virar-se para a vida militar, que seguiu até ao fim da sua vida. Aos 18 anos teve então o seu baptismo de fogo: em 1626 embarca numa armada destinada a esperar as naus da Índia. Nesta época, a navegação portuguesa, sobretudo os navios que regressavam do Oriente carregados de ricas mercadorias, sofriam o assalto constante de corsários framceses e ingleses, pelo que a protecção dos navios de carga era uma preocupação constante. De qualquer modo, esta primeira incursão de D. Francisco Manuel de Melo nas lides da guerra foi uma experiência terrível, pois uma tempestade fez dispersar a armada pelas costas do norte de Espanha e a fez naufragar. O desastre, de que a má organização da armada foi em parte culpada, havia de marcar o autor, que lhe dedicou mais tarde uma das suas Epanáforas, a Epanáfora Trágica. É o próprio que confessa a forma como o episódio marcou a sua vida e a sua personalidade:

Cumprindo-se hoje trinta anos que passei este naufrágio, me está a memória com tanta viveza representando aqueles trabalhos, como se realmente agora me vira entre eles”.

Nos anos seguintes, D. Francisco Manuel de Melo vive a vida da Corte a que se dedica com algum empenho, repartindo o tempo entre a escrita, os corredores dos palácios de Madrid e a vida militar. É por esta altura que escreve as suas primeiras obras em verso. Tal como Camões, era irrequieto e turbulento, tendo ficado registado o duelo que trava com um castelhano em plena cidade de Lisboa. Porém, ao contrário do Poeta, D. Francisco Manuel de Melo ultrapassa este percalço sem dificuldade. Pelo contrário, consegue uma boa posição na corte, em grande parte pelos seus serviços militares. É primeiro armado cavaleiro, depois capitão, e finalmente em 1634 é admitido na Ordem de Cristo. É com o agravamento das condições de vida em Portugal, com o despoletar das revoltas que mais tarde conduzirão á Restauração, que a sua vida irá mudar substancialmente.

Até esta altura, D. Francisco Manuel de Melo não havia despertado ainda para os problemas políticos. Eis então que, em 1637, estala a revolta de Évora. Devido ao seu prestígio e ás capacidades que lhe eram reconhecidas, é enviado como representante do Duque de Bragança, e depois como embaixador de Filipe IV, para conduzir os contactos e as negociações com os rebeldes. Parece que o governo espanhol não terá ficado muito satisfeito com a sua acção, pois envia-o de imediato para a Flandres. Será preso pouco depois, por motivos desconhecidos, mas que indicam já um mau relacionamento com o governo espanhol. No ano de 1640, nas vésperas do 1º de Dezembro, D. Francisco Manuel de Melo está na Catalunha, comandando um exército com o objectivo de combater a revolta contra o governo de Madrid. Quando estala igual rebelião em Portugal, é acusado de simpatia para com os revoltosos e preso durante quatro meses. Acabará por alcançar a liberdade, mas foge imediatamente para Inglaterra onde se declara partidário de D. João IV. Eis como, após uma série de peripécias, D. Francisco Manuel de Melo adere á causa da Restauração em Portugal.

A sua vida ao serviço de D. João IV não ocorreu, porém, como esperara. O seu feitio turbulento, assim como inimizades que criou junto de homens próximos do rei acabariam por lhe provocar graves problemas. Entretanto, fixa-se em Lisboa, cidade onde nasceu, e participa no esforço de defesa contra a tentativa de invasão espanhola em 1643. No ano seguinte, como já assinalámos, é preso devido a intrigas de corte onde se deixa enredar. Permaneceu recluso longos anos, até que em 1655 parte degredado para o Brasil.

D. Francisco Manuel de Melo, degredado para o Brasil, fixou-se na Baía, onde esperava certamente acabar os seus dias. Porém, as alterações políticas em Portugal acabaram por alterar este cenário. D. João IV, que se lhe havia mostrado hostil, morre no ano seguinte, pelo que o escritor decide tentar a sua sorte e regressar ao reino. Muda-se primeiro para os Açores, onde pediu para regressar a Lisboa, o que faz em 1659. Porém, a sua sorte só muda dois anos mais tarde, quando o conde de Castelho Melhor, seu amigo pessoal, toma o governo. É imediatamente amnistiado, sendo-lhe entregues importantes responsabilidades políticas, nomeadamente junto da Santa Sé onde a influência espanhola minava a posição diplomática portuguesa. Teve então finalmente ocasião de publicar alguns trabalhos seus, as Obras Morais e Cartas Familiares. Viajou, tendo frequentado a corte inglesa assim como a Cúria Papal. A sua influência política em Portugal era cada vez mais importante, mas D. Francisco Manuel de Melo não viveria o suficiente para a exercer. Morreria em 1666, após uma vida tumultuosa e acidentada.

A sua obra literária é, com a do Padre António Vieira, a mais importante do século XVII. Escreveu sobre os mais variados temas, em teatro como em prosa e em verso, onde pontificam tanto o humor como o conhecimento da língua portuguesa, o rigor formal como o estilo cuidado. Escreveu obras de crítica social, de que a mais famosa é o Auto do Fidalgo Aprendiz. Deixou uma série de importantes obras de historiador, onde relata vários episódios em que participou directamente, e que reuniu com o nome de Epanáforas de Vária História Portuguesa. O seu trabalho mais conhecido mostra o seu carácter multifacetado, até pelo facto de o autor ter permanecido solteiro: trata-se da célebre Carta de Guia de Casados.

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Diogo do Couto

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Quando se fala da Expansão Portuguesa é vulgar relembrar os grandes nomes dos Descobrimentos, que geralmente se associam aos grandes generais e cabos-de-guerra, aos vice-reis, aos descobridores de novas terras. Ficam, por vezes, um pouco esquecidos aqueles que, muitas vezes suportando imensas adversidades e sendo mesmo vítimas de injustiça, nos legaram, sob a forma de relatos ou crónicas, os factos, a história e a memória desse tempo. Registar e contar a verdade histórica era, ontem como hoje, tarefa difícil e ingrata. Por entre os cronistas portugueses no Oriente destaca-se o nome de um homem que, pela sua rectidão e amor á verdade, tornou-se um pouco o modelo da historiografia portuguesa. A sua vida, como a sua obra, reflecte o misto de esforço, empenho e glória, assim como algumas misérias que fizeram a História dos portugueses no Oriente. Foi soldado, escritor e um homem de cultura; chamava-se Diogo do Couto e é de quem iremos falar hoje.

Diogo do Couto nasceu em 1542, em Lisboa. O seu pai, Gaspar do Couto, era natural de Amarante, e serviu o Infante D. Luís, filho de D. Manuel. Aos 10 anos entra Diogo do Couto ao seu serviço, estudando no Colégio Jesuíta de Sto. Antão e no Mosteiro de Benfica. Ali foi colega do filho do Infante, D. António, futuro Prior do Crato e candidato á Coroa portuguesa em 1580. Em 1555, devido á morte de D. Luís, seu patrono, Couto muda-se para o Paço, onde serve D. Sebastião como moço de câmara. Embora o seu pai tivesse sido ordenado cavaleiro, falta a Couto raízes fidalgas que lhe permitiriam o acesso aos altos cargos da administração. Após a morte de seu pai, decide então, como tantos, tentar a sua sorte como soldado na Índia. Parte em 1559, apenas com 17 anos, tendo-se alistado por três anos. Serve em diversos locais da Índia durante cerca de uma década, tendo participado em diversos combates. Aqui aprendeu Couto a dura vida de soldado, e o contacto com os problemas que se avolumavam no Estado da Índia viria a moldar definitivamente a sua personalidade, assim como a sua obra literária. Em 1569, farto da vida de soldado, decide voltar a Portugal. Parte de Goa na armada do vice-rei D. Antão de Almada, fazendo escala em Moçambique. Aqui encontra o seu amigo Luís de Camões, companheiro de andanças na Índia. É o próprio Couto que relata o facto numa das suas obras, nos seguintes termos:

Em Moçambique achámos aquele Príncipe dos Poetas de seu tempo, meu matalote e amigo Luís de Camões, tão pobre que comia de amigos, e para se embarcar para o reino lhe ajuntámos os amigos toda a roupa que houve mister, e não faltou quem lhe desse de comer (…).”

