• Olá Visitante, se gosta do forum e pretende contribuir com um donativo para auxiliar nos encargos financeiros inerentes ao alojamento desta plataforma, pode encontrar mais informações sobre os várias formas disponíveis para o fazer no seguinte tópico: leia mais... O seu contributo é importante! Obrigado.

Viver com pensões de 300 euros

florindo

Administrator
Team GForum
Entrou
Out 11, 2006
Mensagens
38,987
Gostos Recebidos
347
ng1467359_435x290.jpg


Viver com pensões de 300 euros

Maria Augusta (na foto), Ana e Conceição (em baixo) reformaram-se por razões de saúde e vivem as pensões mais baixas da Segurança Social
Dois milhões de portugueses têm reformas inferiores a 364 euros. Racionam os remédios e há alturas em que têm de escolher: a saúde ou a comida. Muitos ainda ajudam os filhos desempregados.

ng1467361_363x435.jpg


Por sofrer de graves problemas nos intestinos, Ana Vitorino, de 79 anos, tem de tomar um pó que a farmácia da sua residência manda vir do estrangeiro. Devia consumir um pacote por dia, mas para poupar divide-o ao meio e dá-lhe para dois dias. E assim consegue que a embalagem que compra por 15 euros chegue a durar um mês e meio. Racionar alguns medicamentos é um dos métodos que Ana usa para sobreviver, pois está entre os dois milhões de portugueses que, segundo a Segurança Social, recebem menos de 364 euros de reforma por mês.
No seu caso ainda conta com bastante menos. “Pode ver”, diz, mostrando o recibo do IRS, que guarda embrulhado num pano azul escuro. “Até tenho vergonha”, desabafa, referindo-se aos 259,36 euros da sua pensão. Reformou-se aos 50 anos devido a problemas de saúde, mas sempre deu no duro. “Fui empregada doméstica e trabalhei muito, não falhava nem sábados nem domingos”, conta Ana, que só muito recentemente descobriu que, por a sua reforma ser tão baixa (4.733 euros por ano), pode beneficiar do Complemento Solidário de Idoso - uma ajuda financeira mensal para os que têm rendimentos anuais inferiores a 4.909 euros e que desde 2008 também se destina a pessoas com mais de 65 anos (em 2007, foi para maiores de 70 e em 2006 só para os com mais de 80).
“Entreguei agora os papéis na Segurança Social”, revela, satisfeita por imaginar que em breve poderá ter mais alguns euros que prometem aligeirar a sua ginástica financeira. Só nas contas da água, luz e telefone vai parte do orçamento. “E às vezes, na farmácia, ainda gasto duas notas de vinte e uma de dez”, explica, lembrando que ainda tem de pagar a comida - que se resume a sopa e, algumas vezes, bacalhau.
“Há anos que é raro comprar algo para mim”, recorda. O kispo que traz vestido foi dado por familiares que “vivem longe, na terra”. O que lhe vale é que a casa onde reside, em Lisboa, no Beato, é sua - pois comprou-a há 40 anos com ajuda de um familiar a quem foi pagando. Como a família está longe, tem de viver sozinha.
Uma solidão que, segundo os Census de 2011, afecta 400 mil idosos, sendo Lisboa uma das regiões com maior percentagem de pessoas mais velhas a viver sozinhas (22%), seguida do Alentejo (22%).
O que tem minorado a solidão de Ana é o projecto da Associação Médicos do Mundo, que lhe permite conviver com outras pessoas do bairro e fazer ginástica com uma fisioterapeuta (ver texto em baixo).
E o facto de nunca ter casado nem ter descendência acaba por poupá-la de viver um drama que está a ser partilhado por muitas das suas amigas, que têm reformas semelhantes e não sabem como ajudar os filhos desempregados.

