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TESTAMENTO. EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE"O que disse o tribunal"

santos2206

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  • Tribunal da Relação do Porto, Acórdão de 4 Dez. 2017, Processo 6861/13

Relator: Miguel Fernando Baldaia Correia de Morais.


Processo: 6861/13

JusNet 7804/2017


É válida a cláusula de exclusão da responsabilidade incluída em testamento feito pela mãe do executado


TESTAMENTO. CLÁUSULA DE EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE. O testador pode libertar os bens deixados do cumprimento das dívidas existentes ao tempo da liberalidade, embora a oponibilidade dessa cláusula de exclusão esteja sujeita a registo quando o objeto dessa liberalidade seja um imóvel ou um móvel sujeito a registo. Caso não esteja registada essa cláusula, os bens doados ou deixados responderão pelas dívidas posteriores e pelas anteriores cujo credor tenha registado a penhora antes do registo da cláusula. No caso em apreço, é válida a cláusula incluída no testamento outorgado pela mãe do executado, no qual se determinou que todos e quaisquer bens, móveis e imóveis, que o aquele houvesse de receber por sua morte, contenham-se ou não dentro da legítima, lhe eram deixados com a cláusula de exclusão da responsabilidade por todas as dívidas dele anteriores à transmissão sucessória. Deste modo, considera-se que a cláusula desonera de responsabilidade os bens que foram deixados ao executado por óbito de sua mãe relativamente às dívidas anteriores à operada transmissão sucessória, como é o caso da dívida exequenda.


Disposições aplicadas

DL n.º 47344, de 25 de Novembro de 1966 (Código Civil) art. 603



Texto

I - O testamento é configurado na lei substantiva (art. 2179º do Código Civil) como um negócio totalmente atípico, uma vez que, por seu intermédio, pode ser conseguido um número indeterminado de efeitos, embora mortis causa.II - O testador pode no testamento incluir as cláusulas pessoais que bem entender e bem assim as disposições de caráter patrimonial que a lei não proíba, direta ou indiretamente, que sejam nele inseridas.III - Desse modo, nada obstaculiza à formalização e validade de um testamento cujo texto se limite a conter uma cláusula de exclusão da responsabilidade para os efeitos do disposto no artigo 603º do Código Civil.
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

[h=3]1. RELATÓRIO[/h]Por apenso à ação executiva que lhe move B..., Ldª, veio C... deduzir o presente incidente de oposição à penhora, efetuada no processo principal, do quinhão hereditário de que é titular em três imóveis.

Para substanciar tal pretensão alega que o seu quinhão hereditário não responde pela dívida exequenda, uma vez que, em testamento, foi estabelecido pelo de cujus que todos os bens que o ora opoente recebesse por sua morte lhe eram deixados com a cláusula de exclusão da responsabilidade por todas as dívidas dele anteriores à transmissão sucessória.
Notificada, a exequente contestou, alegando que o documento que estabelece a cláusula de exclusão da responsabilidade não constitui qualquer testamento, tal como o mesmo vem definido no art. 2179º do Cód. Civil, já que a outorgante não dispôs de forma alguma dos seus bens, além de que, mesmo que o tivesse feito, apenas poderia dispor dos bens integrantes da quota disponível.
Foi proferida decisão que julgou improcedente o incidente.
Inconformado com tal decisão, veio o executado interpor o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo.
Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes
CONCLUSÕES:
1ª A questão que se discute no presente recurso é apenas de direito e pode enunciar-se nos seguintes termos: Tendo a Mãe do aqui Executado falecido com testamento em que estabeleceu, ao abrigo do disposto no artº 603º do Cód. Civil, que "todos os bens que seu filho C... haja de receber por sua morte, contenham-se ou não dentro da legítima, lhe são deixados com a cláusula da exclusão da responsabilidade por todas as dívidas dele anteriores à transmissão sucessória" e tendo ele, herdeiro, devedor do Exequente por dívida anterior ao decesso do sua Mãe, feito registar aquela cláusula sobre os bens herdados de sua mãe (por esta identificados no testamento) antes de o Exequente fazer neles registar a penhora, quid iuris: será esta cláusula válida e impeditiva da penhora por os bens não responderem pela dívida exequenda nos termos do direito substantivo, ou aquela disposição não produz qualquer efeito relativamente aos bens que constituem o acervo da herança por, no testamento com que se finou, a mãe do Recorrente "não ter disposto por qualquer forma da totalidade ou parte dos seus bens, já que os não deixou a ninguém em concreto", não podendo ela ser havida por válida "atendendo a que, tratando-se de disposição patrimonial, não integra um documento subsumível à definição prevista no citado artº 2179º do Código Civil"?
2ª As razões de fundo em que se apoiou o Mº Juiz a quo, para negar validade ou eficácia à cláusula de exclusão de responsabilidade constante do testamento com que se finou a Mãe do Executado, aqui Recorrente, são todas elas improcedentes, analisando-se numa interpretação de natureza meramente conceitual e formalista, levada a cabo completamente fora da realidade que constituiu o alicerce de política legislativa que inspira o regime consagrado no artº 603º do Cód. Civil.

