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A escadaria das fadas

nuno29

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Mohamed Ben Tahir, foi um dos emires que governaram a formosa cidade espanhola de Valência na época em que pertencia aos mouros.

Era um homem de meia-idade, moreno e de olhos profundos, usava um turbante e vestia um albornoz branco.

O emir tinha uma filha chamada Aixa, uma jovem de grande beleza, a quem o povo de Valência apelidara de «Flor dos Jardins» por gostar muito de correr pelos campos e de respirar o perfume das flores e dos bosques. O emir adorava a filha e dava-lhe todas as riquezas que podia. Os seus inúmeros tesouros pareciam-lhe pouco para a sua querida filha.

Porém, Ben Tahir sabia muito bem que as riquezas que lhe dava não chegavam para a educar. Aixa tinha de ter tanto de riquezas como de sabedoria, por isso chamou um sábio para ensinar a princesa. O professor também era árabe e usava um chapéu em cone, vestia um traje estrelado e tinha uma respeitável barba branca como todos os magos. A jovem, que tinha uma enorme vontade de aprender, acolheu o sábio com grande afecto. No entanto, à medida que ia aprendendo e ficando mais inteligente, a formosa jovem tornava-se mais triste e insociável.

Todas as pessoas da cidade começaram a notar a mudança de Aixa. O pai também estava preocupado e bastante aflito com o comportamento da filha.

— O que tens, Aixa? — perguntava-lhe.

— Nada, pai — era sempre a resposta.

Nem as longas viagens nem os presentes que lhe oferecia diariamente a animavam. Continuava a passear sozinha pelos jardins ou a olhar pela janela.

— O que poderei fazer para te ver sorrir? — perguntou carinhoso o emir.

Aixa suspirou profundamente e cravou os olhos nos degraus da escadaria talhada na rocha que se viam da janela.

Ben Tahir percebeu. Mandou vir o mago à sua presença e pediu ao professor que lhe dissesse o que sabia da tristeza de Aixa.

— Oh, poderoso senhor! A tristeza da tua filha não tem cura.

— Se és assim tão sábio, deves saber como curá-la!

— Sei o que tem a tua filha, porém é-me impossível curá-la — exclamou o mago. — Quer ver o que existe no cimo da escadaria das fadas, esses degraus formados no rochedo em frente da janela do seu quarto.

— Pois que vá — disse o emir decidido.

— Sim, grande senhor — continuou o mago — mas isso é impossível. Cumprindo a tua vontade, transmiti-lhe toda a minha sabedoria mas, à medida que a sua inteligência se foi desenvolvendo, o coração foi adormecendo. Sabe mais do que os velhos sábios, mas esqueceu-se de amar. Sabes o que isso significa? Quer dizer que a sua sabedoria não lhe serve de nada, porque lhe falta o amor. E como só vive para estudar, chegou ao limite de tudo o que se pode saber e agora sente um enorme vazio. O desejo de Aixa é tornar-se fada, desejo que nenhum humano consegue realizar, e é por essa razão que está triste.

— Se ela se sentir mais feliz por se aproximar da escadaria das fadas, porque havemos de privá-la disso?

— Aixa não deve sentir curiosidade. Isso é próprio das pessoas comuns. Aixa não pode subir a escadaria das fadas.

O emir, enfurecido com o ancião, exclamou:

— Fiz-te vir de um país longínquo para me ajudares a tornar feliz a minha filha, e afinal o que conseguiste foi entristecê-la ainda mais, pois educaste-a fazendo-lhe desejar coisas impossíveis. E não te dei tudo quanto me pediste? Porque deambulas tu pelos jardins, cabisbaixo e resmungando sempre?

— A minha tristeza não se relaciona com a maneira como procedeste comigo. Sinto-me velho e estou convencido de que não viverei muito mais tempo. Todos temos de morrer, mas tenho pena de não tornar a ver o meu país.

— Queres dizer que pretendes ir-te embora? É a liberdade que estás a pedir-me?

