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Na net não se fia

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Na net não se fia

A morte de Aaron Swartz, um dos mais enérgicos defensores da partilha livre de ficheiros de conhecimento na internet, chocou cibernautas de todo o mundo. Teorias da conspiração desenham-se, critica-se as leis e a falta delas. Quando e como se pode fazer um download? Quem sai lesado da partilha de músicas, filmes ou artigos científicos à borla? O debate já tem anos, mas ainda mal começou.
O guião é impressionante em qualquer parte do mundo: um rapaz entra em diversos sistemas informáticos, consegue ‘sacar-lhes’ a informação e as respectivas senhas de acesso. Ao perceberem o esquema, as autoridades montam-lhe uma rede judicial da qual ele não pode sair. Pressionado, a acusar a sobrecarga de um poder tão grande quanto o do Ministério Público norte-americano, o rapaz enforca-se.O problema é que isto não é um filme. É uma das versões da razão que levou à morte Aaron Swartz, um jovem de 26 anos que dedicou praticamente metade da curta vida à causa da partilha livre de ficheiros na internet. Encontrado morto a 11 de Janeiro, Swartz era acusado, entre outras coisas, de ‘fraude electrónica e obtenção ilegal de informações’, depois de ter programado um dos computadores públicos do Massachusetts Institute of Technology (MIT) para ter acesso e fazer o download de artigos científicos de várias áreas de conhecimento. Quem os compila e armazena – e, já agora, cobra ao MIT pela sua ‘descarga’ electrónica – é a JSTOR, uma empresa associada, uma das maiores na área.
A empresa moveu a acusação em Julho de 2011. E o caso começou, a partir de então, a ganhar os contornos de um verdadeiro policial cyberpunk. Esta semana, ainda mal feitas as comovidas exéquias a Swartz – o activista era venerado por uma larga comunidade de cibernautas nos EUA e um pouco por todo o mundo –, vários denunciaram uma teia de conspirações, que oscila entre a procuradora que moveu a acção e o próprio MIT.
Numa das cerimónias que recordaram Swartz, a namorada, Taren Stinebrickner-Kauffman, denunciava um poder judicial que queria pôr atrás das grades por 30 anos – era esta a pena inicial – uma pessoa que mais não queria do que «partilhar informação científica com o mundo», conforme cita o diário britânico Guardian.
A provar o carisma de Swartz, houve diversas homenagens em sua memória, que culminaram com esta cerimónia, num local não menos simbólico: a Cooper Union, em Nova Iorque, que no passado albergou várias manifestações libertárias e anti-esclavagistas.
A visada pelos presentes era a procuradora Carmen Ortiz, que se isentou de qualquer culpa, dizendo ter seguido escrupulosamente a lei.
Ainda o caso estava quente quando os holofotes se viraram para o próprio MIT. De acordo com o New York Times, o instituto, que se gaba de ser pró-liberdade de circulação de dados na net, terá verificado, a pedido da JSTOR, quem era o intruso que estava a fazer downloads a partir de um dos seus computadores. Os responsáveis do MIT teriam, por isso, vigiado durante meses a pista de Swartz – que foi, desde miúdo, um convidado de honra da instituição, pelos seus dotes informáticos que dele fizeram um menino-prodígio – reunindo provas até através de câmaras de segurança.

Dar sopa à SOPA


O jovem já era muito experimentado nestas lides – fundou vários sites para facilitar a partilha de informação em blogues, uma ciberbiblioteca livre e uma rede de petições, entre muitas outras coisas – e há muito chamava a atenção do poder empresarial online e das autoridades. A famosa proposta de lei Stop Online Piracy Act (conhecida pelo prosaico acrónimo SOPA) da administração Obama foi combatida muito graças ao esforço de Swartz.
A morte do ciber-activista não passou despercebida em Portugal. Rui Cruz, editor do site Tugaleaks (a tradução, para a realidade portuguesa, do famoso Wikileaks) acrescenta outras versões para o caso. «A causa ‘provável’ da morte é o suicídio por força do problema inerente com o seu julgamento e as pressões que isso acarreta. No entanto, outros sites menos conhecidos notavam alguns posts no seu blogue com um tom um pouco depressivo demais para ficar online», explica Cruz. «Pergunto-me se não haverá algo que seja apenas conhecido dos seus amigos e pode ser a depressão um dos sintomas. Seja qual for o motivo, perdeu-se um grande homem».
O que pode estar em causa no activismo de Swartz? Depois do tempo em que a internet mal permitia pesquisas em motores de busca que o perigo das partilhas online é factor de acesas discussões. No caso de Aaron Swartz, o pretexto é pôr conhecimento à disposição de todos. As autoridades acusam estes cibernautas de pôr em risco conceitos há muito defendidos pela lei, como a propriedade intelectual, por exemplo.
A discussão não acabou, antes pelo contrário. A sua face mais visível oscila entre a revelação de dados de interesse público – que motivavam Swartz ou, numa perspectiva mais política, outro activista conhecido, Julian Assange e os seus ‘leaks’ do site Wikileaks – e a partilha de ficheiros de bens culturais (os famosos downloads de música e de filmes).
No caso de Assange, a realidade é mais complexa – a revelação de segredos diplomáticos pode ser considerada crime de traição ao Estado. Por isso, o australiano refugiou-se, desde o ano passado, na embaixada do Equador em Londres para evitar a extradição para os EUA – na sequência de uma pouco clara acusação de violação na Suécia – que o incriminam de ter divulgado segredos de Estado a propósito dos documentos sobre a guerra do Iraque que distribuiu a vários media ocidentais.

