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Jorge Silva Carvalho: O espião pouco secreto

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O espião pouco secreto

O mais polémico espião português é um homem cheio de contradições. Dirigiu os serviços secretos, mas tem o perfil aberto no Facebook. Deixa na internet mensagens encriptadas só para «conhecedores», mas fala dos filhos e da família, que sempre escondeu.
«É frio, calculista, muito determinado» e «obcecado por informação», mas deixou-se apanhar com as centenas de sms que fez questão de guardar ou com ficheiros de telemóvel onde constam informações sobre figuras públicas, incluindo a sua orientação sexual. Provas que serão usadas na Justiça e que também atingem o Governo.
Jorge Silva Carvalho, antigo director do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED) e ainda quadro do grupo Ongoing nunca deixou de espiar. «É doido por informação. Está a falar consigo e a registar tudo no seu smartphone», conta ao SOL fonte próxima dos serviços de informação.
A obsessão é tal que até guardava informação, em papel, em casa. Durante a investigação do Ministério Público – que, na semana passada, o acusou de corrupção, abuso de poder, violação do segredo de Estado e de acesso ilegítimo agravado por usar as informações das ‘secretas’ para se promover junto do mundo empresarial – foram encontradas nos telemóveis usados por Silva Carvalho centenas de ficheiros com os contactos de personalidades públicas influentes, mas também informações detalhadas sobre a sua vida amorosa ou preferências sexuais.
A estes junta-se a descoberta de três listagens em papel com informação sobre o serviço que chefiou. Continham dados e elementos de identificação de toda a estrutura do SIED em Portugal e até no estrangeiro, contrariando as mais básicas normas de segurança, que podiam comprometer todo o funcionamento deste organismo de informação.
Prestes a completar 46 anos (a 28 deste mês) fez toda a sua carreira nas ‘secretas’, onde esteve durante duas décadas e se tornou mestre na recolha e uso de informação. Silva Carvalho sempre fez gala de revelar a sua táctica para obter informações. Recorria a um expediente simples, mas eficaz, nas palavras de colaboradores: «Ele contava-nos muito esta história: ‘Sabes como faço quando quero saber alguma coisa? Abro esta gaveta e mostro-lhes que tenho aqui um pacote de chocolates. Depois fecho a gaveta. E eles, todo o tempo que estão aqui, ficam à espera, à espera dos chocolates...’».
Foi com promessas de influência que construiu uma teia de contactos e terá levado muitos subordinados a fornecerem-lhe informações para impressionar Nuno Vasconcellos, presidente da Ongoing, empresa para a qual viria a trabalhar. Os mesmos agentes continuam a garantir-lhe informação quando, em Novembro de 2010 e ao fim de 20 anos de serviço, abandona as secretas. Ingressa um mês depois no grupo Ongoing, como administrador, apesar de ter suspendido funções na empresa em Janeiro deste ano, quando foram conhecidos mais pormenores sobre as fugas de informação.
Silva Carvalho dizia à boca cheia que voltaria para liderar as secretas, tornando-se o próximo director do SIRP (Serviços de Informações da República). Chegou mesmo a enviar ao ministro dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas, vários sms onde sugeria os nomes daqueles deviam integrar cada serviço. Pessoas do seu círculo mais próximo.
Algumas delas ainda estão ao serviço das secretas. Outras já foram acusadas pelo Ministério Público – como João Luís, antigo director do Departamento Operacional do IED, que terá fornecido informações ao antigo responsável – ou afastadas dos serviços na sequência do despacho de acusação elaborado pela procuradora Teresa Almeida, conhecido na semana passada. É o caso de João Bicho, braço-direito de Silva Carvalho, cujo nome surge na acusação do Ministério Público, ou de Francisco Rodrigues, director de segurança, cujas demissões foram aceites pelo secretário-geral do SIRP, Júlio Pereira.
Com quase 1,90 m de altura e cerca de 100 quilos de peso, Silva Carvalho sempre impôs respeito.