Partiram juntos para Lisboa, onde chegam em Abril de 1570. Couto, cujo temperamento não se adequava á vida mundana da corte, ficaria pouco tempo em Portugal. Logo no ano seguinte regressa á Índia, estabelecendo-se definitivamente em Goa, onde casa com Luísa de Melo. Aqui finda a fase militar da sua biografia. Doravante dedicar-se-ia a outras artes. Fica durante alguns anos empregado nos armazéns de mantimento, o que lhe permite o contacto com o mundo de negócios e com a administração do Estado da Índia. A fase mais interessante da sua vida, e também a mais frutuosa, iniciar-se-ia apenas após a subida ao trono de Filipe II. Couto escreve ao rei propondo a elaboração de uma crónica sobre a história dos portugueses na Índia após 1581, data da sua aclamação. O rei, a quem já havia chegado o conhecimento deste funcionário notado pelo seu zelo e rigor, acaba por encarregá-lo de uma tarefa mais vasta: organizar o Arquivo de Goa e continuar o trabalho de João de Barros, entretanto falecido, de escrever a história dos portugueses na Índia. Ambas eram tarefas pesadas e ingratas: na primeira, para além de organizar toda a documentação administrativa, já volumosa e em risco de se perder, teria ainda de passar certidões de serviços; na segunda, teria de retomar o difícil trabalho de escrever a história dos portugueses na Índia. Couto, com o seu carácter rigoroso e recto, pouco dado a lisonjas e a favores, está decidido a escrever a verdade, por muito que isso desagradasse a alguns.

Diogo do Couto inicia então o seu trabalho, aproveitando algum material já elaborado anteriormente. A sua condição de organizador do arquivo de Goa permite-lhe uma visão próxima e bem informada sobre a história do Estado da Índia. Porém, este facto, assim como a incorrigível imparcialidade do autor, serão motivo de vários dissabores pessoais e do destino atribulado da sua obra. Na verdade, a fatalidade que se abateu sobre as suas Décadas da Ásia é ainda hoje motivo de investigação por parte dos historiadores: a VI ardeu em casa do impressor, a VII perdeu-se, tomada pelos ingleses ao ser transportada para Portugal; a VIII e a IX foram roubadas ao próprio autor, que as recompilou mais tarde; da XII resta apenas parte. A XI, que tratava do vice-reinado de Matias de Albuquerque, desapareceu até hoje. Por outro lado, Diogo do Couto suportava a impressão da sua obra com o seu baixo salário, não obtendo sucesso com a venda e sofrendo da indiferença geral .

Parece certo que a rectidão do autor, que resistia a pressões e parecia não hesitar em relatar o que lhe surgia como verdadeiro, lhe trouxe inimizades várias, nomeadamente por parte daqueles que se sentiam atingidos pela sua obra. A isto se refere várias vezes o próprio Couto, lamentando as difíceis condições em que vivia, o seu magro salário, a incompreensão dos que o rodeavam. É que Diogo do Couto não era mais do que um funcionário administrativo, sendo obrigado a conciliar o seu trabalho no arquivo com a escrita da sua obra. Até ao fim da sua vida, fez vários pedidos para ser aumentado, de forma a poder trabalhar sem sobressaltos. A ajuda, porém, nunca se revelou suficiente. Na verdade, vários conspiravam para calar esta voz incómoda. Acabou por morrer em 1616, pobre e minado pelas intrigas tecidas á sua volta.

Além das suas Décadas, Diogo do Couto deixou-nos outras obras: várias cartas e discursos, um pequeno relato, o “Naufrágio da nau S. Tomé”, incluído mais tarde na colectânea da História Trágico-Marítima. Mas é o seu Diálogo do Soldado Prático que suscita maior interesse e admiração. É, de facto, notável a lucidez e espírito crítico com que Diogo do Couto elabora esta pequena obra, que constitui um diagnóstico implacável, diremos mesmo impiedoso e por vezes injusto, da situação do Estado da Índia nos finais do século XVI. O seu estilo, como nas Décadas, é vivo e desembaraçado. O Soldado Prático constitui, na verdade, um testemunho ímpar de um homem que, ao contrário de outros que escreviam sobre os portugueses no Oriente, lá viveu, acompanhou e sentiu parte do que escreve. Esta obra constitui, digamos, o reverso da medalha d’Os Lusíadas do seu amigo Luís de Camões: as glórias e as misérias, a grandeza e a mesquinhez, os valores e os defeitos, as duas faces da história da Expansão Portuguesa. Diogo do Couto, a sua vida e a sua obra, é, como o tempo e o meio em que viveu, a expressão desta dualidade.

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Padre Himalaya - Parte I
O Leonardo Da Vinci Português

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Manuel António Gomes nasceu em 9 de Dezembro de 1868, em Cendufe, concelho de Arcos de Valdevez, no seio de uma família de lavradores pobres.

Nascido em pleno liberalismo, numa sociedade rural, as conflituosidades políticas entre legitimistas e constitucionalistas não se fizeram sentir na sua infância. Segundo Jacinto Rodrigues: “A religiosidade popular abraçava, no seu manto de magia e superstição, a maioria da população agrária do país”. Cresceu num clima de curandeirismo e de histórias de tesouros escondidos nas fráguas. Fez os estudos elementares, entre os 7 e os 11 anos, no Souto, aldeia perto de Cendufe.

Em 1882 inscreveu-se no seminário de Braga, frequentando o Colégio Espiritano, criado para seminaristas pobres. Tinha então 15 anos. Nesta altura, embora a força da Igreja fosse grande, florescia uma nova burguesia, possuidora de novas mentalidades, fruto do acompanhamento do progresso tecnológico. No colégio adquiriu o gosto pelo experimentalismo e pela intervenção técnica, graças aos métodos de ensino inovadores ali praticados, nomeadamente ao nível da agricultura e da física. Assim, a partir de 1889, propõe-se aumentar naturalmente a fertilidade dos solos, através da captação do azoto atmosférico, com um aparelho capaz de o transformar em “azotatos de amoníaco”. Mas este aparelho só viria a ser inventado, em parte, em 1898, pelo professor alemão Linde.

Durante o seminário modificou o seu nome de baptismo, acrescentando-lhe Himalaya, devido à alcunha que um seu colega lhe destinara por ser de elevada estatura. Não mais deixou de assinar este nome.

Aluno irrequieto e pouco dado à bajulice, aberto às novas correntes filosóficas, leu todas as obras fundamentais na sua época, sobre História, Química, Física, Geologia, Botânica, Zoologia, entre outros assuntos, graças à bem apetrechada biblioteca do Seminário e ao Bispo Crisóstomo Amorim Pessoa, que a recheara com mais de 7000 volumes. A irreverência do seu pensamento filosófico valeu-lhe alguns deméritos de professores que considerava “imbecis e incompetentes”. Apesar destas atribulações é sujeito, em 1886, às inquirições, onde várias testemunhas atestam a sua idoneidade familiar, permitindo-lhe completar o seminário preparatório em 21 de Junho de 1887 e iniciar o curso teológico. Terminado este, em 2 de Junho de 1890, vai leccionar para o Colégio da Formiga, em Ermesinde, até se tornar padre, a 26 de Julho de 1891. É neste colégio que inicia as suas investigações solares.

Depois de ordenado padre ruma a Coimbra, com o intuito de frequentar o curso de Matemática, tornando-se capelão no Colégio dos Órfãos e posteriormente vice-reitor. Mas não chega a concretizar esta vontade, pois em 1892 decide demitir-se solidariamente com o reitor, na altura acusado de usar violência nos castigos aplicados a alguns órfãos. Depois deste episódio, vive algum tempo em Vila Real, onde conhece a família de Manuel Brown Van Zeller, que vivia na Casa de Montezelo, em Fânzeres, tornando-se preceptor dos seus filhos. Em simultâneo escreve artigos para o jornal «A Palavra», exprimindo a sua ligação à doutrina social da Igreja, exposta pelo papa Leão XIII.

Durante cinco anos (1892-1897) mantém uma estadia intermitente em casa dos Van Zeller, tendo, provavelmente neste período, visitado o continente Africano como missionário, onde contrai a malária, e as termas de Bad Worishoffen, na Alemanha, para uma cura pela água. A partir de 1893 começa também a percorrer as províncias do centro e sul do País, recolhendo exemplares da flora portuguesa, dedicando-se ao estudo das plantas e da agricultura em geral, provavelmente influenciado pelas doutrinas de Sebastian Kneipp, director da estação hidrotermal de Bad Worishoffen e adepto da fitoterapia. Neste trabalho é coadjuvado pelo Dr. Júlio Henriques, director do Jardim Botânico de Coimbra e tradutor do Dicionário Botânico e Medicinal de Muller, o qual formara um conjunto de pessoas no intuito de organizar a pesquisa da flora portuguesa, nomeadamente a sistematização das plantas medicinais. É o anotador da 3ª edição do livro «Tratamento pela Água» de Kneipp, reeditado em 1896, a partir da anterior edição portuguesa (traduzida por Alves de Araújo, professor do liceu de Braga), que fará dele um conhecido terapeuta do «Kneippismo» em Portugal. O padre Himalaya será acompanhado durante toda a vida pelo naturismo e pela sua concepção terapêutica.