3ª A norma do artº 603º do Código Civil está na lei, não para servir os interesses de um devedor que dela se queira servir para permanecer relapso no pagamento das suas dívidas, senão para servir o relevante interesse do "de cujus" a quem a lei quer assegurar, para depois da sua morte, o direito de evitar que os bens que amealhou e conservou por toda a sua vida, não sejam objecto de penhora para pagamento de dívidas do donatário, do legatário ou do herdeiro que já existissem à data do seu decesso.
4ª Enquanto correcta atitude do intérprete a propósito da determinação do alcance do artº 603º do Cód. Civil, é mister que se tenha presente que o que inspira este comando legal é o respeito à vontade do autor da transmissão gratuita e só ela.
5ª Se é verdade que, a sustentar a legitimidade da cláusula, se vê muitas vezes afirmado que os credores do beneficiário não se podem queixar de verem o seu crédito "desprotegido" com aquela cláusula uma vez que "não podem contar, na data em que foram contraídas as obrigações, com os bens doados ou deixados depois", verdade é também que este argumento procede quer em relação aos bens abrangidos pela quota legítima, quer em relação aos bens abrangidos pela quota legitimária: primeiro, porque o herdeiro forçoso não tem em relação à herança do de cujos mais do que uma mera expectativa jurídica, não sendo seguro, em termos práticos, que, chegada a morte deste, ainda lhe sobrem bens para transmitir; depois porque os credores, na data em que foram contraídas as dívidas, não só desconhecem a qualidade de (futuro) herdeiro do devedor e a existência de bens da titularidade do de cujus, como também não possuem poderes de adivinho para saber quando é que ocorrerá o decesso;
6ª O apelo que se faz na sentença recorrida ao conceito de testamento a que alude o artº 2179º do Código Civil esquece que a definição legal de testamento faz apelo ao fim que normalmente está associado à outorga de um testamento enquanto acto de disposição de última vontade - ou seja, o fim de, através dele, o testador dispor para depois da morte de todos os seus bens ou parte deles;
7ª Este facto não exclui, antes supõe, que o testador, não sentindo necessidade de, por testamento, alterar as regras da sucessão legítima, ainda assim queira dele servir-se para fazer acompanhar as transmissões sucessórias decorrentes da lei que não afasta e até acolhe, das cláusulas que lhe é lícito estabelecer a propósito dos bens objecto da sua futura sucessão: o testamento que então fizer não deixa de ser testamento para efeito do disposto no artº 2179º do Cód. Civil só porque nele se não dispõe de bens, antes se enunciam as cláusulas que acompanharão os bens quando, pela morte, forem transmitidos para os herdeiros que o testador não teve necessidade de indicar por serem os seus herdeiros legítimos.
8ª De igual falta de razão padece o entendimento que consta da sentença, segundo o qual nunca a cláusula de exclusão da responsabilidade constante do testamento com que se finou a testadora poderia valer para impedir a penhora levada a cabo nos autos por não envolver deixa de bens em concreto, antes remetendo, implicitamente, para a sucessão legítima, que bastava à condição de mulher e mãe que não queria afastar da sua sucessão, nem o seu marido, nem os seus filhos.
De facto,
9ª Porque o artº 603º do Código Civil se refere textualmente a "bens deixados ou doados" e não a bens legados, apodítico é afirmar que, se a lei fala expressamente em bens "deixados", nesta expressão cabem tanto a deixas a título singular como a título universal;
10ª Se o desígnio do legislador é o de oferecer ao testador a faculdade de defender os bens deixados ou doados com a cláusula de exclusão de responsabilidade por dívidas do beneficiário anteriores ao seu decesso, inexiste razão substantiva para distinguir entre as deixas a título singular das deixas a título universal e, pior ainda, para negar o direito ao estabelecimento da cláusula no que respeita à sucessão legítima do de cujus, se todos os herdeiros virão a ser, como diz o artº 603º do Cód. Civil, donos, por sucessão, dos bens deixados pelo de cujus;
Na verdade,
11ª Um herdeiro legítimo, depois de receber os bens que herdou nesta qualidade, frui-os na condição de bens deixados pelo seu antecessor uma vez que os bens lhe foram deixados, como deixados foram a um qualquer legatário: se deixar é, na linguagem jurídica como na linguagem corrente, não levar connosco tudo quanto usufruíamos e detínhamos no momento da partida sem regresso, temos que "deixados" são os bens que recebemos de nosso antepassado, seja por vocação testamentária a título singular, seja por vocação de sucessão legítima se o de cujus, na tranquilidade de quem está de bem com os filhos, não sente necessidade de fazer testamento tendo por objecto a atribuição dos bens, senão a mera aposição de cláusulas de pormenor que a lei põe no seu direito utilizar.

