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Monitorização da funcionalidade de passagens para peixes

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Monitorização da funcionalidade de passagens para peixes: Aplicação de novas tecnologias em Portugal


Paulo Pinheiro – Instituto Superior de Agronomia

Dispositivos remotos para monitorização de passagens para peixes - telemetria e detectores de infravermelhos - apresentam-se como ferramentas úteis para aferir a operacionalidade dos dispositivos de transposição construídos em Portugal.

Uma percentagem significativa dos cursos de água em território nacional tem sofrido grandes pressões antropogénicas, sobretudo o represamento resultante da construção de barragens e mini-hídricas. Para mitigar os impactes destas barreiras físicas na ictiofauna dulçaquícola foram construídas passagens para peixes (PPP), que são infra-estruturas que visam o restabelecimento da conectividade longitudinal dos sistemas fluviais. A transposição das obras hidráulicas transversais pelas ictiocenoses pode ser efectuada através de diferentes tipos de PPP.


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A monitorização da funcionalidade das PPP reporta-se a um conjunto de acções que possibilitam a avaliação das condições de funcionamento destas infra-estruturas, sendo desejável que estas medidas sejam implementadas ao longo do período de vida útil dos dispositivos, para garantir a manutenção da sua operacionalidade. A funcionalidade das PPP, que a nível prático se traduz no grau de mitigação dos impactes relacionados com a edificação de uma barreira, pode ser avaliada pela eficácia e/ou eficiência dos dispositivos de transposição. A EFICÁCIA é um conceito qualitativo, que consiste em averiguar se as PPP permitem às espécies alvo migrarem para montante, sendo avaliada pela aplicação de diversas metodologias de contagem:


 

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Contagem por captura: consiste na instalação de um dispositivo – armadilha – para a captura dos peixes, no interior da PPP ou acoplado à saída da estrutura. Para a construção da armadilha são utilizadas nassas de rede, com a entrada em forma cónica, para não ser possível os peixes inverterem o sentido do movimento após passarem a abertura da estrutura;

Contagem por bloqueio: é uma metodologia direccionada a PPP que possuam bacias de descanso, assentando no bloqueamento da saída do dispositivo com grelhas ou redes, de forma a evitar a entrada de elementos piscícolas a partir de montante. Em seguida, os peixes encerrados na estrutura são capturados por secagem desta ou com recurso à pesca eléctrica;

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Contagem visual: esta técnica consiste em obrigar os peixes a passarem por uma zona onde sejam facilmente observados, de forma a possibilitarem a sua identificação. São habitualmente utilizadas duas metodologias: uma delas consiste em criar zonas de baixa profundidade onde é colocado um fundo de cor clara (e.g., azulejos), sendo os peixes observados a partir de um nível superior. Em alternativa, pode ser construída uma janela na parede da PPP, sendo a observação efectuada lateralmente;


 

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Contagem automática: consiste na utilização de dispositivos que reagem à passagem dos indivíduos, registando o seu número. Até à década de oitenta do séc. XX, existiam essencialmente dois tipos de contadores: os de sonar, que detectavam os peixes analisando o eco da sua passagem, e os de resistividade, que se fundamentam na diferença de condutividade entre a água e o corpo dos indivíduos. Mais recentemente foi desenvolvido um novo contador, com base na aplicação de infravermelhos – o Riverwatcher.

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A EFICIÊNCIA de um dispositivo de transposição pode ser classificada como uma descrição quantitativa da performance de passagem da ictiofauna, traduzindo-se na proporção da população piscícola a jusante da barreira física que efectivamente transpõem a PPP, num determinado período de tempo. São preferencialmente utilizadas técnicas de marcação visual, captura-recaptura ou de telemetria. A telemetria é classificada como um método comportamental, que no caso concreto da monitorização de PPP fornece informações sobre a etologia e mobilidade dos indivíduos durante a sua aproximação ao dispositivo de transposição, e também o seu comportamento no interior da estrutura.

 

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Até ao final da década de noventa do século passado, os trabalhos em Portugal sobre monitorização da funcionalidade de PPP restringiram-se unicamente a alguns dispositivos de transposição instalados em grandes barragens (eclusa de Belver e das barragens do Douro internacional). Os casos de estudo apresentados no presente artigo foram dirigidos a escadas de peixes edificadas em pequenos aproveitamentos hidroeléctricos, tendo sido avaliada a sua funcionalidade no âmbito de um protocolo entre o Instituto Superior de Agronomia e a Direcção Geral dos Recursos Florestais. Para o efeito foram utilizados dois processos de avaliação distintos: contagem automática (detector de infravermelhos, o Riverwatcher) e um método comportamental para determinação da eficiência (rádio-telemetria).

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RIVERWATCHER

Na PPP por bacias sucessivas existente na mini-hídrica de Janeiro de Cima – rio Zêzere, bacia hidrográfica do rio Tejo – foi colocado por um período de 1 ano um dispositivo de contagem automática, o Riverwatcher. Este mecanismo é um detector de infravermelhos (IV) que se assemelha a um bio-scanner, tendo sido desenvolvido para contar e estimar o comprimento de indivíduos que transponham PPP. O dispositivo memoriza igualmente as silhuetas dos peixes que o transpõem, a direcção em que foi efectuado o movimento (ascendente ou descendente) e a temperatura da água. A base de funcionamento apoia-se na existência de duas placas de scanner, uma constituída por emissores IV, que transmitem feixes no comprimento de onda dos IV, para as estruturas receptoras existentes na outra placa. Quando um peixe nada através dos scanners, interrompe a recepção dos IV numa porção da placa – correspondente à dimensão do indivíduo – sendo esta “mancha” memorizada como silhueta do peixe.


