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O Bebé de Açúcar

nuno29

GF Ouro
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Ao acordar no Domingo de Páscoa, Matilde encontra aos pés da cama um embrulho redondo. Abre-o com muito cuidado e lá dentro encontra um grande ovo de chocolate. Abana-o e sente qualquer coisa a bater no seu interior. Retira a bonita fita verde que o envolve e abre o ovo.

Deitado dentro da casca arredondada, tal como num berço, descansa um lindo bebezinho de açúcar cor-de-rosa. Matilde olha para ele embevecida.

— Que boa ideia! — diz ela ao bebé de açúcar, tocando-lhe levemente com os lábios. — Que bom, teres chegado no dia de Páscoa. Vais chamar-te Paquito!

Matilde brinca um bocadinho com ele, inspira, deleitada, o seu perfume – cheira tão bem! – e mete-o dentro de uma meia de boneca para o não deixar nu e a tremer de frio. Depois, deita-o na pantufa, muito quentinho, e põe-se a mordiscar tranquilamente o seu ovo de chocolate.

Dali a pouco, a mãe chama-a:

— Matilde, estás acordada? Então vem depressa tomar o pequeno-almoço!

Matilde salta da cama, enfia a pantufa esquerda, começa a enfiar a pantufa direita…

— Oh! O meu bebé de açúcar! Já me tinha esquecido dele… Oxalá não o tenha estragado!

O bebé de açúcar não sofreu muito, mas está um pouco espalmado… Matilde dá-lhe um beijinho no nariz, para lhe pedir desculpa por ter dado mais atenção ao ovo de chocolate do que a ele. O bebé não tem ar de estar zangado e continua a sorrir.

— Ouve, Paquito — diz-lhe Matilde — é melhor tirar-te da pantufa enquanto vou à cozinha tomar o pequeno-almoço, porque se vou descalça, a minha mãe ralha comigo! Vou deitar-te na minha cama. Porta-te bem que eu não me demoro.

Deita o bebé de açúcar na almofada, cobre-o até ao nariz com os lençóis, aconchega-o com cuidado, prende a roupa debaixo do colchão a toda a volta da cama para ele não cair, e vai tomar o pequeno-almoço.

— Estou a ver que encontraste o teu ovo, Matilde — diz-lhe a mãe. — Tens cá uns bigodes castanhos!

— Sabes o que estava dentro do meu ovo? — pergunta Matilde com um ar de mistério.

— Não, não sei – responde a mãe. — Peixinhos de chocolate? Ovinhos cheios de creme? Bombons?

— Não, não, não — faz Matilde com a cabeça a cada resposta da mãe.

— Dou-me por vencida — diz a mãe a sorrir.

— Pois bem — responde Matilde com o ar solene de quem vai dar uma grande novidade. — No meu ovo havia um bebezinho muito coradinho, muito querido, sabes?

Max, o irmão, desata a rir às gargalhadas.

— Que parvinha que tu és! — diz ele. — Um bebezinho! Não será um pintainho? Um bebé não sai de um ovo!

— Eu sei muito bem que os bebés saem das barrigas das mães e não de um ovo — responde Matilde, amuada por fazerem troça dela. — Mas vou ensinar-te que os bebés das meninas saem de onde elas querem e quando querem, sabes? É assim.

E acrescenta com a voz a tremer, porque se sente triste sem saber porquê:

— E se estás a fazer troça de mim, proíbo-te de tocares nele, e também não te digo como é que ele se chama. Bem feito para ti!

Vai para o quarto a correr, para pegar no bebé cor-de-rosa. Põe-no na concha da mão e diz-lhe baixinho:

— Não importa se os outros não acreditam que tu és o meu bebé. Não quero saber. Não precisamos deles para nada. Só me tens a mim, está bem?

O bebé de açúcar continua a sorrir. Não parece nada incomodado por ter tão pouca família. Então Matilde volta a deitá-lo numa das suas pantufas, para a mãe poder fazer a cama.

Dali a pouco chegam os primos e as primas convidados para o dia de Páscoa. Como está bom tempo, as crianças brincam lá fora.

Só ao fim da tarde é que Matilde se lembra de Paquito e diz então à prima Maria:

— Sabes que esta manhã tive um bebé?

— Oh — responde Maria. — Não é verdade! Tu ainda não és grande para poderes ter um bebé!

— E sou! — diz Matilde com ar triunfante. — Garanto-te que esta manhã tive um bebé. É muito fofinho, muito coradinho e cheira muito bem. Anda, vou mostrar-te como é verdade!

Entram as duas em casa a correr. Matilde abre a porta do quarto e põe o dedo nos lábios a pedir silêncio.

— Chiu! — diz. — Deve estar a dormir…

O quarto está muito arrumado, a mãe esteve a limpá-lo. As pantufas estão no seu lugar, debaixo do aquecedor, muito quentinhas.

— Está ali… — diz Matilde à prima em voz baixa. E tira o bebé de açúcar da pantufa quente. Mas… o que é que aconteceu? O bebé está muito mole, cola-se aos dedos.

— Ugh! — diz Maria. — Que impressão! Eu cá não queria um bebé assim!

Matilde corre para a cozinha

— Mamã, mamã! — grita ela. — Olha! O meu bebé ficou mole…

Só tem vontade de chorar.

