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As mentiras da ministra

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As mentiras da ministra

Há muitas coisas a corrigir, mas a melhor maneira de o fazer não é, seguramente, com mentiras nem enxovalhando publicamente os advogados.
A ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, mostrou finalmente o que pretende: acabar com o actual modelo de apoio judiciário que permite que os cidadãos economicamente mais carenciados possam aceder aos tribunais e à justiça. A ministra podia (e devia) assumir essa opção política com frontalidade. Mas não. Como não tem argumentos sólidos, optou pela via da infâmia e da mentira.
Em primeiro lugar, lançou para a opinião pública uma suspeita desonrosa sobre os cerca de dez mil advogados que prestam serviço no âmbito do sistema de acesso ao direito, fazendo crer que existe aí uma fraude generalizada. Um tablóide de Lisboa chegou mesmo a anunciar (e o Ministério da Justiça não desmentiu) que havia pagamentos indevidos na ordem dos oito milhões de euros. Tudo isso ainda antes de iniciada uma auditoria que a Ordem dos Advogados prontamente aceitou e que ainda está a decorrer.
Mas como essa auditoria não está a dar os resultados que a ministra pretendia, veio então afirmar publicamente que o sistema de apoio judiciário não é sustentável, pois - disse-o em comunicado - a despesa "equivale a cerca de 10% do montante do Orçamento do Estado atribuído ao Ministério da Justiça". Trata-se de uma inominável desonestidade da senhora ministra da Justiça, imprópria de uma pessoa que desempenha funções governativas num Estado democrático e indigna de uma mulher com o seu trajecto cívico.
O orçamento do Ministério da Justiça para 2011 é de euro 1 346 347 232,00. Por isso, desafio publicamente a senhora ministra a divulgar onde são gastos os 134 milhões de euros que corresponderiam ao apoio judiciário. Quanto aos advogados, posso garantir que o que eles recebem no âmbito do sistema de acesso ao direito é idêntico ou inferior ao que o Ministério paga aos magistrados só a título de subsídio de habitação (totalmente isento de impostos) para eles viverem em casa própria mesmo depois de aposentados. Mas sobre isso a ministra não tem coragem de falar, muito menos de alterar.
O actual modelo de apoio judiciário constitui uma das maiores reformas da justiça depois do 25 de Abril, a única de cariz essencialmente democrático, já que passou a permitir um efectivo acesso ao direito e à justiça às pessoas mais pobres. Todas as outras reformas na justiça ou satisfizeram reivindicações das corporações judiciárias, nomeadamente mantendo e alargando os privilégios dos magistrados, ou então destinaram-se a afastar as pessoas dos tribunais, quer aumentando as custas judiciais quer desjudicializando a justiça, ou seja, fazendo com que ela deixasse de ser administrada nos tribunais e passasse a sê-lo em instâncias não soberanas, nomeadamente em conservatórias, cartórios notariais, julgados de paz, centros de mediação ou ainda nessa forma de "justiça clandestina" que são os chamados tribunais arbitrais. Sintomaticamente, o Governo acaba de propor ao Parlamento a aprovação de uma nova Lei da Arbitragem. Essa é que é a justiça importante para as grandes sociedades de advogados de Lisboa a que a senhora ministra pertence.
Antes de 2008, o sistema de acesso ao direito era utilizado pela Ordem dos Advogados para dar formação e subsidiar os estagiários, já que eram estes que faziam a maior parte das defesas oficiosas e da forma que mais agradava aos magistrados, ou seja, limitando-se a pedir justiça ou a oferecer o merecimento dos autos. A partir de Setembro de 2008, a OA dignificou o sistema de acesso ao direito fazendo com que as defesas e patrocínios oficiosos fossem efectuados só por advogados. Acabaram os cambões, pois as nomeações de advogados passaram a ser feitas aleatoriamente pela OA e não por magistrados, funcionários ou polícias. Quando tomei posse como bastonário, a legislação em vigor propunha pagar aos advogados menos de seis (6) euros por mês por processo. Impedimos essa ignomínia, evitámos que os honorários continuassem a ser fixados arbitrariamente por juízes e recuperámos as tabelas de honorários de 2004 que são as que ainda estão em vigor.
Há, sem dúvida, muitas coisas a corrigir, mas a melhor maneira de o fazer não é, seguramente, com mentiras nem enxovalhando publicamente os advogados que prestam esse serviço ao nosso Estado de direito democrático.


Artigo de Opinião no JN
 
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