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Alimentação, nutrição, digestão

Luana

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Usam-se os termos alimentação, nutrição e digestão indiscriminadamente, no dia-a-dia, mas é errado. Alimentação é o que comemos. Nutrição é o que acontece aos alimentos no nosso organismo. Digestão é o processo através do qual tudo isto acontece. E ainda temos que acrescentar outra coisa que são as refeições, ou seja, o horário, contexto, circunstâncias e características dos momentos alimentares. E ainda poderíamos falar da escolha dos alimentos, armazenamento, confecção, apresentação dos pratos, enfim, o que designamos por culinária. E da importância da mastigação no processo de alimentação, de nutrição e de digestão!

Começo por recordar uma coisa que parece evidente, mas à qual, na prática, pouca atenção damos, e que justifica muitas das ansiedades e angústias dos pais (e dos avós), com todas as consequências conhecidas, porque «o menino não come». Assim, uma criança precisa de alimentos por vários motivos:

• para viver. As células funcionam à base de energia que vem da transformação da glicose (açúcar do sangue, proveniente de vários tipos de alimentos) com o oxigénio que nos chega da respiração. É esta «gasolina» que as faz viver;
• para manter a temperatura. Já pensaram que somos uma caldeira que, mesmo nos dias frios, tem que manter o corpo a uma média de 37ºC? Já viram que, se fossem aquecer a vossa casa, no Inverno, a estas temperaturas, gastavam uma energia imensa (e cara!);
• para crescer. Pode-se dizer que, na prática, todos os órgãos e tecidos crescem, na criança, com fases de grande aceleração, de onde decorre a necessidade de uma energia suplementar, principalmente quando está nesses períodos de maior crescimento físico ou orgânico;
• para o funcionamento dos órgãos. Cada órgão – até cada tecido ou cada célula – é um laboratório que precisa de vários componentes. Não basta energia, é preciso, conforme o órgão e a função, um sem número de elementos, enzimas, vitaminas e minerais aos hidratos de carbono, lípidos e proteínas;
• para as actividades do dia-a-dia, intelectuais e físicas. E estas são muito variáveis, quer nas crianças, quer nos adultos. Embora eles nunca andem, mas corram; embora falem a 300 palavras por minuto; embora saltem e pulem, e saltem e pulem, há dias em que estão mais calmos, mais sossegados, ou em que a televisão exerce o seu fascínio por longas horas e ficam sentados no sofá a ver filmes ininterruptamente. Daí as necessidades serem variáveis, conforme o dia que se tem (como nos adultos, aliás).


É indispensável a alimentação, a nutrição e as refeições serem equilibradas, adequadas e proporcionadas, e assentes num bom processo de digestão. E divididas e pensadas conforme a actividade que se vai ter. À medida que uma criança cresce os dias começam a ser cada vez menos iguais (verdadeiramente, nunca são, em qualquer fase da vida) e, como referi, um dia calmo, sem grande actividade intelectual ou física, coincidente com um período de estabilidade no crescimento necessitará de energia e de elementos diferentes do que um dia cheio de aprendizagem cognitiva e exercício físico, numa fase de grande velocidade de crescimento.

Não podemos, pois, pensar a alimentação e a nutrição olhando apenas para as «calorias», mas pensar que esta sinfonia é composta por muitas pautas e muitos instrumentos. Qualquer desafinação ou esquecimento perturbará, em maior ou menor grau, a harmonia do conjunto.


Da alimentação à digestão

Ao comermos o que quer que seja, não será exactamente isso que entra nas nossas células, pois há um longuíssimo percurso a fazer, desde que pomos na boca um alimento até que qualquer dos nossos incontáveis biliões de células o utilize.

O processo começa antes sequer de levar a comida à boca, porque o apetite (para não chegar a chamar-lhe fome, dado que não é verdadeira fome, no sentido do sofrimento pelo qual ainda muitos passam neste planeta), o cheirar e ver a comida, e o antecipar a hora da refeição desencadeiam processos cerebrais, expressos em hormonas, no aumento de enzimas, na produção de saliva e de ácido gástrico, e tantos outros fenómenos. «Já me estou a babar. Estou com água na boca. Tenho o estômago a dar horas». Quem nunca disse uma frase destas?