— Senhor! — ripostou o sábio. — A liberdade é o maior bem que podemos gozar na terra.

O emir ficou de novo pensativo, passeando pelo luxuoso salão. De repente, deteve-‑se diante do sábio e exclamou:

— Bem! Por mim, não há o menor inconveniente, mas como sei que é por causa de minha filha que vieste, tem de ser ela a conceder-te licença para partires.

Ben Tahir tocou o gongo e no mesmo instante apareceu um gigantesco servo.

— Diz a Aixa que venha imediatamente.

Depois de colocada ao corrente do que se passava, a jovem exclamou angustiada:

— Não, pai, não é possível que o meu mestre parta. Só ele tem o remédio contra a minha tristeza e, para fugir ao cumprimento do seu dever, pede-te que lhe dês a liberdade. Ele possui o segredo da escadaria das fadas e não quer revelar-mo. Poderia converter-me na mais feliz das pessoas e nega-me essa grande alegria.

— És um impostor! — gritou o emir, sacudindo o sábio.

Aixa sentiu-se protegida e prosseguiu:

— Esse homem conhece a palavra mágica que abre o caminho das fadas, a palavra que leva à porta do palácio das fadas. Quem conseguir entrar nele será o ser mais poderoso e mais feliz da terra. Porque não me revela ele a palavra?

— Fala! — ordenou Ben Tahir.

— Essa palavra — disse o mago — pode conduzir à infelicidade eterna. A escada não deve ser subida pelos humanos.

— Já te disse — exclamou o emir com decisão — que, se é desejo de minha filha subir a escadaria, subi-la-á. Quero que seja feliz, que viva contente e ria de novo.

Perante as exigências do emir, o mago não se atreveu a protestar mais, e disse, com um encolher de ombros:

— Tu assim quiseste, emir. Devo porém avisar-te de que é preciso que, tanto tu como tua filha, obedeçam a todas as ordens que vos dê, já que o atraso de um segundo no cumprimento das mesmas poderá ser fatal. Ficaríeis sepultados no fundo da misteriosa montanha.

— Cumpriremos as tuas ordens — disseram Aixa e o pai.

Na noite seguinte, encontraram-se à meia-noite e dirigiram-se junto da escadaria das fadas. O velho sábio não parava de olhar as estrelas, à espera de que ocupassem a posição favorável. Nesse momento, o galo cantou.

— Utiliza imediatamente o poder mágico que conduz ao país das fadas — ordenou o emir.

O ancião, sem fazer muito caso das palavras do emir, acendeu uma tocha e sacou de um livro muito velho e de páginas amarelecidas e letras esquisitas. Colocou um anel sobre a página e começou a ler lentamente, a meia-voz. Quando terminou a leitura da primeira página, produziu-se um tremendo ruído no seio da montanha.

Aixa e seu pai estremeceram, enquanto o ancião, como se nada tivesse ouvido, prosseguia a sua leitura.

A escadaria pareceu iluminar-se e a jovem começou a subi-la.

O mago disse ao ouvido de Ben Tahir:

— Sobe também. Verás algo de maravilhoso.

O pai de Aixa deu início à subida, e o velho voltou à sua monótona leitura.

Ao terminar a terceira página, ouviu-se outro ruído, ainda mais forte do que o primeiro.

Foi então que a jovem e o emir viram desenhar-se no rochedo a forma de uma porta arqueada, que se foi abrindo lentamente, à medida que o mago pronunciava as palavras cabalísticas do misterioso livro.

Quando na rocha se abriu o espaço suficiente para dar passagem a um homem, Aixa e Ben Tahir penetraram no Paraíso das Fadas.

Pai e filha pararam perplexos. Ante os seus olhos acostumados às maiores magnificências, deparava-se algo com que jamais podiam ter sonhado, algo de tão fantástico, que só podia ser considerado uma das mais maravilhosas fantasias do longínquo Oriente. E ali, não longe deles, estavam uns seres quase transparentes, que olhavam os recém-vindos com um estranho sorriso nos lábios. Eram as fadas daquele incomparável paraíso.

