• Olá Visitante, se gosta do forum e pretende contribuir com um donativo para auxiliar nos encargos financeiros inerentes ao alojamento desta plataforma, pode encontrar mais informações sobre os várias formas disponíveis para o fazer no seguinte tópico: leia mais... O seu contributo é importante! Obrigado.

Batalhas Portuguesas no Índico

Johny89

GF Ouro
Membro Inactivo
Entrou
Jun 21, 2009
Mensagens
683
Gostos Recebidos
0
Cananor- 31 de Dezembro de 1501 a 2 de Janeiro de 1502


Convencido de que Pedro Álvares Cabral teria conseguido assentar o trato das especiarias com os reis da costa do Malabar, D. Manuel, no ano de 1501, limitou-se a enviar à Índia uma armada de quatro naus, das quais três eram de particulares. Levava essa armada cerca de trezentos e cinquenta homens, dos quais apenas oitenta eram homens de armas, já que ia para comerciar e não para combater. Para seu capitão-mor foi escolhido João da Nova, fidalgo de origem galega que ocupava o cargo de «alcaide-pequeno» da cidade de Lisboa.

De notar que, nesta altura, ainda prevalecia na Corte portuguesa a ideia de que era possível estabelecer relações comerciais pacíficas com os indianos.
Chegada a armada à enseada de São Brás, próximo do cabo da Boa Esperança, foi encontrada, dentro de um sapato pendurado numa árvore, uma carta em que um dos capitães da frota de Cabral dava conta da situação em que ficara a Índia. Por ela concluiu João da Nova, com alguma apreensão, que afinal as coisas não estavam tão risonhas como se supunha quando partira de Lisboa. E resolveu levar as quatro naus consigo em vez de deixar uma em Sofala, conforme estipulava o seu regimento.
Depois de ter feito escala em Quíloa, Melinde, Angediva e Cananor, chegou a Cochim, onde constatou que o feitor, devido à obstrução dos mercadores «mouros» não tinha conseguido arranjar a pimenta suficiente para carregar completamente as suas naus. Por isso, depois de ter embarcado a pimenta que havia na nossa feitoria, resolveu voltar a Cananor. Aí chegado, foi muito bem recebido pelo rei, que o autorizou a instalar uma feitoria e providenciou para que lhe fossem fornecidas as quantidades de pimenta e gengibre de que necessitava para completar a carga dos seus navios.
Estando esta praticamente concluída, preparava-se João da Nova para iniciar a torna-viagem quando, a 30 de Dezembro, apareceu à vista de Cananor uma armada que o Samorim de Calicut organizara com o propósito de destruir os portugueses, composta por cerca de quarenta naus e cerca de cento e oitenta paraus e zambucos (embarcações de remo e vela mais pequenas que as fustas) em que iam embarcados para cima de sete mil homens.

Vendo João da Nova com tão poucos navios e tão pouca gente face à imensa armada do Samorim, o rei de Cananor aconselhou-o a abandonar as naus e a fortificar-se em terra, onde, com a sua ajuda, se poderia defender melhor. Como seria de esperar, João da Nova não aceitou o alvitre e, depois de se ter reunido em conselho com os capitães das outras naus, resolveu sair para o mar, onde melhor poderia tirar partido da superioridade da sua artilharia e da melhor qualidade dos seus navios. Mas não o pôde fazer nesse dia por já ter começado a soprar a viração (brisa do mar).
Ao amanhecer do dia 31 de Dezembro, apareceu a baía de Cananor completamente bloqueada pela armada de Calicut. Aproveitando o terral (brisa da terra), a armada portuguesa suspendeu e foi ao encontro do inimigo, disposta a libertar-se do anel de naus e paraus em que se encontrava encerrada. Travou-se então uma furiosa peleja em que os navios de Calicut lançavam sobre os nossos nuvens de flechas, ao mesmo tempo que os procuravam abordar. Mas, como eram muitos e, por isso, tinham de andar muito juntos, não só se embaraçavam uns nos outros, como constituíam um alvo fácil para os nossos bombardeiros (artilheiros), espingardeiros e besteiros, que não perdiam um tiro!
Rota e ultrapassada a linha de bloqueio inimiga, João da Nova, provavelmente, terá continuado a navegar para o largo, com os navios formados em coluna, a fim de não perder barlavento em relação a Cananor, onde tinha que voltar antes de poder iniciar a torna-viagem.

Será oportuno referir que a partir do momento em que os Portugueses passaram a armar as suas naus com canhões de grosso calibre, disparando para BB ou para EB, passaram naturalmente a combater no mar com os navios formados em coluna, ou seja, uns a seguir aos outros, a curta distância, única formatura compatível com peças a disparar para os bordos. Nas instruções dadas a Pedro Álvares Cabral era claramente recomendado que, no caso de ter de travar um combate no mar, o fizesse utilizando a artilharia e com os navios formados em coluna. Será, por isso de admitir que nesta primeira batalha naval que os Portugueses travaram na Índia os nosso navios tenham tenham inaugurado a era da formatura em coluna que haveria de durar até à 2ª Guerra Mundial.
Por volta do meio-dia, caindo o vento e ficando as naus imobilizadas é natural que os paraus e zambucos tenham intensificado os seus ataques, que continuaram a ser repelidos pelo fogo da nossa artilharia. Vinda a viração, é de supor que João da Nova., pela razão já referida, tenha posto a proa a nordeste, continuando a batalha a desenrolar-se nos moldes anteriores: arremessos de flechas e tentativas de abordagem, por parte dos navios de Calicut; descargas cerradas da artilharia, por parte dos portugueses. Ao pôr do Sol, tornando a cair o vento, as duas armadas fundearam perto da costa. Nos combates desse dia haviam sido afundados dois paraus de Calicut e avariados muitos outros.
Durante a noite, em que os portugueses tiveram de estar sempre de armas na mão, os malabares tentaram por diversas vezes pegar fogo às nossas naus, levando para junto delas almadias (espécie de pirogas) carregadas com materiais inflamáveis. Mas, de todas as vezes, foram pressentidos e escorraçados.
O dia 1 de Janeiro foi, praticamente, uma repetição do dia anterior. De manhã, com o terral, João da Nova deverá ter feito um bordo para o mar e, à tarde, com a viração, deverá ter feito um bordo para a terra, acabando por fundear, ao pôr do Sol, nas proximidades do Monte Deli, que fica cerca de quinze milhas a norte de Cananor. Durante todo esse dia continuou a ser perseguido pelas naus, paraus e zambucos de Calicut, tendo conseguido afundar três das primeiras e mais sete dos segundos e terceiros.
Ao outro dia de manhã, a 2 de Janeiro, estando a armada portuguesa francamente a barlavento de Cananor e tendo os portugueses perdido todo e qualquer receio do inimigo, que, afinal, se revelara um «tigre de papel», é natural que João da Nova tenha decidido voltar para trás e começar a perseguir aqueles que até então o tinham estado a perseguir. Nesta fase da batalha foram afundadas mais duas naus e três paraus ou zambucos de Calicut.
É possível que tenha sido nesta altura que o inimigo tentou pôr cobro à chacina de que estava sendo alvo, mostrando por diversas vezes uma bandeira branca, conforme refere Castanheda. O que não oferece dúvidas é que a armada de Calicut, com muitos navios avariados e cheios de mortos e feridos, completamente desbaratada, já não pensava senão em escapar-se. Com as suas guarnições exaustas por três dias de combates e duas noites de constantes sobressaltos, João da Nova abandonou a perseguição e dirigiu-se, de novo, a Cananor.
Nesta batalha, em que ficou claramente demonstrada a superioridade da artilharia e dos navios portugueses sobre os seus congéneres indianos, sofreram os inimigos mais de quatrocentos mortos, além dos feridos, que devem ter sido em número muito elevado. Dos nossos, apenas uma dezena sofreram ferimentos ligeiros.
De regresso a Cananor, a nossa armada capturou ainda uma «nau de Meca», a que, depois de saqueada, João da Nova mandou lançar fogo com todos os tripulantes dentro.
Já de regresso a Portugal, por alturas de Monte Deli, caiu-lhe nas mãos uma segunda «nau de Meca», que teve o mesmo destino da primeira.
A armada de João da Nova, que chegou sem novidade a Lisboa em Setembro de 1502, foi uma das poucas armadas da Índia que conseguiu ir e voltar com os navios todos juntos e sem perder nenhum.
Para terminar, diremos também que foi esta armada que, na torna-viagem, descobriu a ilha de Santa Helena, no Atlântico Sul, que, mais tarde, se haveria de transformar num ponto de escala fundamental para a viagem de regresso da Índia.


Saturnino Monteiro
em «Batalhas e Combates da Marinha Portuguesa»
 

Johny89

GF Ouro
Membro Inactivo
Entrou
Jun 21, 2009
Mensagens
683
Gostos Recebidos
0
Cochim - Abril de 1504


Durante a primeira guerra de Cochim, em 1503, tinham entrado ao serviço do Samorim de Calicut dois italianos, idos à Índia nas naus portuguesas a mandado de Veneza, com o propósito de ensinarem os Malabares a fabricar artilharia e a servirem-se dela contra nós. Por outro lado, os Turcos tinham fornecido ao Samorim grande quantidade de canhões e espingardas. Por tudo isso, quando ele, em 1504, voltou a invadir o reino de Cochim, após a partida para Portugal de Francisco e Afonso de Albuquerque, dispunha de um exército e de uma armada muito melhor equipados que os do ano anterior.
Incluindo as tropas de quatro reis seus vassalos, o exército do Samorirn ascendia a mais de oitenta e quatro mil homens. A sua armada era composta por cerca de cem paraus, cada um deles armado com duas bombardas e cinco espingardas, cerca de cem tones com uma bombarda cada um e grande número de catures (navios ligeiros).

A concentração destas forças foi efectuada em Cranganor, donde partiram nos primeiros dias de Abril em direcção a Cochim, indo a armada pelos rios e esteiros que ligam as duas cidades, não só por ser já difícil, naquele mês, a viagem por mar, mas também por causa da fortaleza e da nau que defendiam a barra de Cochim.

Para enfrentar o enorme potencial bélico do Samorim, dispunha Duarte Pacheco Pereira somente de uma nau, em que deixou o mestre por capitão com mais vinte e quatro homens, duas caravelas com vinte e cinco homens cada uma e dois batéis artilhados, um dos quais capitaneado por ele próprio, guarnecidos cada um com vinte soldados. Na feitoria, estava o feitor, fazendo também as vezes de alcaide, com mais trinta e oito homens! A inferioridade das forças portuguesas em relação às do Samorim era de um para quinhentos em homens e de um para sessenta em navios!
Quando a invasão de Cochim se tornou iminente, Duarte Pacheco mandou construir uma forte paliçada diante do vau que na maré baixa dava passagem para a quase ilha em que estava construída a cidade. Além disso, mandou reforçar a protecção das caravelas e dos batéis com paveses feitos de tábuas da grossura de dois dedos e com arrombadas constituídas por sacos cheios com algodão, pendurados fora da borda, destinados a amortecer o impacto dos pelouros inimigos. Mandou também armar cada batel com quatro berços.

Apesar de todos estes preparativos, a população de Cochim e o próprio rei andavam muito descoroçoados por ver que as nossas forças eram insignificantes comparadas com as do Samorim. Para os animar, Duarte Pacheco efectuou vários assaltos de surpresa contra as terras de Cochim que se haviam passado para o lado do invasor, queimando-lhes muitas aldeias e matando-lhes muitos naires.

Sabendo então que o exército e armada do Samorim se estavam dirigindo para o passo de Cambalão (que hoje é muito difícil de saber exactamente onde ficava situado), resolveu ir esperá-los aí, levando consigo apenas uma caravela e os dois batéis, já que a nau, devido ao seu calado, não podia navegar nos rios e esteiros e a outra caravela ainda não tinha concluído a reparação das avarias que sofrera na guerra do ano anterior.
Chegado ao local, onde o rio teria cerca de cem metros de largura, fundeou os seus três navios com fortes amarras de ferro, para que o inimigo as não pudesse cortar facilmente, e mandou passar rejeiras de uns para os outros para, alando por elas, poderem orientar à vontade a direcção dos seus canhões.
Ao amanhecer do dia 16 de Abril apareceu a margem norte coberta de soldados que atroavam os ares com os seus gritos e o toque de inúmeros instrumentos bélicos. À borda de água tinha sido montada durante a noite, sob a direcção dos dois italianos, uma bateria de cinco canhões que começou logo a bombardear a caravela. Respondeu esta acto continuo e fê-lo tão eficazmente que a guarnição da bateria se pôs em fuga.
Nessa altura começou a despontar, detrás de uma curva do rio, a imensa armada de Calicut. À sua vista, alguns paraus de Cochim que tinham ido em companhia de Duarte Pacheco fugiram para aquela cidade, onde espalharam a notícia de que os portugueses estavam perdidos!

A verdade é que, sob o ponto de vista táctico, a escolha do local fora excelente. Devido à pouca largura do rio naquele ponto, os paraus inimigos só podiam avançar numa frente estreita. Por isso, os nossos navios só tinham que combater de cada vez com pouco mais de uma dezena. Por outro lado, devido à falta de espaço para manobrar, os que eram obrigados a retirar, destroçados e cheios de mortos e feridos, embaraçavam e desmoralizavam os que vinham atrás.

Não obstante, parecia milagre como três navios minúsculos iam conseguindo deter aquela mole imensa que avançava contra eles e que parecia submergi-los.

Primeiro, vieram vinte paraus, amarrados uns aos outros, disparando continuamente as suas quarenta bombardas e as suas cem espingardas, acompanhadas do arremesso de milhares de flechas. Mas os paveses e as arrombadas dos nossos navios funcionaram às mil maravilhas, aguentando bem o impacto dos pelouros, das balas e das flechas, enquanto os bombardeiros e espingardeiros portugueses chacinavam as guarnições dos paraus inimigos que não dispunham de qualquer espécie de protecção.
Ao fim de pouco tempo, dos vinte paraus que tinham iniciado o ataque, quatro já estavam meio alagados, cheios de mortos e feridos e incapazes de manobrar; os restantes, também com avarias diversas, mortos e feridos, viram-se obrigados a retirar. Mas foram logo substituídos por outro grupo de cerca de uma dezena de unidades que não teve melhor sorte. E, depois, veio outro grupo, e outro, e outro... Mas o resultado era sempre o mesmo: após algum tempo de duelo de artilharia com a nossa caravela e os nossos batéis, os paraus do Samorim eram obrigados a bater em retirada com muitas avarias e cheios de mortos e feridos.

Pelo meio-dia, estando já a água do rio tinta de sangue, a armada de Calicut cessou os seus ataques e bateu em retirada. Ao mesmo tempo, as tropas de terra que durante a batalha não tinham parado de lançar flechas sobre os nossos navios, afastaram-se também para fora do alcance da sua artilharia.
Nesta primeira batalha, conforme veio a saber-se mais tarde, teve a armada de Calícut para cima de mil e trezentos mortos. Dos portugueses não morreu nem ficou ferido nenhum! Abençoados paveses e arrombadas!
Poucos dias depois desta primeira batalha, veio juntar-se à flotilha de Duarte Pacheco a caravela que ficara em Cochim a acabar as reparações.
Vexado com a derrota sofrida, o Samorim resolveu fazer segunda tentativa no domingo seguinte, que era Domingo de Páscoa, começando por enviar sessenta paraus, por outro rio, contra a nau que estava em Cochim na esperança de que Duarte Pacheco fosse imediatamente em seu auxílio, deixando livre o passo de Cambalão.
Daí resultou que, cerca das nove horas, chegou uma embarcação com com um recado do rei de Cochim para Duarte Pacheco pedindo-lhe que fosse ajudar a sua nau que estava em apuros. Mas este não se deixou impressionar. No entanto, como a maré estava a vazar, resolveu ir com uma caravela e um batel em socorro da nau, pensando que poderia regressar, logo que a maré começasse a encher, a tempo de apoiar a outra caravela e o outro batel que ficavam defendendo o passo.
E assim aconteceu!

Logo que Duarte Pacheco chegou perto da nau, os paraus que a estavam a atacar, temendo ficar metidos entre dois fogos, puseram-se em fuga e ele, aproveitando a enchente, tal como previra, voltou rapidamente para o passo de Cambalão, onde a outra caravela e o outro batel estavam aguentando sozinhos todo o peso da armada de Calicut.
E repetiram-se as cenas da semana anterior. Os paraus do Samorim, durante mais de três horas, lançaram repetidos ataques sobre os navios portugueses, em tentativas desesperadas para os abordar, sendo de todas as vezes rechaçados com muitas avarias e um número elevado de mortos e feridos. Depois de terem perdido dezanove paraus, incendiados ou afundados e terem tido cerca de duzentos mortos, não tiveram outra alternativa senão retirar.
No dia seguinte, em vez de aproveitarem para repousar das fadigas da véspera, os portugueses foram atacar de surpresa uma povoação da ilha de Cambalão, tendo no caminho combatido com catorze paraus, que desbarataram!

E no dia imediato a esse teve lugar a terceira batalha que, tal como a primeira começou com um bombardeamento cerrado dos nossos navios por parte da bateria de terra. Mas o tiro desta era pouco certeiro e Duarte Pacheco deu ordem aos seus homens para não responder, a fim de dar confiança à armada inimiga para se aproximar. O estratagema resultou. Quando os navios que constituam a sua vanguarda se aperceberam que os portugueses já não respondiam ao fogo de terra, convenceram-se que teriam sofrido graves perdas e lançaram-se sobre eles atabalhoadamente, certos de que desta vez os iriam finalmente abordar. Só que no momento em que estavam prestes a chegar junto deles foram recebidos por uma salva disparada à queima-roupa de todos os canhões e todas as espingardas das caravelas e dos batéis que lhes mataram muita gente e meteram no fundo, de uma assentada, oito paraus!
O primeiro ímpeto do inimigo fora quebrado. Mas continuaram a vir mais e mais paraus que, uns após outros, ou eram afundados ou obrigados a retirar cheios de mortos e feridos.

Por volta do meio dia, quando a batalha estava já a esmorecer, um dos nossos batéis começou a arder. Reanimaram-se os malabares e todos os paraus que o puderam fazer concentraram sobre ele o seu fogo e os arremessos de flechas, na esperança de o tomarem. Mas, mais uma vez, as suas expectativas foram goradas. A guarnição do batel conseguiu dominar o incêndio e continuou a combater com a mesma eficácia de antes.
Só restava ao inimigo retirar. Foi o que fez, tendo perdido nesta terceira batalha mais vinte e dois paraus e sofrido mais de seiscentos mortos.
Logo que a armada de Calicut iniciou a retirada, Duarte Pacheco, apesar de ter os seus homens exaustos, foi em sua perseguição com os dois infatigáveis batéis e, saltando em terra, matou muitos naires do senhor de Cambalão e queimou-lhe mais duas povoações, sem perder um único soldado!
E com tudo isto andavam os Malabares e os «Mouros» assombrados e diziam que o Deus dos Portugueses estava combatendo por eles, pois que de outro modo não se podia explicar como é que, sendo tão poucos, alcançavam sempre a vitória, tanto em terra como no mar, contra inimigos tão numerosos!


Saturnino Monteiro
em «Batalhas e Combates da Marinha Portuguesa»
 

Johny89

GF Ouro
Membro Inactivo
Entrou
Jun 21, 2009
Mensagens
683
Gostos Recebidos
0
Ormuz - 27 de Setembro de 1507


user14884_pic4985_1223141409.jpg


Ao raiar do dia 25 de Setembro do ano de 1507 começou a aproximar-se do fundeadouro principal da cidade de Ormuz uma estranha esquadra de seis naus, coberta de bandeiras e pendões que nunca haviam sido vistos por aqueles mares.

Tratava-se de uma esquadra portuguesa que partira de Lisboa no fim do Inverno de 1506, integrada na armada de Tristão da Cunha. O seu capitão-mor chamava-se Afonso de Albuquerque!
Pelo meio-dia, os navios portugueses alcançaram o porto e fundearam, em ar de desafio, junto das maiores naus que ali se encontravam, ao mesmo tempo que salvavam à terra com toda a sua artilharia e as suas guarnições atroavam os ares com enorme algazarra.

Ormuz era então a cidade mais importante do golfo Pérsico e chave do comércio marítimo entre a Arábia, a Pérsia e a Índia. Os seus palácios e casas de habitação em nada ficavam a dever aos da Europa. As suas ruas eram numerosas e nelas proliferavam as lojas e os mercados, onde se podiam encontrar todos os produtos do Oriente, desde os mais modestos, como as tâmaras e os limões, até aos mais sumptuosos, como as pérolas de Barém, os cavalos e as tapeçarias da Pérsia ou as sedas e as porcelanas da China.
Pois fora precisamente esta cidade, rica e poderosa entre todas, que o rei D. Manuel de Portugal decidira subjugar, erguendo nela uma fortaleza, e era a isso que vinha a esquadra de Afonso de Albuquerque.
Ormuz era nessa época um reino praticamente independente, embora vagamente vassalo do xá da Pérsia. Quem o governava não era o rei, que tinha apenas quinze anos, mas sim um grão-vizir todo poderoso chamado Cogeatar.

