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O século XIX dos computadores a vapor está a nascer agora

aiam

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John Graham-Cumming não quer muito de cada um. "Peço às pessoas que assumam o compromisso de doar dez dólares / dez libras / dez euros para uma organização não lucrativa dedicada a construir a Máquina Analítica", escreveu o informático no seu blogue a 6 de Outubro. Em 29 dias, já 3691 pessoas tinham aderido à causa.
A Máquina de Diferenças nº 2 de Babbage, construída pelo Museu de Ciência de Londres (DR)

O prazo limite imposto pelo informático inglês para o sucesso deste pedido é 31 de Janeiro de 2011. Até lá, Graham-Cumming espera conseguir dez mil assinaturas e reunir 500 mil dólares para construir um computador mecânico movido a vapor, idealizado no século XIX pelo matemático e inventor inglês Charles Babbage (1791-1871). Um computador que nunca chegou a sair do papel.

Os passos da construção já estão delineados e, se o objectivo financeiro for cumprido, a obra terá que ser feita em pouco mais de uma década. "Tenho o prazo até 18 de Outubro de 2021 para terminar [a máquina]. Esse é o dia do 150.º aniversário da morte de Babbage", disse Graham-Cumming por email, ao P2. "Ele trabalhou nesta máquina até à morte, por isso seria um tributo adequado. Espero ter a máquina construída antes disso."

Há donativos de todo o mundo e muitas das pessoas que assinaram o pedido querem dar um montante superior ao que o informático pediu. A ideia original de Graham-Cumming de reunir 50 mil pessoas para cumprir o objectivo foi actualizada no início de Novembro para dez mil depois de um feedback tão positivo. "Dez libras não é muito para uma ideia tão magnífica - [estou] bastante feliz por ter prometido doar 100 libras, mesmo nestes tempos incertos. Força Babbage!", escreveu Paul Linford na página dos pedidos.

Outros voluntariaram-se para trabalhar na construção: "Isto é um projecto fantástico! Se for necessário ajuda, sou um engenheiro de design mecânico com muita experiência em design 3D...", disse Michael Steffien.

Os planos e desenhos originais da Máquina Analítica estão todos no Museu de Ciência de Londres. O plano 28 - que deu o nome ao site do projecto (plan28.org) - e 28a são os documentos do inventor com os desenhos mais completos. É necessário escolher a melhor versão, e recriar primeiro uma máquina virtual para depurar grande parte dos problemas de construção. Só depois é que se passará à junção das peças.

À frente do tempo

Babbage trabalhou numa Máquina Analítica durante décadas. O objectivo era simples: construir um aparelho que fizesse contas para que as tabelas matemáticas deixassem de ser feitas por mãos humanas.

Durante séculos, navegadores, engenheiros, astrónomos, topógrafos e cientistas utilizavam tabelas matemáticas impressas com o resultado de operações e funções para realizarem o seu trabalho, como hoje utilizamos as calculadoras. Babbage, que era um coleccionador de livros de tabelas, tinha um conhecimento profundo da forma como estas eram produzidas e da frequência com que se davam os erros.

Em 1821, o cientista iniciou o planeamento da Máquina de Diferenças, um engenho capaz de calcular polinómios e de imprimir automaticamente os resultados, e que foi aperfeiçoada em 1847.

A Máquina Analítica, cujos principais avanços foram feitos até 1840, ia mais longe. Segundo os planos de Babbage, podia ser programada por um utilizador para executar um reportório de instruções numa determinada ordem e repeti-las as vezes necessárias. Estava preparada para calcular a maioria das funções algébricas e era ainda capaz de fazer operações lógicas do tipo "se" um dado resultado "então" seguimos este cálculo. Um "raciocínio" associado aos computadores.

Mesmo a sua disposição é semelhante à das máquinas com que convivemos diariamente. Havia uma região onde os números e os resultados intermédios das operações eram armazenados, o equivalente à memória dos computadores actuais, e um "moinho" onde as contas eram feitas - a unidade central de processamento.

Até 1871, quando morreu com 79 anos, não parou de pensar no seu computador. Feito de cobre, ferro, latão e roldanas e movido a energia a vapor - como o melhor imaginário da ficção steampunk pede. A máquina, que teria o tamanho de uma pequena locomotiva, nunca seria construída. Só pedaços, como o "moinho" da Maquina Analítica que foi mandado construir pelo filho de Babbage, em 1910.Alguns apontam que o temperamento do matemático impediu que os projectos se tornassem realidade, mas a teoria prevalecente é a de que tanto a Máquina de Diferenças como a Analítica eram demasiado caras para a tecnologia Vitoriana. O Governo deu 17.500 libras para construir a Máquina de Diferenças até 1833, depois parou quando viu que as dificuldades impediam a sua construção.

