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E se um Governo nos oferecesse dinheiro apenas por estarmos vivos? Está a acontecer

Feraida

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Fev 10, 2012
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A partir deste mês, e durante todos os meses até 2019, dois mil finlandeses desempregados vão receber um cheque no correio. Se a experiência correr bem, a intenção é que todos os cidadãos, com ou sem emprego, recebam o mesmo. Falámos com especialistas para perceber o que está a acontecer - e porquê

Imagine que todos os meses recebia na sua caixa de correio um cheque assinado pelo Governo português. O dinheiro chegava sem contrapartidas nem exigências; não precisava de estar numa situação específica de desemprego, a necessitar de apoios para a saúde ou para a paternidade, para o receber. Aquele cheque era seu, fosse qual fosse a forma como optasse por gastar esse montante – no fundo, estaria a receber dinheiro, inclusivamente acumulável com o seu salário habitual, apenas por estar vivo.

É exactamente assim o cheque que os cidadãos finlandeses poderão passar a receber num espaço de poucos anos – um cheque sem contrapartidas, sem restrições e sem ser taxado nos impostos, completamente incondicional. A partir do primeiro dia deste ano, dois mil cidadãos desempregados a viver no país já encontraram no seu correio o primeiro cheque, no valor de 560 euros, destinado a cobrir as suas necessidades básicas – e se nos próximos dois anos a experiência correr bem, a estratégia deverá mesmo ser aplicada a um nível nacional, passando todos os cidadãos a beneficiar deste novo apoio.

No caso desta experiência, a definição de “correr bem” é simples: o que se quer alcançar com este novo sistema é uma descida da taxa de desemprego, que permanecia imóvel nos 8,1% em Novembro, segundo o portal oficial de estatística da Finlândia, em comparação com os 8,2% do período homólogo em 2015. A ideia é que, em vez de ficarem em casa a aproveitar os benefícios gratuitos oferecidos pelo Governo, esta rede de segurança oferecida aos cidadãos os incentive a procurar emprego e a arriscar em posições de part-time ou a curto prazo, uma vez que se encontrarem emprego não perderão o direito ao novo rendimento.

“As pessoas que ficaram dependentes do sistema de segurança social costumam ter muito medo de mudar as suas vidas, porque ninguém lhes explica como é que isso vai afectar os seus apoios sociais”, detalha ao Expresso Stefan Torqnvist, investigador do EuroThinkTank e especialista em finanças. “Acho que vai forçar as pessoas a encontrar algum emprego ou a aceitar que terão de viver com menos dinheiro. As pessoas a viver com o sistema de segurança social aqui estão habituadas a viver com mais dinheiro do que o que terão com este rendimento básico.”

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Um “monstro complexo” que é urgente resolver

A encruzilhada em que o Governo finlandês se encontra, “desesperado para sair da situação atual em que simultaneamente tem desemprego e dificuldades a encontrar pessoas que estejam dispostas a trabalhar”, é em grande parte explicado pelo actual sistema de segurança social vigente no país. Hoje em dia, a população da Finlândia beneficia de um complexo mas muito generoso sistema que permite a quem está desempregado receber somas de dinheiro mais compensadoras do que os salários que muitos patrões oferecem, mas ao mesmo tempo corta qualquer apoio a empreendedores que sejam obrigados a fechar as portas dos seus negócios e a qualquer pessoa que receba um pequeno rendimento extra, venha ele de um trabalho em part-time ou de uma curta colaboração.

O resultado, conforme explicam os especialistas, é que muitas pessoas preferem ficar em casa a receber os apoios estatais a arriscar num novo emprego mais incerto, perdendo os antigos subsídios. “O argumento central é que o rendimento básico vai romper com a estrutura de incentivos do sistema de benefícios sociais atual: um sistema que se diz desencorajar as pessoas de trabalhar. Na Finlândia, uma pessoa tem de conjugar uma rede de apoios ‘básicos’ dependentes dos seus rendimentos. O efeito conjunto dos apoios por camadas é que se uma pessoa encontrar emprego, o trabalho não compensará necessariamente”, explica ao Expresso Mikko Annala, líder da Inovação para a Governação no think tank Demos Helsinki.

O sistema de segurança social finlandês, frequentemente descrito como complexo e extremamente burocrático, não é fácil de entender ou de aplicar: cada cidadão, conforme o seu estatuto (idoso, estudante, desempregado, incapacitado, etc) recebe um tipo diferente de apoios sociais, vários deles acumulados, devendo candidatar-se a um novo tipo de apoios cada vez que o seu estatuto mudar. Por isso, a novidade de haver apenas um rendimento, aplicável a qualquer cidadão, poderia trazer uma lufada de ar fresco ao sistema. “O rendimento básico viria substituir seis ou sete pequenos apoios sociais. Gosto de pensar que retirar a burocracia pode ajudar as pessoas em posições menos vantajosas a usar as suas capacidades cognitivas para algo mais do que candidatar-se apoios e reportar os dias que trabalharam em cada mês”, defende Mikko Annala.

Se Ohto Kanninen, investigador do Labout Institute for Economic Research (um centro de pesquisa finlandês independente), garante que este é um “desafio em que a esquerda e a direita podem concordar” (“o sistema de apoios é demasiado fragmentado para o indivíduo marginalizado. Uma pessoa pode ser atirada de um sistema para outro com períodos de intervalo e muita burocracia. O rendimento básico oferece o potencial de simplificar e clarificar o sistema para estes indivíduos”), Torqnvist aponta as razões para as complicações de um sistema que compara a um “monstro complexo”: “O problema com o nosso sistema de segurança social é que tem sido construído ao longo dos anos, sem qualquer estratégia a longo prazo. Por isso, o sistema que temos hoje é muito complexo e consiste em sobrepor uma grande variedade de apoios ao desemprego, à habitação, ao cuidado de crianças, etc”.