A chegada dos portugueses, com todo o seu aparato bélico, constituiu um choque mas não propriamente uma surpresa para este. Na verdade, durante as últimas cinco semanas não tinham cessado de chegar a Ormuz notícias alarmantes, mesmo aterradoras, acerca de uma esquadra de frangues (cristãos) e de um terrível capitão que estava pondo a ferro e fogo a costa de Omã. Sabia-se que Calaiate, Curiate, Mascate, Soar e Corfação se haviam tornado vassalas do rei de Portugal; que aquelas que tinham resistido tinham sido tomadas à viva força e saqueadas; que aos prisioneiros de guerra tinham sido cortados os narizes e as orelhas. Dizia-se mesmo que os Portugueses comiam gente!
Por tudo isto Cogeatar se sentia apreensivo e tratara de tomar as suas precauções. Proibira a saída de qualquer das cerca de sessenta naus que estavam fundeadas em Ormuz e guarnecera-as com muita gente de armas, ao mesmo tempo que mandava chamar a sua armada, constituída por cerca de cem terradas (navios parecidos com fustas) que se encontravam na costa da Pérsia.
O que ele felizmente não sabia é que a esquadra de Afonso de Albuquerque, apesar da fama de que vinha precedida, era muito menos forte do que aparentava. Essa esquadra tinha passado um longo inverno na costa oriental da África. Integrada na armada de Tristão da Cunha, colaborara nos assaltos a Hoja e Brava e na conquista de Socotorá. Tendo perdido muita gente por doença, restavam-lhe apenas quatrocentos e sessenta homens, metade dos quais doentes ou debilitados. Todos os navios estavam a precisar de grandes reparações, tanto no casco como no aparelho. Pior que tudo, havia grandes dissensões entre Albuquerque e os seus capitães.
Mas Afonso de Albuquerque era um actor consumado e um mestre na arte da guerra psicológica. Apesar de ter os navios e as guarnições a cair aos bocados e de os seus capitães estarem à beira da rebelião, comportou-se como se dispusesse da maior e mais bem equipada armada do mundo e acabou por convencer disso os seus adversários, criando neles um complexo de inferioridade e de receio.

Uma hora depois de ter fundeado, como não tivesse aparecido ninguém a cumprimentos, Albuquerque mandou recado à maior nau que estava no porto, junto da qual tinha largado ferro, para que o seu capitão viesse imediatamente a bordo, caso contrário a meteria no fundo!
Tratava-se de uma nau enorme, pertencente ao rei de Cambaia, que tinha a bordo perto de mil homens entre marinheiros e soldados. Pois o que aconteceu é que, perante o ultímatum de Afonso de Albuquerque, o seu capitão acobardou-se e foi-se apresentar imediatamente no navio daquele. Para o receber, Albuquerque montou uma encenação grandiosa, aparecendo ricamente vestido, rodeado de fidalgos e homens de armas cobertos com armaduras reluzentes e empunhando lanças e espadas, no meio de bandeiras, colgaduras e almofadas de seda, à mistura com pelouros, bestas e machados de abordagem.

Aproveitando o efeito produzido por todo este aparato, explicou amavelmente ao capitão da nau de Cambaia que ele, capitão-mor daquela esquadra, tinha vindo por mandado de el-rei D. Manuel de Portugal apenas para tomar Ormuz sob a sua protecção e autorizar todos os navios que navegavam por aqueles mares que o continuassem a fazer livremente desde que, evidentemente, o reconhecessem por soberano e senhor. Pediu-lhe que levasse o recado a Cogeatar e que lhe dissesse mais o seguinte: que, no caso de estar disposto a aceitar tão generosa oferta, se devia apresentar no dia seguinte naquela mesma nau para assentar pormenores; caso contrário, que teria muita pena, mas que se veria obrigado a queimar todas as naus que estavam no porto e a tomar Ormuz pela força das armas como havia feito com as cidades da costa de Omã que lhe tinham resistido. E acrescentou, à laia de confidência, que a si tanto lhe fazia, mas até que preferia que Cogeatar recusasse porque ele próprio, assim como os fidalgos e soldados que ali via, já estavam com saudades de um bom combate!

Ao receber a mensagem de Albuquerque, Cogeatar pensou que ele devia ser doido para se atrever a desafiá-lo, apenas com seis pequenas naus metidas no meio de sessenta muito maiores e bem guarnecidas de gente de armas. Mas o capitão da grande nau do rei de Cambaia aconselhou-o a que tivesse cautela. O capitão português o os fidalgos e soldados que estavam com ele pareciam gente muito perigosa. Que se lembrasse do que tinha acontecido às cidades da costa de Omã!
Cogeatar era um político hábil e prudente. Por isso não se precipitou. Foi consumindo todo o dia 26 com respostas evasivas e dilatórias, procurando ganhar tempo, para que a sua armada de terradas pudesse chegar a Ormuz, o que veio a acontecer nessa mesma noite.
Notando que a coberto da escuridão as naus que estavam mais perto dos navios portugueses mudavam de posição e ouvindo o rumor provocado pelo intenso movimento dos batéis que traziam reforços de armas e soldados, Afonso de Albuquerque compreendeu que Cogeatar não se assustara suficientemente e decidira combater.

Ao amanhecer do dia 27, os portugueses puderam constatar que as naus inimigas tinham ido fundear mais junto à praia, muito próximas umas das outras, tendo a maior parte delas os costados protegidos com arrombadas feitas com sacos de algodão. Em algumas, já as guarnições estavam tocando trombetas, fazendo grande alarido e agitando as armas. Detrás das naus, saiam em grupos compactos as terradas de Ormuz que vinham tomar posição pelo outro bordo dos nossos navios, de modo a cercá-los completamente. Ao longo da praia viam-se muitos esquadrões formados e alguns baluartes com artilharia.
Afonso de Albuquerque não perdeu tempo. Como o vento era muito fraco, ordenou aos batéis que tomassem as suas naus a reboque e foi fundear a curta distância da grande nau do rei de Cambaia e das outras naus que lhe pareceu serem as principais da armada inimiga. E, sem mais detença, abriu fogo!
O inimigo respondeude imediato, travando-se um furioso duelo de artilharia, acompanhado por contínuas descargas das espingardas e arremessos de flechas, tudo isso no meio de um barulho ensurdecedor e de uma densa fumarada que o vento, por ser muito fraco, não conseguia dissipar.
Aproveitando o empenhamento dos portugueses no combate com as naus e as nuvens de fumo que, em parte, cobriam os seus movimentos, as terradas de Ormuz atacaram várias vezes pelo bordo contrário. Começaram então as nossas naus a experimentar algumas dificuldades, pois tinham pouca gente e viam-se obrigadas a sustentar o combate de artilharia com as naus adversas por um bordo e, ao mesmo tempo, repelir os ataques das terradas pelo outro. Porém, como estas, devido ao seu número, eram forçadas a avançar em massas compactas, ofereciam um alvo ideal aos nossos bombardeiros, que não perdiam um tiro. Depois de algumas delas terem sido afundadas e outras terem sofrido avarias graves e terem tido muitos mortos e feridos, desistiram dos seus ataques e regressaram à praia.
Andava ali Cogeatar, num batel, providenciando o envio de reforços para as naus que estavam sofrendo mais baixas. Ao ver aparecer as terradas, recompletou as suas guarnições e tornou-as a mandar ao ataque das naus portuguesas. Elas assim o fizeram mas, de novo, sem qualquer êxito. Nos dois ataques perderam as terradas de Ormuz quinze a vinte unidades afundadas e muitas mais gravemente avariadas.
Entretanto, prosseguia o combate de artilharia com nítida vantagem para os portugueses, cujos canhões de bronze eram muito mais potentes que os canhões de ferro dos adversários. Das naus que estavam sendo alvejadas pelos nossos navios, duas já tinham sido afundadas e as restantes, tinham o convés juncado de mortos e feridos. Vendo a sorte que as naus mais poderosas tinham tido, muitas outras começaram a aproximar-se ainda mais da praia para onde as suas guarnições fugiam a nado antes que as nossas naus se aproximassem delas.
Albuquerque tinha dado ordens rigorosas aos seus capitães para que ninguém se lançasse à abordagem antes de ele pr6prio o fazer, pois que, dada a superioridade numérica do inimigo, pensava ser mais prudente desgastá-lo e desmoralizá-lo primeiro com o fogo da artilharia. Porém, quando verificou que a maioria das naus inimigas já não respondia ao fogo das nossas e que as suas guarnições começavam a debandar, deu o sinal de abordagem, pelo qual os fidalgos esperavam ansiosamente, mandando o batel da sua nau aferrar a nau do rei de Cambaia.
A tomada desta nau não foi fácil. Por um lado, a altura do seu costado tornava muito difícil a escalada dos portugueses carregados de armas; por outro, ainda havia nela muitos soldados aguerridos que durante o combate de artilharia tinham permanecido abrigados nos pavimentos inferiores e que agora surgiam no convés dispostos a repelir os nossos. Travou-se então um violento combate à arma branca, em que, mais uma vez, o maior valor, a maior experiência e as armaduras e capacetes dos portugueses acabaram por levar a melhor. Logo que os capitães dos persas foram mortos, os soldados lançaram-se à água.
Uma outra grande nau, pertencente à cidade de Fartaque, ofereceu denodada resistência ao assalto dos nossos batéis, mas acabou por ser igualmente dominada. Cerca de vinte naus foram capturadas praticamente sem oposição.
Desbaratadas as naus que se encontravam mais longe da praia, os batéis começaram a perseguir às lançadas os numerosos soldados e marinheiros inimigos que a nado tentavam chegar a terra. Foi uma verdadeira carnificina, em que foram mortos mais de um milhar de homens, perante o olhar horrorizado dos habitantes da cidade que seguiam com ansiedade todas as peripécias da batalha.
Por sobre as águas tintas de sangue dirigiram-se então os batéis portugueses para as naus que tinham ido fundear junto da praia e lançaram-lhes fogo, ao mesmo tempo que lhes cortavam as amarras. Arrastadas pela brisa, cerca de trinta naus, ardendo como archotes, foram descaindo lentamente para a costa da Pérsia, onde se acabaram de consumir.
Afonso de Albuquerque, que se mudara para um batel, andava de um lado para o outro, procurando coordenar as acções dos seus homens. Ao passar perto da praia, Cogeatar mandou atirar-lhe com um canhão de um dos baluartes. Mas o tiro falhou. Respondeu-lhe imediatamente o «berço» do batel, que acertou em cheio no palanque donde o rei de Ormuz estava assistindo ao combate. Aterrorizado, o rei fugiu para a cidade. Cogeatar, vendo que os nossos batéis punham as proas em terra, receou que os portugueses fossem acometer a cidade e deu ordem às tropas que estavam na praia para se recolherem a ela. Isso permitiu aos nossos desembarcar à vontade e tomar de assalto uma pequena povoação que havia no extremo da ribeira onde alguns soldados de Ormuz se tinham entricheirado numa mesquita. Seguidamente, começaram a queimar as naus, perto de uma centena, que estavam em reparação ou em construção na ribeira.
Se essas naus fossem queimadas, seria a ruína completa da cidade de Ormuz, cuja prosperidade se devia exclusivamente ao comércio marítimo. Por isso Cogeatar apressou-se a pedir a paz, enviando um «mouro» com uma bandeira branca a Afonso de Albuquerque. Em altos gritos, increpava aquele os soldados portugueses para que cessassem de queimar as naus... que pertenciam ao rei de Portugal!
Albuquerque aceitou a rendição a troco do pagamento de um pesado tributo anual e da autorização para construir uma grande fortaleza na ponta norte da ilha, destinada a assegurar em definitivo o domínio do Golfo Pérsico e regiões circundantes pelos Portugueses.
Na batalha naval de Ormuz perderam os Ormuzinos cerca de oitenta naus, entre as que foram afundadas, queimadas no mar ou em terra, ou capturadas bem como cerca de trinta terradas afundadas ou capturadas e cerca de três mil mortos além de muitos mais feridos. Do lado português houve apenas onze feridos, entre os quais alguns graves.
Terminada a batalha os soldados portugueses puderam verificar que muitos dos inimigos mortos tinham flechas espetadas no corpo, arma que os portugueses não usavam. Supomos que terão sido flechas disparadas pelas terradas que, passando por cima das naus portuguesas, terão ido atingir as guarnições das naus de Ormuz que estavam do lado contrário. A versão que correu entre os nossos para explicar o facto foi que Deus tinha enviado os anjos, armados com arcos e flechas, para combater a seu lado!
Poucos dias depois, Albuquerque deu início à construção da fortaleza. Mas, algumas semanas mais tarde, teve de desistir e abandonar Ormuz, por três dos seus capitães terem desertado para a Índia com as suas naus. Tentou no ano seguinte (1508) recuperar a cidade, dispondo apenas de quatro navios, mas também não o conseguiu. Parecia então que a grande vitória que alcançara em 27 de Setembro de 1507 não servira para nada.
Mas não foi isso que aconteceu. A fama que nela alcançara perdurou. E, quando no Outono de 1515 ali voltou, aureolado pelas conquistas de Goa e de Malaca, Ormuz entregou-se sem a menor resistência, declarando que nunca deixara de ser vassala do rei de Portugal!


Saturnino Monteiro
em «Batalhas e Combates da Marinha Portuguesa»
 

Johny89

GF Ouro
Membro Inactivo
Entrou
Jun 21, 2009
Mensagens
683
Gostos Recebidos
0
Chaul - Março de 1508


D. Lourenço foi enviado por seu pai, D. Francisco de Almeida, então vice-rei da Índia, para proteger algumas naus, entre Cochim e Chaul. Levava uma frota de oito navios, da qual eram capitães Pêro Barreto, Lobo Teixeira, Duarte de Melo, Gonçalo Pereira, Francisco de Anaia, Paio de Sousa e Diogo Pires, sob as ordens dele. Pelo caminho, entraram em alguns portos, onde saquearam e incendiaram a maioria das naus dos mouros que neles se encontravam. D. Lourenço foi avisado de que em Diu estava uma armada de rumes (soldados turcos ou egipcios, que o sultão do Egipto enviara à Índia, a pedido dos reis de Calecut e de Cambaia, na intenção de expulsar os portugueses).

D. Lourenço preparou-se para ir a Diu, mas os rumes chegaram ao porto de Chaul com toda a sua armada, de que era capitão Mirhocem, a armada era composta por uma grande nau e seis galés. Acompanhavam esta armada trinta e quatro fustas (compridas embarcações de fundo chato, a movidas a remos ou a vela) enviadas pelo rei de Cambaia e sob o comando de Miliquiaz, governador de Diu. Todos estes barcos vinham bem equipados e armados com muita artilharia de grande calibre. Ao ver esta armada na barra de Chaul, D. Lourenço, pelo rumo e feitio das naus, pensou que eram os barcos de Afonso de Albuquerque por quem esperavam. Assim, de nada desconfiou até que Mirhocem entrou pelo rio com as suas naus e galés, arvorando bandeiras vermelhas com luas brancas, e ao passar pelos navios portugueses logo os atacou com bombardas, espingardas e frechas, indo lançar ferro junto da cidade. Refeitos da surpresa, os portugueses responderam de igual modo. Ancorada a frota inimiga, D. Lourenço, apesar de ter muitos feridos em todas as naus, decidiu com a sua e a de Pêro Barreto, abalroar o galeão de Mirhocem, e ordenou aos restantes capitães como haviam de abalroar as outras embarcações inimigas.

Mirhocem receoso de combater sem o apoio de Miliquiaz, mandou as galés fazerem fogo contra os navios portugueses, e com o primeiro tiro arrombaram o de D. Lourenço de Almeida. Passaram toda a noite a trabalhar para abalroar o galeão ao romper da manhã. Mas o vento era escasso pelo que nada conseguiram, no entanto os navios ficaram tão próximos que de um e outro lado os homens se alvejavam com armas de arremesso, o que dava vantagem aos rumes, pois sendo o seu navio mais alto, puderam ferir muitos portugueses, entre os quais o próprio D. Lourenço, atingido por uma seta e logo depois por outra em pleno rosto.

Pêro Barreto pôde abalroar uma das naus inimigas, sendo ele o primeiro a saltar para bordo, conquistando-a. Diogo Pires e mais dois capitães portugueses conseguiram abalroar mais três naus. Movido por essa vitória, D. Lourenço apesar de ferido, quis atacar o galeão de Mirhocem, mas a conselho dos outros capitães não o fez, por ter ele próprio muita gente ferida e os restantes fracos. No dia seguinte Miliquiaz entrou no rio Chaul, e com a sua chegada os rumes ganharam novo ânimo. Tendo fundeado perto de Mirhocem, Miliquiaz mandou avançar três fustas, ao encontro das quais saíram Paio de Sousa e Diogo Pires, com as suas galés, afundando uma das fustas e obrigando as outras duas a vararem em terra.

Ao romper de alvorada, Miliquiaz com as suas frustas, cercou a nau de D. Lourenço, atirando-lhe muitas bombardas, uma das quais lhe acertou de modo que começou a meter água em grande quantidade, indo encalhar numa estacada de pescadores. Quando Miliquiaz viu que a nau nao poderia escapar-lhe, ordenou a algumas das suas fustas que abalroassem a galé de Paio de Sousa, mas esta levada pela corrente do rio foi-se afastando. Quando a galé chegou ao ponto onde estavam as de Pêro Barreto, Duarte de Melo e Diogo Pires, ao verem que a nau de D. Lourenço não aparecia lançaram ferro, e o mesmo fizeram Francisco de Anaia e Lobo Teixeira, que já iam fora da barra. D. Lourenço, embora lhe tivessem preparado o escaler da nau, não quis abandonar o seu posto, mesmo depois de um tiro de bombarda lhe ter arrancado uma coxa, até que outra o matou. Nessa altura já a nau estava quase ao rés da água por causa de muitos tiros que lhe acertaram, e os inimigos, que de todos os lados a cercavam, abalroaram-na e invadiram-na por três vezes, sendo três vezes derrotados.

Mas como os portugueses eram poucos e sem ajudas, e eles muitos, os inimigos entraram definitivamente, travando-se uma luta, até que Miliquiaz, pesando-lhe ver morrer homens tão valentes, ainda salvou vinte. Nesta luta morreram oitenta portugueses entre capitães e marinheiros. Ao todo na nau de D. Lourenço e nas outras, morreram cento e quarenta homens e ficaram feridos cento e vinte e quatro.

Wikipédia
 

Johny89

GF Ouro
Membro Inactivo
Entrou
Jun 21, 2009
Mensagens
683
Gostos Recebidos
0
Batalha Naval de Diu - 3 de Fevereiro de 1509


BatalhanavalDiu.jpg


A batalha ocorrida nas águas próximas da cidade de Diu, marca o inicio do que os historiadores indianos chamam de Era «Vasco da Gama», um período de 500 anos de domínio das potências europeias na Ásia e que começou com esta batalha e que terminou em 1999, quando os portugueses saíram da cidade de Macau.

Quando os portugueses chegaram à Índia, depararam-se de imediato com a oposição dos mercadores árabes.
Os portugueses pretendiam efectuar o comércio de mercadorias desde a Índia para a Europa através da rota do cabo, o que levaria a que Portugal se transformasse num potentado comercial, desafiando assim o poder dos árabes no oceano Índico que eram quem controlava o comércio.

Antecedentes

Quando os portugueses chegaram à Índia em 1498, o comércio de especiarias naquela região era controlado por mercadores muçulmanos, na sua esmagadora maioria árabes, que transportavam as mercadorias entre a costa ocidental da Índia e o mar vermelho.

Ali, caravanas dirigiam-se para as cidades de Alexandria ou Beirute, nos domínios do Sultão da dinastia dos mamelucos. A estas cidades do Sultão, chegavam por sua vez as galés de Veneza, a qual controlava grande parte do comércio no mediterrâneo, tendo os seus mercadores o quase monopólio do comércio das especiarias asiáticas na Europa.

Com a chegada dos portugueses à Índia, abateu-se sobre os mamelucos do Egipto, os venezianos, os comerciantes árabes e também sobre os muçulmanos do sub-continente indiano um manto de desespero.

Só como exemplo, pode-se dizer que se em 1498 Veneza com todo o seu poder económico não tinha tido dinheiro suficiente para comprar toda a pimenta e especiaria que havia nos portos do Mediterrâneo Ocidental, penas quatro anos depois, em 1502, os mercadores de Veneza conseguiram comprar apenas quatro fardos de pimenta. Em 1506, o comércio das especiarias tinha sido completamente interrompido, não chegando a Veneza um só grão de pimenta.

Uma aliança contra Portugal

Na realidade, os portugueses tinham conseguido de uma só vez, desafiar e colocar em causa o poder económico de nações inteiras, que de uma forma ou de outra viam a sua prosperidade em risco com a chegada dos portugueses.

A maior potência com capacidade para fazer qualquer coisa do ponto de vista militar, era o Sultão dos Mamelucos de Alexandria, Kansuh Al Ghuri.
Este, é pressionado pelos comerciantes de Alexandria e de Beirute, e recebe os embaixadores dos reinos muçulmanos da Índia, com o Samorim de Calecut à cabeça, recebeu o Xeque de Adén, cidade-estado do Mar Vermelho e recebe também uma missão secreta que lhe foi enviada pelo Conselho dos Dez, autoridade máxima da República de Veneza, que é recebido em segredo, porque os venezianos, cristãos, não querem ser vistos no mundo ocidental como aliados dos muçulmanos.
Mas o objectivo de todos eles, é simples: Expulsar os portugueses das águas do Oceano Índico, se necessário pela força.

