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O fadário português

Pelintra

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Por Baptista-Bastos

VÍTOR GASPAR foi embora compulsivamente. Era preciso ter um espírito coriáceo incomum para aguentar o que aguentou. Um cerco infernal de insultos, execrações, vitupérios rodeou uma actuação cuja doutrina em que se escorava era tão absurda como apavorante: tínhamos de rastejar na miséria, no empobrecimento e na dor, para renascer, como a Fénix, na felicidade e na fortuna. Não digam que o não disseram: Passos Coelho alertou-nos, com a convicção de um fanático e a obstinação de um anacoreta.
A história destes dois anos é um fadário. A intrusão de modelos estrangeiros suscita, inicialmente, rejeição e repulsa, mas, progressivamente, acabam por ser admitidos com resignação. Pensavam eles. O tiro saiu pela culatra. Nunca Portugal se tinha levantado em massa como o fez. No armorial das nossas indignações aprendemos a conhecer o poder de que dispúnhamos.
Mas há o inevitável cansaço, insidioso, viscoso e denso. Passámos demasiado tempo num tempo semelhante. Foi ontem, foi muito longe. A memória faz emergir coisas excessivamente dolorosas. É preciso não esquecer que morreu muita gente, punida pela razão singela de querer ser livre. Um dos mais belos livros que fala dos dias claros, Alvorada em Abril, do Otelo, ilumina, ainda hoje, muitos de nós, para essa construção justa, de coragens insólitas e exaltações grandiosas. O festim foi curto. "Qual é a tua, ó meu/ Andares a dizer/ Quem manda aqui sou eu..." Rematou a marcha de José Mário Branco, melancólica por já não podermos pertencer e defender a cultura do interdito. A sociedade fora chamada pelas classes dominantes, acordadas do susto e recompostas para julgar e castigar o nosso modesto grito de subversão. Desde aí, sobrenadamos nesta impossibilidade trágica de ser felizes. Pedro Passos Coelho resulta de um desenraizar dos ensinamentos e dos padrões com os quais vivemos. Não sabe, nunca soube, por impreparação e alarmante incultura, que abria a caixa de Pandora. Vítor Gaspar representou-se-lhe como uma espécie de guru, ainda não totalmente riscado da nossa tragédia. Extirpar o desígnio maléfico do programa imposto vai levar décadas. A pouca atenção dada aos excluídos e a indiferença moral que nos foi inculcada não é um plano recente: nasceu há muitos anos e foi cuidadosamente apensa a uma ideologia.
Gaspar, tão elogiosamente referido pelo fatal Catroga e pelo inexcedível Beleza, deixou sementes do ódio. A senhora que o substituiu não poderá proceder à reforma deste pensamento e muito menos à inversão da sua acção, pela impossibilidade que a dinâmica dos factos impõe. Trocar alguém ou um governo por outro alguém não é factor tributário de "mudança". Talvez melhore, mas não resolve. Está por fazer a narrativa do que nos tem sido ocultado, e a releitura crítica destes dois últimos anos de vassalagem de um Governo a outro. Gaspar foi embora ou não?
(Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico)
«DN» de 3 Jul 13
 
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