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Desentendimentos dos pais por causa dos filhos

estela

GF Ouro
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Acabar com os desentendimentos

É preciso mais diálogo e uma constante redefinição de estratégias para que pai e mãe não caiam em contradições. Mas às vezes nada parece resultar. O que falha?

«Pai, posso jantar a ver televisão?», pergunta Miguel sorrateiramente. Não se atreveu a perguntar à mãe, porque sabia que a resposta seria negativa. Como o pai disse que sim, foi à cozinha pegou no prato e voltou para o sofá para continuar a ver uma série infantil. O episódio gerou mais uma discussão em casa, com o pai a afirmar que sempre cresceu com a televisão ligada e a mãe a defender que as refeições em família são mais importantes. Miguel acabou por desligar a televisão mas jantou sozinho, porque os pais, no esgrimir de argumentos, perderam o apetite. Por mais estável e equilibrada que seja uma relação, surgem sempre desentendimentos sobre o modo como se educam os filhos. A forma como cada um lida com as crianças e gere as situações do dia-a-dia pode conduzir a graves desentendimentos, ao ponto de causar rupturas. Por vezes os desacordos são mesmo inevitáveis – porque se considera inaceitável a atitude ou o argumento do outro – mas em grande parte das situações é possível encontrar uma plataforma de consenso, que permita a harmonia entre o casal e garanta que, perante os filhos, ambos falem a ‘mesma língua’.

Muitas discussões entre o casal têm a ver com a distribuição de tarefas relacionadas com o cuidar dos filhos. Quem se levanta durante a noite para dar o biberão ao bebé? Quem falta ao emprego quando o filho adoece? Quem apoia nos trabalhos da escola? O estabelecimento de regras e rotinas familiares é outro foco de discórdia, em que pai e mãe diferem quanto aos hábitos a implementar. Os filhos têm de comer tudo o que é posto no prato? Podem brincar antes dos TPC? Podem ver televisão às refeições? Têm hora marcada para ir para a cama? As divergências maiores e mais difíceis de ultrapassar são, por vezes, as que resultam de reacções em alturas de tensão: a mãe que se descontrola e bate na criança, o pai que ameaça com castigos desproporcionados para que o filho ceda e acate as suas ordens.

Estar de acordo – por que é tão importante?

Casados ou separados, os pais precisam de estar em sintonia quanto à educação dos filhos. Isto todos sabem, mas será possível diminuir os desentendimentos? Ou, no mínimo, acabar com as discussões diante dos filhos? «Por vezes, os pais nem têm a noção de que estão em desacordo. Procuram apoio porque acham que os filhos estão impossíveis e só depois é que se apercebem que o comportamento dos filhos é, em boa medida, resultado da desorganização familiar», adverte Eva Delgado Martins, doutoranda em educação parental e docente no ISPA. «Se o pai e a mãe têm pontos de vista divergentes sobre a educação dos filhos, é importante que se ponham de acordo, porque as crianças depressa compreenderão que existe um adulto mais fácil de convencer e utilizam essa situação em seu proveito. Tudo é mais fácil quando os pais gerem a educação no mesmo sentido», acrescenta a psicóloga.

Na casa do Miguel, como em tantas outras, há perguntas que são feitas cirurgicamente ao pai ou à mãe, porque os filhos sabem que um autoriza e o outro não. A criança acaba por tirar partido da voz dissonante dos pais mas não deixa de sentir que está a fazer algo errado, porque tem a noção de que vai desagradar a uma das partes. «É frequente que a mãe tenha um estilo educativo e o pai outro. Para os filhos é altamente disfuncional que os pais ‘puxem’ cada um para o seu lado, sendo um permissivo e o outro autoritário. Estas famílias criam filhos confusos, inseguros e infelizes», refere Eva Delgado Martins. «Ainda é mais grave se os pais discutirem sobre estratégias educativas na presença dos filhos. Demonstra um grande mal-estar familiar e conflitos conjugais. O desacordo deve ser objecto de discussão e de uma argumentação séria, em que sejam pesados os prós e os contras das alternativas que cada um defende, o que permitirá chegar a um acordo». Conversar a sós e com calma, é fundamental para haver entendimento.

Diferenças entre o pai e a mãe

Não basta pensar: a partir de agora falamos a uma só voz. Se não houver um diálogo constante e um esforço contínuo de sintonia, cumprindo o combinado, os desentendimentos voltam. «Não adianta, já tínhamos acordado que não íamos bater ao João, mas o pai vai aos arames com a teimosia dele. Isso deixa-me fula e lá tenho que intervir, o que acaba sempre em discussão», conta Madalena, desalentada. Por que é tão difícil pôr em prática aquilo que pensamos ser o melhor para os filhos? E porque caímos em contradição com tanta facilidade? A forma como cada um lida com os filhos e as práticas e condutas que vai adoptando são designadas como «estilo educativo». «No sentido de definir o seu próprio estilo parental de educação, os pais recorrem àquilo que trazem da educação recebida na própria infância, sendo também influenciados pelas crenças e expectativas culturais e sociais sobre a educação», explica a psicóloga.