O Sultão de Alexandria, manda ainda uma missão ao Papa em Roma, exigindo que este ordene a retirada dos portugueses, sob pena de mandar matar todos os cristãos residentes nos seus estados e de destruir o Santo Sepulcro.

O Papa manda o emissário a Lisboa, mas o rei de Portugal, que já tinha sido informado em Outubro de 1504, tinha rapidamente preparado um plano de acção, de tal forma que quando o emissário chegou à capital portuguesa, em Junho de 1505, já uma esquadra de 22 navios e 1500 soldados destinada a reforçar o poder português na Índia se tinha feito ao mar havia três meses. Enquanto os portugueses avançavam para a Índia a aliança estabelecida contra Portugal debatia-se com indecisões e planos de acção.

A resposta da aliança é tardia e só em 1507, com as forças portuguesas já na Índia é que o Sultão se decide a preparar uma armada para combater os portugueses que entretanto tinham chegado ao Índico com mais homens e navios. Com o apoio de Veneza, que lhe fornece grandes quantidades de madeira e artesãos. Mas uma frota dos cavaleiros Hospitalários sediados na ilha de Rhodes - comandados pelo português André do Amaral - intercepta parte da madeira destinada à construção de naus e galés, pelo que a esquadra será constituída apenas por seis grandes naus e seis galeras, onde seguiam 1600 soldados, num total de 2500 homens entre os quais venezianos e muitos marinheiros turcos, já que não havia uma grande tradição naval entre os mamelucos.

Os doze navios da armada do Sultão fizeram-se ao mar no final de 1507 e navegaram na direcção da cidade de Diu, com o propósito de se juntar à esquadra de Melik Yaz, comandante russo ao serviço do rei de Gujarat, que era constituída por quarenta galeras.

No inicio de 1508, estas duas esquadras, constituídas por 52 navios surpreenderam uma força, comandada por D. Lourenço d’Almeida filho do Vice-Rei da Índia. Por questões de vento, apenas uma das naus portuguesas pode dar luta aos navios da aliança, pelo que o navio foi derrotado, tendo morrido 80% da sua tripulação, contando-se entre as vítimas o próprio filho do Vice-Rei. A batalha não passou de um recontro sem consequências pois nenhum navio de carga se perdeu, e as duas esquadras voltaram a reorganizar-se mas a morte do filho levou o Vice-Rei, D. Francisco D’Almeida a jurar vingança.

A batalha

Com o recontro em que morreu o próprio filho do Vice-Rei português, o prestigio da frota do Sultão e da frota do Gujarat, aumentaram muito e julgando ser possível a derrota dos portugueses, uma grande esquadra pequenas fustas foi enviada pelo Samorim de Calecut como reforço das forças que deveriam enfrentar os portugueses. Mas a resposta destes começou logo a ser planeada, e dela iria resultar na batalha de Diu.

D. Francisco de Almeida reuniu uma esquadra constituída por dezanove navios, com 1900 homens zarpou da cidade de Cochim A 12 de Dezembro de 1508 com o objectivo de Combater a esquadra do Sultão do Egipto e dos seus aliados.

Pelo caminho, e conforme planeado, no caso de não ser encontrada a esquadra inimiga, a esquadra portuguesa dirigiu-se à cidade inimiga de Dabul, a qual foi conquistada numa batalha que teve inicio a 29 de Dezembro, mesmo perante a presença de 6.000 homens e artilharia na fortaleza e da presença de quatro grandes navios do reino de Cambaia que foram no entanto destruídos pela artilharia das naus portuguesas.
Após ter aportado a Chaul, o comandante português envia uma carta para Diu a informar que atacará a cidade, e que não deixará ninguém vivo se tiver oposição.

A 2 de Fevereiro, os navios portugueses chegaram às águas de Diu.
À esquadra do Sultão (comandada por Hussein Al Kurdi), e à do rei de Gujarat (comandada por Melik Yaz) somava-se já a esquadra de duzentas Fustas armadas com canhões enviada pelo Samorim de Calecut que se encontrava fundeada no refúgio concedido pelas águas baixas da baía que se forma entre o continente e a ilha de Diu.

diuw.jpg


Embora com um grande número de navios e barcos armados de vários tipos, as forças que enfrentavam os portugueses sofriam de vários problemas. A esquadra que tinha vindo do Egipto, construída com o auxílio de Veneza estava reduzida a metade dos homens e na Índia não é fácil encontrar tripulações que aceitassem ir para o mar.

Ao mesmo tempo, tinham chegado noticias (que aliás se confirmaram) da chegada de uma grande força portuguesa ao sul da Índia, o que contribuiu para aumentar a desconfiança, o medo e o temor de uma expedição portuguesa com o intuito de vingar a morte do filho do Vice-Rei. O comando da totalidade das forças navais foi entregue a Hussein Al Kurdi, o comandante da força do sultão do Egipto, enquanto Melik Yaz se retira alegadamente por causa de problemas internos no Gujarat.

À vista da esquadra de D. Francisco de Almeida, que inicia o bloqueio de Diu à tarde, Hussein Al Kurdi manda atacar os navios portugueses com os navios mais pequenos a remos, das frotas de Diu e de Calecut, bem assim como com as galés vindas do Egipto e quatro dos principais navios da esquadra de Diu. No entanto, a ondulação impediu qualquer sucesso, pela dificuldade em fazer pontaria, o que levou os navios a remos indianos a voltar para trás, para as águas baixas, em frente da fortaleza da cidade.

Entretanto, a utilização dos navios de Diu pelo comandante egípcio (Hussein Al Kordi) desagradou a Malik Yaz, que voltou a Diu e deu ordens para que os seus navios voltassem para próximo da costa, onde deveriam ficar sob protecção da artilharia da fortaleza de Diu.

No dia seguinte, os portugueses passaram à acção. Dos seus dezoito navios, quatro ficam na retaguarda. O Galeão Flor de la Mar com o comandante da esquadra, duas caravelas latinas que pela sua mobilidade poderiam impedir a passagem de Fustas e Paraus juntamente com o mais pequeno navio, um Bergantim.

Os restantes navios portugueses, atacam pelas 11:00 os navios das três esquadras que se encontram próximo da costa e sob alcance protector dos canhões da fortaleza de Diu.

Embora alguns dos navios portugueses tivesse sido fortemente atingidas pela artilharia baseada em terra, eles conseguiram atingir as posições onde se tinha recolhido a esquadra inimiga.

Mesmo considerando que alguns dos navios portugueses tinham maior calado e por isso maior dificuldade em passar no estreito e pouco profundo canal, a desorganização provocada pelo ataque inicial da artilharia dos navios portugueses, levou a que um dos principais navios da esquadra do Sultão do Egipto se afundasse rapidamente.

Isto levou a aumentar ainda mais a desorganização e a falta de coesão entre as várias forças que defendiam Diu.
A situação era ainda mais complicada, porque não era possível utilizar a grande superioridade numérica das Fustas, armadas com artilharia, as quais não tinham espaço suficiente para fazer valer essa mesma superioridade numérica, ficando condicionados pelo espaço disponível, a atacar os portugueses em grupos pequenos, que iam sendo rechaçados pela artilharia dos navios portugueses.

O comandante egípcio, fugiu do seu navio, quando a sua defesa se tornou insustentável e atravessou o canal até à costa norte, de onde escapou a cavalo em direcção à cidade de Cambaia.

Consequências da batalha

Embora várias outras esquadras (até maiores) tenham sido enviadas pelo Sultão do Egipto e pelos seus aliados turcos para o oceano Índico, a verdade é que quando isso aconteceu, o poder português já se tinha estabelecido de forma muito mais coesa.

O domínio efectivo do Indico começou assim, em 1509 com a destruição das forças que ainda se opunham aos portugueses no mar. Com os portugueses a controlar o mar, os reinos das costas da Índia que dependiam fortemente do comércio marítimo, não tiveram outra hipótese que não a de aceitar a gestão e controlo português do comércio quer com a Europa, quer do comércio entre os vários reinos das costas do Índico e do comércio com o extremo oriente.

A vitória de Diu, levou a que muitos dos pequenos reinos da costa ocidental da Índia aceitassem o controlo português. Em 1512, três anos mais tarde, a própria cidade de Calecut, com a mudança do Samorim, aceitará a suserania portuguesa.

Nas décadas seguintes, com a situação controlada por via diplomática, mas sempre segura com a ameaça velada dos portugueses de agir militarmente utilizando para isso os seus navios - cuja superioridade tinha sido provada – foi atingido o completo domínio do Oceano Índico, e quando o seu domínio foi contestado, os portugueses rapidamente destruíram as ameaças, garantindo assim o livre trânsito para os seus navios de carga.

O poder absoluto e incontestado dos portugueses no Índico, foi no entanto um toque de «Midas». Apenas 50 anos depois, o apertado controlo que o Estado impunha ao comércio, acabou por levar a um aumento da corrupção, que acabaria por ser, juntamente com a união dinástica das coroas ibéricas de 1580-1640, uma razão da queda do primeiro império oceânico da História.

Área Militar
 
Última edição:

Johny89

GF Ouro
Membro Inactivo
Entrou
Jun 21, 2009
Mensagens
683
Gostos Recebidos
0
Malaca - Janeiro de 1513


Corria o mês de Janeiro de 1513 quando apareceu inesperadamente diante de Malaca uma enorme armada de Javos constituída por dois juncos de grandes dimensões, cerca de cinquenta juncos mais pequenos e uma centena de lancharas e calaluzes (pequenos navios de remo semelhantes às fustas) em que iam embarcados para cima de dez mil homens. O comandante desta armada era Pateonuz, senhor de Japará, uma cidade da costa norte da Ilha de Java, que desde há muito ambicionava tornar-se senhor de Malaca. Sabendo que nesta cidade, depois de ter sido conquistada pelos Portugueses, havia menos de quatrocentos homens, entre soldados, marinheiros e mercadores, logo tratara de reunir uma grande armada com que contava realizar o seu sonho.

Nessa altura estavam em Malaca dez naus, duas caravelas, duas galés, dois juncos de mercadores malaios e duas dezenas de lancharas do bendará de Malaca. Para reforçar as naus foram retirados da fortaleza vários canhões e cerca de cento e oitenta soldados, ficando aquela apenas com vinte quase todos doentes. O aprontamento dos navios demorou toda a noite.

Ao outro dia de manhã a armada portuguesa fez-se ao mar, sob o comando de Fernão Peres de Andrade, navegando ao encontro da armada de Pateonuz que, durante a noite, tinha descaído para sul. Nessa época a maioria dos capitães portugueses ainda não se habituara a combater em formatura. Avistado o inimigo, a única preocupação de cada um era ser o primeiro a chegar ao contacto. Neste caso essa honra coube a Jorge Botelho, cuja nau era o navio mais rápido da armada. E logo se meteu pelo meio dos inimigos disparando furiosamente a artilharia e a espingardaria por ambos os bordos. Os outros seguiram-lhe o exemplo.

Os juncos malaios, copiados dos chineses, eram excelentes navios que em robustez e manobrabilidade em nada ficavam a dever aos navios europeus, antes pelo contrário. O seu ponto fraco era que praticamente não dispunham de artilharia, limitando-se ao lançamento de flechas antes da abordagem. Pelo contrário, as naus portuguesas, além dos canhões de médio calibre que disparavam através das portinholas do costado, dispunham de «berços», peças de pequeno calibre, de elevada cadência de tiro, montadas na amurada, de numerosas espingardas, de lanças de fogo e de panelas de pólvora (espécie de bombas incendiárias) que os marinheiros lançavam das vergas para dentro dos navios inimigos a fim de os incendiar.

Durou esta primeira fase da batalha o dia inteiro com os navios javos a tentarem repetidamente abordar os navios portugueses e estes a repelir as tentativas de abordagem com o disparo incessante dos seus canhões e das suas espingardas e com o lançamento de grande quantidade de artifícios de fogo sobre os que se aproximavam mais. Embora nenhum dos navios javos tenha sido afundado a maior parte ficaram muito destroçados e cheios de mortos e feridos. Vinda a noite, a armada portuguesa fundeou em frente de Malaca e a de Pateonuz mais a sul.

Considerando que os portugueses não tinham conseguido afundar nenhum dos navios javos e que numa segunda batalha a pólvora se lhes podia vir a faltar e serem tomados à abordagem, o capitão de Malaca ordenou a Fernão Peres de Andrade que devolvesse os soldados à fortaleza, que metesse os navios de remo num rio a sul da cidade e que com as naus e as caravelas seguisse para a Índia a fim de pedir socorros ao Vice-Rei. Mas Fernão Peres e os seus capitães não estiveram pelos ajustes. Ignoraram a ordem e, na manhã do dia seguinte, foram atacar a armada de Pateonuz que, alarmado com os estragos e baixas que os seus navios tinham sofrido estava em franca retirada para Java.

E teve lugar uma segunda fase da batalha que se desenrolou nos moldes da primeira com a diferença de que os navios portugueses se aproximaram mais dos contrários atacando-os com o fogo da artilharia a curtíssima distância e o lançamento de panelas de pólvora. Um após outro os navios javos iam sendo afundados a tiro de canhão ou incendiados. Começaram então as naus portuguesas a abordar os juncos mais avariados que iam ficando para trás, tomando grande número deles que depois de saqueados, eram queimados. Por fim só restava o junco de Pateonuz com outros cinco amarrados a ele e um junco grande também amarrado a outro mais pequeno. O segundo grupo foi tomado à abordagem nessa mesma tarde após um combate terrível. O primeiro grupo foi obrigado a desfazer-se durante a noite devido ao mau tempo que se levantou. Na manhã seguinte os cinco juncos mais pequenos que o compunham foram queimados ou metidos no fundo pela artilharia da nau do incansável Jorge Botelho. Só o grande junco de Pateonuz conseguiu escapar!

Esta foi uma das maiores batalhas travadas pela Marinha Portuguesa embora com consequências de ordem estratégica relativamente limitadas.

Marinha Portuguesa
 

Johny89

GF Ouro
Membro Inactivo
Entrou
Jun 21, 2009
Mensagens
683
Gostos Recebidos
0
Bintão - Novembro de 1526


Logo que recebeu a notícia de que fora designado para governador da Índia por motivo do falecimento de D. Henrique de Meneses, Pêro Mascarenhas, que era então capitão de Malaca, apressou-se a regressar a Cochim. Porém, não sendo ainda a época própria para fazer a viagem, apanhou um temporal tão violento que ficou com a nau desarvorada e foi obrigado a voltar a Malaca. Diz o Povo que «há males que vêm por bens». E foi o que aconteceu neste caso!

Pouco tempo antes, tinha chegado a Malaca a armada de Francisco de Sá que ia fazer uma fortaleza em Sunda e que estava aguardando a época própria para seguir para aquela região. Por isso, havia na cidade cerca de novecentos portugueses, o que era muito raro acontecer. Essa circunstância, aliada ao facto de não poder ir para a Índia antes do fim de Dezembro, fez nascer no espírito de Pêro Mascarenhas a ideia de ir destruir a cidade de Bintão e, de uma vez por todas, pôr termo a uma guerra que oprimia Malaca havia quinze anos.

Tendo em mente o que acontecera a Jorge de Albuquerque em 1521, começou a preparar minuciosamente a expedição, fazendo constar que se destinava à construção de uma fortaleza no estreito de Sunda (que fica entre Samatra e Java) e que era efectivamente a missão de que estava incumbida a armada de Francisco de Sá. E, a 23 de Outubro de 1526, largou de Malaca com uma armada que, pelas nossas contas, devia ser constituída por um galeão, uma nau, duas caravelas, duas navetas (naus pequenas), uma galé, duas galeotas, cinco fustas e dois batéis artilhados com «camelos» e protegidos com paveses e mantas. Nestes navios iriam embarcados perto de seiscentos portugueses, além de numerosos escravos e marinheiros malaios. Havia ainda mais quatro lancharas e cinco calaluzes, guarnecidos com quatrocentos malaios de Malaca, que acompanhavam a armada sob o comando de Tuão Mafamede, bendará da cidade.

Chegado a Bintão, Pêro Mascarenhas fundeou à entrada do canal que dava acesso à cidade e mandou imediatamente os catures efectuar um reconhecimento minucioso das posições inimigas. A principal defesa da ilha de Bintão era o facto de se encontrar quase completamente rodeada por grandes extensões de lodo que tornavam o acesso à cidade praticamente impossível, salvo por intermédio de um estreito e tortuoso canal. Nele tinha o rei de Bintão mandado construir numerosas estacadas que impediam a passagem de naus e de galés e obrigavam os navios de remo mais pequenos a andar às voltas. Numa ilhota existente à entrada do canal e numa ponta um pouco adiante, bem como no extremo ocidental da ilha, havia tranqueiras artilhadas, sobranceiras ao canal. A cidade propriamente dita estava rodeada por um fosso inçado de estacas envenenadas, por detrás do qual se erguia uma alta paliçada coroada por numerosas bombardas. Do outro lado do canal havia uma alta ponte fortificada. Finalmente, no centro da cidade, num pequeno outeiro, ficavam as casas do rei, metidas dentro de uma outra cerca com muita artilharia. Todas estas obras defensivas estavam guarnecidas com cerca de trinta mil homens. Varadas junto da cidade, havia ainda vinte lancharas, sobreviventes da batalha de Linga. No seu conjunto, as defesas de Bintão pareciam inexpugnáveis.

Para chegar à cidade, podiam os portugueses escolher entre duas linhas de acção. Uma delas consistia em deixar os navios grandes à entrada do canal e tentar o assalto só com os navios de remo mais pequenos, como fizera Jorge de Albuquerque em 1521; a outra consistia em arrancar as estacas e levar os navios grandes até junto da cidade para poder contar com o apoio da sua artilharia no assalto final. Dada a força do inimigo e o facto de ele se encontrar prevenido e devidamente preparado, Pêro Mascarenhas optou por esta segunda linha de acção, que, embora muito mais lenta e trabalhosa, era indubitavelmente mais segura.

Na manhã seguinte ao dia da chegada, quase no fim da enchente, o galeão e a nau, acompanhados dos dois batéis, aproximaram-se da ilhota situada à entrada do canal, onde o inimigo tinha construído uma tranqueira artilhada, e começaram a bombardeá-la com os «camelos», isto é, com os canhões de maior calibre, dos quais o galeão e a nau dispunham de seis e cada batel de um. Responderam os da tranqueira com «berços» e «falcões», peças de pequeno e médio calibre, prolongando-se o duelo de artilharia por cerca de uma hora. Mas os tiros dos «mouros» pouco efeito faziam nos nossos navios porque os batéis estavam protegidos pelas mantas e paveses e o galeão e a nau por arrombadas feitas com cabos grossos (uma espécie de grandes coxins) que levavam penduradas à borda e que eram mais do que suficientes para absorver o impacto dos pequenos pelouros lançados pelos «berços» e pelos «falcões». Pelo contrário, os pesados pelouros disparados pelos nossos «camelos» eram uma espécie de furacão de ferro que fustigava impiedosamente a tranqueira. Quebradas as paliçadas que sustentavam os parapeitos de terra, começou aquela a desfazer-se, ao mesmo tempo que as bombardas que nela se encontravam instaladas principiavam a voar pelo ar, acompanhadas pelos braços, pelas pernas e pelos corpos dos seus ocupantes. Não podendo suportar por mais tempo o fogo terrível dos navios portugueses, a guarnição da tranqueira fugiu a nado para a que se encontrava um pouco mais adiante. Imediatamente os nossos batéis abicaram à ilhota e recolheram as vinte bombardas que nela havia.

Eliminada assim a primeira tranqueira, passaram o galeão, a nau e os batéis à tranqueira seguinte dispostos a aplicar-lhe a mesma receita. Mas como a maré já estava muito baixa o galeão e a nau encalharam no lodo. Prevendo essa eventualidade, todos os navios de alto bordo levavam escoras que foram imediatamente colocadas para evitar que adornassem. No entanto, a colocação dessas escoras, debaixo do fogo da tranqueira, não se fez sem que alguns homens ficassem feridos. Ao outro dia, com a subida da maré, o galeão e a nau voltaram a flutuar e repetiu-se a cena do dia anterior. Esmagada pelo fogo da nossa artilharia, a segunda tranqueira ficou completamente destruída e teve de ser abandonada pela sua guarnição.

Começou então a parte mais árdua da empresa: desfazer as estacadas. As estacas eram feitas de uma madeira muito rija chamada pau-ferro, que não apodrecia dentro de água, e estavam encastradas em grandes pedras com o feitio de mós, profundamente enterradas no lodo. Para levantar as estacas, tinham sido montados no galeão, na nau e em uma das caravelas fortes gavietes (espécie de braços salientes com uma roldana na extremidade). Depois de abraçada uma estaca com um cabo de bitola (grossura) adequada, era este passado ao gaviete e daí ao cabrestante, onde era rondado até a estaca despegar do fundo. Com as mãos agarradas às barras dos cabrestantes e os pés fincados no convés, chusmas de soldados portugueses, escravos e marinheiros malaios, alagados em suor, faziam-nos rodar lentamente, dia após dia, na tarefa interminável de arrancar estacas. Era um trabalho extremamente fatigante e muito demorado, porque só podia ser feito com a maré cheia, dado que era necessário levar os navios à prumada das estacas. Em média, gastava-se cerca de meia hora para arrancar cada uma. E elas eram às centenas!

