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Do hipermercado ao título nacional, com Benfica e Sporting a ver

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GF Prata
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Mar 10, 2016
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[h=2]Nelson Cruz, de 39 anos, trocou as voltas aos grandes do atletismo e venceu a prova de Corta-Mato em Açoteias, no domingo. É o primeiro amador em cerca de 30 anos a sagrar-se campeão nacional[/h]



As provas de Corta-Mato já não têm o impacto mediático que chegaram a dispor nos anos 80 e 90, mas a edição do Campeonato Nacional que se realizou no último domingo, na pista das Açoteias, teve um maior foco do que tem sido habitual por dois motivos, essencialmente: o engano de Sara Moreira que lhe custou o título, mas também a enorme surpresa com a vitória de Nelson Cruz na prova masculina.
Quem é Nelson Cruz? Pois, essa é a questão que muita gente, sobretudo as menos conhecedoras da modalidade, anda a fazer por estes dias. Trata-se, porém, de um atleta com praticamente 20 anos de carreira, mas que nunca foi profissional e, também, nunca tinha conseguido resultados de grande destaque, embora o potencial lhe seja reconhecido.
No domingo, depois de sair do trabalho, num hipermercado de Almada, já depois da meia noite, entrou no autocarro que a Câmara Municipal colocou à disposição do Clube Pedro Pessoa, onde compete, às 6 horas da manhã. Às 14h começou a correr no traçado do mítico Crosse das Amendoeiras e, precisamente, 30 minutos e 44 segundos depois, cortava a meta antes de toda a gente.
Uma enorme surpresa. Para todos, incluindo o próprio Nelson Cruz. O Maisfutebol interrompeu por minutos o seu segundo treino diário para o conhecer melhor.
«Ambicionava o top-10 porque nunca tinha conseguido. Esta foi a 12ª ou 13ª vez que participei no Nacional de Corta-mato e o melhor resultado que tinha conseguido foi o 13º lugar do ano passado. Portanto ia para tentar um lugar entre os dez primeiros. Sabia que ia ser uma tarefa difícil. Arrisquei cedo, isolei-me mas fiquei sempre à espera que me viessem alcançar. Tentei, até, correr mais à vontade, sem forçar muito para que quando fosse alcançado pudesse tentar ficar no grupo e conseguir o tal lugar nos dez primeiros. Com isso poupei forças e eles tardavam em apanhar-me», descreve.
Seguiu assim até à última volta. «Aí senti-me ainda com muita força e dei tudo», conta, destacando ainda o apoio do público que o ajudou a ir buscar energia extra, para conseguir «um momento único» na carreira.
Não tem dúvidas: os adversários ajudaram muito a este momento de sonho. «A preocupação deles foi sempre a luta Benfica-Sporting», considera.
«Não me viram como uma ameaça, pensaram que mais tarde ou mais cedo iriam alcançar-me. Para a próxima acho que vão estar mais atentos. Foi uma falha deles, não tenho problemas nenhuns em admitir, mas também não tenho nada a ver com isso. Faço a minha corrida e aproveitei», resume.
Pedro Pessoa, treinador, ex-atleta e fundador do clube, sublinha um ponto importante, também em conversa com o nosso jornal: «Para quem está por fora da modalidade, admito que seja uma surpresa grande, mas a verdade é que o Nelson deveria ser o terceiro ou quarto atleta com melhor currículo em prova. Os clubes grandes é que o ignoraram sempre. É algo que já vem de trás, não é de agora. Ele com 24 anos foi oitavo numa prova de seniores em Almeirim. Isto deveria ser um resultado que chamaria a atenção dos clubes mas não, foi ignorado, sempre.»
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Nelson Cruz em competição (Foto: Facebook pessoal)​
«Já ando aqui há muito, não caí de para-quedas»
O alheamento dos grandes clubes é um ponto importante. Por que motivo nunca foi profissional, mesmo que estejamos a falar de alguém que até já esteve nos Jogos Olímpicos de Pequim, na maratona, representado Cabo Verde, pois tem dupla nacionalidade?
«Sinceramente não sei, pode ser muita coisa», comenta Pedro Pessoa. «Se estivesse com outro treinador se calhar teria tido outras oportunidades. Ele está comigo há 16 anos e eu não entro em certas zonas que, se calhar, fazia falta para que quem está comigo pudesse ter outras oportunidades», reconhece.
O treinador lembra que Nelson Cruz já venceu os campeonatos nacionais de 10 mil metros e maratona mas foram-lhe retiradas as vitórias por ter dupla-nacionalidade. Portanto, está longe de ser um desconhecido no meio, insiste.
«As pessoas podem dizer que ele não é falado porque a comunicação social passa ao lado do clube, mas é preciso ver que a comunicação social não pode controlar tudo e foca-se, naturalmente, mais nos clubes grandes. Ora, assim sendo, o grande causador disto que aconteceu foram esses clubes que nunca apostaram nele», acusa.