Uma delas fez um gesto a Aixa.

— Vem — disse. — Esperamos-te…

— Que maravilha! — repetia Aixa continuamente.

— Parai! — gritou o mago.

A sua voz era tão imperiosa que a jovem quedou-se por momentos no umbral do palácio.

— Vem! — insistiu a fada.

— Regressai! — repetiu o mago.

Aixa, acostumada como estava a obedecer, voltou atrás, e seu pai pousou-lhe uma mão no ombro, satisfeito por ver que a luz e a alegria lhe tinham voltado ao rosto. Em seguida, a porta fechou-se com estrondo, obedecendo a umas palavras mágicas do sábio.

A jovem estava felicíssima; beijava o pai, abraçava o velho mago e repetia mil vezes que não existia na terra ninguém mais feliz do que ela. Pelo contrário, o velho mestre mostrava-se mais sombrio do que nunca.

Quando regressaram ao palácio, o velho mago dirigiu-se a Ben Tahir e disse-lhe:

— Poderoso emir, eu cumpri a minha promessa. Cumpri agora a vossa, permitindo que regresse à minha pátria, para morrer sob o céu que me viu nascer.

— Se a minha filha consentir, serás livre.

Aixa estava tão contente que acedeu a dar a liberdade ao seu velho mestre, mas com a condição de que este lhe deixasse o livro misterioso e o anel que tinha o poder de abrir o palácio das fadas.

O mago acedeu de imediato e entregou-lhos.

— São teus. Guarda-os como recordação de quem iluminou a tua inteligência com a luz da sabedoria, porém serve-te deles com cuidado, não abusando do seu ilimitado poder. Não esqueças que na vida está também a morte.

Depois de proferidas estas palavras, o ancião deixou o palácio do emir e partiu imediatamente para a sua terra, carregado de belos presentes que Ben Tahir lhe dera como recompensa por ter devolvido a felicidade à sua filha.

Passou o tempo. Uma noite, Aixa não pôde dormir. Lembrava-se continuamente do que tinha visto no palácio das fadas. Pegou no livro misterioso e no poderoso anel, e acompanhada da sua escrava favorita, dirigiu-se à escadaria de pedra. Quando as estrelas atingiram no seu curso o lugar que o ancião havia assinalado, a donzela abriu o livro e leu as palavras mágicas. Tal como naquela outra noite, a montanha começou a abrir-se, até permitir a entrada no paraíso das fadas.

Aixa entregou o livro e o anel à sua escrava, e hipnotizada com as maravilhas que se lhe deparavam, entrou no palácio encantado. Só que agora o mago já não se encontrava ali para poder avisá-la, e Aixa ficou encerrada naquele maravilhoso lugar que tanto havia desejado conhecer.

Quando o sol despontou, ao ver que Aixa não regressara, a escrava foi contar ao emir o que tinha acontecido. Este pegou no livro, disposto a lê-lo do início ao fim, se necessário fosse, mas os sinais misteriosos eram incompreensíveis.

— Que se reúnam todos os meus homens e vão em busca do velho mago — ordenou então.

Foram imediatamente enviados emissários em todas as direcções, mas o velho não apareceu em parte alguma. Era como se a terra o tivesse tragado. Ben Tahir não se deu ainda por vencido e mandou o exército derrubar a montanha. Em vão. Nem a mais pequena brecha pôde ser aberta na rocha.

Decorreram os anos, até que, um dia, o poderoso emir morreu de desespero junto da montanha misteriosa. Ninguém soube se a donzela moura pôde alguma vez voltar à luz do dia.

E os que hoje por ali passam não podem deixar de recordar a lenda daquela princesa que, no passado, se deixou deslumbrar pelos próprios caprichos e deles ficou prisioneira, em lugar de ter posto a sua sabedoria ao serviço da bondade e da beleza.
 
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