Iam já decorridos dez dias no penoso trabalho de desfazer as estacadas quando foram avistadas, vindas do lado do mar, cerca de trinta lancharas. Tratava-se de uma armada que o rei de Pão enviara em auxílio do seu aliado de Bintão, ao saber que estava sendo atacado pelos Portugueses, com muitos mantimentos e dois mil homens de reforço. Pêro Mascarenhas mandou imediatamente ao seu encontro as galeotas, as fustas, as lancharas e os calaluzes, que, graças ao seu pequeno calado, podiam passar por cima da zona baixa que fica a oeste da ilha de Bintão. Logo que os nossos navios tiveram o inimigo ao alcance de tiro principiaram a alvejá-lo com a artilharia. De principio, as lancharas de Pão ainda responderam animosamente. Mas, quando começaram a ser repetidamente atingidas e a sofrer estragos e baixas, desmoralizaram e, invertendo o rumo, puseram-se em fuga, perseguidas pelos navios portugueses. Numa tentativa desesperada para se salvarem, dezoito lancharas foram varar numa ilhota que havia um pouco adiante, fugindo as guarnições para terra. Indo em seu seguimento, os nossos navios tomaram-nas. As restantes, aproveitando o facto de os portugueses estarem entretidos com a captura daquelas, conseguiram escapar-se.

Regressando com as presas para junto da armada, foram os pequenos navios de remo recebidos com grandes manifestações de regozijo por parte das guarnições dos navios grandes para quem esta vitória constituiu uma espécie de tónico que as ajudou a suportar com estoicismo o ingrato trabalho de arrancar estacas que, entretanto, ia continuando. Porém, por cada dia que passava a tarefa ia-se tornando mais difícil. À medida que os nossos navios se aproximavam das tranqueiras instaladas no extremo da ilha, o tiro destas tornava-se mais incomodativo. Mas nada os fazia desistir. Como um mastim que já tem a presa filada pelo pescoço e por nada do mundo a larga, continuavam a avançar implacavelmente em direcção à cidade. Agora, de manhã até à noite, era quase continuo o ribombar dos canhões. Açoitadas pela fúria destruidora da nossa artilharia, as tranqueiras iam sendo sucessivamente destruídas, ao mesmo tempo que as estacadas eram arrancadas, uma após outra. Ao fim de mais doze dias de trabalhos de Hércules, tendo sido arrasada a última tranqueira e levantada a última estacada, a nossa armada foi fundear perto da ponte, em frente ao principal baluarte das fortificações que protegiam a cidade!

Nessa noite, os «mouros» ainda conseguiram cortar a amarra da caravela que estava mais próximo da ponte mas, antes que ela encalhasse na margem, a sua guarnição conseguiu aguentá-la com um outro ferro talingado (ligado) a uma corrente. Amedrontado com a forma como a campanha estava decorrendo, o rei de Bintão ordenou a Laqueximena que fizesse uma última surtida para tentar destruir os navios portugueses. Ao outro dia, ainda muito cedo, aproveitando a vazante, as lancharas de Bintão aproximaram-se sorrateiramente da caravela de Fernão Serrão e da galé, que eram os navios mais avançados da nossa armada, e atacaram-nos de surpresa. Tirando partido da sua superioridade numérica e da rapidez com que tudo se passou, os «mouros» conseguiram entrar em ambos os navios, pondo os portugueses que neles se encontravam em sérios apuros. Na galé, empurraram-nos até ao mastro; na caravela, obrigaram-nos a refugiar-se no castelo da popa. Logo que foi dado o alarme, os navios de remo tentaram acudir à caravela e à galé mas levaram muito tempo a fazê-lo por causa da força da corrente. Salvou a situação Pêro Mascarenhas, que, metendo-se numa pequena embarcação com vinte soldados, foi atacar as lancharas que tinham aferrado a galé, lançando-lhes para dentro algumas panelas de pólvora. Com esta ajuda a guarnição da galé recuperou o ânimo e conseguiu expulsar os inimigos que a tinham entrado. Mais algumas panelas de pólvora lançadas no momento exacto e as lancharas que tinham aferrado a caravela foram também obrigadas a afastar-se. Então, Pêro Mascarenhas, com os seus vinte companheiros, entrou nesta e em poucos minutos todos os «mouros» que a tinham invadido estavam estendidos no convés ou tinham saltado para a água!

Entretanto, tinham finalmente chegado os dois batéis com os seus temíveis «camelos». Amontoadas na sua frente estavam as vinte lancharas de Laqueximena que, por causa da corrente, tinham muita dificuldade em voltar para trás. Não podiam desejar os nossos bombardeiros melhor alvo. Foi uma autêntica carnificina! Trucidadas pelos pesados pelouros dos «camelos» as guarnições da maior parte das lancharas lançaram-se à água e fugiram a nado para terra, deixando treze nas nossas mãos. As restantes sete voltaram à ribeira de Bintão pejadas de mortos e feridos. Entre estes últimos contava-se o próprio Laqueximena.

Durante o combate conseguira fugir para os portugueses um moço malaio natural de Malaca que aconselhou Pêro Mascarenhas a desembarcar na margem norte do canal e a entrar na cidade através da ponte, por ser o lado menos bem defendido. Nessa mesma noite conseguiu também chegar junto dos nossos navios, caminhando pelo lodo e ainda com as grilhetas nos pés, um português cativo que conseguira igualmente fugir e que disse a Pêro Mascarenhas exactamente a mesma coisa que o moço de Malaca.

Baseado nestas informações pôde aquele elaborar o plano para o assalto final. Ao outro dia, de manhã, um corpo de cerca de uma centena de portugueses e de trezentos auxiliares malaios desembarcou a oeste do baluarte principal, sob a protecção da artilharia dos navios, e construiu uma tranqueira com pipas cheias de terra, onde foram instalados alguns «berços» e «falcões». Tal movimento fez crer aos «mouros» que o ataque iria ter lugar por aquele lado, levando-os a concentrar a maior parte das suas forças no baluarte fronteiro. Por volta da meia-noite, no mais absoluto silêncio, Pêro Mascarenhas meteu-se nas embarcações miúdas com trezentos portugueses, acompanhados por uma centena de escravos que lhes levavam as espingardas e as lanças, e foi desembarcar no banco de lodo que ficava a norte do canal! Depois, enterrados na vasa, por vezes até à cintura, os portugueses começaram a caminhar penosamente em direcção à costa, na mais completa escuridão, guiando-se apenas pelas sombras dos que iam adiante. Mas ninguém desfalecia, porque à frente de todos ia o próprio governador da Índia, exemplo vivo de coragem e determinação, ladeado pelo português e pelo moço malaio ex-cativos de Bintão que, melhor ou pior, lhe iam indicando o caminho. A parte mais difícil da travessia foi a faixa de mangal que se estendia junto à terra firme. Mas os portugueses lá se foram infiltrando por entre os ramos e as raízes escorregadias até que começaram a sentir terreno mais consistente debaixo dos pés.

Alcançada a terra firme, foi feita uma pausa para que os homens pudessem comer alguma coisa, recuperar as forças e armar-se convenientemente. E, logo que surgiram os primeiros alvores, a coluna retomou a marcha, sempre no mais absoluto silêncio, em direcção ao pequeno baluarte que defendia o topo norte da ponte. Não pensando que alguém pudesse chegar ali por aquele lado, a sua guarnição encontrava-se quase toda a dormir. E se alguns vigias havia, estavam certamente com a atenção fixada no que se passava do lado onde se encontrava fundeada a nossa armada. Subitamente, as panelas de pólvora começaram a estoirar dentro do baluarte, ao mesmo tempo que os portugueses rebentavam as portas e escalavam as paliçadas, surgindo de todos os lados com as lanças e as espadas em riste! Apanhados completamente de surpresa, os «mouros», após uma curta resistência, puseram-se em fuga.

Entretanto, logo que avistaram os clarões provocados pelo rebentamento das panelas de pólvora na outra margem, os navios abriram fogo com toda a sua artilharia sobre o baluarte principal, ao mesmo tempo que as tropas que estavam na nossa tranqueira tocavam as trombetas e faziam grande algazarra como se estivessem prestes a lançar-se ao assalto. Toda esta encenação continuou a desviar a atenção do inimigo para aquele lado. É certo que também ele via que alguma coisa se estava passando na outra margem. Mas pensava que se tratava de uma diversão sem importância de maior. Eis senão quando atrás de uma onda de fugitivos avança pela ponte em formação cerrada a coluna do Governador com a bandeira real à frente! Percebendo finalmente o logro em que haviam caído, a maior parte dos capitães que estavam no baluarte principal abandonaram-no e foram fazer frente aos portugueses que estavam desembocando da ponte. Mas, nesse instante, os que estavam na tranqueira arremeteram de rompante contra o baluarte e, aproveitando-se da confusão que ia nele, tomaram-no, começando a atacar pelas costas os que o haviam deixado! Em poucos minutos, as melhores tropas de Bintão, completamente desorientadas pela genial manobra de Pêro Mascarenhas, tresmalharam-se e puseram-se em fuga!

Não dando tempo ao inimigo para se recompor, o Governador reuniu todas as suas forças num só corpo e foi acometer o outeiro fortificado, que era o último reduto do rei de Bintão. Aqui a peleja foi mais áspera. Apesar do ardor com que os nossos combatiam, animados pelo exemplo de Pêro Mascarenhas que deitara fora a adarga (escudo) para ficar com os movimentos mais livres e esgrimia com uma lança, protegido apenas pela armadura, a mole imensa dos defensores ia consumindo, a pouco e pouco, as energias dos atacantes. Desta vez, foram os marinheiros que ajudaram a dominar a situação. Cheirando-lhes que o saque da cidade devia estar para breve, tinham deixado os navios e vindo para terra com as únicas armas que sabiam manejar: as panelas de pólvora! E, metendo-se pelo meio dos combatentes, começaram a lançá-las para cima dos «mouros». Os que ficaram queimados pelas chamas puseram-se em fuga e em breve o movimento de debandada propagou-se a todo o exército, tanto mais que o rei de Bintão fora o primeiro a dar o exemplo.

Ainda não eram dez horas da manhã quando a batalha terminou. O chão ficara juncado de cadáveres dos inimigos. Dos portugueses não morreu nenhum, embora muitos tivessem ficado feridos! Seguiu-se o saque da cidade, que foi muito rendoso, sobretudo porque nas casas do rei estavam acumuladas grandes riquezas. Nunca pensando que os portugueses pudessem chegar até ali, não as tinha mandado levar a tempo para um lugar mais seguro. Do despojo fizeram parte para cima de trezentas bombardas, muitas delas com as armas portuguesas. Pêro Mascarenhas mandou pôr fogo às fortificações, que arderam durante três dias. De igual modo foi queimado o que restava da armada de Laqueximena.

Com a ajuda das tropas do rei de Linga, que chegou poucos dias depois de a batalha ter terminado, com uma armada de dezoito lancharas e calaluzes para auxiliar os portugueses, foram feitas várias incursões ao outro lado do canal para tentar capturar o rei de Bintão. Mas este conseguiu escapar-se. Por fim, sentindo-se acossado, sem dinheiro e sem gente, resolveu fugir para a península Malaia, onde morreu alguns meses mais tarde.

Quando soube da derrota do rei de Bintão, apresentou-se a Pêro Mascarenhas o antigo senhor da ilha, a quem aquele tirara o reino, pedindo-lhe que o aceitasse como vassalo do rei de Portugal. Concedeu-lhe o Governador o que pretendia, com a condição de não construir fortificações nem ter armada.

Quinze dias após a conquista de Bintão e depois de ter despachado a armada de Francisco de Sá para Sunda, Pêro Mascarenhas regressou a Malaca, onde foi festivamente recebido. Pouco depois, tendo deixado por capitão da cidade Jorge Cabral, partiu para a Índia.

A conquista de Bintão é um dos feitos mais espectaculares da História Militar Portuguesa, constituindo um exemplo raríssimo daquilo a que se pode chamar a «batalha perfeita». Magistralmente planeada, tanto sob o ponto de vista estratégico como logístico, ela constituiu uma verdadeira obra-prima de execução táctica em que se fica sem saber o que mais admirar: se a coragem e a disciplina dos soldados, se a coragem e o talento do chefe. Em Bintão, Pêro Mascarenhas conseguiu aquilo que todos os generais pretendem e quase nenhum consegue: aniquilar completamente as forças inimigas e alcançar todos os objectivos estratégicos previamente fixados sem perder um único homem!

Contudo, a vitória de Bintão pouca atenção mereceu, mesmo aos contemporâneos. Malaca estava tão longe que era como se pertencesse a um outro planeta. Além disso, pouco rendimento dava à coroa portuguesa. As notícias do que se passava no Sueste Asiático levavam cerca de um ano a chegar a Cochim ou a Goa e dois a chegar a Lisboa. Daí que nas Histórias de Portugal raramente seja feita qualquer referência à estrondosa vitória alcançada em Bintão, em 1526.

Quanto a Pêro Mascarenhas, o prémio que recebeu pela conquista de Bintão foi... ser atacado à lançada, quando pretendeu desembarcar em Cochim, e ser metido a ferros, quando chegou a Goa!

A razão disso conta-se em poucas palavras. Por intrigas de Afonso Mexia, vedor da Fazenda Real e capitão de Cochim, D. João III, em 1526, mandou para a Índia novas vias de sucessão, para substituir as que Vasco da Gama levara, nas quais, levianamente, alterou a ordem daquelas, pondo Lopo Vaz de Sampaio à frente de Pêro Mascarenhas. A maior parte dos fidalgos era de opinião que havendo Governador não se justificava abrir as novas vias. Mas Afonso Mexia, apoiado por outros fidalgos, entendia que deviam ser abertas por exprimirem a vontade mais recente do Rei. E abriu mesmo a primeira via, na qual era nomeado Lopo Vaz de Sampaio para Governador da Índia na eventualidade do falecimento de D. Henrique de Meneses. A partir daí foi um nunca acabar de disputas, conflitos e rixas entre os partidários de Lopo Vaz de Sampaio e os de Pêro Mascarenhas.

Entretanto, D. João III, sabedor da morte de D. Henrique de Meneses e de que Pêro Mascarenhas havia sido nomeado Governador de acordo com as sucessões de Vasco da Gama, quis emendar a mão e mandou a toda a pressa um navio à Índia dando o seu acordo ao que fora feito. Mas, por infelicidade, esse navio naufragou na ilha de São Lourenço. Para tentar pôr cobro às desavenças entre os fidalgos da Índia, resolveram estes submeter o caso a uma comissão de arbitragem. Após um processo nem sempre límpido, a dita comissão julgou a favor de Lopo Vaz de Sampaio, pelo que Pêro Mascarenhas se viu forçado a regressar a Portugal na torna-viagem de 1528.

Afinal o Rei, que fora o causador de todo este «imbróglio», acabou por lhe dar razão, obrigando Lopo Vaz de Sampaio a entregar-lhe todos os ordenados que tinha recebido durante o tempo em que desempenhou o cargo de Governador da Índia, aliás, diga-se, com elevado mérito.
Para a História, Pêro Mascarenhas ficou como tendo sido 6º governador e Lopo Vaz de Sampaio o 7º, sem contar os dois vice-reis que os haviam precedido.

E com toda esta confusão ninguém mais se lembrou da grande vitória alcançada por Pêro Mascarenhas em Bintão, que restituiu Malaca ao seu antigo esplendor e fez com que os Portugueses voltassem a ser temidos e respeitados em todo o Sueste Asiático.

Saturnino Monteiro
em «Batalhas e Combates da Marinha Portuguesa»
 

Johny89

GF Ouro
Membro Inactivo
Entrou
Jun 21, 2009
Mensagens
683
Gostos Recebidos
0
Beadala - Fevereiro de 1538


Logo que o catur (pequena embarcação) que vigiava Panane chegou a Cananor com a informação de que a armada malabar saíra daquela cidade e se dirigia para norte, Martim Afonso de Sousa fez-se ao mar e foi estabelecer-se em cruzeiro nas proximidades do monte Deli por lhe parecer ser esse o melhor local para interceptar o inimigo que supunha interessado em ir buscar arroz aos portos da costa do Canará como tinha acontecido nos anos anteriores. Mas o tempo passava e da armada malabar... nem sombras!
Após alguns dias de espera, Martim Afonso de Sousa resolveu dirigir-se para sul em busca do inimigo. Foi então que encontrou um tone que vinha de Cochim, que lhe deu conta de como fora ludibriado por Patemarcar, da perda das três naus que vinham de Ceilão e dos riscos que haviam corrido as que se encontravam à carga em Cochim e Coulão. Chegado à primeira destas cidades, Martim Afonso foi posto mais pormenorizadamente ao corrente das depredações efectuadas pela armada malabar e também de que já tinham saído de Cochim, em sua perseguição, um galeão e uma nau pequena.
Detendo-se em Cochim somente o tempo indispensável para reabastecer os seus navios, Martim Afonso de Sousa largou de novo para o mar a 2 de Janeiro de 1538 e dirigiu-se o mais depressa que lhe foi possível para o cabo Comorim. Aí chegado, tal como previra Patemarcar, constatou que por estar soprando a «vara do Coromandel» não tinha possibilidade de penetrar no golfo de Manar com os navios de alto bordo nem mesmo com as galeotas. Por essa razão, mandou regressar a Cochim o galeão e a nau dessa cidade e ordenou às galeotas que fossem patrulhar a costa do Malabar.
Restavam-lhe vinte e duas fustas e oito catures, incluindo alguns que se lhe tinham juntado em Cochim, com cerca de quinhentos portugueses, com os quais entrou no golfo de Manar, navegando sempre a remos, junto à costa, em busca de Patemarcar. Tratava-se, obviamente, de uma navegação extremamente lenta e penosa. Com vento fresco e vaga da proa, os navios caturravam fortemente e a surriada levantada pelas pancadas que davam na água molhava os tripulantes até aos ossos. De tantas em tantas horas, para permitir que os remadores recuperassem as forças, era necessário fundear.

Beadala - 1538

Em Tuticorim, Martim Afonso de Sousa foi informado de que a armada malabar se encontrava abrigada num pequeno rio, logo adiante de Calecare, posição excelente donde podia atacar com toda a facilidade os navios que, naquela época, regressavam da costa do Coromandel. Aliás, é muito provável que tenha sido essa a principal razão que levou Patemarcar a não se dirigir imediatamente para Colombo. Convencido de que a armada portuguesa não seria capaz de passar para leste do cabo Comorim, terá decidido conservar-se durante algum tempo no golfo de Manar fazendo presas, antes de se ir envolver na guerra de Ceilão. Amigos, amigos... negócios à parte! A verdade é que, ao sacrificar o objectivo principal da sua missão, que era o auxilio ao Maiadune, em favor de um objectivo claramente secundário, como era o de fazer presas, cometeu um grave erro estratégico que acabaria por lhe ser fatal.

Encontrando-se perfeitamente tranquilo e senhor de si, não deverá ter sido pequena a surpresa de Patemarcar quando os navios que tinha de vigia o foram informar de que a armada portuguesa já se encontrava muito perto. Num primeiro impulso, mandou embarcar a sua gente e, de velas içadas, foi ao encontro dos portugueses, parecendo disposto a travar com eles uma batalha decisiva. Mas, pouco depois, mudou de ideias. Antes de as duas armadas terem chegado ao alcance de tiro, mandou arriar as velas, inverteu o rumo e, navegando a remos, pôs-se em fuga para leste. E, como tinha os seus remadores muito mais folgados que os nossos, a breve trecho deixou de ser avistado.

As razões que levaram Patemarcar a evitar o combate com a armada portuguesa, apesar de dispor de grande superioridade numérica e de ter o vento e o mar a seu favor, poderão ter sido de vária ordem. Em primeiro lugar, é natural que tivesse um certo receio de enfrentar Martim Afonso de Sousa que havia granjeado grande fama na defesa da ilha de Repelim aquando das tentativas que recentemente o Samorim fizera para lá entrar. Em segundo lugar, é possivel que tenha pensado, embora tardiamente, que a estratégia mais correcta seria evitar o combate no mar para poder chegar a Ceilão com as suas forças intactas. Em terceiro lugar, e muito principalmente, é provável que não tenha querido sujeitar aos azares de uma batalha os valiosíssimos despojos das presas que tinha feito até essa altura e que iam embarcados nos seus navios.

Por tudo isto, não será de estranhar que, no último instante, Patemarcar tenha recusado a batalha em Calecare e se tenha posto em fuga. O que é de estranhar é que se tenha dirigido para leste, em vez de seguir imediatamente para Colombo. Uma explicação poderá ser que tal rumo implicaria navegar com vaga grossa pelo través, o que era impraticável com navios de remo.
Apesar de o inimigo se ter furtado ao combate e se ter afastado com grande facilidade, Martim Afonso de Sousa não desanimou e continuou a persegui-lo, lutando contra um vento cada vez mais fresco e contra uma vaga cada vez mais alterosa e também contra um certo desânimo, fruto do cansaço, que se ia apossando dos seus.

