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Descubra as diferenças (que não existem) entre Bush e Obama

p.rodrigues

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Há quem diga que Obama se aproximou de Bush, que tanto criticou pela política externa e pela guerra do Iraque. Outros refutam

Desde que a administração de Barack Obama anunciou ter provas de que o regime de Bashar al-Assad usou armas químicas contra a população síria - e que por isso vai intervir no país -, a quantidade de artigos a compará-lo com o antecessor republicano e a traçar paralelismos entre essa intervenção e a guerra do Iraque multiplicaram-se.

À semelhança de George W. Bush, Obama decidiu unilateralmente uma intervenção militar contra o regime sírio. À semelhança de Bush, pretende agir com ou sem o apoio do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Também como Bush - que acusou Saddam Hussein de ter armas de destruição em massa para atacar o Iraque sem provas concretas - Obama parece não querer esperar pelos resultados da investigação da ONU que está a tentar apurar a autoria do ataque químico de 21 de Agosto a um subúrbio de Damasco, que fez mais de mil mortos.

Estará Obama, como apontam vários políticos e analistas, a aproximar-se do antecessor que tanto criticou em matéria de política externa? Há quem garanta que sim. Há até antigos membros da administração Bush que não se têm coibido de elogiar o líder democrata perante a sua recente postura face à Síria.

"Apoio o presidente Obama nesta política, só gostava que ele não tivesse sido tão hipócrita na forma como criticou George W. Bush quando este fez as mesmas coisas que ele está a fazer", dizia a semana passada Ari Fleischer, porta-voz da Casa Branca de Bush durante a guerra no Iraque [2003-2011].

Mark Corallo foi ainda mais longe: "Aplaudo em absoluto o presidente Obama por finalmente perceber que os nossos aliados nas Nações Unidas são, nada mais, que um bando de cobardes hesitantes de barrigas amarelas a bebericar o seu Chardonnay", comentou o ex-porta-voz do Departamento de Justiça durante o primeiro mandato de Bush. "E aplaudo-o também por finalmente se fazer homem e perceber que há pessoas más no mundo que, através da sua maldade, despoletam a acção de uma grande superpotência. Portanto yippee-kai-ay, cowboy."

A imagem desde sempre associada a Bush, entre outros motivos pelas suas raízes texanas, tem sido invocada nas críticas a Obama pelo aparente embarque na ideia dos Estados Unidos como "polícia do mundo".

A guerra do Iraque foi o ás falhado do poker geoestratégico de Bush, uma que vendeu com o argumento "moral" das armas de destruição em massa até hoje nunca encontradas. Esse ponto cruza-se com a questão da autoria do ataque químico, com muitos a colocarem a hipótese de terem sido os rebeldes a levá-lo a cabo, e não o regime, o argumento "moral" de Obama para a intervenção.

"É claramente estranho que Assad vá provocar uma intervenção armada dos EUA numa altura em que está a ganhar, sabendo que tal ia acontecer se passasse a 'linha vermelha' que Obama delineou", diz ao i o general Loureiro dos Santos. "Há uma aproximação nítida a Bush no sentido em que Obama está decidido a lançar um ataque, independentemente do Conselho de Segurança, o que se traduz num crime de agressão armada de acordo com a lei internacional."

"Mas", continua, "também é perceptível que Obama não queria envolver--se na Síria e que usou a expressão 'linha vermelha' como refúgio. Só que a partir do momento em que a usou cometeu um erro. Nunca se faz isto em política externa, nunca se apresenta um factor inegociável, tudo tem de ser negociável. E agora, confrontado com essa linha vermelha, promete um acto limitado, meramente punitivo. Se o Congresso aprovar essa proposta, vai apoiar um presidente fraco."

Loureiro dos Santos não está sozinho na comparação possível entre Obama e Bush, ainda que outros apontem o dedo ao sistema instituído como real força motriz desta questão. "Bush e Obama", sublinha Manuel Alegre ao i, "são presidentes muito diferentes: Obama fez campanha contra a guerra do Iraque e está a agir contrariado em relação à Síria, Bush queria guerra a todo o custo. Há que lembrar que há um lóbi nos EUA a quem a guerra é necessária. O lóbi ligado à economia militar, digamos assim."