Nelson Cruz, por seu turno, admite que já teve «fases muito difíceis» na sua já longa carreira, mas nunca pensou desistir. «O meu treinador sempre incutiu em mim que tinha de acreditar e eu fazia isso. Sempre acreditei. Mesmo tendo quase sempre resultados modestos, já ando aqui há muito. Não caí de para-quedas», sublinha.
Clientes do hipermercado pedem-lhe autógrafos e trazem recortes de jornal
A rotina diária de Nelson Cruz não é fácil. Não se queixa, porém, pois permite-lhe tempo para correr, a grande paixão da vida. É funcionário de um hipermercado em Almada e tem horário fixo. «Isso já é muito bom», salienta, pois permite-lhe estabelecer uma agenda com rigor.
«Treino de manhã, trabalho das 14h30 às 18h30 e depois tenho duas horas para a refeição, tempo que aproveito para fazer o segundo treino do dia. Depois trabalho outra vez das 20h30 à meia-noite e meia. Tenho de treinar ao nível dos profissionais se quero competir com eles», destaca.
Na superfície em que trabalha é, por estes dias, a estrela maior. «Tem sido uma loucura», atira entre risos. «Não está a ser fácil habituar-me. Muitas felicitações. Incrível. Ainda estou a tentar digerir isto tudo, porque é uma situação inédita», conta.
E acrescenta: «Os meus colegas no trabalho já é normal, metem-se muitas vezes comigo, mas clientes é novidade. Trazem recortes dos jornais, pedem autógrafos. Tem sido muito especial.»
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Nelson Cruz (Foto: Facebook Pessoal)​
Nelson Cruz sabe que esta fama súbita irá passar mais tarde ou mais cedo. Mas nem se importa porque tem outros objetivos: tentar voltar aos Jogos Olímpicos.
«Aliás, nem sequer me preparei especificamente para o corta-mato. O meu objetivo é conseguir os mínimos para os Jogos Olímpicos. Vou escolher uma maratona até maio para tentar. Representando Cabo Verde, claro, porque sempre foi assim e não faz sentido mudar aos 39 anos», remata.
Como se gere um clube amador de atletismo em Portugal?
O Clube Pedro Pessoa tem cerca de três anos de atividade, mas o seu fundador não tem problemas em sublinhar que «já conseguiu mais que muitos clubes em 30».
«Um clube destes gere-se por paixão. Fui atleta e sou fundador, tal como o Nelson que ficou por cá mesmo podendo estar a receber 200 ou 300 euros outro clube. Trabalha por paixão. Temos formação e adultos, atletas até aos 50 anos até. Temos sensivelmente 80 atletas», contabiliza.
Sem pagar a nenhum competidor, o clube apenas fornece os equipamentos. E precisa de uma ginástica financeira ainda grande para não ter prejuízo.
Pedro Pessoa explica as contas: «Costumámos receber um apoio da Junta de Freguesia de 500 euros. Só a inscrição na Federação são 700 e tal. Este ano tínhamos o projeto de ir à 3ª divisão e então a Junta deu-nos 1500 euros e a Câmara Municipal de Almada 700 euros. Usamos para as inscrições, fatos de treino, equipamentos. Só nisto são 3000 e tal euros.»
Cada atleta da formação, até aos juvenis, paga ainda uma quota anual de 25 euros e é pedido a um familiar que se torne sócio, sendo que a quota é de 12 euros.
É com estes meios, essencialmente, que o clube vai sobrevivendo. «O que nós não queremos é ter prejuízo», salienta Pedro Pessoa. Por isso, feitos como o de Nelson Cruz podem sempre dar uma ajuda, ainda que indireta.
«A importância se calhar é mesmo esta publicidade que ganhamos. Somos mais falados. Pode ser que surja algo em termos de patrocinadores. É sempre importante um bom resultado, porque este clube ainda é jovem e o que o Nelson conseguiu é raríssimo. Em 30 anos, sensivelmente, é a primeira vez que um atleta fora dos chamados clubes grandes, como o Benfica, o Sporting, ou o Maratona, consegue ser campeão», destaca.
A atividade do clube, que se centra essencialmente na formação, não passa, contudo, indiferente aos olhares mais atentos no meio. Todos os anos, garante Pedro Pessoa, surgem outros clubes interessados em jovens da sua casa.
«Mas eu também tenho de fazer o meu jogo, não é via aberta», brinca. «Costumo dizer que sou contra levarem um atleta de cá até prova em contrário. Tem de haver luta. Quando acho que não vai ficar melhor, faço questão de o dizer. Muitas vezes digo: ‘Ok, lá vais ter um fato de treino Adidas, mas e depois?’»
«Os clubes maiores, muitas vezes, usam os atletas, não vão ter os mimos que têm aqui. Ou são bons e continuam ou depois, aos 23 anos, quando acaba a formação, são postos de parte. E sabe o que acontece nessas alturas? Desistem. A maioria não quer voltar a um clube pequeno depois de falhar num Benfica ou num Sporting. Tem vergonha. Muitas vezes deixam aqui um grupo de amigos para ir ganhar 100 euros, mas essa fachada só dura um ano», lamenta.


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