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Pesca recreativa: novas regras permitem ao Estado embolsar milhões

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Pescadores ignoram lei


Pescadores queixam-se de falta de informação
Já todos ouviram alguém comentar que o Governo aprovou novas regras para a prática da pesca lúdica. Quase todos sabem que vão ser obrigados a tirar uma licença de pesca no final do ano, mas poucos estão informados de que a portaria publicada no ‘Diário da República’ já está em vigor – e que as multas previstas já podem ser aplicadas. Questões como os limites de peso na captura de peixe, locais de pesca proibidos e material autorizado são ainda uma completa novidade.



Mário Ferro Mau tem 52 anos, é segurança, mas os tempos livres dedica-os totalmente à pesca, que pratica há mais de 30. Com a cana em riste junto ao Cais de Sodré, em Lisboa, está longe de imaginar que o passatempo lhe podia valer uma multa de 500 euros. Isto porque as regras agora aprovadas impedem que os pescadores se coloquem nas barras, respectivos acessos e embocaduras, nos canais de acesso e na aproximação dos portos, a menos de 100 metros das docas e nos portos de abrigo. Do rol de proibições constam ainda os portos de pesca e as marinas de recreio, as praias concessionadas em época balnear e os locais a menos de 100 metros dos esgotos. Para quem pesca no mar, as novas regras obrigam a um distanciamento da costa que não deve situar-se a menos de 300 metros.

“Ouvi dizer que era preciso licença para a água salgada e que tínhamos de estar a mais de 10 metros uns dos outros, mas não sei nada disso dos locais proibidos”, diz Mário Ferro Mau. A licença já decidiu tirar – não porque tenha medo das multas, mas porque “a pesca é um vício e assim fico mais descansado”.

Os locais proibidos é que lhe causam mais dúvidas: “Se vão proibir a pesca em certos sítios, têm de pôr sinais a alertar”.

Quanto às restrições ao peso do pescado e ao tamanho dos peixes capturados, Mário Ferro Mau é um homem precavido. “Tudo o que não tem medida volta para a água, não estou para arriscar pagar uma quantia enorme por causa de um peixe”, afirma. Tem oito canas em casa, mas evita quaisquer problemas que a fiscalização lhe possa apontar: “Com esta história da nova lei e das multas passo a só trazer duas”.

ARRECADAR DINHEIRO

“Tirar a licença? Ainda é um caso a pensar”, diz José Ferreira, reformado da Função Pública, que se dedica à pesca há mais de dez anos. As regras não conhece, mas o preço das autorizações é algo que o preocupa.

“Há licenças para tudo e um reformado não tem dinheiro, a juntar ao que gastamos em material, para andar a pagar licenças. Isto é só para passar o tempo”, diz com ar indignado. Para José Ferreira, “tudo isto são regras que estão a arranjar para justificar as licenças, mais nada”.

Quanto à possibilidade de ser multado por estar a pescar junto à saída de um esgoto, contra-ataca: “Nós até queremos que a fiscalização aqui venha para nos explicar o que se passa, porque não temos informação nenhuma. Ouve-se uma coisa na rádio, lêem-se umas linhas no jornal, mas não pode ser assim: as leis deviam ser afixadas nos locais onde pescamos, ou pelo menos nas lojas de material de pesca”.

Vítor Silva é o companheiro de pescaria de José. O rosto queimado pelo sol mostra que o passatempo é a sua paixão “desde garoto”. Por isso acha “um absurdo” as regras impostas pelo Governo à pesca desportiva.

“É mais uma maneira de nos fazer umas colectas”, diz sem ponta de dúvida na voz. “Se vissem o peixe que pescamos percebiam que não faz sentido nenhum imporem-nos licenças.”

João Tavares, de 32 anos, tirou o dia para ir com o filho à pesca. Como não é algo que faça com frequência, as novas regras são uma realidade da qual nunca ouviu falar.

MUITOS VÃO DESISTIR

Exactamente por não ser um frequentador assíduo daquelas paragens, João entende que “é um pouco desagradável ter de tirar uma licença para ir tão poucas vezes à pesca”.

De uma coisa nenhum pescador duvida: “As multas e as licenças vão fazer com que muita gente desista de vir à pesca”, lamentam.

O QUE DIZ A LEI

LICENÇA OBRIGATÓRIA

A pesca em águas marítimas não estava sujeita a licença; essa obrigatoriedade apenas existia para a pesca em rios e barragens. A partir de 1 de Janeiro, a autorização passa a ser obrigatória. O preço das licenças é de seis euros anuais ou 15 euros por três anos.

LIMITES DE PESO

Cada pescador pode pescar dez quilos de peixe e dois de crustáceos. Nas embarcações, o limite máximo permitido são 25 quilos por barco. A lei não refere se as embarcações marítimo-turísticas estão sujeitas a estes limites.