Em 1898 aceita o lugar de professor no Colégio da Visitação, no Porto, aproveitando o tempo livre para os estudos das ciências e da botânica médica. Fabrica, ele próprio, a partir de plantas medicinais, elixires, pomadas e chás que oferece aos familiares e amigos, assim com às populações mais pobres. Ao mesmo tempo, dirige as obras de ampliação do Colégio e dedica-se à radiestesia, conseguindo descobrir água nos terrenos da Instituição. É encarregue das obras de construção da ala norte do novo edifício, anexo ao Colégio. Foi, provavelmente, o autor do projecto de uma parte da estrutura metálica da obra, assim como da estrutura da capela. Este facto pode estar na origem do seu contacto com a Fábrica de Massarelos, vanguardista na tecnologia europeia no domínio da metalo-mecânica e das fundições. Deste contacto poderão ter surgido os seus conhecimentos sobre fornos.

Adere, neste período, como sócio fundador, ao Círculo Católico Operário do Porto. As tentativas de reorganização da Igreja fazem face, entre 1890 e 1910, à ascensão do movimento maçónico e republicano. O padre Himalaya abandona, progressivamente, as querelas partidárias e procura apoio em vários quadrantes ideológicos. O seu objectivo principal é “instaurar uma alternativa tecnológica nova, baseada na organização territorial e social, assente em energias renováveis”. Será este o seu percurso no futuro.

Após a frequência dos cursos livres de Química do Dr. Ferreira da Silva, que possuía bons amigos em França, muda-se na Primavera de 1898 para Paris, para prosseguir os estudos e construir a 1ª máquina solar. Esta deslocação foi patrocinada por D. Emília Josefina dos Santos.

Com o forno solar o padre Himalaya pretendia obter azotatos da atmosfera e com eles produzir fertilizantes para a agricultura. A primeira máquina solar foi construída em Neully sur Seine, e aqui decorreram as primeiras experiências. A segunda terá sido montada no Verão de 1900, em Sorède, uma pequena aldeia de montanha dos Pirinéus Orientais, junto à fronteira Espanhola, a partir de peças mandadas construir em Paris. A montagem decorre numa atmosfera de espionagem industrial, sendo o padre Himalaya acompanhado pelo Capitão Bazeries, responsável por questões de segredo militar. O 2º modelo do “Pyrheliophero” é montado a cerca de 5 Km da aldeia, numa colina junto às ruínas da Ermida de Castel d’Ultrera. Sobre uma plataforma de pedra e areia são assentes carris circulares, sobre os quais deslizava a estrutura de suporte, que podia ser orientada de acordo com a posição solar. A campânula era em forma de calote esférica, com centenas de espelhos, e estava suspensa na estrutura por dois eixos, que permitiam uma orientação vertical ou horizontal. O padre Himalaya orientava-a verticalmente, apontando os reflectores para o sol e fazendo incidir o ponto focal na boca do pequeno forno refractário. Numerosos ensaios permitiram-lhe redigir num manuscrito, um relatório das experiências realizadas, assim como alvitrar novas metodologias para a construção da “lente metálica”, tendo sempre como principal objectivo a obtenção de fertilizantes nitrosos.

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Em Março de 1901 viaja até Londres, onde estabelece um contrato com a Condessa de Penha Longa, viúva do banqueiro Pinto Leite, constituindo uma sociedade para explorar esta invenção: aparelho óptico para utilizar praticamente o calor do sol nas artes metalúrgicas e químicas e em todos os ramos da indústria. O padre Himalaya cede à sociedade a sua invenção, assim como as patentes já registadas em França, Espanha e Bélgica, comprometendo-se a prosseguir o seu trabalho e a realizar todos os aperfeiçoamentos necessários, enquanto a Condessa disponibiliza o capital necessário para a construção dos dois primeiros aparelhos de demonstração e para a mensalidade a pagar ao padre pelo seu trabalho. Responsabiliza-se ainda pelo pagamento e registo de novas patentes. No seguimento deste contrato, regressa a França, onde executa um protótipo-miniatura experimental e prossegue os seus contactos no meio universitário e científico Parisiense. Em Setembro desloca-se para Lisboa, instalando-se no palacete da Condessa, junto à Lapa, onde reformula e simplifica os projectos de construção de forma a que os aparelhos possam ser construídos em Portugal e com custos reduzidos. Mostra-se céptico quanto à possibilidade de construção dos reflectores de que necessita, assim como da sua eventual qualidade.

Em Abril de 1902, na Tapada da Ajuda, é feita a primeira demonstração pública do funcionamento do “Pyrheliophero”, que se traduz num enorme fiasco! Erros na construção da máquina levam a que o foco de luz saia distorcido, derretendo o seu próprio suporte. A relação contratual com a Condessa é reformulada e o entusiasmo desta no projecto torna-se praticamente nulo, julgando o padre como um simples visionário após ler o relatório de um exame efectuado à invenção, encomendado a um engenheiro civil português, um tal António Teixeira Júdice.

Desalentado, mas com o firme objectivo de construir um aparelho que possibilite a geração de temperaturas na ordem dos 6000 a 7000 graus (tarefa impossível de acordo com as leis da termodinâmica), o padre Himalaya regressa a França, onde constrói nova máquina, mais aperfeiçoada, possivelmente ainda com o apoio da Condessa de Penha Longa. É ainda graças a nova reformulação do contrato com esta senhora que consegue apoio para se deslocar aos Estados Unidos, à Exposição Universal de St. Louis, em Abril de 1904. Todavia, e devido ao seu insucesso em Portugal, o “Pyrheliophero” não constava do conjunto de mostragens da representação Portuguesa!

Mais tarde ele pode exibir a sua invenção. A sua montagem é morosa e difícil, talvez devido aos trambolhões da viagem. Finalmente, em Outubro, é realizada a primeira experiência. A multidão apinhava-se, como habitualmente, à entrada da exposição. O invento do padre Himalaya, pela sua imponência (80 m2 de superfície reflectora) e novidade tecnológica, exercia grande atracção sobre os visitantes e a demonstração do seu funcionamento é feita com enorme êxito. Consegue gerar temperaturas da ordem dos 3000-4000 graus, derretendo todos os materiais que coloca sob o foco de luz, sendo premiado com o “Grand Prize da Louisiana Purchase Exposition”. A revista Scientific American publica, nesta altura, um artigo do seu correspondente em St. Louis, intitulado “A Solar Reducing Furnace”, o qual vem credibilizar este invento junto da comunidade técnico-científica. Para além deste prémio, o padre Himalaya fora convidado para integrar o Júri das Artes Liberais, tendo recebido esta honra como se de um grande prémio se tratasse.

Contudo, a montagem do “Pyrheliphoro” não se fez com o dispositivo para a transformação do azoto em azotatos, não estando equipado com o reservatório e forno destilatório previstos nos planos efectuados em França. Não se sabe se tal se deveu ao receio de que a experiência não fosse bem sucedida, ou à premente falta de meios para a sua execução. Assim, não foi demonstrada a sua capacidade produtiva e o seu potencial comercial, geradores de eventuais interesses financeiros, mas apenas a sua capacidade de gerar altas temperaturas. A produção industrial de azotatos com um forno eléctrico veio a concretizar-se em 1905, na Noruega, por Birkeland e Eyde.

Aos vencedores premiados da Exposição Universal foi proporcionada uma viagem de estudo por vários locais dos Estados Unidos. Nesta, o padre aproveitou para estabelecer contactos e relações de amizade que lhe foram valiosas em anos futuros.

Quando regressou ao recinto da feira, a sua máquina solar tinha sido completamente despojada dos 6117 espelhos côncavos de cristal, assim como do mecanismo de relojoaria. A sua desmontagem era caríssima e a Condessa de Penha Longa tinha abandonado o projecto de pesquisa sobre a energia solar. O armazém previsto para guardar a máquina nunca se concretizou!

De acordo com Jacinto Rodrigues, quer em França, quer nos Estado Unidos, as forças económicas da altura não se mostraram interessadas no aproveitamento da energia solar, estando mais empenhadas na exploração petrolífera. Era a hora do petróleo, dos automóveis Ford e do “progresso” que não olhará a meios para impor a sua ganância destruidora da natureza.

Aquando da sua estadia em Londres tornara-se vegetariano, aperfeiçoando os seus conhecimentos em dietética. Após os desaires na sua “investigação solar”, tenta sobreviver nos E.U.A., voltando à Naturopatia, fabricando os “organic salts”, pastilhas à base de cinza e sumo de limão e preparando elixires para a calvície. Mas voltou a não ser bem sucedido! Durante esta estadia torna-se amigo de Adele Marion Fielde, sufragista e antiga missionária baptista, que se tornara defensora dos direitos cívicos das mulheres. Esta aconselha o padre a entrar em contacto com o Carnegie Institute, o qual criara um observatório de investigação solar no Mont Wilson, na Califórnia, em 1904. A pedido do Dr. Woodwards desta instituição, o padre Himalaya escreve um livro sobre as suas investigações acerca das energias renováveis, intitulado “The forces of Nature”. O manuscrito em inglês, encontrado no seu espólio, nunca chegou a ser publicado, restando apenas um texto incompleto de três capítulos dos seis referidos no índice.

