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“A coesão social em Portugal está fortemente ameaçada”

billshcot

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Nov 10, 2010
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“Detoriação física e mental das pessoas” é um dos sinais da erosão da coesão social.

"Se este governo continuar no poder e continuar a revelar a mesma cegueira ideológica, o país estará a destruir em poucos anos o que levou décadas a construir", é a preocupação do sociólogo Boaventura Sousa Santos. Regressado há pouco da Grécia, alerta que "nada está a ser feito em Portugal para que o agravamento que se dá na Grécia não ocorra entre nós".

Acha que a coesão social está ameaçada com todos os sacrifícios que continuam a ser pedidos aos portugueses?
Sem dúvida. A coesão social tem duas dimensões, a vida interior de todos nós, cidadãos e não-cidadãos, e a nossa vida colectiva em sociedade. Ao nível da vida interior, a coesão manifesta-se por um sentimento de dignidade pessoal, de pertença a uma sociedade que, sendo nossa, pode ser moldada pelos nossos esforços e nunca nos abandonará num momento de perigo ou de vulnerabilidade. Ao nível da vida colectiva, a coesão social é a experiência da segurança colectiva, das expectativas de vida razoavelmente estabilizadas que nos permitem fazer planos, e aceitar sacrifícios no presente em nome de um futuro melhor para nós e para os nossos filhos. Em ambos os níveis, a coesão social está fortemente ameaçada e as manifestações da sua erosão estão já manifestar-se na deterioração da saúde física e mental das pessoas (daqui a uns anos os índices serão reveladores), no mal-estar das famílias, na ocorrência de mortes evitáveis, nos suicídios, na insegurança na rua, na violência contra mulheres e crianças, no abandono de idosos, na humilhação ante filantropos complacentes, no desprezo com que os governantes se referem às justas aspirações dos cidadãos e cidadãs que os elegeram, na arrogância com que os super-ricos pregam às maiorias empobrecidas.

Acredita que os portugueses já chegaram ao seu limite?
Sociologicamente é impossível determinar o nível de erosão da coesão social que leva à ruptura social. Sobretudo porque os limites se atingem por duas vias contraditórias: por crescendos graduais que passam facilmente despercebidos e por explosões repentinas e surpreendentes, muitas vezes desencadeadas por acontecimentos menores.

Prevê alguma tragédia social, como aconteceu na Grécia, e o extremar da contestação social?
Estive na semana passada na Grécia e não me parece que a tragédia já tenha concluído o seu curso. É uma tragédia em curso, mais profunda que a nossa apenas porque começou um ano antes. Nada está a ser feito em Portugal para que o agravamento que se dá na Grécia não ocorra entre nós. No entanto, a tragédia grega (sem a grandeza das tragédias da antiguidade clássica) tem características políticas distintas da nossa. Por um lado, tem uma extrema-direita politicamente organizada e bem infiltrada nas forças de segurança. Por outro lado, o extremar da contestação social talvez seja mais facilmente enquadrável pelas forças políticas organizadas dada a elevada força eleitoral pelo partido à esquerda do partido socialista, a coligação Syriza.

Que leitura faz, enquanto sociólogo, das imagens recentes do protesto no auditório contra Relvas e a outros eventos de ministros?
São as imagens do crescente isolamento do governo que em breve estará confinado aos seus gabinetes e corredores com fugas até ao parlamento protegidas por legiões de seguranças. O ministro Relvas tem feito tudo para que o descrédito que há muito caiu sobre ele caia sobre todo o governo. É esta a única maneira que ele tem de salvaguardar o seu futuro político.

Acha que o objectivo do Governo, do que tem vindo a ser noticiado, é, de facto, reformar o Estado ou cortar quatro mil milhões de euros?
Não se trata de reformar o Estado social e sim de o destruir. A direita radical que está no poder não fez parte dos pactos que construíram o país depois do 25 de Abril e nunca aceitou que a dignidade de viver sem depender da caridade e da filantropia fosse um objectivo para a esmagadora maioria da população. Incapaz de contrariar a vontade dos portugueses por via eleitoral, aproveitou com todo o zelo a oportunidade que a troika lhe deu. Rompeu assim com a parte da direita portuguesa que viu na criação do Estado social a melhor garantia contra a instabilidade crónica da democracia portuguesa e o atraso a que nos condenou Salazar. Esta direita está hoje quase tão indignada quanto os indignados na rua. Somos o único país da Europa com uma direita indignada.

Quais são as funções sociais que um Estado pode/deve abdicar? Até onde se pode ir?
A destruição do Estado social já começou, o que é muito preocupante pois o nosso Estado social é dos mais modestos da Europa em matéria de transferências de pagamentos. E é também particularmente injusto porque, dada a nossa estrutura fiscal e a complacência para com as grandes evasões fiscais e seus paraísos, são as classes trabalhadoras (sobretudo os estratos médios) que pagam o Estado social. O objectivo do governo é tributar ainda mais os trabalhadores e as classes médias e simultaneamente retirar-lhes os benefícios do Estado social para que futuramente uns e outras peçam a redução de impostos e sejam levados a preferir a oferta privada de saúde, de educação e de segurança social

O corte radical no Estado Social não pode comprometer um futuro regresso de um partido social-democrata ao poder?
Sem dúvida e é em parte por isso que parte da direita se distancia com tanta indignação do governo. Não ponho em causa o genuíno desacordo com o governo, como referi acima, mas estou convencido que o distanciamento tem também a ver com cálculo político. As supostas plataformas pós-troika são, de facto, plataformas pós-Passos Coelho. Mas o futuro regresso do partido social-democrata depende sobretudo das forças de esquerdas e estas (sobretudo o PS) nada estão a fazer para que esse regresso seja muito dilatado no tempo.

Teme que Portugal se esteja a transformar num país sem perspectivas de futuro para os seus atidos e que esteja a hipotecar o seu futuro?
Se este governo continuar no poder e continuar a revelar a mesma cegueira ideológica, o país estará a destruir em poucos anos o que levou décadas a construir, sobretudo no domínio da formação técnica e do sistema nacional de ciência onde se fizeram progressos notáveis nos últimos vinte anos. Os centros de ciência mais dinâmicos do país, os Laboratórios Associados estão a ser vítimas de uma política de suspeição que desarticula as equipas de investigação e leva para a emigração alguns dos melhores. Um exemplo doloroso. Os dois jovens que acabam de ser galardoados com prestigiado prémio da Fundação Gulbenkian para a internacionalização das ciências sociais realizaram os trabalhos em dois Laboratórios Associados (Centro de Estudos Sociais e Instituto de Ciências Sociais) mas ambos já tiveram de ir para o estrangeiro por falta de perspectiva de trabalho entre nós.

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