— Então, Matilde! — ralha a mãe. — Devias ter dito que o tinhas escondido na pantufa! Vá lá, não chores. Olha, é um bebé de açúcar! Vamos pô-lo no frigorífico e vai ficar como dantes.

Dito e feito. Mas quando, mais tarde, Matilde o retira do frigorífico, não se pode dizer que tenha voltado a ficar como dantes! A cabeça já não é tão redonda, as mãos estão quase espalmadas. Em resumo, já não parece um bebé a sério.

Matilde sente-se desamparada e pensa:

“É difícil tomar conta do meu bebé… Mesmo que seja de açúcar… Era preciso estar sempre com os olhos nele para ter a certeza de que não lhe acontecia nada de mal…” E suspira. Tem um aspecto esquisito, mas enfim, é o seu bebé querido e ela ainda gosta muito dele…

Para o proteger, guarda-o no bolso. Matilde deixa-o ficar ali alguns dias. Já quase não pensa nele, mas apalpa muitas vezes o fundo do bolso para ter a certeza de que ainda lá está.

Mas, numa tarde, enquanto vê televisão, Matilde tem vontade de chupar no dedo e, distraída, põe-se a chupar o bebé de açúcar.

“Hum”, pensa ela “é tão bom este bebé! Ainda posso chupar mais um bocadinho. Digo-lhe que estou a fazer-lhe a toilete, como fazem as gatas com os seus gatinhos…”

E lambe-o mais um bocadinho. Quando pára, o bebé de açúcar está reduzido a metade. Já nem se lhe nota aquele ar de riso! Matilde está desolada e pensa até se não seria melhor engoli-lo todo de uma vez.

A custo, resiste à tentação, porque, agora que já o provou, está sempre com vontade de mais. Há momentos em que lhe é muito difícil resistir…

Um dia, durante o recreio, Matilde pede um bombom, mas ninguém lhe dá nenhum.

— Também não me importo — diz ela. Mas importa-se e fica tão triste que tira do bolso o seu bebé de açúcar e chupa-o por uns instantes para se consolar.

Num domingo, ao andar na floresta por um caminho pedregoso, Matilde cai e esfola o joelho numa pedra aguçada. Devia ser a pedra mais aguçada da floresta!

Como era de esperar, desata a chorar, diz que não pode andar e que o pai tem de a levar ao colo! Mas o pai não se mostra preocupado nem vai ver o que aconteceu. Zangado, diz-lhe que se levante sozinha e depressa, e que deixe de incomodar a floresta inteira, só por causa de um dói-dói sem importância nenhuma.

Matilde ficou muito sentida… Leva a mão ao bolso para pegar no seu bebé, como testemunha da injustiça do mundo em geral, e do pai em particular. Mas não vê qualquer sinal de compreensão nem de compaixão no rosto espalmado do bebé de açúcar! Dir-se-ia que também ele não quer saber nem do joelho nem de Matilde, que, enervada, lhe arranca os pés com uma dentada.

“Vês? Bem feito. E agora, o que é que dizes?” O bebé não diz mais do que antes e Matilde sente uma pontinha de vergonha. Até se pergunta se não estará pior do coração do que do joelho. Foi mesmo um mau domingo.

Nos dias seguintes, Matilde dá conta que, de tanto lhe mexer, o bebé está cada vez mais descorado. De tanto o chupar, também está cada vez mais pequeno. Tudo isto entristece Matilde, que, mesmo assim, e sem saber porquê, não é capaz de se decidir a engoli-lo de uma vez só.

Uma tarde, ao andar de baloiço, Matilde pede à mãe que a empurre mais alto, e ainda mais, até às árvores, até ao telhado da casa, até aos passarinhos. No preciso momento em que ia alcançar o céu, Matilde perde Paquito.

De repente, dá-se conta, sente que lhe falta alguma coisa. Larga uma mão do baloiço, procura nos bolsos, está quase a cair.

— Pára! — grita à mãe. — Pára depressa! Perdi o meu bebé!

Vão ambas procurá-lo na erva, mas não o encontram.

“No entanto” pensa Matilde “um bebé de açúcar cor-de-rosa devia ver-se na erva verde… devia poder encontrar-se facilmente… Mas não. Então, se não está na erva, para onde poderá ter ido?”

— Se o perdeste enquanto te balançavas muito alto — diz-lhe a mãe — pode ter voado…

Matilde vai aninhar-se nos braços da mãe. Juntas olham para o céu. O Sol está a pôr-se. O ar ainda está calmo, e ali, mesmo por cima do jardim, flutua uma nuvenzinha cor-de-rosa e bochechuda. Matilde olha-a, com um ar sonhador… não se atreve a dizê-lo, mas pensa: “Ali está ele, o meu bebé de açúcar cor-de-rosa.”

Um pouco mais longe, uma nuvem grossa parece esperar a nuvenzinha com toda a paciência.

“Deve ser a sua outra mamã”, pensa Matilde.

Sente-se agora um pouco triste, um pouco só. Mas a mãe aperta-a com muita força nos braços e diz-lhe baixinho:

— Hás-de ter outro bebé, sabes…

Matilde sabe que é verdade. Algo de muito suave entra no seu coração.

A mãe volta para casa. Matilde fica só.

Então, volta a subir para o baloiço e balança-se durante muito tempo, sozinha. Muito alto, cada vez mais alto, quase até ao céu, onde dançam os passarinhos.
 
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