12ª Este registo matricial do que diz e do que quer, em termos de solução de política legislativa, o artº 603º do Código Civil é unívoco e é aquele a que chegamos ainda quando façamos apelo aos trabalhos preparatórios do Cód. Civil: nunca ninguém disse ou sustentou uma interpretação semelhante à que vem sufragada na sentença recorrida.
13ª Pela matriz congénita do artº 603º do Cód. Civil é fora de dúvida que a testadora, acolhendo-se às regras da sucessão legítima que não quis alterar, pôde fazer e fez um testamento para fixar apenas a cláusula da exclusão da responsabilidade com o alcance de ser aplicável ao quinhão hereditário do filho mencionado no testamento - o aqui Executado.
14ª Porque o registo da cláusula de exclusão de responsabilidade constante do testamento precedeu o registo da penhora efectuada nos autos, a manutenção desta penhora, ofendendo a cláusula com que se finou a testadora e, do mesmo passo, o disposto no artº 603º do Código Civil, tem a sentença recorrida de ser revogada e substituída por Acórdão que, na conformidade com as conclusões desta alegação, dê provimento à Oposição à Penhora tal como pedido ficou na respectiva petição inicial.
A apelada apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
Cumpridos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. arts. 635º, n[SUP]o[/SUP] 4, 637º, n[SUP]o[/SUP] 2, 1ª parte e 639º, n[SUP]os[/SUP] 1 e 2, todos do Cód. Processo Civil.
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pelo apelante, a questão a decidir é a de saber se é válida a cláusula de exclusão da responsabilidade nos termos do art. 603º do Cód. Civil incluída em testamento feito pela mãe do executado/opoente sem que o mesmo contenha qualquer disposição de bens.

[h=3]III - FUNDAMENTOS DE FACTO[/h]A materialidade a atender para efeito de apreciação do objeto do presente recurso é a seguinte:
A) No processo principal, em 26/2/2015, foi penhorado o quinhão hereditário de que o executado é titular, por morte da sua mãe D..., sobre os seguintes bens imóveis:
1. Prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos, sob o nº1987/19990628, da freguesia de E...;
2. Prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Esposende, sob o nº2280/20120713, da freguesia de F...;
3. Prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos, sob o nº3570/20091008, da freguesia de E....
B) A penhora referida em A) foi registada em 28/1/2016.
C) Sobre tais bens, com data de 11/10/2012, encontra-se registada a cláusula segundo a qual os bens que C... haja de receber são deixados com a cláusula de exclusão de responsabilidade pelas dívidas contraídas antes da transmissão sucessória.
D) A referida D..., falecida em 29/10/2010, havia outorgado documento intitulado testamento, em 1/4/2010, no qual determinou que todos e quaisquer bens, móveis e imóveis, que o ora opoente houvesse de receber por sua morte, contenham-se ou não dentro da legítima, lhe eram deixados com a cláusula de exclusão da responsabilidade por todas as dívidas dele anteriores à transmissão sucessória.
E) O título executivo apresentado no processo principal é uma sentença, proferida em 4/10/2013, condenando o aqui opoente a pagar à exequente a quantia de € 8.814,93, acrescida de juros contados desde 1/4/2008.
***

III - FUNDAMENTOS DE DIREITO

De acordo com o princípio geral enunciado no art. 601º do Cód. Civil, todos os bens do devedor, isto é, todos os que constituam o seu património, respondem pelo cumprimento da obrigação, não havendo que distinguir entre os bens existentes no património do devedor à data da constituição da obrigação e os que de futuro lhe venham a pertencer.