'Tarzan Taborda' das secretas

Nos serviços de informações era conhecido como ‘Tarzan Taborda’, pelo seu físico imponente, que a paixão e a prática de judo ajudavam a manter. O remo e o basquetebol, além das artes marciais, eram outros dos desportos preferidos.
Foi recrutado aos 25 anos para as ‘secretas’, pouco depois de concluir o curso na Faculdade de Direito de Lisboa. É ali que faz toda a sua carreira. Entrou para o SIS (Serviço de Informações de Segurança), onde esteve 14 anos. Primeiro a chefiar o departamento de contra-espionagem e como chefe de divisão de pesquisa para o sector da Europa. Também dirigiu o departamento de relações externas e aprendeu a falar russo. Foi dos primeiros agentes a ter contacto com Timor-Leste, o que o aproximou de muitos socialistas que no Governo lutaram pela independência da antiga colónia portuguesa.
Mais tarde entraria no SIRP como chefe de gabinete de Júlio Pereira, contribuindo assim para a reforma dos serviços secretos do Executivo de Durão Barroso. Finalmente, aos 41 anos, tornava-se o mais jovem director de sempre do SIED.
Mas a longa carreira nos serviços de informações – onde criou uma rede de influências colocando pessoas de confiança em cargos de direcção – não foi impoluta. O espião foi alvo de um processo interno e esteve à beira da expulsão do SIS. «Começou a lançar boatos sobre a honestidade da sua directora, Margarida Blasco, e esta abriu-lhe um processo disciplinar», conta fonte dos serviços.
O espião acabaria por ser afastado do SIS e transferido. A juíza desembargadora e actual inspectora-geral da Administração Interna «foi a única pessoa que lhe fez frente nos serviços de informações», reconhece a mesma fonte.
Já quem sempre se mostrou um amigo foi o ex-ministro da administração Interna de José Sócrates, Rui Pereira, que dirigiu o SIS.
Isto, apesar da forma como Silva Carvalho abandonou o SIED, nas vésperas da cimeira da NATO de 2010, fragilizando a situação do Governo. «Quando Silva Carvalho abandonou o SIED fizeram-lhe um almoço. O Rui Pereira esteve lá», conta outra fonte. O SOL contactou o antigo ministro da Administração Interna, mas este recusou-se a prestar qualquer declaração.

'Dividir para reinar'

A capacidade de fazer aliados é-lhe reconhecida por amigos e inimigos. «Sempre usou a informação a seu favor. Bajulava para se tornar amigo mas depois dividia para reinar», conta uma fonte ouvida pelo SOL. Tanto podia ser gentil e humilde como rapidamente mudar de estratégia.
«É um homem inteligente, muito trabalhador e aplicado», diz Anabela Melão, directora executiva da empresa Regis Labore e amiga dos tempos de faculdade. «Apesar de ser uma pessoa muito reservada, éramos amigos. Fazíamos parte de um grupo fechado de bons alunos».
Nascido em Maputo, Moçambique, em 1966, só aos 11 anos é que Jorge Manuel Jacob da Silva Carvalho chega com os pais e a irmã a Portugal. A família instala-se em Almada, onde ainda vivem a mãe, a irmã Helga e alguns tios e primos direitos do antigo espião.
Foi na Margem Sul que Silva Carvalho estudou, após o regresso de África: frequentou a escola António Costa e o liceu Anselmo de Andrade. Mas foi na faculdade, onde entrou em 1985, que veio a distinguir-se. «Tal como todos os outros do nosso grupo, o Jorge lutava claramente para ter notas acima da média», recorda Anabela Melão. «Mas podíamos contar com ele. Aos 20 anos já era um homem formado e íntegro, capaz de guardar um segredo».
Por isso não ficou surpreendida quando, anos depois, o reencontrou numa reunião do OSCOT (Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo). «Não fiquei admirada de o ver em certas organizações».
A entrada de Silva Carvalho na maçonaria, em 2005, permite ao espião ampliar a sua rede de contactos, em Portugal e no mundo. Terá sido a seu pedido que o seu nome foi sugerido a José Manuel Anes, antigo grão-mestre da Grande Loja Legal de Portugal e ex-presidente do OSCOT.
É ele que lhe dá a mão e lhe permite ‘levantar as colunas’ de uma loja adormecida. É na Mozart que Silva Carvalho reúne pessoas dos seus conhecimentos como o antigo espião José Alfaro ou o administrador da Ongoing Fernando Paulo Santos. E utiliza os contactos da maçonaria um pouco por todo o mundo, de Timor ao Brasil, passando por vários países africanos, fortalecendo a sua rede de contactos para o SIED e para o mundo empresarial.
O seu padrinho maçon recusa voltar a abordar o tema, mas disse ao Público que o plano de ambição de Silva Carvalho «é desmesurado, sem escrúpulos», usando a maçonaria e as «instituições do Estado em benefício dos seus interesses pessoais».
Em silêncio desde que foi acusado, Silva Carvalho recorreu ao advogado e antigo ministro social-democrata Morais Sarmento para o defender. E tem usado a página do Facebook – criada ainda no tempo do SIED, mas curiosamente aberta ao público – para desabafar. Diz-se vítima de calúnias e muitas vezes contra-ataca em linguagem de código, como o próprio reconhece.
A mais recente é a do Panda Kung Fu, cheia de múltiplas leituras e que o próprio assume ser só para «conhecedores». Isto para depois, comentar ironicamente, que afinal estava a falar de filmes que os três filhos pequenos – Ana Bárbara, João e Francisco – gostam de ver.
Ou quando diz que perante calúnias, ser contido nas palavras pode ser uma arma poderosa. «Os meus pais sempre me ensinaram a medir as palavras. Essa lição foi-me útil em vários momentos da minha vida», lê-se no seu mais recente comentário. Mas, acrescenta, «às vezes, penso que só lá vai com uns sopapos!».


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