Salvo do mar por ter ficado preso à bicicleta
Parece inacreditável, mas é a explicação dada por elementos da Polícia Marítima e do Instituto de Socorros a Náufragos: um homem, que imprudentemente se aventurou no novo molhe do Douro, sobreviveu por ter ficado preso à bicicleta, que o ajudou a ficar à tona.
Por mais que haja notícias de acidentes, muitos deles mortais, há sempre gente que se aventura pelos paredões. Mesmo em dias como o de ontem, com as barras fechadas por causa do mar alteroso e as ondas engolindo sistematicamente os grandes muros de betão. Desta vez, a notícia é de sorte, pois várias circunstâncias ajudaram a que um homem, com idade estimada entre os 20 e os 30 anos, escapasse apenas com algumas escoriações e em estado de pré-hipotermia, depois de ser levado alguns 500 metros mar adentro.
Fernando Soares estava, pelas 17.15 horas de ontem, sábado, no antigo paredão da Foz do Douro, perto do velho farolim de Felgueiras, e viu tudo: "Eram vários, de bicicleta, e três ou quatro vieram para trás. Menos ele, que também tentou fugir: veio uma onda, resistiu; veio outra, resistiu; à terceira, foi de vez".
Também Manuel Ribeiro Magalhães andava por ali. Conta ele: "Houve ali três ou quatro ondas muito altas. Só quando as ondas passaram é que a gente o viu, a uns 15 metros, com a cabeça de fora".
No meio da aflição, contam as testemunhas, o acidentado ainda tentou agarrar-se ao betão, mas o mar foi mais forte arrastando-o. Mas não para o fundo, e aí entra o rol das circunstâncias favoráveis que permitiram o salvamento.
Comece-se pelo equipamento do ciclista, que não é propriamente concebido para as vidas marítimas, mas foi providencial. Tanto a bicicleta (que ficou presa ao ciclista e foi recolhida pela Polícia Marítima) como a mochila e o capacete contribuíram para que ficasse à tona. A sua boa compleição física, ao que nos contaram, também o ajudou a não desistir.
Continue-se pelas coincidências. Pouco tempo antes, outro alerta havia sido dado no molhe de Carreiros (para os portuenses, "o molhe", ali junto às avenidas do Brasil e de Montevideu), e a lancha da estação salva vidas de Leixões, que havia acorrido, entrara a barra e estava junto à estação salva vidas do Douro (junto ao vetusto farol de S. Miguel-o-Anjo e ao marégrafo da Cantareira), justamente a largar de volta à base, quando o alarme foi dado. Ao que alguns disseram, um dos companheiros do ciclista acidentado pedalou até ali, a pedir ajuda, e a dita lancha SR 28 de Leixões pôde arrancar de imediato, tendo sido essa tripulação a recolher o náufrago. Em paralelo, houve também alertas para o 112.
Um nadador-salvador do Douro, com quem conversámos mas que não quis dar o nome, apresentava sentimentos contraditórios. A evidente satisfação de ter sido salva uma vida, mas também alguma revolta pelo que terão sido as palavras do náufrago, que nunca perdeu a consciência: "Ele disse que conhece bem o local, porque é de cá, e que sabia bem o que estava a fazer. Está visto que sabia...".
Menos de uma hora depois do acidente, não faltavam aventureiros no paredão. Já durante a manhã, um outro homem que ali corria tinha sido colhido por uma onda, sofrendo escoriações ligeiras.
Jornal de Notícias