Não abdicando das suas investigações ao nível da energia solar, pretendeu realizar fotopilhas, transformando de forma directa a luz solar em electricidade, realizando algumas pesquisas e traçando numerosos esquissos. Como a Carnegie Fondation, assim como a Condessa de Penha Longa, não se encontravam disponíveis para o apoiarem financeiramente, o padre Himalaya passa a interessar-se também por explosivos, dados os seus conhecimentos químicos e a abertura no mercado para este tipo de produto. Monta na sua casa de Washington um laboratório e nele fabrica a “Pólvora Sem Fumo” ou Himalayite, patenteada em Maio de 1907 com a designação “Process of Making Smokeless Powder”. Esta pólvora cloratada é testada primeiro em pedreiras e posteriormente em vários arsenais do exército norte americano. A Himalayite resiste a grandes choques, fricções e temperaturas sem perigo de explosão, sendo fabricada com produtos de origem vegetal e mineral, de fácil obtenção e baixo custo.

De regresso a Lisboa, em Setembro de 1906, a receptividade aos seus trabalhos aumentou, sendo publicados artigos sobre os seus inventos em várias revistas, realçando, em particular, a descoberta do explosivo. A firma da Condessa de Penha Longa, a Pinto Leite & Brothers, interessa-se por este invento, sendo o padre convidado a realizar testes na quinta da Condessa, em Sintra. O Ministro da Guerra, Vasconcelos Porto, e o próprio Rei D. Carlos assistem a alguns ensaios dos explosivos. Em breve estabelece novo contrato com a Condessa para a exploração deste invento em Portugal e Colónias, assim como no mundo. Regista várias patentes de invenções de pólvora, em Inglaterra e também em Portugal.

Na Escola Prática de Artilharia de Vendas Novas realizam-se estudos comparativos sobre os efeitos destrutivos da Himalayite e da Schneiderite. Conclui-se que a primeira não é própria para o carregamento de petardos, mas o seu preço torna-a interessante para a utilização em minas e granadas.
 

Johny89

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Padre Himalaya - Parte II


Em 1908 o padre Himalaya adere à Academia de Sciências de Portugal, onde profere diversas conferências e participa em vários congressos. Nas suas intervenções é manifesta a preocupação com o ordenamento territorial do País, expresso nas suas teses de aproveitamento das energias renováveis, com vista a um desenvolvimento sustentado. Na sua comunicação “Alguns problemas de economia e higiene pública” o padre Himalaya propõe as seguintes linhas de actuação para o ordenamento e prosperidade económica da “nação portuguesa”:

1 – Irrigação dos terrenos cultivados e arborização das montanhas e terrenos não aráveis. Sugere o estudo aprofundado das espécies de árvores mais vantajosas para cada tipo de situação, assim como dos métodos técnicos de construir presas, albufeiras, barragens, açudes, etc., para o aproveitamento das águas provenientes de uma precipitação irregular. Para tal aconselha um estudo comparativo das legislações nacionais e estrangeiras, com vista à elaboração de um projecto de lei que promova semelhantes actividades nas diferentes regiões do país;

2 – Utilização das quedas de água e outras chamadas forças naturais. Prevê o esgotamento dos combustíveis fósseis, propondo estudos hidrográficos dos principais rios do continente, com vista à construção de barragens, o aproveitamento da energia das marés, o estudo do regime dos ventos e brisas para os utilizar como força motora, assim como a elaboração de legislação que facilite a aquisição dos direitos de utilização destas energias;

3 – Métodos racionais de promover a cultura intensiva dos pousios e charnecas aráveis. Propõe o levantamento de todos os terrenos incultos existentes no país, o estudo dos métodos a utilizar na sua fertilização e a determinação das espécies e variedades de cereais ou outras culturas agrícolas mais apropriadas, bem como os meios de valorização dos produtos obtidos para consumo interno e exportação;

4 – Melhoramentos a introduzir nas indústrias piscatórias. Recomenda a construção de açudes nos rios e a introdução de plantas e peixes exóticos, mais resistentes e vigorosos do que os indígenas. Sugere também que se aperfeiçoem as técnicas de conservação do pescado;

5 – Plantas e animais nocivos à agricultura e à higiene pública. Desmistifica a animosidade popular relativa a animais como o ouriço cacheiro, a doninha, o sapo e a coruja, valorizando a sua contribuição benéfica no controlo de pragas agrícolas. Propõe o estudo das plantas invasoras e venenosas, dos insectos nocivos e dos agentes da doença dos castanheiros e doutras árvores e das técnicas a utilizar no seu controlo e erradicação. Recomenda ainda o estudo das plantas e animais úteis à agricultura e à higiene humana e meios de os propagar;

6 – Meios eficazes de promover o robustecimento da raça. Segundo o padre Himalaya, a espécie humana definha e extingue-se em todas as grandes cidades em 3, 4 ou 5 gerações. Se não existisse a emigração constante de indivíduos dos campos, ou de pequenas povoações, as grandes cidades ficariam reduzidas a simples aldeias no espaço de pouco mais de um século. Aponta como causas a impureza do ar respirado, a alimentação predominantemente à base de produtos de origem animal e a ingestão de diversos venenos, como o excesso de bebidas alcoólicas, café, chá, tabaco e abuso de medicamentos. Critica também a quase completa ausência de “exercícios enérgicos ao ar livre e à luz”. Propõe o estudo de meios práticos para extinguir as poeiras e diminuir a quantidade de micróbios patogénicos nas habitações, fábricas e lugares públicos; o estudo da alimentação humana com a determinação do valor nutritivo de vários alimentos de origem animal e vegetal; o estudo dos efeitos perniciosos do tabaco, bebidas alcoólicas, estimulantes e medicamentos venenosos; o estudo de meios para a “prática de exercícios enérgicos ao ar livre”, sobretudo pelas crianças, “a fim de conseguirem o desenvolvimento normal do organismo e da personalidade”.

Noutra conferência, proferida em 2 de Março de 1909, sobre o Porto de Lisboa, em construção desde 1887, o padre critica as construções existentes, que no seu entender desvalorizam esteticamente a zona que vai da Alfândega à Torre de Belém; defende um cais portuário desde Sta. Apolónia até aos Olivais, propondo uma arrojada plataforma de meio quilómetro sobre uma estacaria de cimento armado e, numa antevisão da actual ponte Vasco da Gama, propõe a construção de uma ponte levadiça na zona do Beato em direcção ao Montijo. Finalmente, defende o aproveitamento das marés para o fornecimento de energia hidroeléctrica a Lisboa e a construção de uma estação de caminho de ferro em Cacilhas, para embarque do minério e de outras mercadorias.

O contexto social e político da altura não favorece a visibilidade e concretização destas propostas. O atentado e morte de D. Carlos, em 1 de Fevereiro de 1908, é o culminar da agitação entre as forças políticas e as classe sociais. O padre Himalaya diversifica as suas relações tácticas; ao estabelecer relações com a Banca e com os meios militares, assegura contactos com o governo monárquico, enquanto as suas relações com a Academia de Sciências de Portugal, hegemonizada por republicanos e maçónicos, lhe facilitam a transição para o novo regime republicano.

Após algum tempo de pesquisa de terrenos, o padre Himalaya, à frente da Companhia Himalayite entretanto formada, constrói a fábrica da pólvora, na Quinta da Caldeira, no Seixal. Esta Companhia resultou novamente da participação da Condessa de Penha Longa, em conjunto com outros investidores da aristocracia enriquecida, os quais previam um negócio chorudo. O padre vai viver para a Quinta, instalando-se no edifício situado em frente ao moinho de maré do Seixal. Esta proximidade levou-o a conceber um plano para um moinho de múltiplas funções, voltando a defender, em 15 de Abril de 1913, na Academia de Sciências de Portugal, a utilização da energia das marés.

Durante a sua estadia na Quinta da Caldeira, o padre Himalaya passa a contar com a presença de uma rapariga vinda de Cendufe, sua aldeia natal, de nome Rosa Cerqueira, que terá tido as funções de governanta, mas passava por ser sobrinha do padre, para se evitarem falatórios…

O tremor de terra de Dezembro de 1908, em Messina, na Sicília, levou a que a questão da segurança na construção das habitações passasse a ser discutida em Portugal. A Academia das Sciências, por sugestão do padre Himalaya, propõe à Câmara Municipal de Lisboa a utilização do cimento armado como material mais conveniente para resistir aos terramotos. Em 23 de Abril de 1909 dá-se um abalo sísmico na região de Lisboa, sobretudo na zona de Benavente. A Academia organiza uma sessão pública na Sociedade de Geografia, subordinada ao tema da sismicidade, onde Melo e Simas apresenta uma explicação para os fenómenos sísmicos baseada numa conjugação de fenómenos astronómicos e o padre Himalaya apresenta uma explicação mais telúrica, afirmando que os vulcões e focos sísmicos eram causados pela água sobreaquecida.