LOCALIZAÇÃO

É proibida a pesca nas barras, respectivos acessos e embocaduras, a menos de 100 metros de docas, portos de abrigo, estaleiros e estabelecimentos de aquicultura. Os portos de pesca e marinas de recreio, praias concessionadas durante a época balnear e locais a menos de 100 metros de esgotos também são proibidos.

MULTAS

As multas para quem não cumpre as regras situam-se entre 250 e 2500 euros para pessoas singulares e 25 a 30 mil euros para pessoas colectivas.

DISTÂNCIAS

As novas regras obrigam os pescadores de terra a guardar entre si uma distância mínima de dez metros. Para as embarcações a distância deve situar-se nos 50 metros.

MILHÕES

Há entre 700 mil a um milhão de pescadores desportivos no País. Com o valor cobrado pelas licenças o Estado vai arrecadar cerca de 10,5 milhões de euros. Isto sem contar com os valores absorvidos em multas.

"ESTA LEI NÃO VAI RESOLVER NADA"

Uma semana depois da publicação no ‘Diário da República’ da portaria que regula a actividade dos praticantes de pesca lúdica, muitas são as críticas à iniciativa do Governo, surgindo já algumas falhas apontadas à legislação em vigor.

A Associação Mar Selvagem, criada propositadamente para “defender os pescadores desportivos”, levanta sérias dúvidas à aplicação prática das regras. “Esta lei tem indefinições que vão dar para a Polícia Marítima actuar de qualquer maneira”, diz José Moreira Rato, presidente da associação. No seu entender, esta lei “não vai resolver nada nem acabar com a pesca ilegal, até porque não tem uma única linha que diga como vai ser feito o controlo”.

Quanto à defesa dos recursos naturais, um dos argumentos usados pelo Governo para justificar as medidas aprovadas, Moreira Rato entende que “culpar a pesca lúdica pela delapidação dos recursos é um disparate”. “A pesca desportiva representa 3,8 por cento das capturas a nível nacional e a pesca comercial representa 96,2 por cento, o que corresponde a 209 mil toneladas”, garante.

Pegando no conteúdo da portaria, são várias as falhas apontadas pela Associação Mar Selvagem. “Com o material designado como permitido ficamos sem a possibilidade de praticar uma série de modalidades de pesca desportiva”, explica Moreira Rato, que se dedica especialmente à pesca em embarcações de recreio. Para o pescador, “existem artefactos que são indispensáveis e cujo uso não está previsto na lei”. Por isso, deixa o exemplo: “Quando pescamos um peixe maior, pomos as xalavas, uma espécie de camaroeiro, por baixo do peixe, para o tirar para bordo sem partir a linha, que é muito frágil. É impensável não pescar assim”.

Sobre os limites de peso impostos, a Mar Selvagem defende que “não devia haver limites de captura, até porque não existem dados fiáveis sobre as capturas para se poder estabelecer restrições deste tipo”. José Moreira Rato teme que com este tipo de imposições se criem ainda maiores desequilíbrios nos recursos piscatórios: “No mar começa-se a pescar um peixito pequeno, depois mais dois ou três, mas a certa altura começa a sair e quando os pescadores se aperceberem têm mais de dez quilos no balde. O que vai acontecer é que vão começar a deitar o peixe pequeno fora para trazer os grandes e isso cria desequilíbrio”.

O presidente da Mar Selvagem acredita ainda que “os pescadores de terra só vão começar a perceber as limitações da lei quando lhes começarem a cair em cima as multas”. “Quem se prejudica é quem faz tudo de forma correcta; quem contorna a lei vai continuar a fazê-lo”, diz.

A Mar Selvagem teme ainda que o valor arrecadado com as licenças seja utilizado num fundo de compensação para a pesca comercial, uma ideia lançada em 2001 pelo então secretário de Estado das Pescas, José Apolinário. “Não somos contra o pagamento das licenças, mas queremos que o dinheiro vá para a fiscalização, pois o problema só se resolve com fiscalização, não é impondo leis às pessoas que estão a pescar à linha.”

"É PRECISO DESPOLUIR O DOURO"

Um grupo de pescadores que diariamente costuma encontrar-se junto ao Rio Douro para se dedicar ao seu passatempo favorito, critica a legislação que prevê a obrigatoriedade dos pescadores possuírem licença a partir de 1 de Janeiro.

Mota Pinto, de 60 anos, reformado, afirmou ao CM que não é a pesca que está em causa, é o convívio com os amigos. “Não importa tirar mais ou menos peixe. No meu caso, pescar serve para combater o stress. O que é preciso é penalizar os que pescam pela calada da noite e de forma ilegal.”

Manuel Pinto, de 57 anos, também reformado, vai mais longe. “Os reformados já não têm direito a nada, e agora querem obrigar-nos a pagar uma licença. Por amor de Deus. Se temos de pagar licença para pescar que nos criem condições. Uma delas é despoluir o Douro, porque onde costumamos estar há esgotos a céu aberto.”
Diana Ramos


Fonte: Correio da Manha
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