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Bispo das Forças Armadas diz que "a Igreja deve ser fábrica de justiça"

florindo

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Out 11, 2006
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A pontualidade é uma regra que aprecia e cumpre. Faz parte do que chama "saber estar" e das "regras básicas de cidadania" dos militares, homens e mulheres que acompanha e elogia. O bispo das Forças Armadas e de Segurança, D. Januário Torgal Ferreira, não se atrasa. Chegou à hora marcada para o almoço JN.


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Denunciam-no apenas o cabeção, sob um fato cinzento, e o anel que usa no dedo anelar da mão direita. As palavras não são mansas. Pelo contrário, soltam-se, bem dispostas e certeiras, à medida que os temas quentes, polémicos e até pessoais saltam para a mesa.

A crise, a pobreza, a política, a pedofilia, o uso do preservativo, a homossexualidade, o celibato dos padres e até o futebol, ou melhor, o FC Porto. Todos temas abordados sem constrangimentos, sem tabus e, acima de tudo, sem meias palavras.

"A Igreja não pode ser uma fábrica de bem-fazer, deve ser, sim uma fábrica de justiça". Está dito.

"Claro que temos de dar de comer a quem tem fome, mas o essencial não é a caridadezinha, nem sequer a caridade. O essencial é garantir os direitos de cada cidadão. É isso que temos de exigir do Estado e é isso também que falta à Igreja".

O meio século que já leva de sacerdócio, dão ao bispo uma visão clara do caminho que a Igreja Católica está a seguir. Diz ter medo do crescente "tradicionalismo" (não lhe quer chamar fundamentalismo), contesta a "pouca sensibilidade para os problemas do mundo" e não se conforma com a "falta de verdade".

"Atirou-se, e ainda se atira, o lixo para debaixo do tapete". Falava-se de pedofilia e dos que, no interior da Igreja, querem manter as aparências a todo o custo, dos que "vivem em conventículos e são medrosos, não enfrentam a verdade e temem críticas".

"Nós, os que estamos na Igreja e temos responsabilidades, devemos ser os primeiros a ver os erros, os defeitos, porque só assim a podemos defender de agressões exteriores. É como nos clubes. O FC Porto é o maior, sou sócio há 50 anos, mas vejo quando joga mal".

No fundo, para o nosso convidado, a pedofilia, "de que só agora se fala mas que é um problema com muitos longos anos, pode ser considerada uma chicotada para obrigar a Igreja a confrontar-se com a verdade".

A ideia da chicotada pirateou-a D. Januário ao pensamento do padre italiano Federico Lombardi, porta-voz do Papa, quando disse que "o comunismo foi a chicotada do século XIX para a Igreja". A surpresa foi servida fria aos jornalistas, em forma de elogio a Bento XVI. Um Papa que "tem coragem, é frontal a encarar os problemas. Não atira o tal lixo para debaixo do tapete. Fala de pedofilia, do fundamentalismo islâmico... de tudo"

E aceita o uso do preservativo? - desafiámos. "Só pecou por tardia a posição que o Papa tomou. E, ao contrário do que alguns andam por aí a escrever, BentoXVI não restringiu a utilização aos prostitutos. Foi abrangente", responde o bispo.

O assunto traz à baila a experiência do actual bispo enquanto sacerdote ligado à Pastoral Famililiar e ao acompanhamento de casais. "O preservativo não é só preventivo de doenças; é também um meio para evitar a gravidez. A Igreja não pode alhear-se dos problemas reais das pessoas, e das mulheres em particular".

A atenção do homem confunde-se com o do sacerdote, que olha para o mundo que conhece. Das leituras, das conversas, das viagens. O sotaque brasileiro da empregada de mesa transporta-o para o Brasil, para o Nordeste até ao Recife e a João Pessoa, que conhece bem. Um curto bate-papo, enquanto era servida a trilogia de polvo, que o D. Januário adivinha não ter sido capturado em Porto Galinhas. A resposta surge em forma de sorriso. Nordestino.

As palavras saem-lhe soltas. Elogia o vinho. "Ainda bem que não sou abstémio. Assim, posso apreciar este néctar."

Ousámos: a sexualidade, como é compatível com o celibato obrigatório dos padres?

"O celibato é uma regra, que respeito com fidelidade e alegria. Pessoalmente, sou privilegiado, porque tive a sorte de ter formadores que me ensinaram uma abstinência equilibrada. Não é sempre assim. Seria mais adequado que o celibato fosse opcional".

Ainda a sexualidade e os diferentes modos de a viver. Algum dia a Igreja Católica aceitará o casamento entre pessoas do mesmo sexo? "Não, é muito difícil. Mas, para mim, tal como eu sei que tenho uma tendência heterossexual, reconheço e respeito quem tem outra tendência".

Outra vez o Papa, a política e a Igreja, crise, a pobreza e a guerra. Novo desafio ao bispo que é da Forças Armadas e da Segurança há 21 anos, e ao homem de cultura, atento ao que o rodeia. Como pode um sacerdote ser cúmplice da violência da guerra?

"Aceito o repto. Estou lá para que haja paz e não haja guerra. E as missões no exterior em que estão envolvidos os militares portugueses são de paz. Nada tem a ver com a infundada guerra, lançada contra o Iraque por um presidente dos Estados Unidos, numa aventura sem retorno".

A resposta remete para a importância da presença de vozes de bom-senso em pontos estratégicos. Na banca, por exemplo. Há muitos anos, quando no sector ainda não se tinham revelado, tanto como agora, factores desestabilizadores das sociedades, D. Januário ouviu uma metáfora da boca de Francisco Lucas Pires, antigo presidente do CDS, já falecido. "Que era preciso um bispo dos bancos. Agora, é preciso, mais do que nunca, vozes que falem de partilha e não apenas de produtividade, que valorizem os direitos e a dignidade de quem trabalha".

Em tempo de crise e de desesperança, D. Januário Torgal Ferreira confessa-nos não estar entristecido, mas "inquieto". Com o futuro, com a falta de esperança concreta. "Há por aí uns fabricantes de uma esperança, que não é mais que um balão de S. João", desabafa.

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