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António Champalimaud: Caçador por Destino

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Autor: MIGUEL PEREIRA

Fonte: Expresso


Algumas pessoas têm o hábito, ou a mania, de guardar coisas de que se gosta. Eu sou um desses casos. Num feliz acaso em que necessitei de procurar alguma documentação para questões de ordem profissional encontrei uma velha revista do Expresso do dia 26 de Novembro de 1994. Na capa uma fotografia do carismático António Champalimaud e um título sugestivo: “Memórias de um Caçador”.

Reler esta reportagem, perdida no tempo e nas memórias, foi um enorme prazer. Recordava-me que António Champalimaud, além de talvez ter sido o maior empresário português nos últimos dois séculos, tinha sido caçador, mas, com o tempo, os pormenores de tal cairam no mais completo esquecimento. Mais um exemplo de alguém ilustre que não abdicou de ser caçador, apesar da vida extremamente agitada e ocupada que sempre teve. O seu filho Luís (um grande protagonista do processo das privatizações em Portugal), foi, e decerto continuará a ser, igualmente um caçador. Recordo-me de algumas referências que fui lendo na imprensa da época, acerca de uma propriedade e de um couto no baixo Alentejo que alguns apelidavam de “o melhor couto de perdizes em Portugal”.

Deixo uma selecção, citando, as partes que considero mais interessantes. António Champalimaud, um homem com um percurso tão semelhante ao de tantos caçadores portugueses a partir do momento em que, ainda menino, começou a sentir todo o instinto e atavismos a feverem no seu sangue de caçador. O fascínio da estratégia e do combate leais, em toda a pujança, com a presa. Um homem que se rendeu totalmente, de corpo e alma, à condição de caçador.
 

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A HERANÇA DO PAI

“António Champalimaud nasceu em Lisboa, a 19 de Março de 1918, filho do médico Carlos Champalimaud – oriundo de uma família do Douro – e de Ana Maria Sommer, que viria a deixar grande parte da fortuna a este sobrinho, Carlos – o Pai – morreu vítima de tuberculose a 5 de Maio de 1937, tinha António 19 anos.

Hoje, venera-lhe a memória com respeito e apreço : «Foi de uma exigência extrema comigo, mas formou-me e fez de mim um homem com a sua severidade. Foi ele que me incutiu grande parte do fascínio que tenho por África.» O pai passou apenas meia dúzia de meses em Angola, deixando-se contaminar de tal forma pela atmosfera africana que transmitiu a este filho uma memória recheada de afectos pelo cheiro da terra vermelha e a miragem da liberdade na imensa savana africana.

«Falava-me de um livro que tinha lido, escrito pelo pai do Presidente Roosevelt, o­nde ele descrevia as suas experiências de caça na companhia dos filhos. Quando fui a Nova Iorque pela primeira vez, procurei o livro em todos os alfarrabistas, mas não o consegui encontrar, apesar de ser conhecido.”

O capitão médico Carlos Champalimaud também foi um homem de negócios. Teve roças em São Tomé, descobriu e desenvolveu a Companhia das Minas de Cobre do Bembe, no Nordeste de Angola, constituiu a Companhia Geral de Construções e lançou as bases para a construção do caminho-de-ferro que liga Luanda a Cassualala.
 

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UMA INFÂNCIA SELVAGEM

Aos 76 anos, os olhos cobrem-se-lhe de lágrimas quando fala da mãe : «Cada vez tenho mais saudades dela. Procurava compensar toda a severidade do meu pai com o carinho que me dava. Mas tive uma infância cheia. Falando com a imprecisão que o tempo passado já me permite, até aos 10 anos vivi em plena liberdade.» Perdido no meio dos 10.000 hectares da Quinta da Marinha, «onde só existia a casa dos meus pais».

O pai adquiriu a propriedade numa hasta pública, oferecendo aos filhos o privilégio de viver num território bravio o­nde o cheiro da caruma se confundia com a maresia do Guincho. «Eu e o meu irmão Henrique vinhamos todos os dias para Cascais para assistir às aulas na escola da D. Henriqueta. Vinhamos com o meu pai num velho Hudson descapotável, preto, matrícula S2314. O meu pai deixava-nos e apanhava o comboio das oito e trinta e cinco para Lisboa.»