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Uma ideia aplicada a nível global

O rendimento básico, potencialmente universal se a primeira experiência com 2 mil pessoas correr bem, não é novidade finlandesa – testes semelhantes estão a ser testados ou sê-lo-ão brevemente na cidade de Ontário, no Canadá; em Utrecht, na Holanda; no Quénia, aplicado a seis mil cidadãos; e o Senado francês também já aprovou um período de teste. Uma experiência similar, mas em moldes poucos detalhados, foi referendada e rejeitada na Suíça, no verão passado.

Todas estas tentativas têm razão de ser – conforme relembra o “Business Insider”, os últimos estudos, nomeadamente a pesquisa conduzida pelos investigadores do Banco Mundial David Evans e Anna Popovo, defendem resultados positivos da experiência, que em países subdesenvolvidos ajudou a melhorar a situação económica e de saúde de quem a testou e reduziu mesmo o consumo de álcool e tabaco, produtos que se temia serem mais consumidos por quem tivesse acesso a este cheque sem contrapartidas. David Evans conclui que tal se deve ao “efeito de rotulagem”, isto é, o efeito psicológico de “rotular” aquele dinheiro como uma soma que se destina a algo positivo – “isto é para melhorar as vidas dos vossos filhos, para ajudar os vossos negócios” – acaba por ajudar a que ele seja mesmo investido em aspectos positivos.

Fora dos países subdesenvolvidos em que o sistema já foi testado por diversas ocasiões, existem o Estado Social a que a Europa se habituou, particularmente os países nórdicos, e que alguns especialistas dizem estar “datado”. “O nosso sistema resulta numa economia em que as pessoas têm carreiras longas e estáveis e o desemprego é estável e limitado. Poucas economias são assim hoje em dia. Há mais pessoas entre empregos do que nunca, e podemos mudar de carreira várias vezes durante a nossa vida activa”, recorda ao Expresso Ilkka Haavisto, líder da pesquisa no centro finlandês EVA para políticas e negócios. “A ideia é desactivar a armadilha atual subsidiando o trabalho, em vez de o taxar.”

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“Visões como esta podem ser suicidas na política”

“A ideia tem-se tornado alvo de fascínio cada vez maior por todo o espectro ideológico em anos recentes. As experiências oferecem o rendimento como uma solução para a automatização, falta de rendimento disponível, armadilhas dos apoios sociais ou burocracia exagerada. Por outras palavras, o objetivo é resolver vários problemas nas relações existentes entre o estado, o indivíduo e o capital”, explica Annala. O exemplo é particularmente relevante na Finlândia, onde uma indústria tecnológica fortemente abalada pela crise económica (veja-se o exemplo da gigante Nokia, caída em desgraça nos anos recentes) tenta voltar a estabilizar e a encontrar soluções, enquanto os especialistas mais qualificados na área da tecnologia consideram pouco compensador arriscar de novo em startups modernas e projectos de empreendedorismo visionários, enquanto vivem dos subsídios sociais do Estado.

Esta é a esperança do primeiro-ministro Juha Sipilä, cujo Governo de centro-direita continua a apostar nas medidas para combater o aparentemente estático desemprego e uma economia que atravessa anos de paralisação. Na sua mensagem de ano novo, o chefe do Executivo expressou um desejo que coincide com o teste que foi posto em prática logo no primeiro dia de Janeiro: “Devemos assegurar que todos os finlandeses estão confiantes em que podem ajudar a construir este país (...) Fazer pontes na saúde e bem-estar social é um dos maiores mandatos do nosso programa de Governo”, lembrou na mesma ocasião.

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Queda da Nokia destruiu milhares e milhares de empregos
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“Espero que isto faça a economia finlandesa voltar a crescer após 10 anos de estagnação económica”, conclui Annala, em concordância com o pensamento do Governo, que elogia por ser “o único do mundo em que a experimentação está explicitamente escrita na mais alta agenda política, o programa de Governo”. O especialista relembra que “daqui a algumas décadas, avanços na inteligência artificial, por exemplo, podem levar-nos a criar mais riqueza do que alguma vez imaginámos. Com o sistema actual, essa riqueza acumular-se-á nas mãos de empreendedores e investidores. E enquanto os salários baixarem, a economia como um todo colapsará. É por isso que uma vaga de estadistas e líderes de negócios, de Obama a Elon Musk, já expressaram preocupação com uma sociedade futura em que os robôs terão substituído metade da mão de obra. Esta pode ser a solução, ou parte dela”.

Mas como em todas as soluções, há obstáculos – e para o especialista estes não são o de haver pessoas a preferir ficar em casa a usufruir do rendimento básico, como defendem vários detractores da ideia (de resto, o rendimento é inferir aos apoios sociais actualmente oferecidos pelo Estado), mas antes o clima político que se vive na Europa, “em que visões como esta são quase suicidas para qualquer movimento”. “O problema será, como de costume, que as eleições parlamentares de 2019 estão já muito próximas… É um pensamento refrescante e uma boa tentativa para mudar um monstro complexo. Mas isto é política, por isso não creio que seja possível encontrar soluções ideais”.


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