Passados mais alguns dias de penosa navegação, foi novamente avistada a armada malabar, varada em terra, nas proximidades de Beadala.
À aproximação dos portugueses, Patemarcar fez-se ao mar e, mais uma vez, furtou-se ao combate, fazendo força de vela rumo a sudoeste. Encontrando-se francamente a sotavento dos malabares, a nossa armada não tinha qualquer possibilidade de os interceptar. Tal como tinha acontecido em Calecare, ao fim de algumas horas os navios inimigos perdiam-se de vista, ficando todos com a impressão de que iam a caminho de Colombo ou das Maldivas. Não dispondo de mantimentos suficientes para uma viagem tão demorada, Martim Afonso de Sousa, depois de ouvido o conselho dos capitães, resolveu regressar a Cochim para se reabastecer.
A chegada da armada a esta cidade, sem ter conseguido destruir o inimigo, provocou, como é natural, uma certa decepção, mas não enfraqueceu a determinação do nosso capitão-mor. Tendo recebido uma carta do Governador em que lhe era ordenado que fosse a Ceilão dar auxílio ao rei de Cota contra o Maiadune, Martim Afonso de Sousa, reabastecidos os navios e reforçadas as guarnições com mais uma centena de fidalgos e soldados que se embarcaram voluntariamente, voltou de novo ao mar. Não querendo deixar nada ao acaso antes de seguir para Colombo, resolveu passar novamente por Tuticorim para colher informações. Decisão particularmente feliz, porque ao largo desta cidade apresou algumas embarcações de serviço da armada malabar que por ali andavam, por intermédio das quais soube que, afinal, Patemarcar voltara a Beadala! Mais uma vez a cobiça havia-lhe ofuscado o raciocínio. Tendo sido informado pelos catures que tinha mandado espiar a nossa armada, quando esta retirara para Cochim, de que os portugueses já estavam para lá do cabo Comorim, convencera-se de que tinham retirado definitivamente e resolvera voltar a Beadala e continuar às presas.
Sendo a costa aberta, os paraus estavam, normalmente, varados em terra, só se fazendo ao mar quando aparecia algum navio à vista. No meio dos palmares fora construído um grande acampamento, onde se encontrava instalada a gente de armas, reforçada com dois a três mil soldados naturais da terra. Vivendo como um nababo numa tenda de seda ricamente ornamentada, Patemarcar iria, possivelmente, entretendo o tempo na contemplação do riquíssimo tesouro que já conseguira juntar, constituído por numerosas moedas de ouro, jóias e pedras preciosas.

Porém, certo dia, foi bruscamente arrancado dos seus sonhos de riqueza pela notícia de que a armada portuguesa estava novamente à vista! Desta vez, confiado na grande quantidade de tropas de que dispunha, Patemarcar resolveu não sair para o mar e, com o seu exército formado na praia, junto dos paraus, ficou à espera, a ver o que os portugueses fariam.
Depois das informações que colhera em Tuticorim, Martim Afonso de Sousa tinha navegado cosido com a terra na intenção de cair de surpresa sobre a armada malabar antes de ela ter tempo de se fazer ao mar e fugir, que era o que mais temia. Nas proximidades de Beadala passaram para os catures os principais fidalgos e os soldados mais experimentados que deviam constituir a primeira vaga de assalto. Um pouco atrás, seguiam as fustas com o resto da gente. A ideia de Martim Afonso de Sousa era, à chegada a Beadala, desembarcar imediatamente diante dos paraus e dar combate ao inimigo em terra, já que, por os seus navios serem mais lentos, não tinha maneira de o forçar a combater no mar.

Subitamente, os catures, que iam mais junto à costa do que as fustas, encalharam num banco de areia que havia (e ainda existe) antes do local onde se encontravam varados os paraus, o que, até certo ponto, talvez tenha sido uma sorte para os portugueses, pois que nos parece bastante duvidoso que as escassas centenas de homens que Martim Afonso levava consigo tivessem sido suficientes para vencer os milhares de malabares que os esperavam na praia, devidamente formados e organizados.

18 de Fevereiro

Logo que os catures encalharam, os malabares levaram para o local algumas bombardas com que os começaram a bater, embora sem consequências de maior por serem aquelas de pequeno calibre e a distância relativamente grande. Não obstante, um dos seus pelouros ainda acertou no balão em que Martim Afonso de Sousa se meteu para ir ver o que tinha acontecido, matando-lhe um tripulante e provocando-lhe algumas avarias. Entretanto, as fustas, navegando mais no mar, passaram adiante e foram colocar-se em frente à praia onde estavam os paraus malabares, tirando-lhes a possibilidade de se poderem escapar para o mar alto sem combater.

Ao cair da noite, com a subida da maré, os catures desencalharam, sendo mandados para uma posição a leste das fustas e mais perto da terra a fim de impedir que a coberto da escuridão a armada inimiga pudesse fugir a remos navegando junto à costa. Sendo já noite fechada, Francisco de Sequeira, o Malabar, por ordem de Martim Afonso de Sousa, mandou pôr em terra alguns dos seus homens para, misturando-se com o inimigo, colherem informações.


19 de Fevereiro

Ao outro dia, logo que começou a clarear, os portugueses puderam verificar que os malabares tinham construído um entrincheiramento na praia, em frente ao local onde estavam fundeados os nossos catures, guarnecido com algumas bombardas, com as quais começaram a bombardeá-los. Responderam os catures e durante algum tempo travou-se um vivo duelo de artilharia entre eles e o entrincheiramento. Porém, como o calibre das peças que ambos estavam utilizando era pequeno e a distância relativamente grande, o efeito dos disparos era praticamente nulo. Não querendo nem uns nem outros gastar pólvora sem proveito, a intensidade do fogo foi gradualmente abrandando, até que cessou por completo. Durante o resto do dia a situação não se alterou. As tropas malabares mantiveram-se formadas na praia protegendo os paraus e Martim Afonso de Sousa, perante a força do dispositivo inimigo, não se atreveu a ordenar o assalto.
Cerca da meia noite foram recolhidos os malabares que haviam sido lançados em terra na noite anterior e que trouxeram informações preciosas. Não tendo os portugueses tentado o desembarque nesse dia, os inimigos tinham-se convencido que estavam à espera de reforços de Cochim. Por isso, a gente de guerra, ao anoitecer, tinha ido dormir para o acampamento, ficando a tomar conta dos paraus somente os marinheiros e os bombardeiros. Tanto no acampamento como nos paraus a vigilância era frouxa.

De posse destas informações, Martim Afonso de Sousa, depois de ter reunido um rápido conselho, decidiu atacar imediatamente para aproveitar a escuridão da noite e a excessiva confiança que reinava no campo inimigo. Os oito catures, apenas com cem soldados, lançariam um ataque de diversão bastante a leste, na direcção do acampamento dos malabares. Catorze fustas, também com uma centena de homens de armas, atacariam frontalmente os paraus por forma a darem a ideia que constituíam a força principal. As restantes oito fustas, em que iam embarcados quatrocentos portugueses comandados em pessoa por Martim Afonso de Sousa, iriam desembarcá-los sub-repticiamente cerca de um quarto de légua (pouco mais de um quilómetro) a oeste dos paraus. Daí os portugueses marchariam em silêncio pela praia por forma a atacarem de surpresa os defensores dos paraus no preciso momento em que fosse desencadeado o ataque por mar. O sinal combinado para o início da acção era um tiro de bombarda disparado pela fusta em que ia o capitão-mor.

20 de Fevereiro

De princípio, como geralmente sucede, tudo correu conforme estava planeado. As oito fustas conseguiram abicar à praia sem ser pressentidas e desembarcar os quatrocentos homens que transportavam, os quais se puseram imediatamente em marcha, ao longo da praia, com Martim Afonso de Sousa à sua frente. Ao mar, a uma certa distância, acompanhavam-nos as fustas que os tinham transportado, para lhes dar apoio de artilharia se fosse necessário. Nessa altura, o plano começou a descarrilar. As fustas foram avistadas de uma posição malabar instalada a oeste dos paraus, que disparou um tiro contra elas. Eram cerca das três da madrugada. As fustas que tinham ficado em frente dos paraus, quando ouviram o tiro, julgaram tratar-se do sinal combinado e lançaram-se ao assalto, fazendo um barulho ensurdecedor com as trombetas e a gritaria dos soldados, dos marinheiros e dos remadores.
Acordando sobressaltados, os soldados malabares que estavam a dormir no acampamento pegaram atabalhoadamente nas armas e acorreram em defesa dos paraus. Mas logo voltaram atrás, quando novas trombetas e novos gritos, vindos dos catures, soaram à sua rectaguarda dando a impressão de que o inimigo se estava a dirigir para o acampamento. E foi tal a confusão que se estabeleceu no campo malabar que entre os que iam para os paraus e os que voltavam atrás se chegaram a travar violentos recontros!
Quando ouviu o clangor das trombetas, Martim Afonso de Sousa compreendeu que tinha havido qualquer erro. Mas proibiu terminantemente que se acelerasse a marcha para não chegar com a sua gente esfalfada ao local do combate.

Junto aos paraus, a situação dos portugueses que ali tinham desembarcado e se viam agora confrontados com uma torrente de inimigos que desciam do acampamento ia-se tornando de minuto a minuto mais difícil. Os dois principais fidalgos que comandavam a força foram os primeiros a cair mortos. Os restantes, entrincheirados nos paraus que haviam tomado, defendiam-se desesperadamente a tiro, à lança e à espada, procurando aquentar-se até à chegada da coluna que vinha pela praia, cuja demora não entendiam.
Mas, de repente, ali mesmo ao pé, soou, mais uma vez, o toque vibrante das trombetas, acompanhado por uma medonha algazarra, e, nesse mesmo instante, uma massa de homens armados, a que a escuridão dava formas gigantescas, precipitou-se como um furacão sobre o flanco direito dos malabares! Apanhados completamente de surpresa, estes desordenaram-se e puseram-se em fuga para o acampamento, perseguidos de perto pelos portugueses.

Entretanto, nasceu o dia. Na zona do acampamento o terreno era mais aberto. Isso permitiu que os malabares se reorganizassem e, vendo quão poucos eram afinal os nossos, começassem a procurar envolvê-los, tirando partido da superioridade numérica de que dispunham.
Neste ponto será de chamar a atenção do leitor para o facto de que essa superioridade não era de oito mil para seiscentos, conforme os cronistas referem. É muito provável que mais de metade dos malabares fossem marinheiros e remadores, o que reduz para cerca de quatro mil o número de homens aptos para combate, incluindo os naturais da terra. Por outro lado, é natural que os portugueses, como de costume, estivessem acompanhados pelos seus escravos de peleja, o que aumenta, possivelmente, o número dos nossos combatentes para cerca de mil. Mesmo assim, a superioridade numérica do inimigo seria de quatro para um, o que colocava os nossos numa posição extremamente desvantajosa quando tinham de combater em campo aberto. Além disso, quando abandonavam a sombra das palmeiras, os portugueses ficavam com os capacetes e as armaduras a escaldar por acção do calor do sol.

Nestas circunstâncias, não será de estranhar que tenham sido obrigados a retirar da zona do acampamento e a vir procurar abrigo junto dos paraus, sempre acossados pelos malabares. Mas, uma vez aí chegados e depois de terem descansado um pouco, voltaram novamente à carga, e com redobrado vigor levaram pela segunda vez o inimigo de vencida até ao acampamento. Porém, quando ali chegaram já o seu ímpeto se tinha esgotado e foram novamente forçados a acolher-se aos paraus. E neste vaivém se manteve o combate durante várias horas sem que nenhum dos contendores conseguisse quebrar a vontade de continuar a lutar do adversário.

Nessa altura, Francisco de Sequeira, que conhecia bem a psicologia dos seus patrícios, chegou-se ao pé de Martim Afonso de Sousa e disse-lhe: - Se queres acabar com isto, manda pôr fogo aos paraus! Embora desejoso de conservar os navios inimigos para os integrar na sua armada, Martim Afonso compreendeu que o prolongamento do combate podia ser fatal aos portugueses e aceitou imediatamente o alvitre, dando ordem aos marinheiros para irem queimar os paraus com panelas de pólvora. Poucos minutos depois começavam a sair deles alterosas labaredas, acompanhadas por espessos rolos de fumo negro. E, conforme Francisco de Sequeira previra, muitos dos soldados malabares, pensando que já não valia a pena continuar a lutar, principiaram a debandar.

Sentindo os seus a fraquejar, Cutialemarcar foi ter com o tio, que desde o início da batalha se tinha conservado dentro da sua tenda, e exortou-o a vir cá para fora para animar os soldados com a sua presença. Mas Patemarcar era um homem completamente derrotado. A única coisa que nessa altura o preocupava era a forma de salvar o seu tesouro. E, antes que o desbarato das suas tropas se generalizasse, escapou-se com vinte e cinco homens da sua confiança, levando consigo, dentro de um cofre, as moedas de ouro e a pedraria que eram todo o seu enlevo. Mais tarde, para poder escapar-se mais à vontade, mandou enterrar o cofre numa das bermas do caminho.
Ao tempo em que o seu capitão-mor já ia fugindo vergonhosamente, a resistência dos malabares desmoronava-se por completo. Contagiados pela fuga dos companheiros, os que ainda estavam a combater iam-se juntando a eles em número cada vez maior, até que não ficou nenhum. Eram onze da manhã e o sol escaldava. A batalha tinha durado oito horas ininterruptas!
Além de muitos feridos que se escaparam, ficaram estendidos no terreno para cima de oitocentos malabares. Dos portugueses foram mortos dezoito e mais de uma centena ficaram feridos. O despojo capturado foi imenso: vinte e dois paraus em bom estado, além de vinte e cinco que tinham sido queimados; quatrocentas bombardas, muitas delas de bronze; mil e quinhentas espingardas, além de muitas outras armas! Para dar mais sabor à vitória, foram ainda libertados alguns portugueses e numerosos escravos que os malabares tinham em seu poder. Entre os cativos libertados figurava um menino de Cochim cuja mãe havia pedido encarecidamente a Martim Afonso de Sousa que lho restituísse.

Da batalha de Beadala diz o historiador cingalês Pieris: -... one of the greatest battles in the history of the Portuguese in Índia (... uma das maiores batalhas da história dos Portugueses na Índia.)
Tanto no delinear da estratégia que conduziu à batalha como na sua execução táctica, Martim Afonso de Sousa foi magistral. Mas, acima de tudo, o que mais impressiona, tanto nas fases preliminares como na fase final da batalha, é a persistência de buldogue dos portugueses, que perseguem incansavelmente a presa durante mais de um mês e meio e, depois de a terem abocanhado, nunca mais a largam, por mais pancadas que recebam, até a desfazerem.

Sob o ponto de vista estratégico, a vitória de Beadala não podia ter ocorrido em melhor altura. A destruição da armada malabar em Fevereiro de 1538, seguindo-se à captura da armada de Cambaia que tivera lugar um ano antes, deixou aos Portugueses as mãos livres para enfrentar os Turcos, que nesse ano passaram pela segunda vez à Índia.

Depois de ter enviado para Cochim duas fustas com os feridos mais graves e a boa nova da estrondosa vitória que alcançara sobre os Malabares, Martim Afonso de Sousa, levando consigo os paraus capturados, dirigiu-se a Colombo, e dali, por terra, a Cota, capital do reino do mesmo nome, que se encontrava cercada pelas tropas do Maiadune. À vista dos portugueses, este levantou imediatamente o cerco e refugiou-se nas montanhas. Pouco depois, perdida a esperança do socorro malabar, fazia novamente a paz com o rei de Cota. Cumulados de honrarias e de riquíssimos presentes, os portugueses regressaram triunfantes a Cochim.

Poderá imaginar-se a recepção apoteótica que tiveram naquela cidade quando ali chegaram levando os vinte e dois paraus de Patemarcar, entre os quais se contava o que fora a capitânia da armada malabar, um parau de grandes dimensões, que mais parecia uma galeota ricamente ornamentado com entalhes e dourados, no qual ia embarcado Martim Afonso de Sousa. Repicaram os sinos das igrejas, troaram as bombardas da fortaleza e dos navios, celebraram-se missas, enquanto nas ruas o povo dava largas ao seu contentamento, tanto mais que a maioria dos marinheiros e dos remadores da nossa armada eram malabares de Cochim e dos arredores.

Quanto a Patemarcar, logo que chegou a Calicut, apressou-se a mandar alguns dos seus homens de confiança buscar o cofre com o tesouro que tinha escondido durante a fuga. Mas um deles, provavelmente na mira de alcançar uma choruda recompensa, foi desvendar o segredo ao capitão português de Coulão. Este montou uma emboscada no lugar apropriado e apossou-se do cofre!

Disseram depois as «más-línguas» que o teria aberto só para ver o que lá estava dentro e que, por esse facto, uma parte importante das moedas de ouro e da pedraria que continha se evaporou sem deixar rasto! Era assim a Índia dos Portugueses: rasgos de heroísmo sublimes a par de mesquinhas manifestações da mais sórdida cobiça.


Saturnino Monteiro
em «Batalhas e Combates da Marinha Portuguesa» (Vol.II)
 

Johny89

GF Ouro
Membro Inactivo
Entrou
Jun 21, 2009
Mensagens
683
Gostos Recebidos
0
Batalha do Rio Perlis - 6 de Dezembro de 1547


perlisfn7.jpg



A grande armada que os Turcos tinham preparado para voltarem à Índia em 1541 ou 1542 havia sido, destruida, não voltando a ser reconstituída por razões que ainda não foram devidamente esclarecidas.

É possível que uma dessas razões tenha sido a política de apaziguamento posta em prática por D. João III. Poderá também ter acontecido que os Turcos tenham optado pela estratégia mais económica de auxiliar os reis da Índia contra nós, a fim de nos ir enfraquecendo, enquanto aguardavam melhor oportunidade para nos destruir.

O certo é que em 1547 vamos encontrar no Achém três galeotas turcas com vinte soldados cada uma e mais vinte janízaros de origem grega idos havia pouco do mar Vermelho em duas naus. E, ou por iniciativa própria ou por conselho dos Turcos, o rei do Achém renovou a guerra contra os Portugueses ao mesmo tempo que mudava de estratégia.

Até então, tinha por várias vezes tentado apoderar-se de Malaca por meio de assalto ou de cerco. Agora, resolveu construir uma fortaleza a norte dela, basear aí uma armada e cortar-lhe as comunicações com a Índia, Bengala, o Pegú e Tenassarim. Para o efeito, organizou uma poderosa armada constituída pelas três galeotas turcas e por cinquenta e sete fustas e lancharas suas, guarnecidas com cerca de cinco mil homens, entre marinheiros e gente de armas. Desta faziam parte, além dos turcos e janízaros, trezentos ourobalões de manilha dourada, que eram os nobres mais valentes do reino do Achém. Para capitão da armada foi escolhido um valido do rei, de nome Bayaya Soora, que era rei de Pedir.

As directivas que lhe foram dadas foi que se dirigisse primeiro a Malaca e queimasse todos os navios que estavam no porto e, ao mesmo tempo, fizesse uma demonstração de força diante da cidade para humilhar os Portugueses. A seguir, deveria estabelecer uma base no local que considerasse mais apropriado para cortar as comunicações de Malaca com o Norte.

No cumprimento destas directivas, a armada de Bayaya Soora chegou a Malaca a 9 de Outubro de 1547, pelas duas da madrugada. Pensando que os portugueses estariam a dormir, os janízaros e os turcos insistiram com aquele para que autorizasse um ataque à cidade, de surpresa. Apesar de isso ser contrário ao plano da campanha, Bayaya Soora acedeu. Enquanto uma parte da armada ia lançar a sua gente silenciosamente em terra, a outra parte dirigia-se para junto da ilha das Naus, onde estavam fundeados vários navios.

Mas os portugueses não dormiam! Apesar da escuridão da noite, não lhes tinha passado despercebida a aproximação da armada achém. Com os capacetes na cabeça, as couraças no peito, as lanças e as espadas nas mãos, e os morrões das espingardas acesos, aguardavam no mais absoluto silêncio o desenrolar dos acontecimentos, prontos para darem uma boa lição aos intrusos. Deixaram os inimigos desembarcar, mas, antes que tivessem tido tempo de se organizar, dispararam as espingardas e logo carregaram sobre eles. Travou-se então, na escuridão da noite, um curto combate em que os invasores foram desbaratados, sendo obrigados a reembarcar, depois de terem tido vários mortos e muitos feridos.

A tentativa de desembarque redundara num fiasco. Mas o ataque aos navios que estavam fundeados na ilha das Naus foi mais bem sucedido. Como tinham somente alguns marinheiros a guardá-los, foram facilmente incendiados uma nau e seis outros navios, provavelmente juncos ou lorchas. Curiosamente, nessa noite estava a chover. Mas o vento era muito forte e ateava de tal modo as labaredas que a própria chuva, que devia ser fraca, não chegou para apagar o fogo.

Ao outro dia de manhã os navios inimigos embandeiraram e atroaram os ares com o toque dos tambores e sinos, ao mesmo tempo que as suas guarnições faziam grande algazarra em sinal de vitória. Apanharam então os achéns um pequeno barco de pescadores que se dirigia para a cidade, aos quais Bayaya Soora, barbaramente, mandou cortar as orelhas, os narizes e os tendões dos pés. E por estes desgraçados, horrivelmente mutilados, enviou um cartel de desafio ao capitão da fortaleza para que saísse a combater a sua armada, acrescentando que se o não fizesse passaria a considerar o rei de Portugal como o último dos vassalos do rei do Achém!

