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Francisco Bugalho, o poeta que pintou a Natureza

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Francisco Bugalho, o poeta que pintou a Natureza

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Maria Júdice Borralho​

Francisco Bugalho, o poeta a quem José Régio chamou o pintor da Natureza, recorre a uma expressiva paleta de sensações com que ilustra a Natureza, transcendendo os sentidos pela sua faculdade de sonhar, contemplar, cismar e abandonar-se.

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1- A poesia é um domínio singular, onde a Natureza é protagonista e a experiência humana princípio activo. Das percepções sensoriais às ideias mais rarefeitas, atitudes simples de laborar e amar, são sementes de arte para o poeta, por cuja compreensão passam os fenómenos e as forças que os animam. Mas Herbert Read afirma que “tem sido sempre função da arte, dilatar a mente um pouco para além dos limites da compreensão. Essa distância para além, pode ser espiritual ou transcendental, ou simplesmente fantástica, algures tem de passar além dos limites do racional”.

Assim, numa sociedade organizada segundo a racionalidade dos meios, que lugar ocupará a poesia? E como a substância poética contém um universo de valores – estéticos, intelectuais, éticos, ambientais … - que tipo de relação se estabelece entre poeta e leitor?

Francisco Bugalho, a quem José Régio chamou “pintor da Natureza”, encontrou no real um filão de maravilhoso. A Natureza que está na raiz da sua inspiração resplandece na obra deste poeta. Em cada poema percebe-se um movimento circular em torno da realidade, seja uma árvore, serra, fim-de-dia ou dois meninos. O movimento evolui e consuma-se quando, poeta e real, encontram a relação justa. O poema Montado Velho, entre muitos outros, é um exemplo bem significativo.

Começa assim:

Meu triste montado velho
Que paz tem quem te procura
E, em ti, vem achar o espelho
De uma vida sem doçura,
Mas livre de enganos vãos ! …

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Francisco Bugalho terá deambulado pelo labirinto rumorejante das árvores do montado e a par dos equilíbrios de alma, que o poema deixa adivinhar, revitaliza a imaginação. Ora espiritualizando o real, ora concedendo concretismo a fenómenos físicos e psicológicos o poema continua:

Troncos rugosos, mas sãos,
Ásperos, sim, mas generosos,
Todos, na desgraça, irmãos,
Dos maus Invernos ventosos
E dos verões, sem pinga d’água.

Montado, que estranha mágua
Te confrange e te redime !
A tua visão afago-a .
És bom cenário pra um crime …
E pra milagres também.

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O Poeta passa depois a informar o montado da existência de outros espaços, com outras cores e brilhos e outros sons.

Montado, além, mais pra além,
Há céus azuis e há searas.
E brandas águas que têm
O brilho de pedras raras,
E não há só solidão ! …​

Solidão que experimenta quem está domiciliado num mundo à parte? Os atractivos enumerados, não seduzem o poeta, que permanece com o montado. Realiza-se a unidade entre ambos.

Mas essa tua canção
- solução d’alma que anseia –
Também a meu coração,
Furtivamente se enleia.
E aqui me fico contigo.

Sem ternura, nem doçura;
Mas longe do mundo vão,
- Meu velho montado amigo ! …​

É sempre preciso um poeta. Ele conduz-nos a um mundo mais vasto, mais ardente, mais belo, onde as dissonâncias se resolvem em harmonias.

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Fotografias de José Romão​

2- Em 1960 José Régio escrevia assim: “Pela simples vivacidade dos sentidos, ainda Francisco Bugalho não seria o poeta que é; sendo já, sem nenhum desperdício de palavras, um belo pintor da Natureza … Os conhecidos sentidos … multiplica-os, transcende-os o poeta pela sua faculdade de sonhar, contemplar, cismar, abandonar-se. Eis que a sua comunicação com a Natureza vai muito além, assim, do primeiro contacto e penetra-a até aos seios do mistério …”. E é destas faculdades de “sonhar”, “contemplar” e de “cismar”, referidas por José Régio que nasce a obra do poeta, a importância do seu pensamento.

Se cada arte tem o seu próprio público, cujo comportamento e pensamento influencia, que acção escreverá a poesia ?

Diz-se que a poesia proporciona prazer. Porém, não existe só, para que os leitores alcancem a plenitude dos bem aventurados.

Na obra de Francisco Bugalho, o tema da relação entre os seres, aparece em diversos poemas. Num tempo em que os abusos inflingidos sobre a fauna e a flora são frequentes e por vezes irreparáveis, é útil conhecer outras formas de relacionamento. O poema Humildade demonstra que a vida quer esteja no Homem, nos animais, ou nas plantas é sempre a vida.

HUMILDADE

As águas beijei,
As nuvens olhei,
As árvores cantei,
Na sua beleza.

Os bichos amei,
Na sua bruteza,
Na sua pureza,
De forças sem lei.

E porque os amei
E os acompanhei,
Não me senti Rei
Na Mãe-Natureza.

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Através de diversos encaminhamentos, e a poesia será um dos caminhos, nasce o desejo de estabelecer um modo melhor de regulamento, das relações entre o Homem e o meio natural.

Francisco Bugalho, o poeta “pintor da Natureza” terá vivido na perspectiva da eternidade. O poema A uma Árvore, celebra o triunfo da vida. Uma árvore que o poeta plantou, acompanha o ritmo das estações, regenera-se ciclicamente, ouve os sonhos dos filhos do poeta e eterniza-o.

A UMA ÁRVORE

Árvore
Quando eu morrer hás-de ficar.
Hás-de ver o passar doutras Estações.
Hás-de ouvir as canções
De uns outros ninhos, noutras Primaveras.
Junto de ti, meu filho há-de sonhar
Minhas antigas, fúlgidas quimeras.

Árvore
Quando eu morrer, hás-de falar
De mim, que te plantei.
E, em cada ramo novo que brotar,
Serás um gesto meu a perdurar:

- Por ti, não morrerei …​

Além do mais, a obra que Francisco Bugalho deixou, é algo de si mesmo, que está vivo.


- Bugalho, F. (1998). Poesia. 2ª edição. Editora LG, Lisboa.

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