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Dia Mundial dos Direitos do Consumidor

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MMAD

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A 15 de Março comemora-se o Dia Mundial dos Direitos do Consumidor. À frente da DECO desde 1991, o seu secretário-geral faz o balanço de uma actividade que encara como interminável. Apesar de muito já ter sido conquistado em defesa dos consumidores, não tem ilusões e sustenta que ainda resta muito por fazer. Em 2007, as reivindicações vão continuar. Mais de 300 mil famílias contam com esse empenho.

Quais foram as principais vitórias da DECO nos últimos anos e, sobretudo, em 2006?
Aumentámos a capacidade de influenciar a legislação. Solicitam-nos pareceres sobre iniciativas legislativas com impacto na política de consumo. As grandes iniciativas legislativas inspiram-se em actos reivindicativos nossos. Além disso, qualquer que seja o partido no Governo, não tem havido dificuldade em falar com secretários de Estado ou ministros. O diálogo com a administração pública acentuou-se, por sua iniciativa, e do próprio Governo. As grandes empresas querem ter reuniões periódicas, para melhorar as suas práticas. Têm a ganhar com isso, pois denunciamos e penalizamos as empresas que desrespeitam os consumidores.

Está em análise a alteração da lei dos parques de campismo e dos centros de inspecção periódica, estudos de 2006.
Exacto. E há exemplos anteriores. Na sequência dos nossos primeiros estudos de segurança dos parques infantis e lares de terceira idade, o Governo criou um grupo de trabalho. Ao contrário da fiscalização, a legislação tem-se modificado e melhorado. Nos últimos 15 anos, temos conseguido que a lei portuguesa se modernize e acompanhe a tendência na Europa. Mas o Estado ainda não assumiu um papel fiscalizador. Um exemplo eficiente tem sido a ASAE (Autoridade de Segurança Alimentar e Económica), que actua e tem-se credibilizado.

A intervenção da DECO no problema da Afinsa é um exemplo de sucesso?
Os consumidores foram claramente lesados. As entidades estatais, que podiam ter defendido a parte mais fraca, disseram que nada tinham a ver com o assunto. Tentámos que fossem ressarcidos de, pelo menos, uma parte do capital investido. Estamos convencidos de que isso vai acontecer. Já existem os primeiros sintomas de que o Governo, o Banco de Portugal e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários irão criar lei que evite a repetição de uma situação destas. É uma dupla vitória para a DECO. Está-se a conseguir indemnizar os lesados e, por outro, a alterar o quadro legal.

Neste processo, houve uma colaboração com a OCU (Organización de Consumidores y Usuarios).
Sim, a junção de esforços das associações de consumidores europeias é fundamental para atingir objectivos. A Afinsa é um caso de colaboração com a nossa congénere espanhola, que está connosco na defesa dos consumidores espanhóis e portugueses. Esta solidariedade internacional advém do facto de se perceber que alguns conflitos não se resolvem ao nível nacional.

E no caso da EDP, não foi fácil?
Em 2005, a EDP preparava-se para, de forma ilegal, contrariar a lei dos serviços públicos, que ajudámos a criar, cobrando facturas já com três ou quatro anos. A lei diz que só podem ser cobradas verbas até seis meses após o consumo. Foi apenas após a nossa intervenção que a EDP aceitou cumprir a lei. Quando uma associação consegue negociar e entender-se com uma grande empresa, sem intervenção da justiça, é um atestado de maioridade, sinal de que a sociedade civil está a dar passos no caminho certo.

Que outro caso considera exemplificativo?
Uma empresa privada, a Águas do Planalto, distribuidora de água no centro do País, na sequência do Inverno rigoroso de 2005, resolveu começar a cobrar, em 2006, os contadores de água que rebentaram devido ao congelamento da água. Se os consumidores não pagassem os contadores, a água seria cortada. E, de facto, a empresa começou a executar esta decisão. Em determinada altura, cortaram a água às pessoas que não pagavam os tais contadores e que ainda era um preço razoável, por volta de 150 euros. Numa primeira fase, tentámos negociar com a empresa e mostrar-lhe que não tinha a mínima razão, visto que os contadores não pertencem aos consumidores. Estes não tinham a mínima hipótese de contrariar a anomalia. Como a empresa não solucionou o problema, avançámos com uma acção em tribunal. Quando se apercebeu que podia perder a acção, a empresa predispôs-se a negociar connosco e anulou todas as decisões. Devolveu as verbas cobradas, voltou a ligar a água a quem tinha cortado e deixou de pedir dinheiro aos consumidores. Resolveu completamente o problema. É um exemplo interessante de capacidade de pressão e de negociação e de resolução. Estavam em causa milhares de famílias.