O capitão de Malaca nessa altura era Simão de Melo. Lida a carta na presença dos fidalgos e soldados que estavam com ele todos se riram dos dislates nela contidos, mas ninguém pensou em tomar a sério o desafio, uma vez que os únicos navios que havia em Malaca, depois de queimados os que estavam fundeados na ilha das Naus, eram meia dúzia de fustas velhas. Entretanto, a armada achém levantava ferro e desaparecia rumo ao Norte.

Nesse tempo estava em Malaca o padre jesuíta Francisco Xavier, regressado havia pouco das Molucas com fama de santidade. Quando teve conhecimento do cartel de desafio de Bayaya Soora verberou a atitude do capitão e demais fidalgos e soldados dizendo-lhes que não indo combater os infiéis cobriam de vergonha o nome de Portugal e a religião de Cristo! Tentaram defender-se aqueles explicando ao padre que as poucas fustas que estavam em Malaca não se encontravam em estado de navegar. Pois que as consertassem, retorquiu aquele! Argumentou o capitão que não havia nos armazéns da fortaleza nem breu nem estopa para as calafetar. Obstinado, Francisco Xavier respondeu-lhe que havia muita gente rica em Malaca que tinha breu, estopa e tudo quanto era preciso para aprontar as fustas. E quanto a serem estas muito poucas, que não lhe viessem com um argumento tão ridículo, pois bem sabiam que combatendo com Cristo por capitão o número dos inimigos não contava!

O que é facto é que a força de ânimo e a fé de Francisco Xavier despertaram os brios dos portugueses. Com a volubilidade e os entusiasmos súbitos e de pouca duração característicos da nossa raça, já todos diziam que era uma vergonha deixarem escapar os achéns sem lhes terem dado o devido castigo. E metendo mãos à obra, em oito dias de trabalho insano, em que colaborou toda a população de Malaca, aprontaram-se sete fustas e um catur em que embarcaram cento e oitenta soldados portugueses capitaneados por D. Francisco de Eça. O padre Xavier fez uma última pregação aos combatentes, elevando ao rubro o seu ardor bélico e religioso, e a armada fez-se ao mar, confiada em que, apesar da enorme superioridade numérica do inimigo, Deus lhe daria a vitória!

Mas logo os ânimos esfriaram quando, após as primeiras remadas, a fusta capitânia, que fazia água como um cesto roto, foi ali mesmo ao fundo! Felizmente, conseguiu-se salvar toda a gente e praticamente todo o material que levava. Mas o efeito moral foi tremendo. Ao optimismo exagerado de momentos atrás contrapunha-se agora o mais profundo pessimismo. Que grande tolice ter dado ouvidos ao padre que não percebia nada de navios nem de guerra! Que disparate deixar a fortaleza praticamente desguarnecida! Ir combater sessenta navios apenas com sete a cair de podres era uma manifestação de soberba que até Deus poderia castigar ... !

Perante o clamor público, Simão de Melo resolve pôr o assunto à votação. A maioria é de opinião de que se deve desistir da perseguição à armada achém. Mas os soldados da armada insistem em ir. Está ali o padre Xavier olhando-os fixamente e têm vergonha de abjurar tão abruptamente das promessas que minutos antes lhe haviam feito de morrer alegremente, combatendo por Cristo! Aquele conserva-se impávido e sereno. A única coisa que o espanta, diz, é a pouca fé dos que o rodeiam. Lá por terem perdido uma fusta já descrêem da ajuda divina? Que importância tinha serem seis ou sete fustas quando iam combater contra sessenta? Neste ponto, a História e a Lenda misturam-se, sendo difícil afirmar com segurança onde começa uma e acaba a outra. Perante o desânimo dos circunstantes, Francisco Xavier teria então anunciado que para substituir a fusta perdida Deus enviaria duas muito melhores naquele mesmo dia! Meio incrédulos, os soldados e os populares sobem às muralhas e aos outeiros e perscrutam ansiosamente o mar. Eis se não quando, um pouco antes do pôr-do-Sol, aparecem no horizonte duas velas latinas!

No meio de um alvoroço e uma comoção enormes é enviada uma embarcação ao seu encontro, que regressa já noite fechada com a boa nova de que se tratava de duas fustas com sessenta portugueses capitaneados por Diogo Soares que vinham de Patane e se dirigiam ao Pegú para fazer negócio. A profecia do padre Xavier cumprira-se!
Tendo os da embarcação dito que as fustas não tinham querido aproximar-se da zona do porto para não terem de pagar direitos pelas mercadorias que transportavam, Francisco Xavier meteu-se naquela e foi pessoalmente falar com os seus capitães. Contou-lhes a aflição em que estava a cidade e rogou-lhes, em nome de Deus e do Rei, que se juntassem à pequena armada que estava prestes a partir contra os achéns. - Sim senhor - disseram eles -, combater por Cristo e pelo Rei, claro que sim! Não estavam ali para outra coisa! Mas... pagar direitos à alfândega de Malaca, é que não! Só entrariam no porto depois de terem na mão um documento assinado pelo capitão da fortaleza e pelos oficiais da alfândega, isentando-os do pagamento dos direitos!

Infatigável, o padre Xavier veio a terra, obteve o documento pedido e altas horas da noite voltou às fustas para o entregar a Diogo Soares e aos seus companheiros. No dia seguinte de manhã vieram aquelas fundear junto da cidade, sendo recebidas com grandes manifestações de alegria.

Durante quatro dias limparam o fundo, embarcaram artilharia grossa e meteram munições, mantimentos e água, ficando prontas para combate. A armada portuguesa de Malaca contava agora com oito fustas e um catur, guarnecidos, além dos marinheiros, remadores e escravos, com duzentos e trinta aventureiros, combatentes de respeito pela prática que tinham do mar e da guerra. Não obstante, Simão de Melo, não querendo arriscar demais, deu por regimento a D. Francisco de Eça que não continuasse a perseguição aos achéns para norte de Pulo Sambilão.

Tendo-se feito ao mar a 25 de Outubro, chegou a nossa armada àquelas ilhas quatro dias mais tarde sem ter encontrado a armada do Achém nem ter conseguido obter qualquer informação acerca do seu paradeiro. Nesta situação, D. Francisco de Eça reuniu conselho. A maior parte dos capitães e soldados eram de opinião que se devia continuar para norte em busca dos inimigos. Mas D. Francisco não seguiu esse parecer e decidiu voltar para Malaca, de acordo com as ordens que tinha.

Porém, quando os navios puseram as proas ao sul, levantou-se um vento muito forte de sudoeste que lhes barrou o caminho e os obrigou a fundear. Em Dezembro, já é habitual predominarem naquela região os ventos do norte e de nordeste. Mas, nesse ano, contra todas as expectativas, o sudoeste manteve-se, soprando sempre com força. A vida a bordo das fustas era miserável. Confinados num pequeno espaço, sem terem nada para fazer, os homens maldiziam tudo e todos, num ambiente de constantes questiúnculas. Passados vinte e três dias sem que a situação se modificasse, e estando os víveres praticamente no fim, D. Francisco de Eça viu-se forçado a reunir novo conselho, no qual ficou assente seguir imediatamente com a armada para Tenassarim a fim de se reabastecer.

Entretanto, crescia a angústia em Malaca. Apesar de o padre Xavier continuar confiante na protecção divina, por cada dia que passava mais se arreigava na mente dos habitantes da cidade a ideia de que qualquer coisa havia corrido mal. E, de repente, começaram a circular boatos de «fonte segura» que a armada portuguesa tinha sido destroçada e que todos quantos a guarneciam eram mortos ou cativos dos «mouros»!

Cerca de uma semana mais tarde, para agravar a situação, entrou em cena, na força de trezentas velas, a armada do rei de Ugentana, que, sob o seu próprio comando, veio fundear no rio de Muar a sul de Malaca. Tinha aquele rei preparado uma grande armada para ir fazer guerra a Patane, cidade da outra costa da península Malaia que mantinha excelentes relações com os Portugueses. Mas, quando soube que a nossa armada tinha sido destruída pelos achéns, apressou-se a mudar de objectivo, pensando que seria uma ocasião única para se apoderar de Malaca. Por isso, logo que chegou ao rio de Muar, enviou um emissário a Simão de Melo para lhe apresentar condolências pela derrota sofrida e informá-lo que estava ali com a sua armada pronto para o ajudar, uma vez que era certa a vinda dos achéns vitoriosos sobre Malaca. Que lhe desse licença para ir fundear junto da cidade e desembarcar as suas forças!

Bem percebeu Simão de Melo a manha do inimigo, respondendo-lhe que nunca esqueceria tão generosa oferta mas que, felizmente, de momento não precisava de qualquer ajuda porque tinha muita gente na fortaleza e, além disso, acabara de receber notícias de que a nossa armada tinha alcançado uma grande vitória sobre os achéns! Entendendo pelo teor da resposta que a sua astúcia não resultara, o rei de Ugentana resolveu continuar no rio de Muar enquanto enviava alguns balões para o Norte a fim de colherem informações.

Enquanto isto se passava em Malaca, a nossa armada navegava a caminho de Tenassarim. A 5 de Dezembro entrou no rio de Perlis para fazer aguada. Concluída esta, já ao cair da noite, foi capturada uma pequena embarcação de pescadores. Por eles souberam os nossos que a armada de Achém se encontrava dentro do rio! Tinha tomado Perlis e as povoações vizinhas, matando ou cativando a maior parte da população. Agora estavam os achéns construindo uma fortaleza junto da cidade na intenção de se fixarem ali. Blasonavam que haviam de apanhar todos os navios que se dirigissem para Malaca e que haviam de matar com morte crua todos os portugueses que neles encontrassem!

De posse destas informações ficaram os nossos tão alvoroçados e indignados que, imprudentemente, começaram a fazer grande alarido e a disparar as espingardas e as bombardas, ao mesmo tempo que embandeiravam os navios, tão certos estavam de que o estranho vento que os impedira de regressar a Malaca e a entrada fortuita no rio de Perlis para fazer aguada tinham sido obra de Deus, que não deixaria de lhes dar a vitória no dia seguinte, tal como tinha profetizado o padre Xavier.

Acalmados um pouco os ânimos, D. Francisco de Eça mandou pelo rio acima três balões em reconhecimento, cada um deles levando um capitão e dois soldados escolhidos. Percorridas cerca de seis léguas, ou seja, a meia distância de Perlis, apesar da escuridão da noite, foram avistados quatro balões que vinham em sentido contrário. Tendo ouvido o estrondo da artilharia e da espingardaria, Bayaya Soora apressara-se também a enviar algumas embarcações em missão de reconhecimento. E logo ali se travou o primeiro combate entre os portugueses e os achéns, que terminou com uma vitória completa dos primeiros. Foram tomados três dos balões contrários e feitos seis prisioneiros, enquanto o quarto balão fugia rio acima à força de remos.

Como os balões capturados eram bastante melhores que os seus, os portugueses queimaram estes e passaram-se para aqueles, com o que regressaram triunfantes para junto da armada. Metidos a tratos os prisioneiros, acabaram por confirmar todas as informações dadas pelos pescadores, acrescentando que a armada achém se estava aprontando para no dia seguinte de manhã ir dar combate à portuguesa.

Ao outro dia, pouco depois do nascer do Sol, os nossos balões que estavam de vigia a montante, vieram dar aviso de que o inimigo se aproximava. Ao mesmo tempo que os navios faziam os últimos preparativos para o combate, D. Francisco de Eça percorria a armada numa pequena embarcação recordando a todos as palavras do padre Xavier e as juras que haviam feito de combater até ao último alento por Cristo e por Portugal numa batalha em que, bem sabiam, não haveria quartel para ninguém. Momentos depois surgia detrás de uma volta do rio a armada achém, fazendo uma algazarra diabólica e atroando os ares com o toque dos seus instrumentos bélicos.

É a altura de dizer que o facto de a batalha se ter travado no interior de um rio estreito e não no mar largo foi particularmente favorável para os portugueses, uma vez que impediu os achéns de tirarem partido da enorme superioridade numérica de que desfrutavam. Além disso, deve-se realçar que, pelo menos, algumas das nossas fustas estavam armadas com bombardas de calibre médio, ao passo que os navios inimigos apenas dispunham de peças de pequeno calibre. E no combate naval, para além da ajuda de Deus, o peso da bordada é um dos factores que mais conta.

A nossa armada, segundo parece, estava disposta em duas fileiras de quatro fustas cada uma. Na armada inimiga, vinha à frente uma grande lanchara, que era a capitânia, acompanhada das três galeotas turcas. Nestes quatro navios, além dos turcos e dos janízaros, vinham embarcados a maior parte dos ourobalões de manilha dourada. Seguiam-se nove fileiras, compostas cada uma delas por seis fustas ou lancharas mais pequenas. Como sempre, habituados a combater à matroca, espantaram-se os portugueses com o rigor da formatura inimiga.

Os navios achéns, navegando à vela e a remos e arrastados pela corrente do rio que era muito forte, vinham animados de grande velocidade, o que fazia prever que o embate com os nossos seria terrível. Mas, quando se aproximaram da nossa armada, os bombardeiros inimigos precipitaram-se e abriram fogo cedo demais, do que resultou a maior parte dos seus tiros terem caído curtos. Mais experientes, os bombardeiros portugueses aguardaram até que os navios inimigos chegassem a curta distância e só então puseram fogo à pólvora. Os resultados desta primeira salva foram devastadores, ficando a batalha praticamente decidida. As três galeotas turcas ficaram logo arrombadas e cheias de mortos e feridos. Mas muito mais importante do que isso foi o facto de o tiro de um «camelo» disparado pela fusta de Diogo Soares ter aberto um grande rombo na amura da capitânia inimiga no preciso momento em que esta abalroava a nossa capitânia. Alagando-se por completo em poucos minutos, a capitânia do Achem foi ao fundo, perecendo afogados mais de cem dos seus tripulantes!

Logo que viram o navio-chefe a afundar-se, as galeotas que a acompanhavam suspenderam o seu movimento em direcção à nossa armada e procuraram acercar-se dele para salvar o que restava da sua guarnição. O pior é que a sua paragem súbita, inesperada para as fustas que as seguiam, fez com que estas se emaranhassem umas nas outras. Em poucos minutos, a poderosa armada achém estava reduzida a um montão de navios incapazes de se moverem e que, em conjunto, constituíam um alvo ideal para os nossos bombardeiros!

Aproveitando-se da confusão em que estava mergulhado o inimigo, as nossas fustas dianteiras meteram-se pelo meio dele, descarregando incessantemente as espingardas e lançando para dentro das contrárias grande quantidade de panelas de pólvora. Enquanto isto acontecia, as outras quatro fustas que constituíam a segunda linha continuavam a massacrar o inimigo com o fogo bem dirigido da sua artilharia. Além da capitânia, foram rapidamente afundadas a tiro de canhão mais nove fustas ou lancharas.

Completamente desorientados pelo vendaval de ferro e fogo que os estava açoitando, os tripulantes dos navios inimigos mais expostos iam-se lançando sucessivamente à água, onde, na sua maior parte, morriam afogados devido à força da corrente. No auge da contenda, um tiro perdido derrubou gravemente Bayaya Soora que se havia passado para uma fusta depois do afundamento da sua capitânia. Na tentativa de o salvar, o capitão dessa fusta, acompanhado por mais duas, forçou o caminho através da nossa armada em direcção à foz do rio, conseguindo, graças à sua ousadia, alcançar o mar largo.

Entretanto, o combate prosseguia encarniçado, nuns pontos à lança e à espada, noutros a tiro de espingarda e de bombarda. Uma após outra, as fustas e as lancharas do Achém iam sendo tomadas pelos portugueses, morrendo afogados a maior parte dos seus tripulantes quando tentavam a nado alcançar as margens. Apesar de se terem batido valentemente durante cerca de uma hora, os achéns começaram a desfalecer quando deixaram de ver o seu capitão-mor e começaram a sentir que a derrota era inevitável. Quase sem oferecer resistência, as guarnições das últimas fustas abandonaram-nas e procuraram fugir para terra, perecendo a maior parte dos seus tripulantes nesta tentativa.

A batalha chegara ao fim com uma vitória completa dos Portugueses. Dos cinquenta e oito navios que tinham entrado em acção (dois haviam ficado em Perlis) apenas três tinham conseguido escapar-se; dez foram afundados pela nossa artilharia e quarenta e cinco foram capturados! Do despojo faziam parte trezentas bombardas, das quais sessenta e duas com as armas do rei de Portugal, oitocentas espingardas e uma infinidade de lanças, terçados, arcos, flechas, crises (punhais) e azagaias, muitos deles guarnecidos com incrustações de ouro e pedraria. Dos inimigos morreram para cima de quatro mil; dos portugueses morreram oito, além de vinte e um escravos e marinheiros. Os nossos feridos foram em número de cento e quarenta e sete, dos quais sessenta e sete portugueses.

Ao saber da derrota dos achéns, o rei de Perlis, que andava fugido nas imediações, reuniu quinhentos homens e foi atacar de improviso os que tinham ficado na cidade, a maior parte deles doentes, chacinando cerca de duzentos. Seguidamente, meteu-se nas duas fustas que haviam sido deixadas por Bayaya Soora em Perlis e foi apresentar-se a D. Francisco de Eça, a quem agradeceu emocionado a libertação do seu reino, ao mesmo tempo que em sinal de eterna gratidão se declarava vassalo fiel do Rei de Portugal!

Reza a tradição que em Malaca, no preciso momento em que começou a batalha, o padre Francisco Xavier, que estava rezando a missa de Domingo, entrou em transe, ficando alheado de tudo quanto se passava à sua volta durante cerca de uma hora. Depois, com semblante alegre e sereno, pediu aos fiéis que agradecessem a Deus a grande vitória que acabava de conceder aos Portugueses.

Terminada a batalha, D. Francisco de Eça enviou imediatamente um balão a Malaca com a boa nova. Vinte dos navios inimigos capturados que se encontravam em pior estado foram queimados; uma das galeotas que tinha sido tomada por Diogo Soares ficou para este, que, poucos dias depois, continuou a sua viagem para o Pegú; as duas restantes galeotas e mais vinte e duas fustas e lancharas foram levadas para Malaca.
Como é fácil de imaginar, a chegada da nossa armada a esta cidade acompanhada por tão significativo despojo deu lugar a esfusiantes manifestações de regozijo.

Com esta espantosa vitória, os Portugueses assombraram mais uma vez o Sueste Asiático. Cresceu igualmente a fama de santidade de que o padre Francisco Xavier já gozava. Humilhados e confusos, os reis nossos inimigos convenciam-se de que efectivamente Deus nos ajudava e que, consequentemente, era inútil continuar a lutar contra nós.
Entretanto, o rei de Ugentana, por notícias que lhe trouxeram os balões que enviara em reconhecimento, soubera da derrota dos achéns ainda antes de ela ter sido confirmada em Malaca. Receoso que os Portugueses pudessem ter alguma idela sinistra a seu respeito... desapareceu discretamente!


Saturnino Monteiro
em «Batalhas e Combates da Marinha Portuguesa»
 

Johny89

GF Ouro
Membro Inactivo
Entrou
Jun 21, 2009
Mensagens
683
Gostos Recebidos
0
Golfo de Oman - 10 a 25 de Agosto de 1554


Em fins de Fevereiro de 1554, largou de Goa, sob o comando de D.Fernando de Meneses, filho do vice-rei, uma armada que tinha como missão: em primeiro lugar, capturar as «naus de Meca» que nessa época do ano costumavam regressar ao mar Vermelho idas do golfo de Bengala ou de Achém; em segundo lugar, dar combate às galés turcas estacionadas em Baçorá se elas voltassem a sair para o mar. Compunha-se a dita armada de seis galeões (São Mateus, Santa Cruz, São Sebastião, São Tiago, São Lourenço e São Tomé), seis caravelas e vinte e cinco ou vinte e seis fustas e catures. Todos os navios iam muito bem equipados e municiados. Das suas guarnições faziam parte mil e duzentos portugueses, além dos habituais auxiliares canarins e malabares.

À chegada ao golfo de Adém, D. Fernando destacou um certo número de fustas e catures para a entrada do mar Vermelho a fim de investigarem o que por lá se passava. As informações que trouxeram foi que somente se encontravam em Moca três ou quatro das galeotas de Cafar.
Durante todo o mês de Março se conservou a armada de D. Fernando de Meneses cruzando no golfo de Adém sem que fosse avistada qualquer «nau de Meca». Será de supor que estas naus, tendo tido conhecimento da intensa actividade naval dos Portugueses naquela zona, tenham desistido das suas viagens. Em princípios de Abril, de acordo com as ordens que recebera de seu pai, D.Fernando dirigiu-se para Mascate, navegando ao longo da costa da Arábia. De caminho, desembarcou em Dofar, a fim de tentar conquistar um forte que os Fartaques tinham tomado aos Árabes da região, nossos aliados. Porém, depois de vários combates, acabou por desistir por não ter possibilidade, devido à ondulação, de desembarcar a artilharia pesada necessária para o bater.

Chegado a Mascate, D. Fernando de Meneses deixou aí o grosso da armada a «invernar» (passar a «monção») e seguiu para Ormuz com os navios de remo, acompanhando várias naus de mercadores e um galeão vindo de Goa, onde ia embarcado Bernardim de Sousa, nomeado capitão daquela praça em substituição de D. Antão de Noronha. Feita a entrega do cargo, foi o dito galeão mandado «invernar» também em Mascate, depois de nele ter sido embarcada a fazenda do capitão, dos fidalgos e dos soldados que nele haviam de regressar a Goa por terem terminado as suas comissões.