A transformação dos alimentos em nutrientes - para o qual contribui o aparelho digestivo, mas não só, também o fígado, os rins e, afinal, todo o corpo -, é altamente complexo, embora corresponda a um acto tão natural que nem pensamos muito nele. De qualquer modo, se pretendemos um resultado final equilibrado e vencedor, temos que pensar que o que ingerirmos, como o fazemos, com que ritmo, a que horas, etc, é fundamental.


Nem todos os alimentos são iguais

Há diferenças substanciais entre os alimentos. Cada um tem a sua composição e também a maneira como é metabolizado e como os seus componentes são aproveitados. Os espinafres, por exemplo, que têm muito ferro, não cedem o deles e ainda roubam o ferro que podem do interior do intestino – o Popeye, o célebre marinheiro dos desenhos animados que ficava ultra-forte só de comer uma lata de espinafres, afinal não iria longe, de acordo com os actuais conhecimentos científicos.

As proteínas são estruturais: fazem crescer os órgãos, como os ossos e músculos, e dividem-se em pequenas peças – os amino-ácidos – que desempenham várias funções, específicas e deveras inteligentes. Os hidratos de carbono são fontes de energia, por excelência. As gorduras têm vários papéis, incluindo no desenvolvimento cerebral e na defesa contra o frio. Já sem falar da água, claro, e das vitaminas, minerais, fibra, e tantos outros.

A natureza, que é tudo menos estúpida, fabrica uma enorme diversidade de vegetais e de animais, que o Homem consome. Exactamente para poder, conforme o tempo, as necessidades e tantos outros factores, ir buscar o que necessita de uma forma complementar. Se cada elemento só existisse num alimento, quando esse faltasse morríamos. É o que acontece com algumas espécies, que vêem destruídos pelo ser humano os habitats onde tinham o que precisavam.


O mito de «estar a fazer a digestão»
Uma questão frequente é saber se se deve respeitar um intervalo de três horas entre as refeições e o banho, por exemplo no mar ou na piscina? E se isso vale também para o pequeno-almoço ou para o lanche?

É compreensível a perplexidade das pessoas, tanto mais que se ouvem falar de casos de afogamentos, paragens de digestão, congestões. O que escrevo a seguir expressa a minha opinião, fundamentada em factos científicos, mas mesmo assim sendo não deve interferir com as crenças e convicções de cada um. Se uma pessoa não se sente confortável em que os filhos tomem banho antes da «digestão» (está entre aspas, note) não o deve fazer. Mas sucintamente, é o seguinte: quando comemos, obrigamos o tubo digestivo a trabalhar mais e, por isso, há uma chamada maior de sangue a esse território. As temperaturas extremas – água muito fria, água muito quente (só na banheira!), estar ao sol «a cozer» -, causam perturbações na distribuição do sangue, sobretudo ao nível da pele, desviando sangue, o que pode causar a chamada «paragem de digestão». Mas atenção: é preciso comer mesmo muito (e beber também), o que as crianças não fazem, e entrar na água fria de repente, depois de ter estado deitado ao sol. É um padrão de adulto, e não de criança.

Se comerem pouco (o normal de um pequeno almoço, almoço de praia ou lanche), se não estiverem a «grelhar» ao sol (estão sempre a mexer-se e nunca param quietas), e a temperatura da água for dentro do normal, não há qualquer problema.

Há um bom indicador para perceber se comemos ou bebemos demais, o que deverá obrigar a esperar – é sentirmo-nos pesados, com vontade de dormir a sesta, sonolentos, com a cabeça «a andar à roda», a bocejar, sem capacidade de fazer esforços físicos ou de aguentar conversas muito elaboradas. Mostra que o nosso aparelho digestivo «roubou» sangue a todos os outros órgãos, designadamente ao cérebro, e que há que esperar. Todavia, obrigar as crianças a respeitar as três ou quatro horas (há pessoas que controlam pelo relógio!) quando petiscaram coisas poucas e não beberam álcool... é capaz de ser um bocadinho excessivo e até ligeiramente sádico...