Que balanço faz do que se tem passado com a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE)?
As autoridades reguladoras prometiam muito, mas o que está a acontecer?
As entidades reguladoras devem ter credibilidade, exercendo o seu papel de forma isenta. A ERSE é um bom exemplo disso, pois corporizou um modelo muito interessante, em que os representantes dos consumidores sentiram-se em plano de igualdade com os representantes do sector regulado. Nem sempre tal acontece. A discriminação positiva que a ERSE fez em relação às associações de consumidores foi interrompida pelos últimos três governos, que criaram um quadro legislativo que reduziu a margem de manobra desta entidade. O Governo mostrou-se admirado com o aumento da electricidade em 15 por cento. Foi um acto de cinismo: atingiu-se aquele valor porque as parcelas foram definidas pelo Governo que, após alguma contestação, o reduziu. Foi uma mera arquitectura financeira. Para a energia ser mais barata, é preciso alterar o quadro legal e só o Governo, através da EDP, o pode fazer. É preciso reduzir as taxas inerentes à produção de energias alternativas, que vão para as autarquias. Através do preço da electricidade, estamos a subsidiar as autarquias. Quando tal for reduzido, teremos energia a preço mais justo, havendo aí a possibilidade de a ERSE ter novamente um papel regulador interessante.

A lei das finanças locais é uma das prioridades da DECO este ano. O que se pretende fazer?
O quadro legislativo das finanças locais foi alterado no sentido correcto, dado que responsabiliza as câmaras pelas suas receitas e despesas. O risco é que, se não existir uma participação local ao nível das assembleias municipais, alguns executivos camarários possam ser tentados a criar mais taxas não justificáveis. A DECO pretende ser a voz da consciência, para que os consumidores estejam activos na avaliação destas situações.

Concorda com a transposição da directiva europeia da eficiência energética dos edifícios?
Temos uma posição muito favorável. Vamos por em prática essas obrigações e fiscalizá-las. Não há dúvida de que temos um quadro legislativo interessante do ponto de vista da qualidade e da eficiência de recursos energéticos. Parece-nos que o Estado, como entidade que manda construir edifícios para si mesmo, que gere edifícios, deveria dar o exemplo. Se o próprio Estado fosse um bom cliente desses edifícios, daria um bom pontapé de saída para que funcionasse na habitação privada. A energia solar é ainda muito cara. Se o Estado, em todos os edifícios que detém, passasse a utilizar energia solar é evidente que ela passaria a ser massificada. Teríamos acesso a painéis solares mais baratos.

Em 2007, o que se prevê fazer?
Vamos dar a cara por duas acções contra organismos que representam decisões de grande interesse para o consumidor. Depois, em conjunto com a Agência Nacional de Energia, realizaremos uma campanha de utilização racional de energia, onde participarão várias associações de consumidores europeias. Em relação a questões como a cobrança do estacionamento, continuaremos a pressionar o Governo. Por exemplo, este deveria ter um papel interventivo junto das câmaras, e estas com as empresas municipais de estacionamento. Queremos avançar com um projecto-piloto com a Misericórdia de Lisboa, para emigrantes das ex-colónias e de leste, para os formar na área da defesa do consumidor.

E, actualmente, o que falta conseguir?
A melhoria da qualidade da prestação do serviço do Serviço Nacional de Saúde (SNS), uma conquista da democracia, e que não é substituível por nenhum sistema privado de saúde. Os centros de saúde não podem ser só unidades de tratamento, mas também de prevenção. Tal será uma viragem interessante. A melhoria dos transportes colectivos, da organização das cidades e das barreiras arquitectónicas são motivos de reivindicação, bem como a qualidade da habitação.

 
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De que forma é que o consumidor português evoluiu? Hoje exige mais e queixa-se mais?