Para Bernardo Pires de Lima, "há muito mais linhas de continuidade do que de ruptura em termos de política externa norte-americana de uma administração para a outra. O presidente eleito nos EUA é sempre herdeiro dos sucessos e fracassos do antecessor".

Posto isto, o analista ressalva que "o contexto [sírio] é diferente do da guerra do Iraque". "Tenho a certeza que se Obama voltasse a Agosto de 2012 [quando referiu a linha vermelha] não teria dito o mesmo, mas estava em plena campanha eleitoral e tinha de responder à tentativa republicana de revitalizar a estratégia de Bush para o Médio Oriente."

Medeiros Ferreira é peremptório a apontar diferenças, sublinhando de forma contundente que não há paralelismos entre Obama e Bush. "A haver alguma aproximação será a Bill Clinton na acção cirúrgica, sem botas no terreno, que fez no Kosovo", refere. "Há aqui um emaranhado de situações mais complexas do que no caso do Iraque, desta vez parece haver mais opositores que apoiantes e não me parece que Obama vá decidir-se por uma guerra continuada, no terreno."

Sobre as possíveis semelhanças, Pires de Lima acrescenta que Obama estará mais perto de George H. W. Bush. "Como Bush pai, ele conhece os limites e os erros dos EUA no mundo e tem uma percepção mais alargada das relações internacionais, coisa que Bush filho não conhecia."

Diferenças Há, de facto, diferenças a apontar entre os dois cenários. Como sublinha Loureiro dos Santos, "Bush levou o assunto ao Conselho de Segurança, teve toda a força do Congresso e todo o apoio da população norte-americana". O mesmo não se passa no caso sírio, com uma sondagem da TNS Opinions (cujos resultados serão divulgados na íntegra a 18 de Setembro) a mostrar que a maioria dos americanos (62%), bem como dos europeus (72%) e turcos (79%), são contra esta intervenção militar.

"No caso do Iraque", aponta Pires de Lima, "Bush foi onde pôde e conseguiu uma resolução a partir de um texto ambíguo para alterar o regime, texto aliás apresentado por [Bill] Clinton em 1998. A interpretação desse texto deu aval à mudança de regime. Reino Unido, França, Rússia e Alemanha deram apoio. Mas não há hoje sequer palco para uma resolução. Para além disso, Bush tinha o contexto imediatamente proporcionado pelo 11 de Setembro, um que Obama não tem. Em 2001, o Congresso e a população americana tinham mais abertura para aceitar acções punitivas dos EUA no exterior. Hoje não há campo político nem esse contexto de resposta."

Em matéria de apoios, há outra diferença importante a apontar. Se perante os ataques terroristas de 2001, os tradicionais aliados dos EUA embarcaram na guerra do Iraque, Obama foi agora apanhado de surpresa por um dos mais relevantes: o Reino Unido.

"É o verdadeiro sinal de divergência dos últimos 60 anos na política externa britânica", continua o analista de política internacional. "Desde o pós-II Guerra que o Reino Unido mantém uma relação especial com os EUA, mas o que aconteceu [o parlamento britânico votar contra o apoio à intervenção] marca um momento crítico. Cameron está não só num divórcio com a União Europeia, como agora, fruto da votação parlamentar, fica com uma relação afastada dos EUA. A questão agora é se França pode ocupar esse lugar. Eu acho que não. E ainda temos de ver se [François] Hollande não vai ficar refém de uma votação semelhante no parlamento francês..."

"O Congresso americano", acrescenta Medeiros Ferreira, "como os parlamentos europeus, estão escaldados com as operações militares da anterior administração. Não há o à-vontade que existia antes da invasão do Iraque". Os ministros da Defesa da União Europeia reconheceram ontem, num encontro na Lituânia, que há "numerosos indícios" de que foi Assad o responsável pelo ataque químico - o que não invalida os indícios de que a Europa como um todo não vai apoiar Obama como apoiou Bush.

"É óbvio que há uma grande pressão sobre Obama. Tem tido uma posição moderada, mas está a enfrentar uma indigência política dos líderes europeus", defende Manuel Alegre. "Cameron claramente não conhece a Magna Carta. Mais patético é o presidente François Hollande, que citou várias vezes um fundador do Socialismo francês em discursos, um que foi morto por se opor à guerra, e agora alinha nesta intervenção."

