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Metralhadoras, Natal e Toy. Uma cidade assustada que tenta voltar ao normal

kokas

GF Ouro
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Set 27, 2006
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Após o alerta máximo, Bruxelas ainda tem blindados, militares armados e detetores de metais em hotéis e museus. O DN visitou o bairro de Molenbeek, onde os moradores só pedem uma coisa: normalidade e paz
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Volkan põe a mão debaixo da caixa registadora, puxa de uma faca, coloca-a em riste e diz: "A única arma que tenho é esta. E é para trabalhar. Kalashnikovs tinham os dois que me assaltaram e a polícia nada fez." O comerciante tem uma mercearia no bairro Molenbeek, em Bruxelas, e está irritado porque a polícia "só quer espetáculo, autoridade não tem nenhuma".Doze dias depois de a cidade ter estado em alerta máximo, o bairro onde morava Salah Abdeslam - autor em fuga dos atentados de 13 de novembro em Paris que provocaram a morte a 130 pessoas - tenta voltar ao normal e por isso quase todos os moradores abordados pelo DN respondem: "Tudo normal. Tudo tranquilo."Toda a Bruxelas tenta voltar à normalidade. Os enfeites de Natal convivem com blindados e militares armados em cada esquina, num clima similar a uma zona de guerra. Na feira de Natal, há metade das pessoas do que noutros anos - queixam-se os comerciantes - mas belgas e turistas vão-se habituando.Junto à Grand Place, há cortejos natalícios de confrarias de gomas e na zona de Saint Catherine crianças a andar em carrosséis que parecem saídos de filmes do Tim Burton. Tudo igual a outros anos, exceto, claro, os homens das metralhadoras. Mesmo esses mais natalícios: há duas semanas recusavam fotografias, agora já posam para turistas.Há Natal na Praça de Saint Catherine, quase colada ao bairro de Molenbeek, um viveiro de terroristas. O bairro fica no coração de Bruxelas, a 15 minutos (a pé) da Grand Place. Quem ali mora sofre com toda a suspeição (38% dos moradores são muçulmanos) que se levantou nos últimos tempos. Agora, tentam voltar à normalidade.O responsável do Molenbeek F.C., clube de muçulmanos de uma liga amadora, falava ao DN enquanto arrumava os equipamentos para o jogo da tarde. "Não vos vou dar o meu nome, com estas confusões todas, temos medo. Basta porem que sou dirigente do clube que ajuda a integrar jovens muçulmanos. Mas o que vos posso dizer é que passado é passado. A vida continua", afirmou.O dirigente do clube começou desconfiado, mas lá foi falando com o DN: "Não estamos em guerra, estamos só a viver." E depois até revelou que na Division 2 do campeonato amador o clube joga contra "três equipas portuguesas: o Penalva, o Beira Alta e o Sazounense. Aqui não há guerras nem terroristas, só pessoas".Um dos mais famosos jornalistas franceses, Eric Zemmour, disse no final de novembro que "em vez de bombardear Raqqa [a capital do Estado Islâmico], a França deveria bombardear Molenbeek". Os moradores ficaram chocados.Na esquadra da polícia de Molenbeek, o diretor recusa-se a falar com o DN. "Voltem noutro dia." Nas ruas ainda se nota algum aparato. Um "agente da paz" - uma espécie de segurança do município fardado de roxo e não armado - que supervisiona o mercado daquele bairro (onde também estava a TVE em reportagem) assegura : "Está tudo normal. Tudo calmo. Há polícia, mas também não é assim tanta."Na CEMS, uma associação recreativa do bairro, Camel Kanja confirma a tese: "Está tudo igual". Na esplanada do café, dois clientes são mais hostis: "Aqui ninguém fala francês, muito menos sobre isso. Só falamos em árabe."À mesma hora, dezenas de moradores dirigem-se à mesquita. Só um fiel septuagenário aceita falar com o DN e para dizer: "Tenham cuidado. E digo-vos já: não vão encontrar nada do que procuram.""O Estado é fraco"Quase todos são monossilábicos em Molenbeek. As feridas ainda estão abertas. Só mesmo Volkan, da mercearia Sprl Gurnel, fala mais um pouco. Insiste que "a Bélgica não tem autoridade, o sistema judicial é fraco, é um Estado a brincar. Na Alemanha, quem faz porcaria duas vezes, à segunda é expulso do país. Aqui não. Depois vem aqui a polícia para o bairro e o exército e deixam que a minha loja seja assaltada".Também Fondio, um jovem de 30 anos, muçulmano e morador em Molenbeek, concorda que o "Estado belga é fraco" e não consegue controlar os potenciais terroristas. De todas as regiões belgas, a pior é mesmo a zona da capital: "Na Flandres conseguem ter autoridade, mas aqui não."No Salon Lavoir, uma lavandaria junto a Bruxelas, o emigrante albanês Antonio Laska confirma que "está tudo calmo e normal. Apenas um pouco mais de polícia".Laska explica que nas últimas semanas tem feito o que faz sempre: "casa-trabalho e trabalho-casa". Ou seja: "Vejo muito poucas diferenças no bairro, tirando o aparato todo quando o cercaram."Antonio Laska tem 36 anos e está na Bélgica há quatro. Para o imigrante o ambiente "está melhor" do que há umas semanas quando a polícia sitiou o bairro. Agora, enquanto fuma um cigarro e espera que a roupa acabe de lavar, já dá para brincar um pouco. Num francês esforçado, diz ao DN: "Trabalho com portugueses que moram aqui no bairro. Ensinaram-me a dizer: "És toda boa, cara..." No fim apresentou-se cantando Toy: "Sou Antonio. Como em português. "Chama o António... Chama o António...""Tal como Molenbeek, toda a Bruxelas tenta voltar ao normal. Mas não é fácil. Há um semiestado de sítio. O exército não sai das ruas. Nos hotéis continua a ser tão difícil de entrar como num avião, com revista de malas e detetor de metais. Mas Bruxelas insiste em voltar ao normal.Na feira do Midi - perto do local onde os irmãos Kouachi compraram as Kalashnikovs com que em janeiro atacaram o Charlie Hebdo - um vendedor muçulmano vende uma árvore de Natal a um cristão acompanhado pelo filho. Como uma frase num muro a caminho de Molenbeek, inspirada em Magritte: "Ceci n"est pas une guerre". Em português: "Isto não é uma guerra".

dn

 
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