"O problema das máquinas de Babbage é que não são funcionais, a relação entre o proveito e o custo não se justifica", explicou ao P2 Henrique Leitão, professor e investigador em História da Ciência, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. "O que aconteceu é que, em vez de se usar processos mecânicos, passou-se para os mecanismos electrónicos. Mas esse salto deu-se um século depois."

O conhecimento pioneiro de computação e programação de Babbage ficou esquecido. E só nas décadas de 1930 e 1940 a investigação voltou à programação e aos computadores.

O que é que teria acontecido se o sonho de Babbage fosse avante na altura? Havia espaço para uma idade da informação no século XIX à la Júlio Verne? "Logo nos primeiros anos dos computadores, muitas das descobertas foram feitas a partir de aplicações numéricas ou da estrutura lógica das coisas", explica o investigador português. John Graham-Cumming defende que tudo seria mais rápido: "Acho que teríamos visto o computador eléctrico mais cedo, porque teríamos sido capazes de adaptar as ideias de Babbage."

Engenho-monumento

O maravilhoso mundo informático de Babbage não aconteceu. O cientista ficou conhecido pela sinalização feita para os faróis, por propor uma caixa-negra para os comboios ou a adopção do sistema decimal para a moeda. Mas no final da década de 1980 o Museu de Ciência de Londres resolveu construir pela primeira vez a Máquina de Diferenças n.º 2. A construção terminou em 1991, dois séculos depois do nascimento do matemático. O resultado foi uma calculadora de ferro, latão e cobre com 2,6 toneladas, constituída por quatro mil peças separadas e que funciona. Não contando com uma impressora.

"Sempre fui fascinado por Babbage e senti que, se a Máquina de Diferenças n.º 2 foi construída, poderíamos finalizar o sonho do matemático e construir um computador de vapor a sério", disse John Graham-Cumming.

A ideia do pedido não é irrealista, principalmente para este informático, interessado em códigos e programação e autor do livro Geek Atlas. Foi Graham-Cumming quem lançou uma campanha para que o governo inglês pedisse formalmente desculpas ao matemático Alan Turing. Este britânico, herói da Segunda Guerra Mundial por ter decifrado o sistema de códigos nazi e pai da computação moderna, foi posteriormente obrigado pelo governo a tomar hormonas femininas depois de ter admitido a um tribunal que tinha tido relações sexuais com um jovem. Dois anos depois, em 1954, Turing suicidou-se.

Em 2009, graças à intervenção de Graham-Cumming e das 30 mil pessoas que aderiram à sua campanha, o governo britânico acabou por pedir desculpas a Turing através de uma carta assinada pelo próprio primeiro-ministro, na altura Gordon Brown.

Agora Graham-Cumming voltou a pôr um pé no passado: "Não procuro esperança no passado. Procuro-a à minha volta todos os dias. Conseguir o pedido de desculpas a Turing e construir a máquina de Babbage é o que as pessoas podem fazer hoje."

Não vai haver tecnologia nova a sair da máquina e é por isso que, desse ponto de vista, o projecto é apenas anacrónico. Mas Henrique Leitão aponta o romantismo da ideia e confessa que adorava ver a máquina a funcionar. "É uma espécie de monumento ao engenho humano. O que é que o computador tem, funções lógicas, "e", "ous", operações deste género. Tabelas de verdade com peças mecânicas. É uma coisa fascinante." Além disso, há interesse do ponto de vista histórico. Só construindo a máquina se poderá perceber se resulta e compreender "a proposta de Babbage até ao fim", acrescentou o investigador português.

Há também uma dimensão sociológica que talvez sobressaia para quem está de fora. "Os ingleses são sempre ciosos do seu património", defendeu o historiador. "Os grandes pensadores, os grandes cientistas, os grandes intelectuais, a Inglaterra arranja sempre maneira de os celebrar. Esta foi uma maneira inteligentíssima de celebrar Charles Babbage."

Se tudo correr como John Graham-Cumming quer, a notícia tecnológica mais incrível de 2021 vai ser a construção do primeiro computador a vapor. "Espero que os cientistas que virem a máquina sejam inspirados pelo facto de Babbage estar 100 anos à frente do tempo."



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