"Não vamos para a guerra!" Nem todos os antigos membros da administração Bush apoiam o plano de intervenção de Obama. A começar pelo dinossauro político Donald Rumsfeld, líder do Pentágono à data da invasão do Iraque. "Na realidade não houve qualquer indicação desta administração de qual possa ser o interesse nacional nesta situação em particular", disse o ex-secretário de Defesa à Fox News na semana passada.

John Negroponte, director dos serviços secretos na era Bush, refere-se ao Iraque como o gato escaldado que esfria o apoio a Obama. "A grande preocupação aqui, para os que trabalharam no Iraque durante a administração Bush, é toda a questão sobre se estamos ou não confiantes nas nossas informações e se temos ou não base suficiente para justificar uma acção", diz. "Fomos ao Conselho de Segurança convencidos de que Saddam tinha armas de destruição em massa. Isso provou-se incorrecto."

O argumento é levantado também por Loureiro dos Santos e sobretudo por Manuel Alegre ao i. "Lembro-me de Durão Barroso ter dito no parlamento que tinha visto provas da existência dessas armas no Iraque, eu estava lá. E depois ninguém as viu..."

No caso sírio, não é tanto a existência e uso de agentes químicos como o gás sarin que está em causa; esse ponto está provado. A grande questão é se terá sido o regime a usá-los, como alega Obama, ou um dos vários grupos rebeldes que desde 2011 lutam para derrubar Assad.

É aqui que Loureiro dos Santos mais aponta críticas ao presidente norte-americano. Para o general, Obama pecou por não ter acompanhado de perto a revolta síria. "O Ocidente e a Liga Árabe resolveram enfraquecer o Irão promovendo a insurreição na Síria, só que os EUA não actuaram nessa lógica, hesitaram nos apoios no terreno. E assim a Arábia Saudita e o Qatar acabaram a apoiar todos [os rebeldes], até os jihadistas. E agora, como diz um soldado americano numa foto que anda nas redes sociais, os EUA vão estar a lutar ao lado da Al-Qaeda. Os EUA falharam, deviam ter sido coerentes e consequentes. Se tivessem apoiado os rebeldes do lado do Ocidente, a Arábia Saudita e o Qatar não teriam apoiado os jihadistas."

Para Alegre, a questão dos rebeldes é o calcanhar de Aquiles sírio e, por consequência, norte-americano. "O problema político da Síria é: o que é a oposição? Assad é um ditador que cometeu crimes, sem dúvida. Sou absolutamente contra o regime de Bashar al-Assad, mas quem vem a seguir a ele? A Al-Qaeda? E o que é que o bombardeamento vai resolver? Temos um Obama armado em guerreiro, mas a enfrentar grandes dificuldades internas, a falar numa operação cirúrgica. Mas não há operações cirúrgicas. Uma pequena cirurgia depressa se transforma numa grande. Vimos o que aconteceu no Iraque. E as consequências na Síria são mais complicadas do que eram no Iraque."

geoEstratégia Depois de Obama prometer uma intervenção "limitada e cirúrgica", ontem media americanos diziam que o presidente decidiu alargar o espectro da acção militar. Segundo o "New York Times" e a revista "Time", "o Pentágono está aparentemente a alargar a lista de potenciais alvos na Síria após receber informações de que o presidente Assad está a mover tropas e equipamentos usados em ataques químicos".

Na última semana vários membros da administração deram garantias de quenão pretendem iniciar uma guerra, na tentativa de angariar o máximo de apoios dos dois lados da barricada política (democratas e republicanos).

Obama tem garantido sempre que a intervenção não vai passar por colocar tropas no terreno (outra diferença em relação ao Iraque). E há alguns dias, o seu grande mandatário para esta intervenção, o secretário de Estado John Kerry, garantiu numa entrevista à MSNBC: "Nós não vamos para a guerra!"

