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Mães que nem querem ver a cara dos filhos

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Engravidam e abandonam os bebés nos hospitais ou entregam-nos para adopção. São decisões muito "sofridas" de quem está desesperado


Há mulheres que durante nove meses sentem ter um monstro a crescer dentro de si. Há mulheres que, na sala de parto, viram a cara para o lado para não verem as feições do bebé que acaba de nascer. Há mulheres que não querem ser mães e outras que sentem que não são capazes. Engravidam e abandonam os filhos ou entregam-nos para adopção. Não lhes pegam, não os amamentam, só querem esquecê-los.

Ana Margarida Alexandrino, pediatra e membro do Núcleo Hospitalar de Apoio a Crianças e Jovens em Risco da Maternidade Júlio Dinis, no Porto, não põe tudo no mesmo saco. "Cada caso é um caso", diz a velha máxima e a médica repete-a vezes sem conta. Já lhe passaram muitas situações pelas mãos. E a experiência diz-lhe que - ainda que o resultado seja o mesmo - não se pode comparar uma mãe que não quer ter um filho e uma mãe que acha que não tem condições para ter um filho.

Ambas estão desesperadas, mas, geralmente, só as últimas podem ser ajudadas, explica Rosa Areias, assistente social da "Júlio Dinis" há 23 anos. Numa maternidade onde, este ano, nasceram cerca de quatro mil bebés, os casos de abandono e entregas para adopção acabam por ser "pouco significantes". Mas marcam. São histórias dramáticas, demasiado pesadas para serem esquecidas por quem as acompanha.

Drogada numa festa

"Há sempre muito sofrimento", afirma Ana Margarida Alexandrino, acompanhada por Rosa Areias. As duas vão desfiando as histórias à vez. Vêm-lhes à memória o caso de uma jovem universitária a quem drogaram numa festa e não sabia de quem tinha engravidado. "Quis apagar o episódio da sua vida" e deu o bebé para adopção. E o caso recente de outra estudante que durante nove meses escondeu a barriga por baixo de roupas largas e recusou terminantemente contar a gravidez aos pais. Estes "acabaram por descobrir, por acaso, quando o bebé nasceu" e interromperam uma decisão que seria irreversível.

Uma mãe que decide entregar um filho para adopção é obrigada a registá-lo. Quando a criança completa seis semanas, tem de apresentar-se ao juiz para dar o consentimento, momento em que perde os vínculos legais ao bebé. Este fica numa instituição de acolhimento até ser entregue à família seleccionada.

Quando estes casos chegam maternidade Júlio Dinis, a primeira tarefa de Rosa Areias "é tentar perceber se a atitude da mãe é consciente e livre". "Queremos saber se são circunstâncias externas que a estão a pressionar naquele sentido e tentamos ajudar mostrando as alternativas e os apoios que existem", diz a assistente social. Ainda assim, "é muito difícil inverter estas decisões", conclui.

Para exemplificar, Ana Margarida lembra aquela grávida, imigrante africana, infectada com VIH que fez um pré-natal impecável para proteger o bebé da infecção, mas sempre com intenção de entregá-lo para adopção. "Não tinha a vida estruturada, estava sozinha, sem casa nem emprego". Curiosamente, essa mesma mulher, voltou anos depois à maternidade para ter um filho de outro homem. "Dessa vez, ficou com a criança, já tinha um companheiro, já tinha apoio", recorda a médica.

Vinculação não é inata

Dulce Rocha, presidente do Instituto de Apoio à Criança (IAC), acredita que grande parte das mulheres que abandonam os filhos sentem-se abandonadas. "Estão sozinhas, foram deixadas à sua sorte pelos companheiros ou maridos", afirma.

Por outro lado, são geralmente mulheres muito carentes, "mal amadas na infância". Dulce Rocha não julga os outros e não gosta que estes casos sejam vistos com "leveza". "São situações muito graves, de quem está a viver um momento de desespero", sublinha a procuradora e ex-presidente da Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco.

E vai mais longe para tentar quebrar mitos e romantismos. "A vinculação de uma mãe ao bebé não é inata, isso está estudado. A vinculação só ocorre quando uma pessoa está predisposta a ter reciprocidade no amor", explica a técnica.

Não foi o que sentiu aquela mãe, internada na Maternidade Júlio Dinis, que disse que ia à casa de banho e fugiu, deixando o bebé e a morada das traseiras de um cemitério. "A Natureza faz com que a seguir ao parto uma mãe ame um bebé. Quanto isso não acontece é porque algo está muito mal e não é com palavras que se inverte uma situação destas", conclui a presidente do IAC. Entregar um bebé para que alguém cuide dele pode até ser "um acto de amor", entende Rosa Areias.

Jornal de Notícias
 
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