Contudo, a lei substantiva prevê algumas exceções ao referido princípio geral, designadamente, e no que ao caso releva, através da possibilidade de ser convencionada uma cláusula de exclusão da responsabilidade dos bens doados ou deixados, pelas dívidas anteriores à liberalidade.
Dispõe, com efeito, o n[SUP]o[/SUP] 1 do art. 603º do Cód. Civil que "os bens deixados ou doados com a cláusula de exclusão da responsabilidade por dívidas do beneficiário respondem pelas obrigações posteriores à liberalidade, e também pelas anteriores se for registada a penhora antes do registo daquela cláusula".
Portanto, através da previsão de uma limitação da responsabilidade por determinação de terceiro (1) , o legislador não considerou de ordem pública a exequibilidade de todo o património do devedor, permitindo que o testador ou o doador estipulem que os bens doados ou deixados àquele não respondam pelas suas dívidas anteriores à liberalidade.

Assim, à luz deste regime, quer o testador quer o doador podem libertar os bens deixados ou doados do cumprimento das dívidas existentes ao tempo da liberalidade, embora a oponibilidade dessa cláusula de exclusão esteja sujeita a registo quando o objeto dessa liberalidade seja um imóvel ou um móvel sujeito a registo, já que, de contrário, os bens doados ou deixados responderão, a despeito da cláusula, não só pelas dívidas posteriores, mas também pelas anteriores cujo credor tenha registado a penhora antes do registo da cláusula, sendo que com tais restrições se visa a proteção de terceiros e do comércio em geral, pois existe a aparência de que esses bens respondem pelas dívidas do seu titular.

Como, a este propósito, tem sido sublinhado pela doutrina pátria (2), com o reconhecimento da validade e oponibilidade de uma cláusula deste tipo facilita-se e estimula-se a realização de liberalidades mesmo a favor de quem esteja insolvente ou perto da insolvência. Sem a possibilidade desta cláusula, o terceiro, por mais que prezasse o devedor, por princípio, não se disporia a fazer-lhe uma liberalidade que, no fundo, acabaria praticamente por apenas beneficiar os seus credores.

No entanto, como se referiu, essa limitação da responsabilidade patrimonial (3) por determinação de terceiro relativamente aos bens deixados (irrelevando, para este efeito, que o beneficiário seja herdeiro legítimo, legitimário, testamentário ou legatário, já que, neste conspecto, se deverá relevar o princípio, incontornável em sede de interpretação e aplicação da lei, de que onde a lei não faz distinção, também o intérprete a não deve fazer) é apenas oponível aos titulares de créditos anteriores a essa liberalidade, os quais, fundadamente, não podiam, aquando da constituição dos créditos respetivos, contar com uma liberalidade feita, no futuro, ao seu devedor.

Isto posto, revertendo ao caso sub judicio, resulta do quadro factual que logrou demonstração que a mãe do opoente/executado (falecida em 29/10/2010), havia outorgado documento intitulado testamento, em 1/4/2010, no qual determinou que todos e quaisquer bens, móveis e imóveis, que este houvesse de receber por sua morte, contenham-se ou não dentro da legítima, lhe eram deixados com a cláusula de exclusão da responsabilidade por todas as dívidas dele anteriores à transmissão sucessória.

Na presença da transcrita cláusula, o juiz a quo considerou que a mesma não pode considerar-se "válida, atendendo a que, tratando-se de disposição patrimonial, não integra um documento subsumível à definição [de testamento] prevista no art. 2179º, n[SUP]o[/SUP] 1 do Cód. Civil".
É contra o sentido decisório assim sufragado no ato decisório recorrido que ora se rebela o apelante por considerar que a cláusula em questão é perfeitamente válida.
Tendo em conta a forma como se mostra balizada a questão que consubstancia objeto do presente recurso, a sua resolução convoca a determinação do conceito e conteúdo de testamento, de molde a apurar se uma disposição nos termos realizados pela falecida mãe do opoente/executado poderá ser juridicamente operante enquanto cláusula de exclusão da responsabilidade por todas as dívidas deste anteriores à transmissão sucessória.
Sob a epígrafe noção de testamento, dispõe o n[SUP]o[/SUP] 1 do art. 2179º do Cód. Civil que «[D]iz-se testamento o ato unilateral e revogável pelo qual uma pessoa dispõe, para depois da morte, de todos os seus bens ou de parte deles».