Ordem dos alimentos

Outro mito tem a ver com a ordem dos alimentos. Ora, esta corresponde sobretudo a uma organização dos adultos, embora possa haver razões específicas para comer isto ou aquilo.Em termos globais, principalmente nos primeiros anos de vida, não há qualquer ordem especial dos alimentos, embora convencionalmente se coma primeiro a sopa, depois o segundo prato e finalmente a fruta ou doce. Será assim provavelmente que o vosso filho será educado, mas nestas idades pode haver preferências diferentes e é discutível, tendo que por exemplo fazer uma coisa que não gosta, uma assim-assim e outra que gosta, qual a ordem que daremos a essas três coisas. Primeiro as boas notícias ou as más notícias?

Os pais tendem a dar primeiro o que as crianças gostam menos (sopa...) para poderem negociar com a sobremesa. «Se não comeres isto, não comes aquilo». E também porque se a criança está com fome será menos exigente e comerá melhor aquilo de que não gosta tanto. A sopa no início também poderá servir para hidratar, «encher o estômago» e diminuir a fome para o resto, que será comido mais devagar e em menores quantidades, deixando para o fim o mimo mais doce. Mas há crianças que poderão ter outro tipo de raciocínio: depois de comerem o que gostam sentir-se-ão na obrigação de comer o que gostam menos.
Também no primeiro caso pode haver mais demora, irritando os pais e comunicando stresse, com a criança a fazer birra. Mas no segundo ela pode saber que a birra permitirá só se alimentar do que gosta.

Cada um saberá melhor o que aos respectivos filhos interessa. Conhecem-nos. Façam porventura de uma maneira e de outra conforme os dias, as horas e os lugares. E perguntem ao próprio, que pode ser uma boa forma de chegarem a um acordo tácito, sem problemas e abalos de maior.


Mastigar bem

Há quem pense que comer é só ligar ao que se come e que, por exemplo, uma boa alimentação reside apenas no que se escolhe para pôr no prato. Contudo, há bastante mais coisas que são importantes, ou mesmo fundamentais, para que a alimentação se faça de uma maneira correcta. A forma como se mastiga é uma delas.
É consensual, entre os cientistas e nutricionistas, que a digestão começa mesmo antes de comermos. Poderá parecer estranho, mas quando cheiramos os alimentos, quando os vemos e quando eles nos parecem desejáveis (às vezes basta alguém estar a descrevê-los, numa conversa trivial) a nossa digestão está a ter início. E isto porque imediatamente se começa a segregar saliva. Não é água. A saliva tem várias funções, desde o equilíbrio da acidez da cavidade oral (sendo, por isso, um dos grandes factores que combatem a acção dos ácidos produzidos pelas bactérias da cárie dentária), à manutenção da humidade ideal para o funcionamento da boca, para podermos falar sem ficarmos «com os lábios e os dentes colados» e, claro, à digestão.

Existe um enzima na saliva, a ptialina, que desdobra os hidratos de carbono (massas, pão, arroz, cereais, leguminosas, etc) mal eles entram na boca – já notaram, por exemplo, que se mastigarem uma cenoura devagarinho, a sensação que têm é que ela está a ficar cada vez mais doce – isto acontece porque os hidratos de carbono da cenoura começam a desdobrar-se em cada vez mais pequeninos que são, por outro lado, mais doces.

Esta digestão, ao nível da boca, vai ajudar a digestão no compartimento seguinte – o estômago, onde é a vez das proteínas serem desdobradas nos seus elementos mais pequenos, os amino-ácidos, graças a um outro enzima, a pepsina, e ao meio ácido do estômago. Vemos aqui que, enquanto os hidratos de carbono são melhor digeridos em meio alcalino (o da saliva), as proteínas precisam de meio ácido (o do ácido clorídrico do estômago). Se não digerirmos bem os hidratos de carbono «cá em cima», eles vão ser pior digeridos, porque o estômago é feito para outras coisas.

