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"Sou um bocadinho o cantor do regime democrático"

florindo

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Rui Veloso assinala 30 anos de carreira, com concertos evocativos nos coliseus do Porto, hoje e amanhã, e de Lisboa, nos próximos dias 17 e 18. O álbum "Mingos & Os Samurais" , lançado há 20 anos, é reeditado amanhã"Quando há um gajo como o Carlos Tê, para quê escrever? Mas, desta vez, se calhar, também vou fazer uma letras""Às vezes, aposta-se numa canção e ela acaba por passar completamente despercebida""Agora, o que acontece é que vemos o Porto ao longe e, depois, ele desaparece-nos da vista"

Ao fim de 30 anos de carreira e 20 volvidos sobre o lançamento do multiplatinado "Mingos & Os Samurais", Rui Veloso admite que talvez já tenha disponibilidade mental para também escrever uma ou outra canção. Antes, nunca pensara nisso porque, admite, "quando há um gajo como o Tê (Carlos Tê), para quê escrever? ".
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Agora, em tempo de balanço, e com as efemérides assinaladas com a reedição, amanhã, daquele bem sucedido duplo álbum e com concertos nos coliseus do Porto (hoje e amanhã, às 21.30 horas) e de Lisboa (nos próximos dias 17 e 18, à mesma hora), o cantor mostra-se surpreendido com o facto de a sua canção mais citada presentemente ser "A gente não lê". "Pensei que ainda falariam do 'Chico Fininho'"...

Quando volta a olhar, 20 anos depois, para o disco "Mingos & Os samurais", que balanço faz?
Normalmente, não oiço os meus discos. Gravo-os e, depois, só me preocupa tocá-los ao vivo. Mas a verdade é que, ao pensar na forma de assinalar os meus 30 anos de carreira, lembrei-me de que tudo aquilo foi marcante para mim. Aquela banda foi emblemática. Tem qualquer coisa de especial. Casávamos muito bem em palco. Depois, lançámos o "Auto da Pimenta" e foi tudo tão mal aproveitado. Nem dá para acreditar.

Por que diz isso?
Porque acabámos por não fazer muitos dos concertos que na altura eram pedidos. Pouco tempo depois da saída de "Mingos & Os Samurais", fomos para estúdio gravar o "Auto da Pimenta". E este disco acabou por não vender tanto. Claro que foi dupla platina, mas o anterior atingiu muitos milhares de cópias mais. Esta era uma coisa que, se pudesse mudar, mudaria. O disco não saiu como nós queríamos. Vai ter que ser remisturado um dia.

Quanto a estes concertos do Porto e de Lisboa, já tem ideia de como gostaria que eles fossem?
Gostaria de cantar "Um trolha d'Areosa (Arménio)" no final do espectáculo, para pôr toda a gente a acompanhar-me. Claro que eu poderia assinalar os meus 30 anos de carreira com um espectáculo normal com a minha banda habitual. Mas Os Optimistas foram algo marcante para mim.

Nestes 30 anos, alguma vez duvidou do seu talento?
Os anos não são todos interessantes e houve alguns em que não fiz puto. Claro que sempre duvidei das minhas capacidades artísticas. Agora, não tenho essas angústias, mas, no início, sim. E também não lhe chamo talento. Costumo dizer que tenho jeito.

Quando compõe, tem a percepção de que está a criar um êxito?
Não. Isso é impossível. Mesmo com fenómenos como o "Não há estrelas no céu", que até as crianças começaram a trautear, nunca tive a percepção de que estava a compor um tema que seria um êxito. Na altura, ao ouvir a canção sozinho, pensei: fiz uma canção à Beatles. E fiquei todo contente com isso. Mas daí até pensar que era um êxito garantido vai uma grande distância.

Mas já alguma vez apostou no êxito de alguma canção?
Às vezes, aposta-se numa canção e ela acaba por passar completamente despercebida. Por exemplo, uma das minhas canções preferidas é "Fado pessoano". Tem uma letra de uma profunda portugalidade. Emociono-me sempre que canto o refrão. Se calhar, por isso é que a toquei poucas vezes ao vivo. E, no entanto, apesar de ser uma das minhas apostas, passou praticamente despercebida.

Já não se sente tanto colado ao rótulo de "Chico Fininho"?
Já não é muito original. Curiosamente, nos depoimentos que têm recolhido sobre os meus 30 anos de carreira, a música mais mencionada tem sido "A gente não lê". Quando me perguntaram se eu sabia qual era a canção mais referida pelas pessoas, achava que seria o "Chico Fininho". Não foi. Surpreendeu-me muito que preferissem um tema como "A gente não lê", que é de uma enorme humanidade e de um grande respeito pelos mais velhos, pela sabedoria empírica.