Nas suas numerosas conferências na Academia das Ciências de Portugal, o padre Himalaya aborda os mais variados temas, desde a teoria da evolução de Darwin, que compatibiliza com o texto bíblico, à homenagem ao padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão, por ocasião da comemoração de bicentenário da sua experiência de ascensão de um balão de ar quente. Elabora uma tese, segundo a qual, Bartolomeu de Gusmão fora o pioneiro na descoberta do hidrogénio, tendo utilizado este gás para fazer a ascensão do balão. Elogia frequentemente o modelo americano de pluralidade de religiões e liberdade de ensino, assim como a sua experiência na técnica hidráulica.

Em Maio de 1910, no Congresso Nacional, a propósito da apresentação de soluções para a crise económica, agrícola e comercial, critica a opção pelo trigo, quando considera que existem outros cereais que se adequam melhor aos solos portugueses, como o milho e o centeio, que também produzem óptimo pão. Defende ainda que os terrenos não cultivados devem ser expropriados. Esta posição causa algumas reacções na ala mais conservadora do congresso, que a cataloga como mais um “elixir do sacerdote”.

A 5 de Outubro de 1910 é implantada a República. O padre Himalaya parece totalmente à vontade dentro deste novo regime. A Academia de Sciências de Portugal é oficializada, ganhando uma importância decisiva na nova sociedade portuguesa, ao contrário da sua congénere, Academia de Sciências de Lisboa. Da primeira saem alguns membros que irão ocupar lugares de destaque no governo.

padre Himalaya apresenta uma proposta para a nova bandeira nacional, de cores vermelha e verde, onde o emblema assenta sobre “um sol radiante com quatro feixes de raios alongados, de forma a se assemelharem à cruz de Cristo”, a qual deverá exprimir simbolicamente a expansão da nacionalidade. A sua sugestão para a criação da nova moeda portuguesa, dividida em parcelas decimais de um tostão, apresentada a 20 de Julho de 1909, é aceite pela República através da implantação do escudo.

A este envolvimento do padre Himalaya na vida social e política corresponde uma crise na Companhia Himalayite, onde se instala um clima de suspeição, que levará a um processo jurídico arrastado durante anos. Enquanto isto, ele vai utilizando os explosivos para trabalhos camarários. Realiza experiências em 1912, em Braga, na pedreira de Guadalupe, e em Viana do Castelo, na pedreira de Crúzios, sendo sempre acompanhado por uma senhora americana, Adelaide Heaton, mãe de um importante homem de negócios americano.

Quando regressa de Viana do Castelo para Lisboa regista nova patente, em 25 de Setembro de 1911, desta vez de “Um motor directo”. Torna-se sócio fundador da Sociedade de Chímica Portuguesa, em Janeiro de 1912. Entre finais de 1912 e princípios de 1913 existem fortes probabilidades do padre Himalya se ter deslocado aos E.U.A., a convite do filho da senhora Heaton. Jacinto Rodrigues não conseguiu determinar se tal assim se passou. Sabe-se apenas que se ausentou durante vários meses das assembleias da Academia de Sciências de Portugal.

Nesta altura, eram já do conhecimento público as experiências realizadas na América para fazer chuva artificial, assim como o descrédito em que tais teorias tinham caído. No Verão de 1913 uma seca enorme afligia o país, sendo o Alentejo a região mais afectada. O padre Himalaya apresenta, em Julho desse ano, uma comunicação sobre o processo de fazer chover, afirmando que o seu método é diferente do americano, baseando-se numa acção conjugada vertical e horizontal sobre um prisma de ar provocado pelo tiro sincronizado de vários canhões. Pouco tempo depois, a comissão encarregue do estudo desta proposta desloca-se com o padre Himalaya à Serra da Estrela, onde se procedeu à experiência. Houve gente que afirmou terem caído umas gotas de chuva nesse dia quente de Verão! Mas o método foi abandonado por ser demasiado caro, tendo os anos seguintes sido mais pluviosos.

É durante este ano que o padre Himalaya se dedica à divulgação do uso dos explosivos na agricultura. Percorre as diversas províncias de Portugal, desenvolvendo várias actividades junto dos agricultores. A campanha “Contribuamos para a urgente arborização do País”, culminou de forma simbólica na Festa da Árvore, realizada no Jardim Zoológico de Lisboa, onde, após a abertura de buracos através da colocação de explosivos pelo padre Himalaya, se procedeu à plantação de arbustos e árvores pequenas.

Em Setembro de 1914 o padre Himalaya, continuando na prossecução dos seus interesses geológicos, e acompanhado de Paul Choffat, geólogo que se pronunciara junto com o padre sobre o terramoto do Ribatejo, percorrem a região de Rio Maior, em particular a Serra da Marinha, em busca de carvão mineral e de manganês. Torna-se também director técnico da “Empresa de Adubos Nacionais, Lda.”, fábrica de adubos químicos criada em Rio Maior.

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Em 13 de Fevereiro de 1915, em colaboração com o professor Castro Neves, director de ”O Século Agrícola” e Albino Aires de Carvalho, regista a patente do “Processo e aparelho de fabrico de adubos completos dotados de acção catalítica”. Nesta é descrito o processo e o aparelho para efectuar o aproveitamento de esgotos e a elaboração de adubos. Se esta estrutura fosse adaptada à rede urbana permitiria algo semelhante às estações de tratamento de águas residuais, com o consequente aproveitamento dos nutrientes para a fertilização agrícola. Estes detritos orgânicos, enriquecidos com adubos catalíticos, formavam uma compostagem que beneficiava os solos. Como afirma Jacinto Rodrigues, mais uma vez se constata aqui o pioneirismo do padre, inserindo nas suas preocupações de agricultura biológica, que vinha explicitando, a importância que dava à agricultura, estabelecendo a inter-relação na defesa de animais úteis à agricultura, no uso de plantas como a luzerna, as opúncias e a “Prosopis”, como um processo de enriquecimento dos solos. Nesta altura, a Companhia Himalayite, com os explosivos orientados para a agricultura, chuva e exploração mineira, proporcionava ao padre Himalaya o orgulho de participar no desenvolvimento do país. A 1ª Guerra Mundial alteraria esta estratégia pacífica do uso dos explosivos.

A 30 de Maio de 1915, o padre Himalya realiza as primeiras experiências concretas com o motor directo de que registara a patente em 1911. Este motor funcionava a gás pobre, como o metano ou o gasogénio proveniente dos carburetos. Nesta fase ele continua a viver na quinta da Caldeira, junto ao rio Coina, dedicando-se também aos métodos dietéticos, à botânica e à agricultura. Dá longos passeios à serra da Arrábida, onde apanha plantas medicinais e insectos raros. Constrói uma viatura a gás pobre e sonha com o aproveitamento da energia das marés.

Com a entrada de Portugal na guerra é criada a Comissão de Inventos de Guerra, da qual o padre Himalaya fará parte. Supõe-se que foi encarregue de desenvolver e melhorar os canhões que utilizava no processo de fazer chuva. Enquanto isso, dedica-se ao projecto do turbo-motor, que patenteia a 22 de Março de 1916. Este é um motor reversível com capacidade para multi-usos, que pretendia utilizar como um substituto dos rodízios dos moinhos das marés e fazer o aproveitamento da energia.

O golpe de Estado de 5 de Dezembro de 1917 leva à tomada de posse de um novo presidente: Sidónio Pais. Um dos companheiros de Himalaya da Academia de Sciências de Portugal, passa a ocupar um lugar de destaque na Câmara Municipal de Lisboa. Apoia as causas sociais defendidas pelo padre. Este é nomeado Secretário da Comissão Hidrológica da Câmara de Lisboa, passando a percorrer a bacia hidrográfica do rio Tejo, de forma a determinar os locais mais favoráveis para a construção de barragens. Viaja também às colónias Portuguesas em África.

Após o assassinato de Sidónio Pais, em 14 de Dezembro de 1919, o padre Himalaya apoia a estratégia de compromisso entre a esquerda e a direita, personificada pelo governo de José Relvas, no sentido de evitar uma guerra civil. Passa a escrever no jornal conservador “A Época”, mas com preocupações técnicas e científicas. Continua a advogar o urgente aproveitamento da energia motora das águas e a regularização dos rios, através da implantação de estruturas hidráulicas de grande e médio porte. Aponta como rios mais aptos o Douro e o Tejo e em segundo plano o Zêzere e outros pequenos rios, como o Lima e o Homem.