Não alinho com quem diz que os portugueses não reclamam, que são passivos e que não reagem. A imagem que tenho é exactamente a contrária. Nestes últimos 15 anos, o que vemos? Primeiro, há um aumento exponencial do número de associados da DECO. Entre 1974 e 1990, conseguimos 37 mil sócios. A partir de 1990, até 2006, alcançámos cerca de 320 mil sócios. Nestes últimos anos, houve uma procura enorme dos portugueses por informação e isto não demonstra nenhuma passividade. Pelo contrário, é sinónimo de mobilização. O segundo sintoma, muito importante, é o interesse que progressivamente as escolas têm tido pela temática da defesa do consumidor. Cada vez há mais intervenções na área de defesa do consumidor protagonizado por professores e alunos. Tal é também um sintoma muito interessante e que vai ter impacto no futuro. A DECO tem feito um esforço no sentido da formação de professores e na produção de material didáctico. Um terceiro sintoma é o aumento, no dia-a-dia, de pedidos de informação, de reclamações e denúncias, que nos chegam via telefone, por escrito ou presencialmente, na sede, em Lisboa, e nas nossas seis delegações regionais [Coimbra, Évora, Faro, Porto, Santarém e Viana do Castelo]. Todos os anos, as pessoas aumentam a sua capacidade de mobilização no sentido de denunciar situações e de tentar resolver problemas. As próprias empresas também nos dizem isso. Qualquer hipermercado ou empresa nacional com vários balcões pelo país nos refere a pressão dos consumidores. Isto também é verdade, por exemplo, para os bancos ou para as companhias de seguro.

O consumidor está mais informado?
O consumidor está mais informado, mais mobilizado mas ainda está tudo por fazer. Não estamos contentes com a situação. É fundamental que cada vez mais os consumidores assumam o seu estatuto, mas que não exijam nada para além dos seus direitos e às vezes isso também acontece. Quando os consumidores exigem para além dos seus direitos também é contraproducente.

O que associa a esta actividade?
Esta actividade tem muito a ver com bom senso e com alguma insatisfação no sentido de melhorar as coisas. Não podemos ser fundamentalistas em relação às exigências, temos de compreender os timings. É preciso ter alguma informação técnica, pôr os grupos de trabalho a funcionar. A defesa do consumidor é sempre um trabalho de água mole em pedra dura. Sempre. Em Portugal, a DECO já fez muito, mas, ao mesmo tempo, há muito por fazer. É a consciência dos cidadãos que pode alterar as coisas e, portanto, trabalhamos todos nisso.

É secretário-geral da DECO desde 1991 e antes disso já era associado,
estando também ligado à fundação da revista PRO TESTE.
Sim. Aproveitávamos estudos, testes e opiniões, veiculadas por outras revistas de consumidores da Europa, como a inglesa, a belga e a francesa, e pedíamos autorização para fazer a reprodução desses artigos. Pegava-se em coisas tão comezinhas como o prazo de validade dos produtos ou o peso do pão. Eram assuntos que não envolviam grande tecnicidade mas que eram emblemáticos para a sociedade da altura e que podiam ser o despertar de consciências. Foi assim que tudo começou, sem grandes recursos ou meios. A criação da PRO TESTE, em 1978, foi, de facto, um marco importantíssimo. Foi um primeiro patamar de crescimento, dado que a associação, naquela altura, devia ter à volta de 15 mil associados. Era a primeira vez que a associação podia utilizar os órgãos de comunicação social, que começavam a dar alguma visibilidade às posições que a DECO defendia. Os primeiros anos foram vividos com algumas dificuldades, com algumas incompreensões, com um olhar muitíssimo desconfiado do poder político e do próprio poder económico e das empresas. Estas frequentemente acusavam a DECO de ser excessiva. Mais tarde, nos anos 90, fizemos um acordo com as outras associações de consumidores, a belga, a espanhola e a italiana e criámos a editora. A profissionalização da PRO TESTE foi uma decisão importantíssima, porque a partir dessa altura, a revista passou a ter mais qualidade e credibilidade, a abarcar temas de maior complexidade técnica. Começou a ter outros meios e, consequentemente, maior visibilidade. Este crescimento teve um efeito de bola de neve, até aos dias de hoje. Passámos de uma situação em que havia um corpo muito reduzido de voluntários, de carolas, para, agora, termos um corpo alargado de profissionais, com outra capacidade, que imprimem outro rigor. Tal libertou a associação para fazer um trabalho que até ali não conseguia fazer. A profissionalização da revista veio abrir outro espaço.