Em princípios de Julho, quando começaram a soprar os ventos de oeste, D. Fernando enviou três catures para a boca do Shatt al-Arab a fim de vigiarem as galés turcas. Utilizando barcos de pesca locais, alguns dos elementos das guarnições dos catures, provavelmente indianos, entraram no rio e foram mesmo a bordo das galés vender peixe! Desta forma ficaram sabendo que aquelas se estavam preparando activamente para sair para o mar. Moradobec fora substituído no comando da armada turca por Alecheluby, corsário afamado, a quem Solimão repetira a ordem de fazer regressar ao mar Vermelho quinze das galés que estavam em Baçorá.

Nos primeiros dias de Agosto, já com ventos firmes de oeste, Alecheluby deixou o Shatt al-Arab rumo ao estreito de Ormuz. Imediatamente um dos catures que ali se encontrava de vigia seguiu para Ormuz, a fim de alertar D.Fernando de Meneses, enquanto os outros dois acompanhavam à distância as galés turcas.

mussandty9.jpg


Logo que D. Fernando soube que a armada turca já se encontrava no mar, meteu-se nos navios de remo e foi para Mascate, onde deixara a «invernar» os galeões e as caravelas. Também D. Antão de Noronha, que saía de capitão de Ormuz e a quem o Vice-Rei encomendara que amparasse o filho por ser ainda muito novo, se meteu numa galeota com quarenta soldados e tomou o rumo de Mascate, para onde, como já referimos, tinha mandado o galeão em que devia regressar a Goa. Por seu turno, Bernardim de Sousa, o novo capitão de Ormuz, não querendo ficar ocioso, mandou artilhar e guarnecer com gente de armas um galeão e três ou quatro naus de mercadores que ali estavam e preparou-se para, depois de as galés terem passado, ir postar-se na boca do Shatt al-Arab a fim de impedir que se pudessem recolher a ele se, tal como acontecera no ano anterior, fossem obrigadas a retroceder. Decisão particularmente acertada que denota uma excepcional visão estratégica e um elevado espírito de iniciativa.

Chegado a Mascate, D. Fernando de Meneses embarcou no seu galeão, que era o São Mateus, acompanhado de D. Antão de Meneses e de Manuel de Vasconcelos, que lhe serviam de mentores, e fez-se ao mar com toda a armada, rumo ao norte, ao encontro do inimigo, aproveitando os ventos gerais de sueste que durante o mês de Agosto predominam no golfo de Omã. É de supor que o galeão de D. Antão de Noronha tenha acompanhado a armada.

À frente iam os catures e as fustas em missão de exploração. Seguiam-se as caravelas e, por fim, os galeões. Qualquer destas três esquadras devia ir formada em linha, isto é, com os navios ao lado uns dos outros, e com intervalos relativamente grandes entre eles. No entanto, essas linhas deviam ser bastante irregulares, uma vez que os Portugueses, de um modo geral, não se preocupavam com o rigor das formaturas. Na mente dos nossos capitães, a preocupação de ser o primeiro a abordar o inimigo prevalecia sobre quaisquer outras considerações de ordem táctica.

A 10 de Agosto, pela manhã, estando as nossas fustas e catures já muito perto do cabo Mussandão, começaram a avistar as galés turcas que estavam precisamente a dobrar aquele cabo, passando entre ele e uma ilhota que lhe fica fronteira. Vinham a navegar à vela e, logo que aproaram a sul, cingiram-se o mais possível ao vento, que naquela zona ainda soprava de oeste, seguindo em coluna ao longo da costa. Pouco depois, eram avistadas pelas nossas caravelas e galeões, que foram imediatamente ao seu encontro aproveitando o vento que na zona onde se encontravam soprava de WSW e SW.

De bordo das galés turcas o espectáculo devia ser impressionante. Na sua frente estendia-se uma muralha de cerca de quarenta velas que parecia intransponível. Mas Alecheluby não perdeu o sangue-frio e logo começou a idealizar a forma de sair da ratoeira em que se encontrava. Confiadamente, continuou em frente, permitindo que a distância aos navios portugueses continuasse a diminuir rapidamente, uma vez que as duas armadas iam praticamente a navegar a contra-bordo. Pouco depois, começava o duelo de artilharia entre as galés que iam à frente e as nossas fustas, a que um pouco depois se juntou o galeão Santa Cruz. O mar principiou a cobrir-se de pequenas nuvens de fumo negro resultantes dos disparos e em volta dos navios empenhados no combate começaram a levantar-se as «gerbes» resultantes da queda dos projécteis.

A bordo dos navios portugueses o ambiente era de franco optimismo. Capitães, fidalgos e soldados tinham como certo que em breve viriam às mãos com os turcos e não duvidavam que os esmagariam. Mas D. Antão de Noronha, que no íntimo se considerava o verdadeiro capitão-mor da armada, não queria correr riscos desnecessários. Vendo que o galeão Santa Cruz se adiantara bastante em relação ao resto da armada e que a coluna turca avançava directamente contra ele, receou que se o vento caísse lhe pudesse vir a acontecer o mesmo que tinha acontecido ao galeão de Gonçalo Pereira Marramaque no estreito de Ormuz no ano anterior. Como sabia que o Santa Cruz tinha pouca gente, passou-se para a sua galeota e foi-lhe meter dentro um reforço de trinta soldados, após o que voltou para o São Mateus, para junto de D. Fernando.

Entretanto o vento refrescara, fixando-se em sudoeste, o que fez aumentar a velocidade e a capacidade de manobra dos nossos navios de alto bordo. Mais alguns minutos e as nossas caravelas estariam em cima das galés! Foi então que Alecheluby desferiu o golpe que estivera preparando. A uma ordem sua, todas as galés, que já haviam sido devidamente prevenidas, arriaram as velas e, navegando a remos, executaram uma guinada simultânea para EB (um «turn», como hoje diríamos), aproando à ponta Lima, que era aproximadamente a direcção donde vinha o vento. Com esta manobra as galés turcas afastaram-se rapidamente dos navios portugueses, acabando pouco depois por ficar a barlavento de toda a nossa armada! Por mais que as caravelas e os galeões puxassem tudo para a orça, nenhum deles conseguiu chegar à ponta Lima antes de as galés a terem dobrado!

Em todos os nossos navios a decepção era profunda. No São Mateus, os principais capitães portugueses, colhidos de surpresa pela superior capacidade táctica dos turcos, discutiam acaloradamente acerca da forma de alcançar as galés sem chegarem a qualquer conclusão. Por fim, um piloto «velho» conseguiu fazer-se ouvir. Dizia ele que embora naquela época do ano predominassem no golfo de Oman os ventos de sueste, havia junto à costa da Pérsia ventos que davam para navegar para leste. Afirmava que já tinha feito por ali a viagem de Ormuz para Mascate e propunha que a armada atravessasse imediatamente para a outra costa, única maneira de conseguir alcançar Mascate antes de os turcos lá chegarem. À falta de melhor, a sugestão foi aceite, e, entregando-se aos caprichos de Eolo, D. Fernando de Meneses mandou fazer rumo para a costa da Pérsia. Afinal o piloto tinha razão. Encontrando ventos propícios, a armada portuguesa, navegando a curta distância de terra, progrediu rapidamente para leste. Quando pareceu aos pilotos que já deviam ter Mascate para ré do través, voltou a atravessar o golfo de Omã com vento largo e conseguiu alcançar Mascate sem dificuldade. Aí chegados, receberam os portugueses a agradável notícia de que as galés turcas ainda não haviam passado. A manobra resultara em cheio!
Antes de deixar a costa da Arábia, D. Femando tinha destacado um certo número de fustas e catures para irem acompanhando as galés e levarem para Mascate informações relativas à sua posição. À chegada a esta cidade despachou outro grupo de fustas para irem para norte, junto à costa, ao encontro daquelas.

Dois ou três dias se conservou a armada portuguesa em Mascate, aproveitando para fazer aguada e dar um pouco de descanso às guarnições. Entretanto, a armada turca arrastava-se penosamente ao longo da costa da Arábia, navegando exclusivamente a remos, o que a obrigava a fundear de tantas em tantas horas para dar repouso às chusmas. À distância, acompanhavam-na alguns catures e fustas portuguesas sempre vigilantes. Perto dos ilhéus que ficam defronte do cabo Suadi apareceram mais fustas pela proa, obviamente vindas de Mascate. Apesar de tudo, Alecheluby não estava preocupado. A persistência dos ventos gerais de sueste, embora exigisse um enorme esforço dos remadores, o que lhe era indiferente, constituía a melhor garantia de que as caravelas e os galeões portugueses que tinha deixado para trás não seriam capazes de o alcançar. O mais provável, pensava, era que tivessem recolhido a Ormuz.

Ao romper do dia 25 de Agosto as fustas que alguns dias antes tinham saído de Mascate regressaram com a informação de que haviam deixado as galés junto ao cabo Suadi e que, portanto, já deviam estar muito próximas. D. Fernando de Meneses mandou imediatamente suspender e fez-se ao mar com todos os navios vistosamente embandeirados e prontos para combate, jurando a si próprio que desta vez não havia de deixar escapar os turcos. Como habitualmente, seguia à frente uma linha de fustas, depois uma linha de caravelas e por último uma linha de galeões. Nessa altura o vento era moderado de leste, o que permitia aos nossos navios navegar praticamente à popa arrasada.

Como os portugueses iam a navegar à vela projectando-se sobre um horizonte de mar e os turcos vinham a navegar a remos projectando-se sobre a terra, era inevitável que avistassem a nossa armada muito antes de poderem ser avistados por ela. De começo, Alecheluby não se alarmou. Convencido de que a armada portuguesa estava muito para trás, pensou que as velas que começavam a avistar-se eram de navios mercantes que se dirigiam para Ormuz. Mas vendo que o seu número continuava a aumentar, acabou por compreender que, por razões que lhe escapavam, era novamente a nossa armada que tinha diante de si. Não obstante, apesar de se encontrar numa situação que parecia desesperada, não se desorientou. Partindo do princípio de que ainda não teria sido avistado pelos portugueses, aproximou-se ainda mais da costa, acabando por ficar encoberto por uma ponta de terra, onde, provavelmente, se terá deixado ficar à espera que os nossos navios passassem.

De bordo destes, as galés turcas só terão sido avistadas, já a curta distância, quando deixaram pelo través de BB a ponta de terra acima referida. Nessa altura, as galés lançaram-se à voga arrancada para barlavento, ao longo da costa, exactamente como tinham feito quinze dias antes no cabo Mussandão. Surpreendidos, os capitães dos nossos galeões e caravelas apressaram-se a guinar para BB e, orçando o mais possível, procuraram alcançar a costa que tinham pela proa antes de as galés lá chegarem.
O navio português que ia a navegar mais próximo de terra e que, consequentemente, parecia ter maiores possibilidades de interceptar as galés era a capitânia de D. Fernando de Meneses, o galeão São Mateus. Mas como levava as vergas braceadas no limite andava relativamente pouco e abatia muito. Com a respiração suspensa, a guarnição não tirava os olhos da coluna de galés que voavam sobre as águas com os chicotes dos comitres flagelando sem piedade as costas dos remadores. Estando o galeão ainda a uma certa distância da costa, a primeira galé cortou-lhe a proa passando-se para barlavento! E, logo a seguir, outra... e outra... e outra ... ! Não havia hipótese de chegar a tempo! As galés iam, mais uma vez, escapar-se! Foi então que alguém lançou para o ar a ideia de fundear para, ao menos, poder disparar a artilharia contra elas. Atabalhoadamente foi largado um ferro e carregado o pano. Lentamente, o galeão começou a fazer cabeça ao vento, enquanto os bombardeiros, tensos, aguardavam de morrões acesos. Finalmente o galeão ficou paralelo à coluna de galés e a pequena distância delas. Já nove tinham passado quando as bombardas do São Mateus começaram a disparar. Tiros curtos... tiros compridos... Em silêncio absoluto, os soldados e os marinheiros sustinham a respiração. De súbito, um pelouro de grosso calibre acertou em cheio na décima galé, metendo-lhe a borda dentro, quebrando-lhe muitos remos e matando-lhe numerosos remadores de BB. Impulsionada pelos remos de EB a galé atravessou-se instantaneamente. E foi o fim! Como as galés iam muito perto umas das outras a navegar a grande velocidade, quando a dianteira estacou, as que seguiam atrás dela não tiveram tempo de se desviar nem de estacar e roçando umas pelas outras partiram as apelações (conjunto de remos) e ficaram imobilizadas!

A bordo da nossa capitânia era o delírio! Já muito perto vinham as caravelas, qual matilha enfurecida, sequiosa de sangue. A primeira era a de D. Jerónimo de Castelo Branco. Ao passar muito perto da popa do São Mateus, um seu irmão que estava no chapitéu deste gritou-lhe entusiasmado: -Vara-me essa caravela, rapaz!- D. Jerónimo não fez a coisa por menos. Com o pano todo em cima meteu-se pelo meio das duas primeiras galés da molhada, até dar em seco. Cada caravela tinha somente vinte soldados; cada galé teria pelo menos cinquenta. Mas o maior bordo livre das caravelas era um factor decisivo no combate à abordagem, sobretudo porque permitia aos portugueses usar à vontade a sua arma preferida: as panelas de pólvora. Mal a nossa caravela se prolongou com as duas galés começou a lançar-lhes para dentro panelas de pólvora umas atrás das outras. Queimados pelas chamas e entontecidos pelas explosões, os seus remadores lançavam-se à água e os soldados desordenavam-se. Aproveitando a confusão, D. Jerónimo saltou para a galé que tinha por BB, com quinze soldados, e à lança e à espada matou os turcos todos que lá se encontravam e que não tiveram tempo de saltar para a água. Mas já vinha chegando a caravela de D. Manuel de Mascarenhas, que aferrou por BB a outra galé que D. Jerónimo já tinha aferrado por EB e logo mimoseou com nova chuva de panelas de pólvora. Com a sua guarnição quase toda queimada e completamente desmoralizada, esta galé foi facilmente tomada por D. Manuel de Mascarenhas, que imediatamente foi atacar a terceira galé. Nesta, o combate foi mais renhido, mas os turcos acabaram por ser todos mortos ou obrigados a lançar-se à água. E eis que mais duas caravelas entram de rompante na contenda: a de António Valadares e a de Fernando Monroi. Cada um deles aferra uma galé, lança-lhe para dentro numerosas panelas de pólvora e a seguir varre-a de proa à popa à lança e à espada. Após violentos combates, estas duas galés são tomadas. A última galé terá ficado para as caravelas de Nun'Álvares de Castro e de Jorge de Moura, as últimas a chegar. Depois de uma curta resistência, foi também tomada. Em menos de meia hora, seis galés turcas tinham caído nas mãos dos portugueses com quarenta e sete canhões de bronze, sendo alguns deles basiliscos, esperas, camelos e águias, ou seja, canhões de grosso calibre.

battleiy7.jpg


Enquanto prosseguia o combate entre as caravelas e as galés, as nossas fustas metiam-se entre estas e a terra e matavam à lançada todos os turcos que tentavam alcançar a costa a nado. Com as nove galés que lhe restavam, pairando a barlavento, Alecheluby assistia consternado à destruição das seis que tinham ficado para trás na esperança de que alguma ainda se pudesse escapar. Mas em breve se desenganou. Agora, a única coisa que lhe restava fazer era tentar salvar as que tinha consigo. Uma vez que em fins de Agosto predominam no mar da Arábia os ventos de sudoeste, optou por se dirigir à vela para o golfo de Cambaia.

Terminada a batalha, D. Fernando de Meneses deu ordem às caravelas para irem no encalço de Alecheluby e recolheu a Mascate com os galeões, as fustas e as seis galés turcas que haviam sido capturadas. Ali se demorou vários dias, festejando a vitória, baptizando as galés e guarnecendo-as com gente que tirou dos outros navios. Por fim, dirigiu-se para Goa, onde chegou nos primeiros dias de Novembro. De estranhar que, pelo menos, não tenha mandado as galés e algumas fustas para o golfo de Cambaia para apoiar as caravelas que, no caso de falta de vento, se poderiam ver em sérias dificuldades perante as nove poderosas galés turcas.
Entretanto, esforçavam-se aquelas por alcançar as galés, o que não era fácil porque lhes levavam um avanço considerável e iam a navegar com vento de alheta, o que lhes conferia uma velocidade pouco inferior à sua.
Finalmente, já muito perto da costa indiana, as caravelas de António Valadares e de Fernando Monroi, provavelmente as que iam mais adiantadas, avistaram as galés turcas. Mas estas não estavam dispostas a combater. Com vento fresco e mar de vaga, indo a navegar bastante dispersas e, possivelmente, com falta de água, só pensavam em escapar-se. Vendo já muito perto as nossas caravelas, as duas galés que iam mais atrasadas optaram por se dirigir para a costa, onde vararam e se desfizeram, uma junto de Damão e a outra um pouco mais abaixo, perto de Danu. As restantes sete dirigiram-se para Surat, em cujo porto conseguiram entrar antes de serem alcançadas pelas caravelas de D. Jerónimo de Castelo Branco, Nun'Álvares de Castro e Manuel de Mascarenhas, que as ficaram bloqueando, fundeadas do lado de fora do «poço».

Neste meio tempo, as caravelas de António Valadares e de Fernando Monroi dirigiram-se para Baçaim, onde chegaram a 20 de Setembro. Desta cidade partiram imediatamente doze fustas para Surat a fim de reforçarem as três caravelas que estavam bloqueando as galés. Poucos dias depois, quando a notícia dos acontecimentos do golfo de Oman chegou a Chaul, partiram também dali outras doze fustas com o mesmo fim.

A 23 de Setembro fundeou na barra de Goa uma nau do Reino que trazia um novo vice-rei: D. Pedro de Mascarenhas. Pela mesma altura chegava também a Goa um catur vindo de Mascate com a notícia da vitória alcançada pela nossa armada sobre os Turcos, bem como outros, vindos de Baçaim e de Chaul, dando conta da presença das sete galés em Surat. Tratou logo o novo vice-rei de organizar uma armada destinada a acabar de vez com aquelas e a 10 de Outubro largaram de Goa, com destino a Surat, dois galeões e trinta navios de remo sob o comando de Fernão Martins Freire, sobrinho de D. Pedro de Mascarenhas.

De notar que nesta altura, além das armadas ordinárias, tinham os Portugueses empenhados na guerra contra os Turcos oito galeões, seis caravelas e oitenta e seis galés, galeotas, fustas e catures, o que dá bem ideia da formidável potência naval que Portugal era então, apesar de todas as dificuldades de ordem financeira com que se debatia o Tesouro.
Chegado a Surrate, Fernão Martins intimou o capitão da cidade a que, nos termos do tratado de paz em vigor, lhe entregasse os turcos e as galés ou então que mandasse queimar estas. Escusou-se aquele, alegando que os turcos se tinham metido pela terra dentro e que já não havia nenhum na cidade. Quanto às galés, dizia que não lhe convinha entregá-las nem queimá-las porque temia represálias dos Turcos contra as naus de Cambaia que todos os anos, com «cartazes» dos Portugueses, iam ao mar Vermelho. Em contrapartida, propunha-se mandá-las cortar, cada uma delas, em três partes. Levado o assunto ao conhecimento do Vice-Rei, este anuiu. Na presença dos capitães portugueses, cada uma das sete galés que restavam da armada de Alecheluly foram serradas em seis bocados, ficando completamente inutilizadas. Deixando dez fustas a patrulhar o golfo de Cambaia, Fernão Martins Freire regressou a Goa, onde chegou nos primeiros dias de Novembro, praticamente ao mesmo tempo que D. Fernando de Meneses.

Desta forma terminou a campanha iniciada havia dois anos quando os Turcos tentaram apoderar-se de Ormuz com o fim de assegurarem as ligações marítimas entre Suez e Baçorá. Das vinte e cinco galés que empenharam nas operações com ela relacionadas, perderam seis em combate, três por encalhe fortuito ou deliberado e sete por internamente e posterior inutilização. Restavam-lhes duas no mar Vermelho e sete no Shatt al-Arab. Destas últimas, duas acabariam por ser queimadas pelos Persas por volta de 1555 e outras duas por ser tomadas pelos nossos em Barém, em 1559.
Para a vitória final dos Portugueses foram factores preponderantes a abundância de meios navais de que então dispunham na Índia, o receio que os Turcos tinham de se baterem com eles no mar e a forma inteligente como o vice-rei D. Afonso de Noronha movimentou as nossas armadas. Ao mesmo tempo que conservava as galés turcas encurraladas em Baçorá, contra-atacou, cortando as comunicações do mar Vermelho com o exterior, «jogada» que levou à desintegração do dispositivo naval turco no Índico.
De assinalar que em resultado da destruição da armada turca, e apesar de os Turcos continuarem senhores de Adém, as comunicações entre a Índia e a Abissínia foram restabelecidas. Outro ponto interessante a ter em conta é que em 1555 Solimão fez a paz com a Pérsia. Mera coincidência ou consequência directa da destruição da sua armada do Índico pelos Portugueses? Seja como for, a batalha do golfo de Oman coincide com o fim da expansão do Império Otomano para Leste.