Em 6 de Junho de 1920 o padre viaja novamente para os E.U.A., com o objectivo de estudar sistemas de irrigação e barragens hidroeléctricas. Leva consigo o motor directo. Ali permaneceu até 1922. Presume-se que tenha estudado agricultura e medicina no Instituto Carver, assim como registado algumas patentes dos seus inventos. Terá igualmente desempenhado uma missão oficial, fazendo parte, juntamente com o Visconde de Alte, Embaixador de Portugal nos E.U.A., da comissão de negociações do governo português para a renovação do armamento. Será o portador, para Portugal, de um modelo de espingarda americano: o U.S. Rifle, calibre 30, modelo 1903, assim como de uma carta de recomendação do Visconde de Alte, onde este diz que Himalaya poderá ajudar na elaboração do programa do governo, devido ao carácter prático dos seus trabalhos e estudos, ao seu patriotismo e à sua isenção política.

Uma vez em Portugal regressa à sua casa da Damaia, deixando progressivamente a intervenção social activa devido à instabilidade governativa do país, onde se sucediam as remodelações ministeriais. Entra num período de recolhimento, voltando a dedicar-se à medicina naturopata e à tentativa de organização de uma escola de jovens ligada à Ordem Terceira Franciscana. Ficou-se pela formação de grupos de jovens, seus ajudantes nas tarefas agrícolas e laboratoriais na quinta. Neste período, pensa-se que tenha acompanhado duas senhoras americanas ligadas à igreja católica de Ohio, numa viagem ao Oriente, ou pelo menos durante parte desta, tendo, possivelmente, visitado o Japão.

O seu interesse pela constituição de um laboratório leva-o a tentar vender a quinta da Damaia, em 1925. Talvez procurasse montar uma estrutura colectiva de investigação. Em Abril desse mesmo ano registou a patente: “Processo de transformação de crustáceos em alimentos completos para animais domésticos e para a espécie humana”, com a colaboração do engenheiro agrícola José Epifânio Carvalho de Almeida.

Nos finais de 1927 parte para Buenos Aires, a convite da viúva do Cônsul da Argentina, Srª Sagastume, para efectuar uma prospecção e demarcação de recursos nas suas propriedades, na província de S. Juan. Encontrava-se endividado, tendo vendido o seu palacete da Damaia. As viagens e a filantropia tinham-no arruinado. A ditadura do Estado Novo, que se implantara em 1926, reforçou-lhe o alento para esta viagem.

Instala-se no Hotel Sportsman de Buenos Aires, visita a cidade, passeando largas horas pelo Jardim Botânico, aumentando os seus conhecimentos de plantas medicinais. Encontra também alguém que manifesta interesse pelo seu “Pyrheliphero”. Durante as suas visitas a S. Juan, na tentativa de demarcar os terrenos imensos da Srª Sagastume, interessa-se pelas plantas autóctones, resistentes à falta de água, como os Algarrobos, que pensa poderem ser de grande interesse nos terrenos pobres do Alentejo e Algarve.

Em 1931, tendo adoecido gravemente junto da cordilheira dos Andes, refugia-se como capelão de um asilo de crianças abandonadas, o Asilo Preventório de Jauregui, situado na província de Buenos Aires. Esta reclusão terá sido motivada pela agitação social que se vivia na altura, após a implantação de uma ditadura militar por Uriburu. Pensa-se que o padre Himalaya estaria ligado ao antigo governo dos Cantoni. As suas relações com a Srª Sagastume deterioraram-se também neste período, tendo esta apresentado queixa ao Bispo. No entanto, o padre Himalaya terá conseguido demover lhe de mover um processo, declarando-a insana e apoderando-se dos seus bens, em 1929.

Durante a sua estadia no asilo, o padre Himalaya redigirá um livro manuscrito em castelhano, intitulado “La Constituicion Mecanica del Universo”. Segundo ele, representava 43 anos de reflexão, observação, estudo e investigação. Pretendia editá-lo na Argentina e posteriormente traduzi-lo e publicá-lo em Portugal e em França.

Em Agosto de 1932 parte de Buenos Aires de regresso a Portugal, trazendo com ele o precioso manuscrito, ainda inacabado. Após várias visitas a Cendufe, segue para Viana do Castelo, onde desempenhará as funções de capelão do Asilo de Velhos e Entrevados da Caridade. O irmão, padre Gaspar, conseguira que lhe oferecessem este lugar quando diligenciava, infrutiferamente, junto do Bispo a sua promoção a Cónego.

Faleceu em 21 de Dezembro de 1933, no Hospital do Asilo, vítima de mielite, não se sabe se provocada por envenenamento resultante das experiências com ervas medicinais que efectuava em si próprio. Nunca chegou a publicar o dito manuscrito, do qual só algumas páginas chegaram aos nossos dias. Fora nomeado presidente de honra do Instituto Histórico do Minho em Novembro desse ano.

Para Jacinto Rodrigues, “O enigma de M.A.G. Himalaya foi o facto de se ter preocupado com a energia solar e ser simultaneamente inventor de explosivos, padre e ter vivido, muitas vezes, quase à margem da Igreja, sem nunca ter abandonado as suas convicções espirituais; ter lidado com monárquicos, republicanos e anarquistas, sem contudo se ligar pessoalmente a nenhum movimento; ter viajado por longas paragens, sem sabermos as relações institucionais que estabeleceu; ter recebido glória e fama e ao mesmo tempo abandono e desprezo. O padre Himalya é um personagem que incomoda e fascina. É um enigma e um mito. A sua biografia, desconcertante, é cheia de complexidade, de claros-escuros difíceis de deslindar. Acrescente-se a tudo isto uma mitologia que se gerou à volta da sua singular personalidade”.


Nota final: O texto aqui apresentado resultou da consulta da obra “A Conspiração Solar do Padre Himalaya – Esboço biográfico dum português pioneiro da Ecologia”, da autoria do Prof. Doutor Jacinto Rodrigues, publicado pela Cooperativa Árvore (ÁRVORE - Cooperativa de Actividades Artístcas crl), em 1999. Este livro foi o culminar de uma aturada pesquisa e múltiplas viagens realizadas pelo Professor durante vários anos, pelas paragens por onde o padre Himalaya repartiu a sua vida.

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Ribeiro Sanches


António Nunes Ribeiro Sanches (Penamacor, 7 de Março de 1699 – Paris, 14 de Outubro de 1783) é um médico português e grande intelectual, considerado por muitos como um verdadeiro enciclopedista (médico, filósofo, pedagogo, historiador, etc.), escreve largas dezenas de manuscritos, sob a influência do pedagogismo no século das Luzes, dos quais apenas nove foram publicados em vida, a maioria continua nos arquivos. Na medicina, onde se distinguiu na venereologia, sendo por isso também chamado o médico dos males de amor, escreveu a pedido de D'Alembert e Diderot para a Enciclopédia. O seu nome está na primeira fila dos grandes mestres do pensamento europeu da sua época, o Marquês de Pombal vai aproveitar muito do seu saber para implementar a sua ação cultural e científica, na sua tarefa de modernização de Portugal.

Antonio Nunes, filho de Simão Nunes e Ana Nunes Ribeiro, abastados comerciantes cristãos-novos da Beira Baixa, Ribeiro Sanches era descendente de outro famoso médico, Francisco Sanches (1551-1623).

Por influência de um tio, jurisconsulto, parte ainda jovem para estudar Direito na Universidade de Coimbra, onde se inscreve em 1716. De débil constituição física, mas com viva inteligência e espírito observador, Ribeiro Sanches era um leitor incansável, sendo fortemente influenciado pelos Aforismos de Hipócrates .

Insatisfeito com os estudos em Coimbra, transfere-se para a Universidade de Salamanca onde viria a receber o título de Doutor em Medicina no ano de 1724.

Era Judeu e tinha medo da inquisição: "Quando eu nasci, já a fogueira da Santa Inquisição fazia arder corpos e almas no Rossio de Lisboa e Évora, assim como nos Paços de Coimbra e Goa"

Depois de exercer em Benavente, Guarda e Amarante, Ribeiro Sanches é denunciado por um primo à Inquisição, pela prática do judaísmo. Conseguiu escapar ao cárcere, exilando-se para o resto da vida.

Após passagem por Génova, Montpellier, Bordéus e Londres, onde exerceu medicina, fixa-se em Leiden, na Holanda, onde estuda com o célebre médico Hermann Boerhaave (1668-1738), considerado o maior professor de medicina do seu tempo e a quem se dirigiam muitos estudantes e doentes de toda a Europa.

Com recomendação de Boerhaave, parte para a Rússia em 1731, onde exerceu funções de médico militar com assinalável êxito. Nomeado clínico do Corpo Imperial dos Cadetes de São Petersburgo, a sua fama torna-o médico da czarina Ana Ivanovna. Em 1739 foi nomeado membro da Academia de Ciências de S. Petersburgo e, no mesmo mesmo ano, igual distinção da Academia de Ciências de Paris.

Após mais de 15 anos de permanência na Rússia, em 1747 ele parte para Paris, fugindo às intrigas da corte czarista. É recebido por Frederico o Grande da Prússia e recebe uma tença de Catarina II da Rússia. Termina os seus dias na Cidade das Luzes, onde colaborou com os maiores intelectuais da época, exercendo medicina e dedicando-se aos estudos e à escrita.

