• Olá Visitante, se gosta do forum e pretende contribuir com um donativo para auxiliar nos encargos financeiros inerentes ao alojamento desta plataforma, pode encontrar mais informações sobre os várias formas disponíveis para o fazer no seguinte tópico: leia mais... O seu contributo é importante! Obrigado.

O Inferno na sala das cinzas

Rotertinho

GF Ouro
Entrou
Abr 6, 2010
Mensagens
7,884
Gostos Recebidos
8
O Inferno na sala das cinzas
Museu da Electricidade abriu as portas ao público e conduziu uma visita às entranhas da antiga central eléctrica, normalmente vedadas a olhares indiscretos


Há uma parafernália de máquinas fumegantes e barulhentas, entre motores, caldeiras ou bombas de água. Os homens, sujos e robustos, falam aos berros para se fazerem ouvir. O carvão anda de um lado para o outro, em elevadores e tapetes rolantes, numa viagem que termina, inevitavelmente no estômago das grandes e famintas caldeiras. O trabalho é contínuo, sem falhas, para que não falte luz em Lisboa.

Memórias como estas foram ontem revisitadas durante um passeio guiado à Central Tejo, hoje integrada no Museu da Electricidade, para assinalar o Dia Internacional dos Museus. Pires Barbosa, antigo engenheiro maquinista naval e "zelador de máquinas velhinhas" como as da Central Tejo, teve luz verde para conduzir os visitantes aos bastidores.

As colossais máquinas de ferro foram fundamentais para iluminar a capital na primeira metade do século XX. Pires Barbosa recordou que aquele "mundo dos infernos" chegou a ter perto de meio milhar de trabalhadores, alguns a laborar em áreas inóspitas e indesejadas.

Trabalhar como distribuidor de carvão era como estar numa estufa. E pior do que a sala das cinzas só mesmo o Inferno. "Era terrível. Muitos iam embora ao primeiro dia e nem queriam receber o dinheiro". Os chamados homens das cinzas trabalhavam debaixo das caldeiras, recolhendo a cinza da queima do carvão. O calor, aliado à sujidade e ao pó, parecia quase cozer a pele.

Pires Barbosa, que trabalhou na central do Carregado e a bordo de navios como o paquete Lima, nos anos 50, lembrou que havia outras tarefas penosas, como reparar tubos no interior das caldeiras. "Eram arrefecidas, ainda assim, a temperaturas eram muito elevadas", diz.

Pires Barbosa conheceu de perto esta missão ingrata no paquete Lima. Para reparações em caldeiras, os trabalhadores faziam fila e entravam à vez, um minuto no máximo cada um devido ao calor, até ao arranjo final e tapados com cobertores molhados. Esta operação ingrata era, no entanto, recompensada. "Tínhamos depois direito a um banho e o comandante mandava servir lagosta e vinho verde".

Na Central Tejo não havia recompensas, apenas a trabalho árduo. Quando estalou a Segunda Guerra Mundial, as dificuldades foram ainda maiores. Lisboa não podia ficar às escuras, mas o carvão inglês escasseava. Foi preciso encontrar outros fornecedores e queimar tudo o que havia à mão, desde lenha, a cascas de avelãs e até caroços de azeitona.

A Central Tejo passou à reserva em 1951 e foi oficialmente desactivada em 1975. Uma das caldeiras, de 1941, exemplar único na Europa, foi minuciosamente preparada como se fosse um corpo humano para uma aula de anatomia. Tem as entranhas à mostra para as escolas superiores. Pires Barbosa lamenta, no entanto, a falta de alunos. "Estão cá todos os fenómenos da física e da química. As instalações modernas trabalham com estes princípios", sublinha.


Jornal de Noticias
 
Topo