A maioria tem dúvidas, seja pela forma e conteúdo da proposta da administração, seja pelo passado recente: as intervenções no Iraque (já concluída) e no Afeganistão (ainda em marcha). Ontem, num artigo pouco abonatório para Kerry, a "Salon" referia que a política que o secretário de Estado está a vender parece ser insustentável: "Um ataque militar eficaz o suficiente para impedir Assad de voltar a usar armas químicas, mas não o suficiente para fazer pender a balança do poder para o lado dos rebeldes." Isto é, aponta o mesmo artigo, "o equivalente militar a um unicórnio, uma ideia na qual ninguém parece acreditar".

A isto juntam-se as forças poderosas pró-Assad deste tabuleiro. Como refere Bernardo Pires de Lima, hoje não há, como na altura da invasão do Iraque, espaço para consenso no Conselho de Segurança, onde a Rússia e a China têm usado o seu poder de veto para não abandonarem o aliado estratégico sírio.

"Se esta acção cirúrgica passar a uma guerra continuada", diz Medeiros Ferreira, sublinhando que não acredita nessa possibilidade, "as relações dos EUA com o parceiro estratégico que é a Rússia vão deteriorar-se. E a Rússia não abandonará o aliado sírio só por causa de fotografias... Vai precisar de ser convencida."

No início da semana, o governo de Vladimir Putin alterou a sua posição, dizendo agora que apoiará a intervenção se a ONU provar que foi Assad a usar armas químicas. "É uma acção hábil", avalia o general Loureiro dos Santos. "O apoio russo à Síria vem do passado, desde o regime do pai do actual presidente sírio [Hafez al-Assad], quando este massacrou, com apoio russo, centenas de milhares de sírios em revolta. Mas agora teme perder as ligações estratégicas que o Mediterrâneo proporciona", entre elas o facto de albergar a única base militar que mantém fora do seu território desde a dissolução da URSS.

Mas se as tensões entre EUA e Rússia têm aumentado nos últimos meses, o mesmo não se tem observado nas relações com a China. "Obama sabe que tem de se coordenar com potências emergentes e, como a China, tem adoptado em relação ao Médio Oriente e Norte de África [com a Primavera Árabe] uma postura de gestão à distância, por ter em conta, como a China, a sua grande imprevisibilidade", argumenta Pires de Lima. Tal tem acontecido, continua, porque "EUA e China querem manter a circulação comercial e evitar picos energéticos com uma intervenção militar."

Ontem, o "Politico" explicava que essas diferenças de tratamento são "mera realpolitik". "Ao passo que a nossa relação com a Rússia é importante mas não a mais importante no novo mundo global", explicou ao site Orville Schell, da Sociedade Ásia, "concluímos em relação à China que, independentemente do que pensemos da sua forma de governação, temos de estar ligados. É essa posição que leva a este tratamento diferenciado" entre Moscovo e Pequim.

A juntar a isto, o grande factor que distingue em absoluto a Síria do Iraque: Assad tem o apoio incondicional do Irão e do Hezbollah do Líbano, num eixo que conta ainda com o Hamas em Gaza - o que faz com que qualquer acção militar contra a Síria represente um risco com consequências perigosas impossíveis de calcular, a começar por uma provável guerra regional.

"Obama acredita nesta acção cirúrgica também porque acredita que chegou o momento de emitir um sinal ao regime [sírio] e ao Irão de que vai combater o uso de armas químicas e nucleares e a sua proliferação na região", diz Pires de Lima. Manuel Alegre sublinha, por sua vez, que as demonstrações de força "muitas vezes são só demonstrações de insegurança e fraqueza".

Ontem, Harry Reid, líder do Senado (maioria democrata), apresentou formalmente uma resolução de apoio à proposta de Obama, a ser votada para a semana. Mesmo que a câmara baixa do Congresso a aprove, Obama vai ter de enfrentar a Câmara dos Representantes, de maioria republicana, cuja votação é a grande incógnita neste momento.

A centenas de quilómetros de distância, em Sampetersburgo, a cúpula do G20 terminou com uma clara divisão em relação à Síria, com apenas 11 das 20 grandes potências mundiais a assinarem um documento a condenar o uso de armas químicas. Obama anunciou entretanto que vai fazer um discurso à nação sobre o assunto na próxima terça. A votação na Câmara acontece no dia seguinte, nos 12 anos do 11 de Setembro.

Fonte: Jornal I
 
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