O gosto de ajudar os filhos

Conceição, de 72 anos, recebe 303,34 euros de reforma, e parte vai para a filha desempregada, de 50 anos, e a neta, de 20 e poucos, que acabou o curso mas não consegue trabalho.
Esta costureira não tem tido uma vida fácil desde que ficou viúva, há quase 40 anos, com uma filha pequena. “Todos os dias, há 38 anos, escrevo numa agenda o que gasto. A meio do mês, faço contas para ver o que ainda posso gastar. Há coisas que têm de ficar para o mês seguinte”, afirma, explicando que, além da reforma, recebe a pensão de viuvez, de 152 euros. Mas tudo junto não chega para as despesas.
Vive numa casa situada numa subcave sem janelas, onde cai chuva na zona onde tem a máquina de costura, o frigorífico e uma mesa de refeições. Paga 40 euros de renda, mais água, luz, gás e comida, sem contar com os custos que tem com a saúde. Por causa dos cancros que sofreu - na língua e no pescoço - tem uma série de problemas que todos os meses lhe pesam no bolso. “No IPO, onde as pessoas são maravilhosas, não pago nada. Mas depois há muita coisa que preciso e não é comparticipada”, diz falando do gel (seis euros) e das gotas (oito euros por frasco) que põe nos olhos “por ter ficado sem lágrimas, devido à radioterapia”. “A isto soma-se os medicamentos para a tiróide, os lorenin, os lexotan e o omeprazol” - descreve, confessando que muitas vezes o que lhe vale são as pequenas ajudas em géneros que recebe das pessoas para quem faz trabalhos de costura “sem levar nada”, como as freiras de um lar. “Quando me dão alguma coisa, guardo e tenho um miminho para a minha filha”.
Apesar das dificuldades, há uma coisa que Conceição está ansiosa por escrever na agenda diária dos seus gastos. “Quero comprar o livro daquele senhor Manuel Forjaz”, diz, referindo-se ao antigo gestor de 50 anos que tem dado várias entrevistas a falar da forma 'feliz' como lida com o cancro que tem no pulmão. “Sou como ele”, garante Conceição, que agora voltou a ir às segundas-feiras ao IPO fazer tratamentos na coluna. “De três em três anos, o cancro diz: 'Olá, estou aqui'“. Mas Conceição não desiste: “Se Deus me deixou viver, vou aproveitar”.
Mais chorosa é Maria Augusta, de 84 anos, que também dá parte da reforma ao filho Armando, que trabalhou na construção civil e está desempregado. “Recebo só 370 euros e quase metade é para pagar a conta que gasto com este aquecedor. Se não, morro de frio”, relata a antiga empregada de pastelaria, embrulhada numa manta e sentada no sofá da sua sala, onde passa horas a fio: não sai à rua por ter colocado uma prótese no joelho e estar dependente de canadianas. “Olhe, vejo novelas”, desabafa.
Com graves problemas cardíacos, Maria Augusta toma muitos medicamentos. Mas conseguiu ser um dos 25 idosos que recebem ajuda do projecto da Médicos do Mundo, patrocinado pela Segurança Social. “Pagam-me os medicamentos e vêm cá a casa ajudar-me. Limpam isto, trocam a cama...”, descreve, aproveitando para contar um dos episódios que mais a marcou nos últimos anos. “Andava a sentir-me mal, mas o médico de família nunca me auscultava. Só me dizia: 'O que você tem é velhice e isso não tem cura'“. Pouco depois da última consulta, foi internada no Hospital Curry Cabral com líquido nos pulmões. “Fiquei revoltada”.
Foram os problemas de saúde que a obrigaram a reformar-se aos 67 anos, recebendo agora mais 99 euros pelo complemento de dependência. Se pudesse, tinha continuado mais tempo a trabalhar como cozinheira: “Ainda faço a minha sopa. Apoio-me nas bancadas da cozinha e deslizo por ali fora”.

Trabalhar sem parar

A muitos quilómetros de distância de Lisboa, a situação dos idosos é idêntica. E muitos, apesar de reformados, continuam a trabalhar.
Manuel, um alentejano de 73 anos e antigo motorista que se reformou há oito, ainda hoje trabalha como negociante de lenha. Apesar de ser um trabalho duro - e de ter tido um ataque cardíaco há três anos, tendo descoberto que sofre de diabetes - não tem outra opção. Com os 200 euros da reforma da mulher, Maria, ficam com pouco mais de 700 euros por mês.
“Há meses em que tenho de escolher que medicamentos compro, se os meus, se os dele”, explica Maria, esclarecendo que os dois gastam 300 euros por mês só em remédios. “As coisas não estão fáceis. Trabalhámos tanto, a vida inteira, e nunca pensámos chegar à velhice nas condições em que estamos”, desabafa, enquanto o marido aproveita para dizer que não querem é ir para um lar: “Gostamos de viver juntos na nossa casa, à nossa maneira”. Além disso, também têm de ajudar um dos seis filhos que está desempregado e vive com eles.
Os problemas do desemprego dos filhos estão a afectar cada vez mais idosos. Segundo dados de Novembro passado, todos os dias são penhorados 125 mil euros em pensões, parte porque os idosos foram fiadores dos seus descendentes que ficaram desempregados e não pagam as dívidas.
À Associação de Aposentados, Pensionistas e Reformados (APRE) não param, por isso, de chegar situações de desespero, conta a presidente, Maria do Rosário Gama: “Temos um associado que recebe 292 euros de reforma. A Caixa Geral de Aposentações deixou de pagar-lhe durante meses e, quando veio tudo junto, cerca de 4.000 euros, cobraram-lhe o IRS”.

A comida ou os remédios

A grande 'guerra' da associação, agora, é a Contribuição Extraordinária de Solidariedade, que será aplicada a reformas de 1.300 euros, mesmo que resultem de complementos de pensão. “O corte é brutal. Há idosos obrigados a escolher entre o alimento e a medicação”, denuncia a responsável, acrescentando que a APRE vai tentar travar a medida com uma providência cautelar. E deixa um alerta: “Os suicídios em idosos, na Grécia, aumentaram 7% por causa das medidas de austeridade. Não tenho dúvida de que o mesmo está a acontecer cá”.
Os números mostram que Portugal não é neste momento um país fácil para idosos: mais de 90% dos que têm acima de 65 anos recebe menos de 500 euros por mês.
Abílio, de 75 anos, e Maria Teresa, de 74, residem na Nazaré. Os dois acumulam cerca de 700 euros de reforma, 400 dele e 300 dela. “Não chega”, atalha Maria Teresa. Por isso, ainda trabalha na livraria que abriram há 50 anos. O que também é uma ocupação: “Vou-me entretendo”, diz.
Já António, em Castelo Branco, gostaria de parar, se pudesse. Tem 78 anos, começou a aprender o ofício de sapateiro aos 12 e agora, mais de 60 anos depois, mantém aberta a oficina. Tem como reforma cerca de 300 euros e a mulher 200: pouco sobra depois de comprarem os medicamentos, que custam “300 euros, todos os meses”. Mas para ele a crise tem um lado bom, que é levar mais pessoas à sua oficina, pois “têm menos dinheiro para gastar em sapatos novos”.
“Este país não está para velhos”, conclui António, para logo de seguida emendar: “Nem para velhos nem para novos”.

Fonte: SOL
 
Topo