Saturnino Monteiro
em «Batalhas e Combates da Marinha Portuguesa» (Vol.III)
 

Johny89

GF Ouro
Membro Inactivo
Entrou
Jun 21, 2009
Mensagens
683
Gostos Recebidos
0
Achém - Maio de 1569


Em princípios de Maio de 1569, largaram de Goa, em conserva (navegando em conjunto mas sem qualquer espécie de subordinação), um galeão e uma pequena nau. O galeão, capitaneado por João Gago de Andrade, tinha como missão levar gente e abastecimentos para as Molucas; a nau era particular, sendo seu proprietário e capitão Mem Lopes Carrasco. O seu destino era Sunda, onde, provavelmente, ia buscar pimenta, considerada de melhor qualidade que a do Malabar.

Enquanto navegou ao longo da costa indiana, onde existia o risco de ataques de corsários, Lopes Carrasco conservou-se perto do galeão, embora a sua nau fosse mais rápida, uma vez que ia praticamente vazia em contraste com aquele, que levava muita carga. Porém, logo que foi ultrapassado o cabo Comorim, fez força de vela e foi ganhando avanço ao galeão até o perder de vista. Deste modo chegou à costa noroeste da ilha de Samatra, onde ficava situado o reino do Achém, muito antes daquele.

O vento era fraco e a nau, apesar de levar postas monetas (tiras de pano cosidas nas esteiras das velas destinadas a aumentar a sua área), ia a andar muito pouco. Foi então que começaram a ser avistadas numerosas velas saindo do porto do Achém.

Tratava-se de uma poderosa armada, composta por vinte galés, vinte juncos e cerca de duzentos navios mais pequenos, com que o rei daquela cidade se preparava para ir novamente pôr cerco a Malaca. Vendo aparecer inesperadamente uma nau portuguesa deu imediatamente ordem aos seus navios para a irem tomar.

Eis como Diogo do Couto descreve o combate que se seguiu: «Tanto que Mem Lopes viu a Armada, de que se não podia desviar (por falta de vento), preparou-se para se defender dela, porque bem sabia que lhe era assim necessário para remédio, e vida de todos, porque aqueles inimigos não havia poder-se pleitear com eles, porque não dão a vida a Português algum pelo mortalíssimo ódio que lhe têm: e assim mandou tirar as monetas, e encher tinas de água (para apagar os incêndios), e preparar sua artilharia, de que levava sete, ou oito peças, camelos, esperas, e falcões; e a gente que levava, que eram quarenta homens, repartiu pelos lugares mais arriscados, pondo na proa Martim Lopes Carrasco seu filho com dez homens; e Francisco da Costa ... pôs na popa com outros dez soldados; e a um Martim Daço primo de Mem Lopes encarregou a artilharia; e ele ficou no convés com os mais, e com eles o Padre Francisco Cabral da Companhia de Jesus ... e um Frade de São Francisco, que ambos com um Crucifixo nas mãos andavam animando a todos a se defenderem daquela Armada, que já tinha cercado a nau, e a começou a bater com grande terror, e braveza, e logo a começaram a destroçar, e desenxarcear, e abrir-lhe muitas arrombadas com os pelouros que varavam a nau; mas também os nossos fizeram valorosamente seu ofício, destroçando-lhes com sua artilharia muitas das suas embarcações, e matando-lhes muita gente; porque como o mar estava coberto de embarcações, não tinham as balas da nossa artilharia, por perdidas que fossem, onde dar, senão nelas.

Durou esta refrega todo o dia, porque já era véspera (tarde), quando a batalha se começou, que a armada do Achém se apartou, e surgiu (fundeou); e os nossos, de que havia já alguns feridos, se curaram, e mandaram remediar, e tapar as aberturas que as bombardas lhe fizeram, e preparando-se para outras que esperavam, porque a Armada do inimigo também surgiu afastada para lançar os mortos no mar, e curar os feridos que eram muitos.

Ao outro dia tanto que amanheceu, tornou a Armada a rodear a nau, e a batê-la, e destroçá-la com nova fúria; mas também os nossos lhe responderam, como se estivessem muito descansados, e inteiros, obrando todos altas cavalarias: os inimigos apertaram tanto, que chegaram três galés muito poderosas a abordar a nau, andando neste conflito os Padres ambos no meio de todos com Crucifixos levantados, animando os nossos a pelejarem pela Fé de Cristo, que se lhes apresentava diante por Capitão; e de tal modo acendeu esta exortação a fúria, e valor aos nossos, que deram com os inimigos ao mar, e com aquele ímpeto, e furor se lançou após eles em uma das galés o Martim Daço com uma espada, e rodela (escudo), fazendo grande estrago nos Mouros, sendo de cima ajudado com a espingardaria; e chamando Mem Lopes Carrasco por ele que se recolhesse, lhe respondeu, que o não havia de fazer até render aquela galé, porque a havia de tomar em lugar do batel da nau que os Mouros lhe tinham já tomado; e sendo a galé socorrida de outras, foi forçado ao Martim Daço recolher-se com algumas feridas bem grandes.

O Mem Lopes Capitão, e Senhorio da nau andou todo aquele tempo como um alarve (insaciável) encarniçado na briga, e tinto da pólvora, e de seu sangue, de feição que o não conheciam pelo rosto, senão pelas armas; e andando socorrendo pelas partes todas, em que os nossos pelejavam valorosamente, lhe deram uma bombardada por uma perna, e logo correu fama pela nau que ele era morto: chegou ao castelo de proa onde seu filho Martim Lopes Carrasco tinha feito maravilhas em sua defensão; e dizendo-lhe um soldado que seu pai era morto (respondeu): 'Se assim é, morreu um só homem, e aqui ficamos muitos, que defenderemos a nau. O Mem Lopes, como a ferida não foi mortal, e não lhe impediu o andar, fez seu oficio com grande valor, andando sempre a par dele o Padre Francisco Cabral da Companhia muito inteiro, e com grande ânimo, e prudência animando, e consolando a todos, ... O Padre de São Francisco sempre andou também com o Crucifixo alentando os soldados, e chamando pelo Bem-Aventurado Santiago, animando os homens com palavras muito honradas; e por não cansar os leitores, e mais os deste tempo, a quem estas coisas juntamente envergonham, e enfastiam (tal como hoje!), basta dizermos que três dias contínuos foram os nossos batidos de toda aquela Armada, até os deixarem arrasados de todos os castelos, e mastros, e a maior parte da gente morta, e os mais feridos, e no fim dos ditos três dias os inimigos se afastaram, por aparecer o galeão de João Gago de Andrade; e foi o dano tanto que os nossos fizeram neles, que se tornaram para o Achém com mais de quarenta embarcações menos, e as mais tão destroçadas, que se não atreveram a prosseguir na começada viagem, ficando o Rei tão afrontado, e colérico, que ia bradando contra Mafamede (Maomé), e contra os seus, dos quais mandou despedaçar muitos, por tomar neles a vingança que nos Portugueses não pôde.»

João Gago forneceu a Mem Lopes Carrasco o material necessário para armar guindolas (mastros improvisados) e logo seguiu à sua frente para Malaca, possivelmente agastado por aquele o ter abandonado durante a travessia do golfo de Bengala. Porém, chegado àquela cidade recebeu ordens do capitão da praça para voltar atrás a fim de escoltar a nau de Lopes Carrasco, o que ele fez, por certo de má vontade. Em Malaca, os vencedores da frota do Achém foram recebidos triunfalmente. No entanto, a nau ficara em tal estado que Lopes Carrasco se viu obrigado a desistir da viagem a Sunda, regressando à Índia quando foi tempo disso.

Mais tarde, quando a notícia do combate chegou a Lisboa, o rei D.Sebastião mandou a Mem Lopes Carrasco o alvará de fidalgo e o hábito de Cristo, acompanhados de uma boa tença.

Na verdade, o combate que aquele travou ao largo do Achém, em fins de Maio de 1569, é um dos mais espantosos combates navais de todos os tempos, em que uma única nau, guarnecia apenas com quarenta soldados, se bateu durante três dias consecutivos com mais de duzentos navios inimigos, dos quais afundou cerca de quarenta, obrigando os restantes a bater em retirada muito destroçados. Qualquer outro Povo que tivesse na História da sua Marinha um feito semelhante, não se cansaria de o celebrar. Mas os Portugueses, com a sua habitual falta de sensibilidade para as coisas do Mar e uma espécie de acanhamento saloio por terem sido, em tempos idos, uma grande potência naval, limitam-se, pura e simplesmente, ... a ignorá-lo!

Saturnino Monteiro
em «Batalhas e Combates da Marinha Portuguesa»
 

Johny89

GF Ouro
Membro Inactivo
Entrou
Jun 21, 2009
Mensagens
683
Gostos Recebidos
0
Mombaça - 5 de Março de 1589


Ao saber das depredações causadas por Mir Ali Bec na costa de Melinde em 1586 o vice-rei D. Duarte de Meneses havia despachado prontamente para lá (em 9 de Janeiro de 1587) uma poderosa armada constituída por dois galeões, três galés e treze fustas, guarnecidos com seiscentos e cinquenta portugueses, sob o comando de Martim Afonso de Melo. Não tendo encontrado sinais de Mir Ali Bec, que nesse ano não saíra do mar Vermelho, Martim Afonso tinha-se limitado a destruir a cidade de Ampaza e a submeter algumas vilas e cidades da costa de Melinde que haviam acolhido os Turcos, incluindo a própria cidade de Mombaça que, para não ser arrasada, teve de pagar um avultado resgate. Feito isto, dirigira-se para Ormuz, onde, aliás, veio a falecer.

Entretanto, no mar Vermelho, Mir Ali Bec estava a reunir forças para levar por diante a projectada construção de uma grande fortaleza em Mombaça, o que daria aos Turcos o domínio de toda aquela costa e colocaria em sério risco as naus da carreira da Índia que, tanto na viagem de ida como na de volta, navegavam durante várias semanas a curta distância dela. Mas o sultão do Cairo estava a lutar com dificuldades financeiras e, por isso, das dez galés novas que haviam começado a ser construídas em Suez apenas foram acabadas quatro que, depois de guarnecidas e equipadas, foram enviadas para Moca e entregues a Mir Ali Bec. Com essas quatro galés e a fusta que tinha capturado aos Portugueses no cruzeiro anterior, fez-se aquele de novo ao mar em fins de 1588 ou princípios de 1589.

Depois de ter escalado Mogadixo, onde se reabasteceu, de ter tentado atacar Melinde, onde foi rechaçado pelos portugueses que lá se encontravam, e, de ter tocado em várias outras cidades, onde exigiu o pagamento de pesados tributos, Mir Ali Bec chegou a Mombaça disposto a dar início à construção da grande fortaleza com que sonhava. Mas a conjuntura não podia ser pior. Nessa época estava tendo lugar uma migração dos Zimbas, povo antropófago originário da Zambézia, que se dirigia para norte devastando tudo à sua passagem. Quíloa havia sido tomada e os seus habitantes comidos. Agora era a vez de Mombaça enfrentar o pesadelo dos terríveis zimbas que se encontravam acampados em grande número no continente, em frente à ilha. Nestas circunstâncias, viu-se Mir Ali Bec forçado a distrair parte da sua armada para conter os zimbas enquanto dava início à construção de um pequeno forte destinado a controlar a entrada da barra e que, possivelmente, teria a intenção de, mais tarde, ampliar.
Mas, desta vez, os Portugueses estavam alerta. Tendo o cuidado de se manter informados sobre o que se estava a passar no mar Vermelho, por intermédio dos navios árabes que de lá vinham. E logo que tiveram notícia de que Mir Ali Bec estava aprontando uma nova armada mandaram uma fusta à Índia a pedir socorro ao Vice-Rei.

Por morte de D. Duarte de Meneses, governava então a Índia Portuguesa Manuel de Sousa Coutinho, que imediatamente organizou uma armada destinada à costa de Melinde, capitaneada por seu irmão Tomé de Sousa Coutinho, que compreendia dois galeões, cinco galés, seis galeotas, seis fustas e uma manchua, onde iam embarcados, além dos marinheiros, novecentos soldados portugueses.

A dimensão desta armada torna bem patentes duas coisas: a primeira é que os portugueses da Índia se tinham claramente apercebido da importância da ameaça que representava a instalação dos Turcos na costa de Melinde; a segunda é que dispunham de meios mais que suficientes para a enfrentar.

Não foi fácil a viagem de Tomé de Sousa de Goa para a costa africana. Sucessivos temporais obrigaram uma das galés a arribar ao porto de partida devido a estar a meter água; os dois galeões desgarraram-se dos navios de remo; na maior parte destes foi necessário deitar carga ao mar para não ir ao fundo. Afinal, nos últimos dias de Fevereiro, os navios de remo, que apesar de tudo se tinham conseguido conservar juntos, chegaram a Brava, onde lhes foi dito que Mir Ali Bec tinha passado para sul havia pouco. Grande foi o contentamento dos portugueses, que o que mais temiam era não encontrar a armada inimiga. Dispararam-se os canhões e os arcabuzes, tocaram-se os instrumentos bélicos e encheram-se os ares com a vozearia das guarnições!
Em face de tão boas novas, Tomé de Sousa apressou-se a continuar a sua viagem. Em fins de Fevereiro tocou em Ampaza, possivelmente para arranjar mantimentos; seguidamente aportou a Lamu a fim de fazer aguada. Aí encontrou recado de Mateus Mendes de Vasconcelos, capitão-mor daquela costa, de que Mir Ali Bec se encontrava em Mombaça. Completada a aguada, Tomé de Sousa dirigiu-se sem mais detença para Melinde, onde juntou à sua armada uma boa galeota e duas fustas que Mateus Mendes tinha preparadas para o acompanhar. Nessa mesma noite, depois de uma breve visita ao Rei, tomou o caminho de Mombaça, onde chegou no dia seguinte de manhã, que era 5 de Março.

Sobranceiro ao braço de mar que conduz à cidade tinha Mir Ali Bec construído um pequeno forte guarnecido com artilharia de grosso calibre com que contava impedir a entrada aos navios portugueses se por ali aparecessem; para evitar que os zimbas entrassem na ilha vira-se forçado a destacar duas das suas galés para um passo existente no canto NW da mesma que podia ser vadeado com água pelo peito na maré vazia; as outras duas galés e a fusta tinham ficado fundeadas junto à cidade.

Apesar do aspecto ameaçador do forte, Tomé de Sousa Coutinho decidiu forçar imediatamente a entrada para não quebrar o ímpeto que pressentia nos seus homens nem dar tempo ao inimigo para se refazer do choque resultante da sua chegada. E com todos os navios profusamente embandeirados e tocando trombetas, pífaros e tambores, arremeteu arrojadamente pela entrada da barra sem se importar com os pelouros de grosso calibre que caíam em torno da armada. À frente iam as oito fustas sob o comando directo de Mateus Mendes de Vasconcelos; logo a seguir, as oito galeotas; por fim, as quatro galés com o capitão-mor.

À passagem pelo forte disparou este uma primeira salva sobre as fustas sem que nenhuma tivesse sido atingida. Enquanto os turcos estavam a carregar de novo as suas peças, passaram as galeotas. Quando se aproximou a galé capitania, todos os canhões do forte dispararam sobre ela uma segunda salva que também não acertou no alvo! Mais destros ou com mais sorte, os bombardeiros da galé conseguiram meter alguns pelouros de grosso calibre dentro daquele, que mataram o condestável turco que dirigia o tiro. Tanto bastou para que os restantes membros da sua guarnição desmoralizassem e se pusessem em fuga para a cidade! Então, um jovem fidalgo meteu-se no esquife da galé com meia dúzia de soldados, saltou em terra, entrou no forte e, depois de ter morto alguns soldados que ainda lá se encontravam, arrancou as bandeiras turcas, que eram lindas bandeiras de seda multicores, e voltou com elas, triunfante, para a galé!

Entretanto, Mateus Mendes de Vasconcelos chegava ao contacto com as duas galés e a fusta que estavam diante da cidade, que logo acometeu com grande determinação. Os turcos ainda tiveram tempo para disparar por duas vezes a sua artilharia. Mas de pouco lhes serviu. Investidos por uma alcateia furiosa que disparava sobre eles dezenas de arcabuzes à queima-roupa e lhes lançava para cima catadupas de panelas de pólvora, lançaram-se à água e fugiram para terra. Alguns dos nossos, vendo que naquele lugar havia pé, atiraram-se também à água e foram atrás dos turcos até à praia, continuando a matar. E era tal a sua fúria que para os fazer recolher foi necessário ir a terra o capitão de um dos navios!

As galés turcas estavam ricamente carregadas com os tributos que Mir Ali Bec havia exigido nas várias cidades por onde passara e, imediatamente, os soldados começaram a saqueá-las. A chegada de Tomé de Sousa, com as galés, veio pôr termo à desordem. Meteu nos navios tomados gente de confiança e mandou-os levar para o largo; mandou um destacamento de cem homens ao forte a fim de retirar dele toda a artilharia, o que não viria a ser tarefa fácil por alguns dos canhões serem de grandes dimensões; ordenou que Mateus Mendes de Vasconcelos, com duas galés, as sete galeotas e seis fustas fosse atacar as duas últimas galés turcas que estavam de guarda ao passo dos zimbas, ficando ele com duas galés e duas fustas diante da cidade.
O combate com as duas galés turcas que estavam no passo dos zimbas foi bastante mais renhido do que o anterior, porque nelas tinha Mir Ali Bec metido a sua melhor gente. Depois da costumada salva de arcabuzaria e do habitual lançamento de panelas de pólvora em profusão, os portugueses lançaram-se à abordagem, travando com os defensores violentos combates corpo a corpo. Mas a superioridade numérica dos nossos era, neste caso, muito grande. Cerca de cem turcos foram mortos em poucos minutos e mais de setenta feitos prisioneiros. Da nossa parte houve apenas dois mortos.
O resto do dia passou-se a inventariar o espólio encontrado nos navios turcos para efeitos de repartição, conforme as regras em vigor. Ao cair da noite, o rei de Mombaça mandou pedir pazes. Concedeu-lhe Tomé de Sousa vinte e quatro horas de tréguas com a condição de entregar todos os turcos que tinha consigo.

O dia 6 foi passado em relativo sossego, a curar os feridos e a pôr os navios capturados em estado de navegar. Na manhã de 7, não dando o rei de Mombaça sinal de si, Tomé de Sousa Coutinho desembarcou com quinhentos soldados e ocupou a cidade sem encontrar resistência. O rei e a população tinham fugido para o arrabalde e encontravam-se escondidos no mato. Depois de ter saqueado e incendiado a cidade, bem como uma nau e numerosos navios que se encontravam varados na praia, Tomé de Sousa regressou aos navios.

Apareceu então um emissário dos zimbas a felicitar os portugueses pela vitória que tinham alcançado e a pedir autorização para entrarem na ilha e comerem os vencidos! Desejoso de haver às mãos Mir Ali Bec, Tomé de Sousa Coutinho autorizou que o fizessem no dia seguinte. E, ao amanhecer, mandou as embarcações miúdas da armada para junto de terra com ordens para recolherem todos os fugitivos que se apresentassem.

Tal como havia previsto, logo que os turcos, árabes e gentios de Mombaça se aperceberam de que os zimbas estavam a entrar na ilha, fugiram espavoridos para junto das embarcações portuguesas, pedindo aflitivamente para que os recolhessem, pois preferiam mil vezes ser cativos do que mortos e comidos. Desta forma foi feito prisioneiro Mir Ali Bec e mais trinta turcos, entre os quais alguns capitães importantes, cerca de duzentos árabes e muitos naturais de Mombaça. Mas muitos mais morreram afogados por já não haver lugar para eles nas embarcações.
A 15 de Março chegaram os dois galeões que se tinham desgarrado durante a travessia do mar da Arábia, os quais nada mais puderam fazer do que embandeirar festivamente e assinalar a vitória com uma potente salva de artilharia.

Deixando Mombaça completamente arruinada, Tomé de Sousa Coutinho foi à ilha de Pemba, onde colocou no trono um rei favorável aos Portugueses, e daí dirigiu-se para Melinde, onde chegou a 22 de Março.

Desnecessário será dizer que a estrondosa vitória que alcançara sobre os Turcos e a prisão de Mir Ali Bec encheram de pasmo as gentes de toda aquela costa e fizeram subir consideravelmente o prestígio dos Portugueses ou, dizendo melhor, o medo que inspiravam. Mal podendo acreditar no que os seus olhos viam, os nativos diziam uns para os outros: «Com os Portugueses ninguém se meta porque mais tarde ou mais cedo lhas pagará!»
Em Melinde, Tomé de Sousa deixou, além da galeota e das duas fustas que eram de lá, duas fustas da sua armada, a fim de ajudarem a defender a cidade dos zimbas que se estavam aproximando. Desde já se poderá dizer que quando estes, mais tarde, tentaram tomar de assalto Melinde sofreram uma tremenda derrota, sendo obrigados a regressar às suas terras completamente destroçados.

Com o resto da armada, Tomé de Sousa Coutinho ainda se conservou durante mais algum tempo na região a fim de castigar os reis de Lamu, Pate e Mandra pelo auxílio que tinham dado aos turcos. A 15 de Abril iniciou a viagem de regresso a Goa, onde chegou a 16 de Maio, sendo muito festejado.
Mir Ali Bec foi tratado com todas as honras e, mais tarde, enviado para Portugal, onde acabou por se converter ao Cristianismo.

Saturnino Monteiro
em «Batalhas e Combates da Marinha Portuguesa» (Vol.IV)
 
Topo