O menino António cresceu tranquilo e sossegado como «um pequeno selvagem, a caçar, primeiro com fisgas, depois com espingardas de ar comprimido, e mais tarde com espingardas de calibre 32 de pólvora e chumbo». O sonho foi bruscamente interrompido aos 10 anos, quando o pai o decide mandar – com o irmão –para o colégio de Jesuitas de La Guardia, na Galiza (frente a Caminha). «A transição da plena liberdade para o enclausuramento total foi muito penosa. Fomos os últimos a entrar no colégio e, quando sentimos um enorme portão pesadíssimo a ranger e a fechar-se sobre nós, o Henrique disse-me . Oh António, estamos lixados.»

A sorte mudou em 1933. Em Espanha vivia-se intensamente a República, e entretanto os Jesuítas tiveram permissão para se instalar em Portugal. Os dois irmãos mudam-se para o Colégio de Santo Tirso, o­nde António conheceu Francisco Sousa Tavares. Pouco depois, António Champalimaud deixa os Jesuítas e muda-se para o Colégio Académico em Lisboa, o­nde inicia outra época da sua vida. Terminados os estudos liceais, matricula-se na Faculdade de Ciências, em Físico-Químicas, abandonando o curso depois da morte do pai.
 

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DOMAR O AMBIENTE

A siderurgia foi uma das suas grandes paixões. Diz que D. Afonso Henriques foi o primeiro «siderurgista» português, porque conquistou o país trabalhando o ferro. «E se não ma tivessem roubado, o que eu hoje estaria fazendo era siderurgia em altos fornos de carvão de madeira de eucalipto.»

As longas estadas no Brasil estão presentes numa fala de gerúndios cosntantes, que as mãos sardentas e envelhecidas acompanham com pancadas no tampo da mesa. Ao longo de dez horas de conversa, Champalimaud afirmou ser «um ambientalista com cabeça. Sou o maior inimigo da poluição, e por isso defendo a produção de carvão de madeira, que emite grandes quantidades de oxigénio para a atmosfera».

No Brasil transformou-se num grande agricultor, porque entende que «o homem tem de meter as suas raízes na terra». Apanhou uma enorme desilusão quando comprou a fazenda «Três Rios» (no Estado de Minas Gerais), em 1975. Encontrou uma floresta lúgrube, cerrada, o­nde o sol nunca penetra. Não se via um papagaio, só cobras. Resolveu domá-la, porque «a vida é uma luta, e eu gosto da luta». Hoje, a «Três Rios» é uma herdade agricolamente civilizada, tal como a «Imperatriz» (Maranhão) e a «Santa Cruz» (Rio Grande do Sul).

Mas o rosto de Champalimaud ilumina-se quando fala de África : «Apaixona-me de mais para lá me meter», bem como das longas caçadas no mato, que não são mais do que uma metáfora da sua vida. Persegue sempre com frontalidade os seus objectivos. «Venci todos os azares», afirma, procurando esquecer o trágico desaparecimento de dois filhos.


...Em 1944, vai a Moçambique estudar as perspectivas de negócios. Um ano depois, compra a fábrica de cimentos da Matola. Em meados de 60, obtém a concessão de caça de uma reserva de 90.000 hectares nas margens do Zambeze. Como caçador, ei-lo aproximando-se de uma manada de búfalos à procura dos machos maiores....
 

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CAÇADOR POR DESTINO

Para Champalimaud, «a caça é o combate» mais bem engendrado da natureza. Caçador e presa medem forças enquanto estudam a estratégia de ataque, que deve ser sempre leal e frontal: «Foi o que mais me atraiu em África, para além do fascínio que o meu pai me incutiu. Nunca dei um tiro de longe, nem deixei que os meus filhos o fizessem. Quando cheguei a África pela primeira vez, tinha a sensação de que a fauna era interminável. Mas quando voltei do exílio mexicano em 1973, percebi que as coisas tinham mudado. Nessa altura tinha comprado a concessão do que era a melhor reserva particular de caça em Moçambique. Orientei o projecto a partir do México, mas quando regressei a Moçambique e a vi nem queria acreditar nos meus olhos. Eram 90.000 hectares, próximos da Gorongoza, limitados pelo rio Zambeze ao norte. Mandei construir 150 quilómetros de picadas e lagoas artificiais para os animais poderem beber água sem problemas. Tinhamos jipes anfíbios para controlar as coisas e fizemos um povoamento de espécies como deve ser. A terra é muito importante, porque transmite uma sensação de autenticidade e continuidade. Foi da terra que eu vim e é para lá que eu vou voltar». Tudo resto é efémero e transitório. Até a indústria: «Aquilo que compro ou construo dez anos depois já não é a mesma coisa». Muda, deteriora-se, ao passo que a terra se transforma.”
 
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