Voltando ao duplo álbum "Mingos & Os Samurais", as 22 canções quase que se confundem com o roteiro de uma peça de teatro...
É verdade. Aliás, o António Pedro Vasconcelos [cineasta] até queria fazer um filme. Ainda há pouco tempo me falou do assunto. Mas o Tê não vai nisso. A ideia do "Mingos" é dele, que a matutou durante dez anos.

Aliás, nestes 30 anos, o nome de Carlos Tê confunde-se com o do Rui...
Sim. É uma simbiose quase perfeita.

E como está essa parceria agora?
O Tê já não escreve porque diz que não há incentivo. Por isso, o meu próximo projecto é fazer um disco de duetos. Vou escolher algumas das minhas canções e convidar amigos para as cantarem comigo. Uma dessas canções será, seguramente, o "Fado pessoano". Até estou a pensar em convidar o Ricardo Ribeiro, que adoro, para a cantar. Quanto a outro tema de que gosto muito e que foi pouco divulgado, o "Corações periféricos", lembrei-me de fazer uma versão, piano e voz, à Bruce Springsteen e de convidar o Jorge Palma para o cantar comigo.

E quanto a álbum de originais? O mais recente, "A espuma das canções", é de 2005...
Gosto de ter as coisas bem pensadas. O meu próximo disco de originais vai ter a colaboração de outros músicos e compositores amigos meus. Já pedi letras ao Tim e ao Pedro Abrunhosa. Gostava também de poder contar com o Rui Reininho e com o Jorge Palma. Ainda tenho aí umas dez letras antigas do Carlos Tê e, para algumas delas, já fiz umas melodias. Isto de um músico e compositor pegar em letras de outros músicos e compositores amigos e fazer um disco é algo inédito em Portugal. E, se calhar, desta vez, também vou fazer umas letras. Nunca me meti nisso, porque, quando há um gajo como o Carlos Tê, para quê escrever? Mas, agora, acho que é uma questão de tempo mental. Se, eventualmente, me tivesse dedicado mais a isso, teria feito alguma coisa antes em termos de letras.

Tem composto, nos últimos tempos?
No ano passado, fui operado de urgência aos intestinos e foi complicado. Mas compus muito quando estava deitado no quarto. Punha-me a tocar guitarra com o iPhone ao lado a gravar. Foi uma ajuda maravilhosa.

A doença não deprimiu o compositor?
Nunca estive deprimido. Mas 2009 foi um ano estranho. Fiz montes de concertos com um saco ligado aos intestinos. Tinha de levar a coisa com leveza de espírito.

Nunca apostou na internacionalização da sua carreira?
Não. Nunca dei suficiente valor sequer ao que faço.

As suas referências musicais são variadas. Como foi quando teve, finalmente, oportunidade de partilhar o palco com um dessas referências, B.B.King?
Tocar com o B.B. King foi quase um filme de terror porque eu tinha muito medo do palco. Aquilo foi tudo muito invulgar. Ainda por cima, parti uma corda logo no primeiro concerto. Depois, no Porto, as coisas correram melhor. Mas não foi fácil. O certo é que já ninguém me tira isso.

Quando canta no Porto, sente que o público é diferente?
Por acaso, sinto isso. Em Lisboa, é tudo mais diluído, mas no Porto é muito forte esse sentimento de posse. Do género: este é nosso e ninguém nos tira este gajo.

Como vê o Porto agora?
Com desencanto. Quem governa a cidade pensa que bastam uns bares e uns cafés na Baixa para ficar tudo animado. Mas não há ninguém de Lisboa que se desloque ao Porto para ver seja o que for. E esse era o Porto que eu desejava. Agora, o que acontece é que vemos o Porto ao longe e, depois, ele desaparece-nos da vista.

Nem a Casa da Música ajuda a tornar a imagem mais presente?
A Casa da Música é um erro de casting monumental. É uma obra arquitectónica visitável, mas não é uma casa de músicos. E estragou a Rotunda da Boavista, que era um sítio maravilhoso, a partir do qual se chegava a todo o lado e onde joguei tanto matraquilhos....

Nunca se sentiu um pouco o cantor do regime?
Acho que sou assim um bocado o cantor do regime democrático. Nunca fui muito arregimentado. Às vezes, dava apoios formais, mas não me envolvia muito. Agora, sou mandatário no Porto do candidato a presidente da República Fernando Nobre. Isto é um bocadinho mais do que estava acostumado.

JN
 
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