Ciberlutas culturais


A novela Assange ainda não acabou e tem provocado actos feéricos de apoio e de repúdio pelo mundo. E o Wikileaks, apesar do silêncio dos media, «continua a publicar coisas diariamente. Se a imprensa não fala é porque não é relevante para chegar a notícia», atesta Rui Cruz.
Mas, no outro pólo judicial, o da partilha de bens culturais ou de conhecimento, a ideia de uma circulação livre de ficheiros chegou até ao Parlamento Europeu. O primeiro Partido Pirata foi fundado na Suécia em 2006 e advoga, também, a livre circulação de informação, vulgo bens não materializáveis e conhecimento em geral, incluindo a reforma das leis de patentes científicas. E conseguiu sentar um deputado em Estrasburgo.
Seguiram-se a Áustria, a Alemanha, a República Checa e até a Grécia e Espanha. Todos têm o seu partido político registado no mesmo sentido, embora só os suecos tenham chegado a cargos representativos.
Fora dos assentos parlamentares e eleições, o mundo virtual avança sem rodeios nesta matéria. Sem a aura de Robin dos Bosques de Swartz ou de lutador político e defensor dos direitos humanos de Assange, Kim Dotcom – nome de guerra do alemão Kim Schmitz – exibe o peso (literal, em calorias) do empresário de sucesso da web 2.0. Fundou o célebre site Megaupload, de onde qualquer cibernauta poderia ir buscar ficheiros – de música ou outros – por tuta e meia ou até gratuitamente até determinada capacidade. O FBI fechou-lhe o site no ano passado, com o argumento da violação dos direitos de autor. E foi buscá-lo, num espectacular raid de helicóptero, à sua mansão na Nova Zelândia, onde se tinha radicado. Dotcom passou um mês na prisão, mas conseguiu sair e começar de novo. Fundou, esta semana, o Mega, sucessor do antigo site de partilhas.
Desta vez, o serviço é mais simples e baseado na encriptação dos ficheiros a ‘sacar’, o que permite aumentar a privacidade dos utilizadores. O alemão acrescentou-lhe algumas armadilhas para sair da alçada do FBI: o domínio já não é internacional (não tem a extensão ‘com’ ou ‘net’), mas da Nova Zelândia (escapa, assim, às leis americanas), permite que o utilizador possa ou não partilhar os seus próprios ficheiros (dispensa o site de perseguições judiciais) e obriga-o a deixar por lá os seus dados informáticos.
É a ideia da encriptação que, para Rui Cruz, «é a chave e o futuro da internet, porque além de estar garantida a privacidade pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, serviços com o recentemente lançado Mega ou utilitários para encriptar o disco como o TrueCrypt vão fazer com que o eventual fecho de sites polémicos que possam violar os direitos de autor seja um pouco irrelevante para o rumo que a internet está a tentar criar».
Para os representantes dos autores, a questão não é tão pacífica. Em Portugal, a discussão sobre uma proposta de lei sobre a cópia privada está novamente em cima da mesa. Taxar discos rígidos e outros suportes no acto da compra é a sugestão da Secretaria de Estado da Cultura para, pelo menos, compensar os autores.
Fica sempre o sabor de que a lei não acompanha a velocidade instantânea de um download. Mas, sobretudo, que as verdadeiras vítimas são sempre as mesmas: quem produz os bens culturais e deles pretende fazer vida. «As pessoas só falam de partilha de bens culturais, não materializáveis», diz Lucas Serra, da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA). «Qualquer escritor, músico ou cientista pode gostar, num primeiro momento, de ver a sua obra divulgada, mas se ele tiver de viver dela?».
A somar à crise deixada pelos downloads em áreas como a música ou o cinema, há a crise financeira, que afasta ainda mais as pessoas dos bens culturais pagos. Há a ilusão generalizada de que, num mundo onde tudo é acessível, o trabalho é gratuito. «Chegamos a ter alguns dos nossos autores a dirigirem-se à SPA para pedir adiantamentos para poderem ir ao supermercado», denuncia Serra.

Fonte: SOL
 
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