Tendemos a reproduzir o modelo educativo da nossa infância, ou a agir por oposição a este, e nem sempre isso é consciente. «Muitos pais que assumem um estilo educativo permissivo, foram educados em ambientes onde predominou a restrição severa, e, como reacção, demitem-se de exercer controlo e limites aos comportamentos dos filhos.» Para que o casal consiga educar em consonância, é fundamental que dialogue sobre como foi a infância de um e de outro e sobre os valores e expectativas que têm. Frequentemente, as questões ligadas às vivências da infância e da adolescência só surgem quando há situações prementes a resolver ou em momentos de tensão, o que não ajuda. «Ainda durante a gravidez, seria bom que os pais conversassem e definissem o que valorizam na educação dos filhos. A criança precisa desde muito cedo de limites e de decisões coerentes e consistentes por parte dos pais.»
 

estela

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Coerência procura-se

Para além do pai e da mãe poderem ter pontos de vista diferentes, há um outro dilema: a inconstância das atitudes. «É o problema da inconsistência normativa, o dizer coisas diferentes dependendo dos dias (dependendo se está bem disposto ou indisposto, se está cansado ou não). Por vezes os pais estão inseguros e com medo de ‘traumatizar’ os filhos com a sua firmeza, hesitam e contradizem-se, não permitindo que as crianças interiorizem normas e valores que orientem os seus comportamentos e as suas relações sociais», adverte Eva Delgado Martins. «Há pais que oscilam entre o estilo permissivo e o estilo autoritário. Às vezes permitem que a criança faça o que quer, outras vezes perante desejos e manifestações permitidas anteriormente, reagem de forma oposta e adoptam uma conduta autoritária.

Esta oscilação dificulta a compreensão dos modelos e padrões educativos por parte da criança, origina dificuldades na comunicação entre pais e filhos e mal-estar entre o casal.» Os pais precisam de definir rotinas – conversando primeiro entre si e depois com os filhos – que visem a melhoria da qualidade de vida. Definir a hora de ir para a cama – às nove e meia da noite, por exemplo – não é um mero capricho. É uma necessidade fundamental da criança, que precisa de dormir bastante, e uma necessidade dos pais, que têm de ter tempo um para o outro. «Certos assuntos, nem merecem discussão, deve imperar o bom senso.» Se a falta de regras desorganiza as crianças, também não resulta impor normas que os próprios pais não conseguem cumprir (como não gritar ou não bater). «O que fazemos, mais do que aquilo que dizemos, é um modelo para os filhos». E um barómetro para medir os desentendimentos entre o casal.

Decisões partilhadas

Há quem compare a família a uma empresa. Para funcionar bem, a direcção (pai e mãe) tem que definir objectivos, reunir com frequência e tomar decisões consensuais, partilhando as suas ideias com os restantes elementos (os filhos). Qualquer organização só consegue obter bons resultados, se cada um souber o seu papel e executar as suas funções, e se todos rumarem na mesma direcção. Quando os próprios dirigentes se desentendem e não chegam a acordo quanto às estratégias a seguir, o efeito pode ser desastroso. É assim numa empresa e não será muito diferente numa família. Havendo diálogo, uma reflexão conjunta e a partilha de decisões, a relação entre o casal sairá fortalecida e a interacção com os filhos será mais fácil. «A investigação tem demonstrado que o estilo parental democrático leva a uma maior capacidade de autonomizar os filhos e de os responsabilizar pelas decisões que vão tomando», lembra Eva Delgado Martins. Quando os pais têm dificuldades e dúvidas sobre a forma como gerem a educação dos filhos, «não há que ter vergonha de pedir ajuda. Falar ‘alto’ e partilhar a experiência em grupo com outros pais pode fazer toda a diferença», sugere a formadora de educação parental. Viver em constante desacordo, não beneficia ninguém.

O que pensam os filhos

«O meu pai deixa-me fazer tudo e a minha mãe não me deixa fazer quase nada. Por causa disso eles estão sempre a gritar um com o outro. Eu queria que os meus pais parassem de chatear-se e que gostassem um do outro.» Tiago, 6 anos

«O pai põe-me mais vezes de castigo, a mãe é mais amiga. Uma vez o pai pôs-me de castigo e não me deixou ver televisão mas a mãe chegou a casa e disse que eu podia.» Constança, 5 anos

«A minha mãe manda mais e quando ela não deixa fazer umas coisas o meu pai diz o mesmo. Eles mandam e eu obedeço.» Shakira, 5 anos

«Os meus pais educam da mesma maneira e estão quase sempre de acordo mas às vezes é a mãe que tira os castigos.» Lucas, 8 anos

«Há muitas diferenças. Na casa da mãe, depois dos TPC, podemos fazer o que nos apetece. Na casa do pai temos que estudar mais e fazer muitas tarefas. Preferia que as regras fossem iguais, até para eu não me esquecer quando mudo de uma casa para outra.» Eduardo, 8 anos

«Prefiro que estejam de acordo mesmo que isso não me favoreça. Mesmo que seja para ouvir não e não.» Joana, 15 anos
 
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