O que distingue a DECO das restantes associações de consumidores ao nível europeu?
A DECO começou por ser uma estrutura militante, em que um grupo de cidadãos com preocupações sociais achou que a defesa do consumidor seria um veículo importante para a melhoria da qualidade de vida das pessoas. O modelo, naquela altura, era o das sociedades democráticas, dos países nórdicos, da Europa central. Era o próprio modelo, nalguns aspectos, dos Estados Unidos. Neste momento, somos a única associação de consumidores da Europa que tem este modelo, reconhecido como completo. Por exemplo, as grandes associações europeias já não fazem informação presencial. Mas fazemo-lo porque sabemos que os portugueses têm dificuldade em escrever. Somos das poucas associações europeias que faz mediação de conflitos, que trabalha com as escolas, que promove acções de formação com quadros de empresas, com grupos profissionais específicos (advogados, juízes e notários). São exemplos que não encontramos na Europa. Algumas associações, como a belga, a inglesa ou a holandesa, faziam-no, mas nos anos 60. Agora, chegam aos consumidores através das revistas e dos call centers. Em Portugal, tal foi possível graças ao apoio dos associados.

Como definiria a acção da DECO?
Toda a nossa acção é no sentido de uma sociedade mais justa, na defesa de uma melhor qualidade de vida. Este é o objectivo principal da nossa actividade. Temos meios, instrumentos, como as revistas e as conferências. Não podemos perder de vista a nossa função sociopolítica. É uma acção política, porque temos de intervir nas leis, na forma como a sociedade está organizada. A DECO, como estrutura da sociedade portuguesa, tem de ter em mente a sociedade a quem se dirige. Temos que ter consciência das fragilidades, das incapacidades e das dificuldades dos portugueses. Continuamos a ter uma camada muito grande de iliteracia, pessoas que têm muita dificuldade em redigir uma carta, em exigir correctamente as coisas. Mais: temos consciência que existem muitos portugueses que têm pouca capacidade de, a partir de um texto ou de uma lei, compreender os seus direitos. Por isso, temos consciência, além do trabalho pedagógico fundamental que fazemos através das revistas, e que é notório, é essencial acompanhar os consumidores no contacto pessoal, a fazer uma carta ou um telefonema, a encorajar alguém que possa estar mais relutante relativamente a uma reivindicação ou à resolução de um conflito. Este trabalho de contacto pessoal, de apoio social, continuará necessariamente a ser feito. Sabemos que os nossos associados são de classe média, média alta, mas não podemos esquecer que a sociedade portuguesa é mais do que isso. Há camadas da população que têm de ter algum tratamento especial.

Suponhamos que, como consumidor normal, ligava para a DECO: qual era a queixa que fazia?
Um dos problemas mais graves é o da habitação. A qualidade, o preço, o crédito e o urbanismo deixam muito a desejar. Temos sido muito maltratados pelas câmaras, pelos projectistas, pelas entidades fiscalizadoras, pelos industriais da construção e pelos operários não especializados. Portugal tem clima temperado, mas as nossas casas são mais frias do que a maioria das casas do Norte da Europa. Os materiais de construção sofisticaram-se, mas, em Portugal, são mal aplicados. Por exemplo, temos casas com infiltrações e que não têm insonorização. É a área em que temos menos eficácia em termos de resolução de conflitos porque, infelizmente, o crime neste sector compensa. As empresas abrem, constroem três ou quatro edifícios, vendem-nos e depois desaparecem do mercado. Aqui, não há hipótese de fazer valer os direitos. É uma área prioritária, em que os consumidores portugueses têm muitas queixas a apresentar. Há também aqui algumas tentativas de alterar a legislação, através do IMOPPI (Instituto dos Mercados de Obras Públicas e Particulares e do Imobiliário). Temos esperanças de que os trabalhos que temos feito com eles surtam algum efeito.


fonte Deco Proteste
 
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