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Cão só

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Os cães sofrem quando ficam sós. Uns mais do que outros, tudo dependendo da maior ou menor habituação a ficarem sozinhos desde tenra idade.

Existe uma relação muito directa entre o dispensar afecto ao cão e a vulnerabilidade de ele sofrer com a ausência do dono. Quanto mais mimos o cão receber mais ele sofre durante a solidão.

Deixar o cão só durante horas sem ele ter sido habituado constitui uma violência. Normalmente manifesta-se a ganir ou a chorar. É um sofrimento que não tem compensação possível, por muitos mimos que receba quando o dono chegar a casa.

Cada vez há mais cães “abandonados” em casa. Mas as actividades profissionais do dono não se compadecem com isso e a solidão do cão já é tida como natural: “Que remédio, ele habitua-se”...
 
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O cão na província

O “cão de companhia” é um produto urbano, mais especialmente das grandes cidades. Na província este conceito não faz qualquer sentido. No interior do país o cão é um ser útil como a vaca ou o burro. Também é um “animal de estimação”, conceito este, contudo, diferente do de “animal de companhia”. O cão é útil ou para ir à caça ou para guardar a casa. E termina aqui a justificação de o adoptar, a não ser em casos muito especiais e raros em que determinados cães desempenham tarefas específicas, como guarda de rebanhos, condução de cegos, etc.

Na província a relação dono/cão é muito mais distante do que na cidade. O cão normalmente não tem autorização para entrar dentro de casa. Fica no jardim ou no quintal, normalmente solto ou, em casos mais raros, preso com uma corrente. De noite dorme numa casota.

O cão não é um membro da família, como na cidade. Ocupa a sua posição na “matilha humana” como último elemento da hieraquia familiar, mas ao dono repugna-lhe reconhecer sequer esse estatuto. “Cão é cão”, expressão típica desta cultura da província.

Contudo, em muitas circunstâncias, o cão da província é mais feliz. É mais cão. Nos casos em que anda solto pela quinta ou mesmo em espaços exteriores mais reduzidos, tendo sempre por perto o dono ou outros elementos da família, ele realiza-se mais como cão que na realidade é.

O cão na cidade

Nas cidades as pessoas vivem alienadas. Andam numa lufa-lufa diária, sistematicamente em filas paradas de trânsito ou a vociferar umas com as outras por causa das ultrapassagens. Às vezes almoçam de pé e à pressa e como se tal não bastasse, ao fim do dia vão enfiar-se nuns caixotes empilhados uns nos outros a que chamam apartamentos. E até julgam que são felizes.

Vivem só. Cumprimentam os vizinhos quando por acaso os encontram no elevador, fecham-se em casa e vêem televisão com o cão ao lado.

É que de facto, no meio de tudo isto, está o cão. O cão também é uma vítima deste modo verdadeiramente esquisito de viver.

Como o espaço é exíguo, compartilha os mesmos espaços e cria-se uma enorme cumplicidade entre o bicho e as pessoas. Cumplicidade, intimidade e promiscuidade.

O animal de estimação ganha facilmente um estatuto especial de membro da família e se não for devidamente educado até se torna o líder.

A humanização

A tendência de humanização do cão nestas circunstâncias constitui uma armadilha. Para além dos condicionalismos de espaço, existe um outro factor de aproximação doentia na relação pessoas/cão, que é a desconcertante, profunda e sem limites dedicação do cão em relação aos elementos da família. “Quanto mais conheço as pessoas mais gosto dos animais”. Este dito popular expressa exactamente esse sentimento.

As pessoas encontram no cão aquilo que NUNCA é presente nos seus semelhantes e isso exerce uma acção complexa nos sentimentos do dono. Este tanto alimenta o seu ego com essas demonstrações de amor sem limites como sente necessidade de lhe retribuir. Mas a retribuição normalmente é envenenada. Toma a forma de gratificação, que não deixa de ser hipócrita.

Uma das formas mais difíceis de respeitar os cães é a de lidar com eles dando-lhes afecto mas nunca perdendo de vista a sua condição. "Humanizar" o cão é, de certa forma, maltratá-lo.
Mas a tendência que as pessoas têm de humanizar os cães é perfeitamente compreensível. Lá porque se tem um grande afecto, amor, paixão pelo cão, então vá de o colocar ao nosso nível.
Há muitas formas de corresponder ao amor e dedicação que o cão tem em relação a nós sem ser necessário tratá-lo como uma pessoa, porque realmente ele o não é e, muito mais importante do que isso, ele não o quer ser. Muito simplesmente quer ser cão e ser tratado como tal.
Mas nem sempre esse tratamento lhe é proporcionado. Quantas e quantas pessoas dizem adorar o seu cão, dormem com ele e sentam-no à mesa, mas deixam-no a ladrar desesperadamente sozinho em casa durante horas seguidas. Depois chegam a casa "pronto meu querido a dona já chegou e vai dar muitos beijinhos ao meu pequenino".
Ora o cão prescinde em absoluto dos beijinhos e das expressões hipócritas do/a dono/a. Aliás, esta gratificação vem fora de tempo. O cão nunca entenderá por que motivo ficou sozinho e não relaciona a essa gratificação como uma compensação.