Durante toda a sua longa vida manteve uma normal relação epistolar com diversas personalidades eminentes da sociedade intelectual europeia além de promover bons vínculos a instituições importantes da cultura internacional, como seja a de ser correspondente da Academia Internacional de Paris, membro da Sociedade Real de Londres e membro da Academia de São Petersburgo.

Principais Obras

– 1726: Discurso Sobre as Águas de Penha Garcia.
– 1751: A Dissertation on the Venereal Disease.
– 1756: Tratado da Conservação da Saúde dos Povos.
– 1760: Cartas sobre a Educação da Mocidade (uma das suas obras fundamentais).
– 1763: Método para Aprender e Estudar a Medicina.
– 1779: Mémoire sur les Bains de Vapeur en Russie.

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Amato Lusitano: a actualidade de uma obra com 500 anos

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João Rodrigues “de Castelo Branco”, mais conhecido por Amato Lusitano, poderia ter sido Prémio Nobel da Medicina, se tivesse vivido nos dias de hoje. No século XVI foi um médico “notável” que iniciou a sua carreira aos 18 anos e trabalhou para o papa, reis e cidades-estado. Perseguido pela Inquisição por ser judeu e afastou-se de Portugal, exercendo a sua actividade no estrangeiro, sobretudo na Itália, país onde ficou mais tempo sedeado.

Quinhentos anos volvidos do seu nascimento, resta a sua obra que deu a conhecer as bases de muitas áreas da medicina que se pratica hoje em dia, sobretudo da sexualidade clínica, e que, em muitos aspectos, se mantém actual.
Para comemorar o seu aniversário, a Ordem dos Médicos decidiu reeditar o livro “Centúrias de Curas Medicinais”, cuja apresentação estará a cargo de Isilda Rodrigues, da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), e do médico José Luís Dória, na Sociedade de Geografia de Lisboa, no dia 24 de Fevereiro.


Este livro foi editado pela primeira vez em português (o original está escrito em latim) em 1980, pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, tendo já sido traduzido e reeditado em diversas línguas. Já não se encontra em livrarias e “há apenas fotocópias”, daí a acrescida necessidade desta reedição, explicou ao “Ciência Hoje” a docente da academia transmontana.

Referência histórica

Amato Lusitano era uma importante referência para muitos médicos da época e “escreveu várias obras de relevo”, mas os sete volumes de “Centúrias de Curas Medicinais”, cada um com cem casos clínicos ( e que agora vão ser reeditados numa edição fac-similada), foram o seu trabalho “mais importante” , na opinião da especialista do Departamento de Educação e Psicologia da UTAD.

“No século XVI foi reeditado 57 vezes, o que demonstra o impacto que teve, tendo ainda em conta que se viviam os primórdios da imprensa”, sublinhou, acrescentando que, na altura, marcou um novo estilo de escrita dos ensaios médicos, pois era acessível tanto a pessoas especialistas em medicina como a estudantes que davam os primeiros passos nesta área.

Trata-se de "grande referência" na história da medicina, em que muitos dos apontamentos foram pioneiros e alguns deles ainda são actuais. Segundo Isilda Rodrigues, “a medicina é das áreas da ciência que mais evoluiram, mas muitas das informações de Amato Lusitano continuam a ser empregues. Alguns instrumentos de tratamento de doenças e produtos naturais apresentados por ele foram revolucionários para a época e mantém-se na prática clínica”.

A investigadora acrescentou ainda que o médico português pode ser considerado o “pai” da sexologia clínica, na medida em que fez a identificação anatómica de vários órgãos humanos, sobretudo do sistema reprodutor. “Esta é uma das partes mais interessantes da sua obra” e das que mais controvérsia provocou, visto que “a sexualidade era um tema tabu e não era entendida como uma área clínica”.

Para além de ser um marco da medicina, “Centúrias de Curas Medicinais” permitem uma análise do século XVI muito para além das questões médicas. O facto de Amato Lusitano ter descrito ao pormenor cada caso clínico apresentado (idade do doente, descrição da doença e terapêutica utilizada) permitiu a muitos especialistas avaliarem a conjuntura económica, política e social da época.

Ciência Hoje
 

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Bento de Góis
O Marco Polo Português

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Foi o primeiro europeu a percorrer o caminho terrestre da Índia para a China, através da Ásia Central. A sua viagem, uma das maiores explorações da história da humanidade, demonstrou que o reino de Cataio e o da China eram afinal o mesmo, o que alterou significativamente a concepção do mundo à época, uma vez que as relações comerciais entre a Ásia e a Europa eram muito intensas durante esse período.

Bento de Góis foi baptizado em Vila Franca do Campo nos Açores a 9 de Agosto de 1562, com o nome de Luís Gonçalves. Tornou-se soldado por volta dos vinte anos de idade, tendo sido destacado, em 1583, para a Índia.

De acordo com a lenda, nesse período levava uma vida boémia até que após ter tido uma visão, numa igreja da aldeia de Colachel (província de Travancor) decidiu ingressar na Companhia de Jesus, o que fez, em Fevereiro de 1584, no Colégio dos Jesuítas em Goa. Dois anos mais tarde, abandonou temporariamente o Colégio e viajou pela Pérsia, Arábia, Baluchistão, Sri Lanka, e muitos outros reinos da Ásia. Em 1588 regressou a Goa, ao Colégio dos Jesuítas, e mudou o seu nome para Bento de Goes.

Em 1594 integrou a 3º expedição dos Jesuítas, guiada desta vez pelo padre Jerónimo Xavier (sobrinho-neto de São Francisco Xavier), à corte do Grão-Mogol Akbar, o Grande, em Lahore, passando a granjear deste uma marcada amizade. Tanto que induziu Akbar, o Grande, a estabelecer tréguas com os portugueses. Para tal, Akbar incumbiu Bento de organizar uma faustosa embaixada (1600-1601) aos portugueses de Goa.

Em Setembro de 1602 Bento partiu de Goa com um grupo restrito, em busca do lendário Grão-Cataio, reino onde se afirmava existirem comunidades cristãs nestorianas. A viagem era muito extensa (mais de 6 mil quilómetros) e de longa duração (mais de três anos), e onde grandes obstáculos se deparam ao longo do percurso, sobretudo em virtude dos muitos conflitos na região, da profusão de reinos e estados, e da existência de grandes montanhas e desertos. Para além disso, a maior parte do seu percurso foi realizado em territórios de domínio muçulmano que nutriam especial animosidade pelos cristãos.

Em inícios de 1606 Bento de Góis chegou a Sochaw (Suzhou, agora denominada Jiuquan), junto da Muralha da China,uma cidade próxima de Dunhuang na provincia de Gansu. Góis provou assim que o reino de Cataio e o reino da China eram afinal o mesmo, tal como a cidade de Khambalaik, de Marco Polo, era efectivamente a cidade de Pequim. Doente (possivelmente por ter sido atacado/assaltado e ferido) e com poucos meios de subsistência comunicou-o em carta ao padre Matteo Ricci, residente em Pequim, que lhe enviou o padre João Fernandes, um jesuíta de origem chinesa, para o conduzir até Pequim. Contudo, quando este alcançou Bento de Góis este já estava à beira da morte, o que ocorreu em 11 de Abril de 1607.

Bento de Góis, que possuía um marcado conhecimento da cultura e costumes de múltiplos reinos da Ásia, e falava diversos idiomas como o Persa e o Turco, registou a sua viagem num diário. Contudo, pelo facto de no mesmo documento também registar as dívidas que terceiros lhe deviam o seu diário foi rasgado em inúmeros pedaços pouco antes da sua morte. O padre João Fernandes e o arménio Isaac, que acompanhou o missionário na longa viagem desde Goa, reuniram fragmentos do que sobrou desse diário e outros documentos, que entregaram posteriormente ao padre Matteo Ricci. Este padre, um grande erudito, através desses escassos documentos, do relato do arménio Isaac que o acompanhou sempre ao longo da Grande Odisseia, e de algumas cartas que Bento de Góis lhe tinha enviado anteriormente, escreveu, entre 1608 e 1610, uma narrativa dessa viagem. Esta relativa escassez de registos teve influência na projecção que a sua viagem assumiu doravante.

Bento de Góis tornou-se o primeiro português a atravessar a Ásia Central, transpondo grandes cadeias montanhosas como os Pamires e o Karakoram, ou o grande deserto de Gobi, numa odisseia considerada por muitos historiadores não inferior à empreendida por Marco Polo séculos antes. Polo atravessou um território mais pacífico, menos retalhado em reinos e estados, e com menor domínio muçulmano, do que Bento de Góis encontrou à data. Aliás, Bento de Góis foi a primeira pessoa após Marco Polo a empreender esta extensa viagem pela Ásia Central, o que realizou cerca de três séculos depois de Polo. Bento de Góis tem sido em Portugal, entre os exploradores portugueses da época dos Descobrimentos, dos mais subvalorizados. Tal pode ser atestado pelo facto de, no 4º centenário da sua morte não se verificarem quaisquer comemorações em Portugal continental, apenas se verificando tais celebrações na sua terra natal, Vila Franca do Campo, apesar de se tratar do maior explorador terrestre português.