 

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O número de transposições registado pelo Riverwatcher variou bastante ao longo do período em avaliação, sendo que as observações descendentes superaram maioritariamente as de sentido inverso, exceptuando os meses de Maio e Junho (período preferencial das migrações piscícolas potamódromas), apresentando a totalidade dos registos um comprimento igual ou superior a 15 cm. Em sentido descendente a maioria das observações corresponderá certamente a pequenos troncos, ramos e materiais orgânicos e inorgânicos arrastados ao longo do curso de água. Relativamente ao sentido ascendente é quase certo que todos os registos correspondam a peixes ou a outros vertebrados - e.g., lontra (Lutra lutra) -, visto ser praticamente impossível que algum material não vivo consiga transpor um obstáculo com as características desta escada de peixes.
 

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O bio-scanner (Riverwatcher) forneceu um conjunto de dados interessante do ponto de vista de comportamento das populações piscícolas. Contudo, a aplicabilidade deste sistema de biomonitorização – de utilização até ao presente praticamente restrita a países nórdicos e da América do Norte, para a monitorização de salmonídeos – aos rios portugueses não teve os resultados esperados, nomeadamente no registo de silhuetas distintas que permitissem identificar com alguma fiabilidade as diferentes espécies que transpuseram a escada de peixes. Para além desta dificuldade, o aparelho apresentou ainda a limitação de registar unicamente a passagem de indivíduos com comprimentos superiores a 15 cm, o que subestima o quantitativo de formas juvenis e mesmo de

alguns adultos de menores dimensões. Para tentar elevar os níveis eficácia do bio-scanner, é desejável que em estudos futuros se enverede por este com maior densidade de feixes de IV e uma menor distância entre as placas dos scanners. É importante salientar que o reduzido número de silhuetas registadas nos movimentos ascendentes se deve muito provavelmente à inexistência de um caudal adequado na PPP, encontrando-se esta numa parte significativa dos dias sem qualquer tipo de escoamento. Esta situação não é única em Portugal, pois a falta de condições adequadas de transponibilidade (e.g., obstrução da entrada e/ou do orifício de fundo, colmatação do descarregador, assoreamento) ou o funcionamento deficitário são muito frequentes numa percentagem considerável das PPP instaladas em território nacional.
 

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RÁDIO-TELEMETRIA

O estudo da eficiência de uma escada de peixes com a aplicação de um sistema de rádio-telemetria decorreu no aproveitamento hidroeléctrico de Avô – rio Alva, bacia hidrográfica do rio Mondego –, tendo para o efeito sido utilizados 12 transmissores. A aplicação da rádio-telemetria teve como intuito efectuar dois estudos:

i) avaliação comportamental de indivíduos de vários taxa piscícolas – barbo (Barbus bocagei), boga (Chondrostoma polylepis) e escalo (Squalius carolitertii) – com classes de comprimento diversificadas, tendo sido efectuada a monitorização da sua performance de passagem unicamente no interior da PPP;

ii) marcação de oito barbos de grandes dimensões (com pesos compreendidos entre 0.5 e 1.5 kg) e sua monitorização em contínuo durante o período (de Abril e Outubro) em que este taxon apresenta maior mobilidade.
 

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As observações da mobilidade foram efectuadas com dois grupos, um constituído por bogas enquanto que no outro foram ensaiados barbos e escalos. O presente estudo revelou que todas as espécies utilizaram os dois órgãos hidráulicos (orifícios de fundo e descarregadores de superfície) que permitem a comunicação entre as diversas bacias da escada de peixes. Tal como no caso do Riverwatcher, os dados obtidos com o sistema de telemetria indicaram que as deficitárias condições de funcionamento e mesmo questões estruturais de algumas das bacias (e.g., degradação dos septos e erros de construção relacionados com o desnível entre bacias e/ou ausência de deflectores) dificultaram a mobilidade dos indivíduos estudados.
 

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No que concerne aos barbos de maiores dimensões, a antena instalada nas imediações do aproveitamento hidroeléctrico, não assinalou a existência de movimentos migratórios no sentido de transposição da PPP em busca de áreas propícias à actividade reprodutiva. Este facto pode ser explicado pela existência a jusante da mini-hídrica de uma complexa e variada malha habitacional, com a presença alternada de segmentos de riffles e pools, que aparenta ter tido um papel importante na manutenção dos indivíduos através da disponibilidade de uma diversidade de habitats – abrigo, desova e alimentação –, indispensáveis para a sobrevivência deste taxon potamódromo.
 

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Em síntese, a monitorização da funcionalidade de PPP em Portugal deverá ser efectuada por dispositivos remotos que efectuem o registo em contínuo da utilização dos dispositivos de transposição pela ictiofauna dulçaquícola. Em função dos resultados obtidos com o Riverwatcher, pelo menos com a sua configuração actual, não se apresenta como uma metodologia muito eficaz, sendo a avaliação com um método comportamental – telemetria – a mais indicada. A nível futuro, seria desejável que também fossem efectuadas avaliações da operacionalidade de PPP envolvendo a utilização de PIT-tags (passive integrate transponders), pela maior comodidade em meios humanos e materiais, para além de possibilitarem a marcação de um leque bastante mais amplo de indivíduos em virtude do baixo custo dos transmissores. Os PIT-tags são um tipo de transmissores que foram desenvolvidos nas duas últimas décadas do séc. XX e no estudo da funcionalidade de PPP tem granjeado um crescente número de utilizadores. Uma outra vantagem associada a estes transmissores, deriva das suas reduzidas dimensões – comprimento mínimo de 2 a 7 mm – apresentando-se como a técnica mais adequada para monitorizar animais de pequenas dimensões, o que acontece com alguns dos ciprinídeos característicos dos sistemas fluviais portugueses – e.g., Squalius spp.
 

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BIBLIOGRAFIA

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