Mas os inconvenientes da "humanização" não se limitam a este aspecto. Um cão educado como se tratando de uma pessoa pode constituir um perigo. Ele não compreende nem tem obrigação de entender (nós é que somos os racionais, não é?) que determinadas permissividades do dono só podem ou devem atingir certos limites. Isso é exigir demasiado do seu entendimento. E nestas circunstâncias, em muitos casos (tão frequentes) e em situações de conflito, o dono vai castigar o cão por um comportamento que ele próprio fomentou. Aliás, quem deveria ser castigado era o dono...
Humanizar o cão é fácil e é cómodo. Até dá prazer. E alivia a consciência do dono. Mas é, por isso, um gesto de egoísmo. É compensá-lo hipocritamente com coisas supérfluas. E é contraproducente.
Tratar do cão como deve ser é muito mais difícil. Dá trabalho, muito trabalho. É não o deixar só (é complicado, não é?). Tratar do cão é cuidar da sua higiene, da sua saúde, é dar-lhe a atenção que ele merece. E é uma coisa muito mais difícil ainda: é compreendê-lo como cão que ele é sem querer ser mais nada do que isso.
Eles até nem são exigentes. E dão-nos tanto...
Por isso é que lhes ficamos eternamente gratos.
Por isso é que tendencial e estupidamente os humanizamos.
Disto eles acabam por ser as vítimas.

Há aqui todavia uma situação ambígua. Ao cão não desagrada o mimo, a guloseima, a demonstração efusiva de carinho, o dormir na cama do dono e por aí fora. Ao dono é que compete dosear esses actos de carinho e proporcioná-las nas alturas certas.

Como evitar o sofrimento?


Se o cão não foi habituado a ficar só desde cedo com poucos meses de idade, dificilmente tolerará a ausência do dono. É um a ilusão admitir que o cão se habituará com o tempo.

Há contudo alguns princípios ou artimanhas que poderão minimizar esse sofrimento e aliviar um pouco o stress do cão.

1º Durante algum tempo efectuar frequentes saídas de curta duração, deixando o cão só por períodos de tempo que gradualmente se vão aumentando, por forma que o cão tome essas saídas do dono e respectivas ausências naturais e rotineiras.

Esta acção deve ser feita propositada e pacientemente, com muita atenção ao grau de tolerância do cão à medida que se vai espaçando e aumentando o tempo da ausência.

2º Ao sair de casa não exteriorizar de forma exuberante a despedida. Dizer um seco “já venho” ou “até logo” da forma mais natural possível. O mesmo à chegada. Nunca, mas nunca demonstrar grandes sinais de afecto em resposta ao acolhimento naturalmente efusivo do cão. Por muito que custe.

O motivo é simples. Se o dono exteriorizar uma grande alegria à chegada, o cão regista esse estado do dono e da próxima vez que ficar sozinho vai desenvolver um estado de ansiedade muito grande à espera do tão desejado momento da sua chegada.

Por este motivo, nunca se deve gratificar o cão seja com mimos ou com quaisquer presentes ou guloseimas. Os mimos do dono deverão ir sendo dados gradualmente, de modo que o cão os não relacione com a sua chegada.

3º Quando as ausências já forem de maior duração, é suposto que um rádio ou um televisor ligados poderão atenuar a solidão, devido ao ruído de certa forma familiar e habitual de quando o dono está presente.

4º Uma forma de atenuar o sofrimento da solidão consiste em adoptar um segundo cão. Não se entenda contudo que esta solução é radical. A falta do dono está sempre presente e os cuidados descritos atrás devem ser sempre tomados em consideração, mesmo com dois ou mais cães.

O cachorro

O ideal é habituar o cão logo a partir dos primeiros dias quando ele tem poucos meses de idade. O processo a usar não difere muito do descrito atrás. Contudo, tratando-se de um cachorro, é necessário ter cuidados específicos como não deixar objectos susceptíveis de serem roídos ou ingeridos.

Convém deixar-lhe brinquedos apropriados como ossos artificiais de roer, por exemplo. Isto entretem-no por algum tempo e evita que ele se dedique exclusivamente a roer outras coisas.

Solidão no exterior

É um erro pensar-se que o cão se sente mais livre ou que o problema da solidão fica resolvido quando ele permanece no exterior da casa, por exemplo no jardim.

Talvez seja preferível que ele fique no exterior do que fechado entre quatro paredes, mas o sofrimento da solidão mantém-se. O cão tem necessidade de explorar e marcar outros territórios, de cheirar outros aromas, de caçar mesmo que seja o impossível. Precisa de liberdade. Nem que seja por pouco tempo. Mesmo ao ar livre ele cria a sensação de prisão e isso causa-lhe ansiedade e sofrimento.
 
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