A Câmara Municipal de Vila Franca do Campo homenageou-o em 1907, atribuindo o seu nome ao maior largo da vila, onde também se encontra uma estátua sua em bronze, da autoria de Numídico Bessone, inaugurada em 1962.

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Pedro Fernandes de Queirós


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Fernandes Queirós nasceu em Évora, Portugal. Ainda jovem veio a estar ao serviço da Dinastia Filipina, quando o Rei de Portugal era simultaneamente o Rei de Espanha. Ao serviço da coroa e da marinha espanhola, tornou-se um experiente marinheiro e navegador. Em 1595, serviu como piloto de Álvaro de Mendaña de Neira nas suas explorações do sudoeste do Oceano Pacífico e, após a sua morte, conduziu o único navio restante da expedição até às Filipinas.

Sendo um católico devoto, Queirós visitou Roma em 1600, onde obteve o apoio do Papa Clemente VIII para prosseguir as explorações. Navegou até ao Peru em 1603 com intenção de encontrar a Terra Australis, o mítico grande país a sul, por forma a reclamá-lo para a coroa espanhola e para a Igreja. Comandando três navios, San Pedro y Paulo, San Pedro e Los Tres Reyes, deixou El Callao, importante porto peruano, em 21 de Dezembro de 1605, com 300 tripulantes e soldados.

Em 22 de Janeiro de 1606, passaram a Ilha da Encarnação, acostaram na Ilha Sagitária, agora Taiti, em 10 de Fevereiro, e descobriram a 7 de Abril, a Ilha Toumako, onde o nativo Rei Tamay lhes forneceu importantes informações geográficas.

Em 25 de Abril de 1606, ou talvez já em Maio, a expedição alcançou as ilhas posteriormente designadas por Novas Híbridas e agora sendo a nação independente de Vanuatu. Queirós aportou numa grande ilha que considerou ser parte do tal continente a sul que procurava, a que chamou de Terra Austral ou Austrália do Espírito Santo. A ilha, uma das maiores do arquipélago de Vanuatu, ainda se chama actualmente Ilha do Espírito Santo. Ali, fundou uma colónia a que chamou Nova Jerusalém. O fervor religioso de Queirós levou-o a fundar uma nova Ordem de Cavalaria, os Cavaleiros do Espírito Santo. No entanto, a colónia acabou por ser rapidamente abandonada devido à hostilidade dos nativos e a desacordos entre a tripulação.

Após algumas semanas, Queirós fez-se ao mar novamente. Devido a mau tempo, acabou por se separar dos outros navios e foi incapaz, ou pelo menos assim o afirmou mais tarde, de voltar à costa. Assim, velejou até Acapulco, no México, onde chegou em Novembro de 1606. O seu braço direito no comando, o também português Luís Vaz de Torres, depois de procurar Queirós em vão, deixou a Ilha do Espírito Santo e dirigiu-se a Manila onde acabou por chegar passando pelas Molucas.

Queirós regressou a Madrid em 1607. Passou os próximos sete anos em pobreza, escrevendo numerosos relatos das suas viagens. Implorou ao Rei Filipe III de Espanha que lhe fosse dado financiamento para novas viagens. Foi então enviado para o Peru com cartas abonatórias, apesar do Rei não possuir qualquer intenção de financiar nova expedição. Queirós morreu no Panamá em 1615.

Feitos de Navegação

Durante a sua travessia do Oceano Pacifico, nenhum dos seus marinheiros morreu o que constituiu um feito incomum, devido à prevalência do escorbuto no início do Século XVII. é provável que Queirós conhecesse a solução para a doença, transportando frutos frescos e sumos a bordo. No entanto, ninguém soube desta relação entre a dieta contendo vitamina C, encontrada nas frutas e legumes, nos 150 anos seguintes à morte de Queirós. Crê-se que Queirós talvez tenha escrito sobre esta sua descoberta mas nada foi encontrado nos arquivos espanhóis, algo similar à informação sobre o estreito entre a Nova Guiné e a Austrália encontrado por Luís Vaz de Torres, que ainda hoje se chama Estreito de Torres, mas cuja descoberta só veio a ser publicada pelo geógrafo escocês Alexander Dalrymple em 1759. É provável que James Cook, que finalmente navegou pelo Estreito de Torres em 1770 e que também distribuía sumo de fruta aos seus marinheiros, tivesse tido acesso à informação escrita por Queirós e Torres.

Fernandes de Queirós e a Austrália

O nome de Pedro Fernandes de Queirós é actualmente bem conhecido na Austrália. Muitos historiadores creditam a Queirós a cunhagem da palavra "Austrália", por ter assim designado as ilhas do arquipélago de Vanuatu e que ele acreditava ser parte de um vasto continente. Cook incluiu a designação "Astralia del Espiritu Santo" (faltando a letra "u") no seu diário, em Agosto de 1770, numa referência à viagem de Queirós. A palavra "Australia" foi então usada em 1794 por George Shaw na sua obra Zoology of New Holland (Zoologia da Nova Holanda) quando se refere à "vasta ilha, ou melhor, Continente da Australia, Australásia, ou Nova Holanda, que só tão tarde atraiu particular atenção."

No relato da viagem de Matthew Flinders, em 1814, em torno do continente australiano, menciona que o termo "Australia" é "agradável ao ouvido, e assemelha-se aos nomes de outras grandes zonas da Terra." Este ponto de vista foi fortemente defendido pelo Governador Lachlan Macquarie, em 1817, que escreveu um relatório para Londres, onde afirmava que "o Continente da Australia, o qual espero que venha a ser o nome dado a este país no futuro, ao invés do incorrecto e mal aplicado nome de 'Nova Holanda', o qual, na verdade, apenas se pode aplicar a uma parte deste imenso Continente." Com este impulso de Macquarie, Austrália veio a provar-se ser a escolha mais popular.

No Século XIX, alguns católicos australianos, a viver sobre o domínio protestante, afirmavam que havia sido Queirós que na verdade descobriu a Austrália, muito antes dos protestantes Abel Tasman e James Cook. O arcebispo de Sydney entre 1884 a 1911, Francis Cardinal Moran, afirmava que isto era um facto, sendo este o ensino oficial das escolas católicas por muitos anos. Ele afirmava que o verdadeiro local da colónia estabelecida por Queirós, Nova Jerusalém, situava-se perto de Gladstone em Queensland.

Baseado nesta teoria, o poeta católico australiano, James McAuley (1917-1976) escreveu um poema épico intitulado Captain Quiros (Capitão Queirós), em 1964, no qual descrevia Queirós como um mártir pela causa da civilização da Cristandade Católica, apesar de não referir que Queirós tenha descoberto a Austrália. O tom extremamente político do poema foi friamente recebido pelos intelectuais e governantes australianos, numa época de grande rivalidade entre as facções católicas e protestantes. O escritor australiano John Toohey publicou um romance, inspirado e intitulado Quiros (Queirós), em 2002.

Na verdade, a afirmação de que os portugueses terão sido os primeiros a chegar à Austrália é cada vez mais consensual. Os argumentos avançados a favor desta ideia lembram que, na primeira metade do Século XVI, os navegadores portugueses percorriam não apenas os mares da Austrália, mas estavam firmemente estabelecidos na região, em ilhas como Timor, Solor e outras. Depois, ao se observar os mapas portugueses do Século XVI, aparecem terras com uma configuração semelhante à actual Austrália. A razão porque aí não se terão fixado talvez se prenda com a enorme distância que separa este continente de Portugal, implicando mais de um ano de viagem marítima. Outra razão para a não colonização do território tem a ver, sobretudo, com a ausência de população com quem se pudesse fazer comércio ou utilizar como mão-de-obra. Ainda hoje, a simples análise de um mapa denuncia os vestígios da presença portuguesa na região. A costa noroeste da Austrália inclui um local de nome Abrolhos, que não será mais do que a reminiscência de uma frase portuguesa que ecoa, através dos tempos, os gritos dos marinheiros portugueses ao navegarem por estas águas traiçoeiras: "Abre os olhos!". A situação toponímica do local alterou-se desde então tendo passado estas pequenas ilhas a ser hoje designadas por "Houtman Abrolhos Islands", sendo que se afirma que este nome data do Século XVI. A povoação de Geraldton, com cerca de 25.000 habitantes, tem uma Catedral de São Francisco Xavier. Um topónimo cuja origem ainda não foi possível deslindar foi o da "Lusitania Bay" (Baía Lusitânia), na Ilha de Macquarie a sudoeste da Tasmânia, considerada Reserva Natural desde 1933.

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