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António Martins: 'Não há qualquer vingança dos juízes'

florindo

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'Não há qualquer vingança dos juízes'


A Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) anunciou na semana passada uma iniciativa inédita: vai fazer uma denúncia ao Ministério Público (MP), para que este investigue as despesas dos 14 gabinetes ministeriais do Governo de José Sócrates, com base nos dados a que tiveram acesso.

António Martins rebate a acusação dos socialistas de que os juízes estão a vingar-se e diz que só agem por «dever cívico».

Por que decidiram questionar o uso, por parte dos membros do anterior Governo, de cartões de crédito e de telefones, pagos pelo Estado?

Não questionámos propriamente o uso.

Na altura, em Outubro de 2010, estava em discussão a proposta de Orçamento do Estado (OE) para 2011 e, perante os cortes previstos, procurámos apenas obter informação sobre os vencimentos e outros acréscimos dos membros do Governo, bem como sobre os gastos ministeriais, com vista a encontrar argumentos na defesa dos interesses sócio-profissionais dos juízes.

E, à mesa das negociações, pedimos essa informação.

E o que pretendiam verificar ou comprovar com isso?

Na altura não pretendíamos verificar ou comprovar nada.

Apenas fazer uma comparação entre aquilo que estava a ser previsto (na proposta de lei do OE) serem os ‘cortes’ que afectariam os juízes e em que medida os membros do Governo, tendo em conta a globalidade dos seus vencimentos e demais ‘alcavalas’, eram afectados.

O uso de cartões de crédito foi assumido pelo anterior Governo?

Na altura negaram toda e qualquer informação.

Quer à mesa das negociações quer posteriormente, quando apresentámos requerimento formal, ao abrigo da Lei 46/2007 (que regula o acesso aos documentos administrativos).

E sem justificação minimamente plausível – o que nos levou a considerar que o problema deixava de ser apenas da área do interesse dos juízes para passar a ser uma questão de cidadania e de exigência do cumprimento da Lei da República por parte do Governo.

Daí termos intentado acções em Tribunal, com vista a que os ministérios fossem intimados a fornecer os documentos.

Acabou por ser o actual Governo a fazê-lo, por ordem do Supremo Tribunal Administrativo.

Das informações que vos deram, pode-se concluir que esses cartões de crédito constituíam uma espécie de complemento do ordenado de alguns desses governantes, apesar de já receberem despesas de representação?

Não podemos tirar conclusões definitivas, até porque os documentos transmitidos, na generalidade dos casos, são incompletos.

A informação não é total e precisa de ser cruzada com outros dados.

Agora, o que parece ser claro é que não havia um enquadramento legal de atribuição e uso de cartões de crédito, embora, na prática, eles fossem entregues e, em geral, fossem usados.

Por outro lado, também parecia ser prática a atribuição e pagamento de despesas de representação, em valor fixo, como se fosse um complemento do vencimento, apesar do uso, nalguns casos, de cartões de crédito.

Isto sem considerar ainda outras realidades, como o pagamento de despesas de representação pelos fundos de maneio dos ministérios e a atribuição de ajudas de custo.

Decidiram fazer uma denúncia ao MP. Quer dizer que encontraram indícios fortes de ilegalidades, ou seja, de pagamento de despesas pessoais por esta via?

A partir do momento em que a informação transmitida nos levantava as mais sérias reservas sobre a licitude e a regularidade dos procedimentos nessas matérias, por parte de alguns ministérios, só tínhamos uma atitude a tomar: entregar esses documentos ao MP, que é a entidade com competência para apurar eventuais responsabilidades criminais e civis que possam existir.

Não cumpriríamos o nosso dever cívico e a responsabilidade de sermos juízes, ficando com os documentos e fazendo de conta que não os vimos.

Por que não enviaram antes esta matéria ao Tribunal de Contas?

Porque nos pareceu que estava fora da competência deste Tribunal.

Estamos a falar de despesas na ordem de que valores?

Não temos valores globais porque, como referi, não nos foi fornecida informação completa e total pela generalidade dos ministérios e, até hoje (quarta-feira), houve um, o Ministério da Defesa Nacional, que ainda não deu cumprimento à intimação do Tribunal.

O que lhe posso dizer é que, com os dados que temos, estamos a falar de valores que, à partida, não são adequados nem compatíveis.

E ainda menos quando se verifica que há recebimento de despesas de representação globais e fixas, e despesas de representação pagas pelos fundos de maneio dos ministérios.

A vossa decisão tem sido muito criticada, inclusive por juízes, como o desembargador Rui Rangel, que a qualificou como «uma aberração e um desprestígio para a classe». Como comenta?

O desembargador em causa não me merece qualquer credibilidade e, como ele não representa ninguém na ‘classe’ (para usar a expressão dele) é abuso seu falar em nome dela.

Por isso não vale a pena dar-lhe a importância que ele não tem e que só alguma comunicação social lhe atribui.

O que lhe posso dizer é que a nossa decisão tem sido muito louvada, até por entidades e pessoas credíveis em termos da sua actuação cívica na luta pela transparência da administração.

Alguma vez a ASJP, na sua história, teve iniciativa semelhante?

E há algum caso semelhante noutro país?

Que me recorde, é inédita a iniciativa, na história dos 36 anos da ASJP.

Não tenho ideia se houve algum caso semelhante noutro país. Nem nos preocupámos com isso quando decidimos tomá-la.

O ex-ministro da Defesa, Augusto Santos Silva, também já disse que esta participação ao MP é uma «acção política».

E o deputado socialista Vitalino Canas diz que revela «uma atitude persecutória».

É uma vingança dos juízes contra o Governo de Sócrates, por causa dos cortes que sofreram nos vencimentos e de outras medidas?

Compreendo essas reacções como uma defesa e uma tentativa de descredibilizar a nossa acção, o que é humano.

Mas não têm qualquer fundamento, como a seu tempo se verá.

Não há qualquer vingança – essa tese, aliás, até é pouco inteligente.

Repare-se que, em Portugal, só temos uma associação sócio-profissional de juízes, que representa cerca de 95% de todos os juízes, de todas as jurisdições e de todas as instâncias.

Nenhuma direcção da nossa associação sobreviveria mais do que uma semana se tivesse uma actuação com cariz político-partidário.

Os nossos estatutos são claros no sentido do apartidarismo como conduta dos órgãos sociais.

E como responde à crítica de que, no fim, serão os juízes a decidir em causa própria?

Não é verdade que sejam os juízes a decidir no fim. Será o MP a decidir no inquérito.

O actual Governo acabou com os cartões de crédito nos gabinetes. Como comenta?

O problema não está nos cartões de crédito: a questão está na sua atribuição e no seu uso sem regras ou sem controlo.

Por isso, a única coisa que posso dizer é que, se este Governo acabou com a prática que existia, é porque terá entendido que ela não era… saudável (digamos assim).


SOL
 
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