Ora, malgrado, por via de regra, as definições legais não sejam vinculativas para o intérprete (4) , afigura-se-nos que a transcrita noção legal contém elementos vinculativos pois os seus termos (v.g. revogável) indiciam um regime jurídico.

Assim sendo, nela se acolhe o conceito de testamento como ato de disposição de bens para depois da morte.
Não obstante, logo no n[SUP]o[/SUP] 2 do mesmo normativo se admite no seu conteúdo disposições de caráter não patrimonial, ao estabelecer que «[A]s disposições de caráter não patrimonial que a lei permite inserir no testamento são válidas se fizerem parte de um ato revestido de forma testamentária, ainda que nele não figurem disposições de caráter patrimonial».

Em consonância com a descrita normatividade é, assim, legítimo distinguir no testamento um conteúdo, diríamos, típico, em que ele surge como ato de atribuição patrimonial por morte que opera essencialmente através da instituição de herdeiro ou legatário (n[SUP]o[/SUP] 1 do art. 2179º) e um conteúdo atípico, impossível de definir em abstrato e consistente em disposições da mais variada índole, de caráter não patrimonial (n[SUP]o[/SUP] 2 do art. 2179º) ou mesmo patrimonial (v.g. art. 2025º, n[SUP]o[/SUP] 2).
O testamento não é pois um tipo negocial, como o são os vários tipos contratuais, antes se configura, como salienta MENEZES CORDEIRO (5) , como negócio "totalmente atípico uma vez que, por seu intermédio pode ser conseguido um número indeterminado de efeitos", embora mortis causa.

Daí que se venha estabelecendo um distinguo entre, por um lado, o testamento em sentido substancial (que será o sentido acolhido no n[SUP]o[/SUP] 1 do citado art. 2179º, enquanto ato de última vontade de disposição de bens mortis causa) e, por outro, o testamento em sentido puramente formal (que se mostra plasmado no nº2 do mesmo normativo, falando-se aí em "ato revestido de forma testamentária").
Portanto, o ato que reveste a forma testamentária pode conter atribuições patrimoniais mortis causa exclusivamente ou juntamente com outro tipo de disposições - caso do testamento em sentido substancial - ou pode incluir apenas disposições não patrimoniais - caso em que é puramente formal.
Isso mesmo é especialmente enfatizado por OLIVEIRA ASCENSÃO (6) quando refere que o testador pode no testamento inserir as cláusulas pessoais que bem entender, ressaltando que o testamento não pode ser caraterizado, tipicamente, como um ato de disposição de bens, sendo que como corolário disso "o notário se não pode recusar a lavrar testamento (público) só com disposições desta ordem, alegando que o conteúdo essencial do testamento não está satisfeito", acrescentando, mais adiante, que "o testador pode no testamento inserir as cláusulas pessoais que bem entender [e bem assim] as disposições de caráter patrimonial que a lei não proíba, direta ou indiretamente, inserir no testamento. Poderão os interessados proceder com excesso de forma, mas isso não é vedado na nossa ordem jurídica".

Ora, no caso da cláusula de exclusão da responsabilidade é o próprio enunciado linguístico do citado art. 603º do Cód. Civil a prever (e, portanto, a admitir) que uma disposição desse tipo se faça em testamento.
Daí que - considerando que a lei substantiva acolheu esse conceito alargado de testamento -, ao invés do entendimento sufragado na decisão recorrida, nada impede, sob o ponto de vista legal, a formalização de um testamento nos moldes que foram realizados pela mãe do opoente/executado, sendo o mesmo perfeitamente válido apesar de o respetivo texto se limitar apenas a conter uma cláusula de exclusão da responsabilidade nos termos do art. 603º do Cód. Civil (7) .

Deste modo, sendo válida tal cláusula e tendo sido efetuada a sua inscrição no registo predial em momento anterior à penhora que foi decretada no âmbito do presente processo, ter-se-á, pois, de considerar que a mesma desonera de responsabilidade os bens que foram deixados ao opoente/executado por óbito de seu mãe relativamente às dívidas anteriores à operada transmissão sucessória, como é o caso da dívida exequenda.

Consequentemente, a presente apelação terá de proceder.
***

[h=3]V - DECISÃO[/h]Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, dando-se, em consequência, provimento à oposição à penhora deduzida pelo executado/opoente.
Custas a cargo da apelada.
Porto, 4.12.2017

Miguel Baldaia Morais
Jorge Seabra

Fátima Andrade
 
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