Segue-se o início do intestino, o duodeno. Aí entram em acção os sucos que vêm do pâncreas e do fígado, carregados de enzimas capazes de digerir as gorduras. É por isso que uma refeição pesada em gorduras empanturra o estômago, porque a digestão um pouco mais abaixo está demorada. Finalmente, ao longo do resto do intestino delgado vai-se fazendo uma mistura de digestão e de absorção dos elementos já prontos para entrar no nosso corpo.

A sabedoria de quem sempre protegeu a saúde, mesmo em condições externas difíceis, deve ser sempre valorizada. É o caso dos orientais que, apesar de não terem abundância alimentar, sempre conseguiram manter um corpo magro e equilibrado, e um dos seus segredos está em mastigar devagarinho, salivando muito bem os alimentos e só os engolindo quando estão em verdadeira papa. Em alguns locais do Oriente, por exemplo, até se crê que a saliva tem propriedades curativas, e os ocidentais, que muitas vezes se riem do que desconhecem, numa atitude própria de ignorância arrogante, também acabam por dizer que uma ferida cura melhor se for lambida por um cão.

Quanto mais mastigarmos, mais prepararmos os alimentos para as fases seguintes, não sobrecarregando os órgãos que vêm a seguir na lista da digestão. Por outro lado, mastigar calmamente (pelo menos 30 vezes cada garfada, utilizando todos os dentes e não apenas um lado da boca) é uma das maneiras de combater o stresse, porque obriga a «parar» o tempo e a não alinharmos no engole-engole para fazer mais uma coisa qualquer – é curioso que, em japonês, mastigar também significa «compreender bem», e estas coisas não surgem do acaso, pelo contrário: ao mastigarmos o nosso cérebro fica mais irrigado de sangue e o raciocínio torna-se mais fluido e arguto.

A saliva é alcalina. Misturada com a comida, ela vai entrar no corpo e torná-lo menos ácido, o que tem muitas vantagens em relação à manutenção da integridade das células e dos órgãos em geral. É sabido, também, que os dentes e as gengivas ficam mais fortes se o meio for alcalino, mas o facto de trabalharem mais, também os estimula e faz com que fiquem mais fortes, já sem esquecer o facto de os movimentos da língua serem mais e ajudarem a limpar os restos que ficam pegados aos dentes e que seriam, se lá ficassem, óptimos substractos para as bactérias causadoras de cárie se estabelecerem.

Ao desdobrar os açúcares complexos nos mais simples, que são mais doces, temos menos tendência para comer doces e sobremesas e para passar o dia todo a petiscar, como quem engana a fome.

Ao mastigar pouco e rapidamente, esses pequenos hidratos de carbono não se produzem e os níveis de açúcar no sangue estão sempre a baixar, fazendo o nosso corpo sentir constante falta de açúcar e procurar guloseimas e chocolates.

Ao comermos grandes quantidades de alimentos à noite, vamos libertar uma hormona relacionada com a melatonina, que se regula pelo ciclo dia-noite, e que inibe a hormona do crescimento e faz com que as calorias se queimem menos durante esse período. É por isso que as pessoas que comem muito à noite e são gordas, «engordam a dormir». Descobriu-se também que essa hormona (um péptido designado por Y, produzido no estômago) é estimulada quando se mastiga mal e os alimentos chegam ao estômago com pouca saliva. Se calhar é esta uma das razões porque muita gente tem tantas dificuldades em ter um sono agradável e reparador.

Para lá do tempo de mastigação, há outros aspectos importantes, como pousar os talheres, o que dá a sensação de estar a começar um novo prato cada vez que se segura neles outra vez. As pessoas ansiosas deverão - notem - estar a comer demasiadamente depressa («excitadamente»), deverão interromper a refeição e «dar uma volta», para interromper esse acto quase compulsivo – e as crianças também deverão ter esse cuidado.

Também é importante pensar que uma boa saúde oral é indispensável para uma boa mastigação. Uma pessoa com cáries, dores de dentes, dentes que se esboroam, aftas, etc, terá muito menos vontade de mastigar. E, assim, deixo-vos um bocadinho a «mastigar o assunto» e «digeri-lo».
 
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