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CONVERSAS INFORMAIS. PROVA"O que disse o Tribunal"

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santos2206

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[h=2]Tribunal da Relação de Évora, Acórdão de 5 Dez. 2017, Processo 210/16
[/h]Relator: Gilberto da Cunha.
Processo: 210/16


JusNet 7584/2017



Mesmo tendo declarado a um agente de autoridade que sabia donde a bicicleta havia sido subtraída, como não corria qualquer inquérito e nessa fase ainda não tinha sido constituído arguido, não pode tal depoimento ser valorado


APROPRIAÇÃO ILÍCITA POR ACHADO. RECETAÇÃO NEGLIGENTE. CONVERSAS INFORMAIS. Os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado da sua recolha, não podem ser inquiridas como testemunhas sobre o conteúdo daquelas. Impede-se assim que sejam consideradas como prova depoimentos, mesmo que sob a forma de conversas informais a esses órgãos de polícia criminal. No caso em apreço, um arguido é acusado da autoria material de um crime de apropriação ilegítima de coisa achada, e um outro arguido é acusado da autoria material de um crime de recetação, tendo como objeto de incriminação a subtração de uma bicicleta para posterior venda. Face ao exposto, um dos arguidos declarou a um agente da autoridade que sabia donde a bicicleta havia sido subtraída, no entanto, ainda não corria qualquer inquérito, nem aquele havia sido constituído arguido, não podendo tal depoimento ser valorado como meio de prova e concorrer para a formação da convicção do julgador.


Disposições aplicadas

DL n.º 78/87, de 17 de Fevereiro (Código de Processo Penal) art. 356.7; art. 357.1 a); art. 357.2
Meio processualJuízo de Competência Genérica de Vila Real de Santo António (juiz-2) do Tribunal Judicial da Comarca de Faro
Jurisprudência relacionada
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TRE, Ac. de 3 de Dezembro de 2013

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TRP, Ac. de 1 de Julho de 2015



Texto

I - Existe uma relação de mútua exclusão ou de alternatividade entre o crime de furto e o crime de apropriação ilegítima de coisa achada.II - As chamadas "conversas informais" dos suspeitos, ainda não arguidos, quer ocorram antes quer depois da abertura do inquérito, são desprovidas de valor probatório.
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:


RELATÓRIO.


Decisão recorrida.
No processo abreviado nº210/16.9GAVRS, procedente do Juízo de Competência Genérica de Vila Real de Santo António (juiz-2) do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, os arguidos PF e CM, com os sinais dos autos, sob acusação deduzida pelo Ministério Público foram submetidos a julgamento perante tribunal singular, acusados o PF da autoria material de um crime de apropriação ilegítima de coisa achada, pp. pelo art.209º, n[SUP]os[/SUP] 1 e 2 de Código Penal e o CM da autoria material de um crime de receptação, pp. pelo art.231º, nº2 do mesmo código.
Realizado o julgamento perante tribunal singular, por sentença proferida em 24-01-2017 vieram os dois arguidos a ser absolvidos da prática daqueles crimes.

Recurso.


Inconformado com essa decisão dela recorreu o Ministério Público, pugnando pela revogação da sentença e substituição por outra que condene os arguidos pela prática dos crimes de que foram acusados ou, pelo menos o arguido CM, e determinando-se a comunicação ao arguido PF da alteração substancial dos factos, rematando a motivação com as seguintes conclusões:
«1. A sentença recorrida absolveu os arguidos PF e CM dos crimes de apropriação ilegítima de coisa achada e receptação negligente de que se encontravam acusados.
2. Para tal considerou que não foi feita prova dos factos que constam do elenco dos factos não provados, que se circunscrevem essencialmente ao elemento subjectivo daqueles ilícitos.

3. No entanto a prova produzida em julgamento, aliás tal como resultava de parte da prova documental indicada na acusação, mais especificamente o depoimento do militar da GNR AS, nas passagens do seu depoimento já indicadas na motivação deste recurso, não deixou margem para dúvidas e fez prova dos factos constantes da acusação.
4. Aliás, resultou da prova produzida que foi o arguido P o autor do furto da bicicleta do ofendido, e não que se apropriou da mesma por a ter encontrado.
5. E se a M.ma Juíza tivesse recorrido às regras da experiência tinha concluído que o arguido C cometeu o crime de receptação negligente de que se encontrava acusado.
6. Não o tendo feito violou o disposto no art.º 127º do C.P.P..
7. Tais prova e recurso às regras da experiência deveriam ter conduzido, pelo menos, à condenação dos arguidos pela prática dos crimes de que se encontravam acusados.
8. Ou, então, no que se reporta ao arguido P., à comunicação ao mesmo da alteração substancial dos factos respeitantes ao crime de furto qualificado.
9. Deve, assim, a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que decida de acordo com o constante das conclusões 5 e 6, assim se fazendo JUSTIÇA».
Contra motivou o arguido CM defendendo o acerto da decisão recorrida, concluindo pela improcedência do recurso e manutenção integral da sentença recorrida.

Nesta Relação o Exmº Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido do recurso ser julgado parcialmente procedente revogando-se e alterando-se a sentença na parte em que absolveu o arguido PF e confirmando-se na parte em que absolveu o arguido CM.

Cumprido o disposto no nº2 do art.417º do CPP não houve resposta.
Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos teve lugar a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
 

santos2206

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[h=3]FUNDAMENTAÇÃO.
[/h]Na sentença recorrida foi dada como provada e como não provada a seguinte factualidade:
«Discutida a causa ficaram provados os seguintes factos:
1 - No dia 13 de Julho de 2016, por volta das 12.30 horas, o arguido PF transportava consigo, um velocípede de cor azul, marca TRINX, sem acento, pela zona da estação de comboios de Monte Gordo, área desta instância local;
2 - O velocípede descrito em 1, pertença de MD, tinha o valor de € 300,00 (trezentos euros), e havia sido subtraído da garagem fracção BG, do Edifício X, na Avenida da Catalunha, ... em Monte Gordo, entre o dia 10 de Junho de 2016 e aquele dia 13 de Julho de 2016;
3 - Na ocasião e local aludidos em 1, o arguido PF dirigiu-se a uma barraca existente perto da estação de comboios de Monte Gordo e procedeu à venda do velocípede em causa, ao arguido CM, pelo valor de € 40,00 (quarenta euros);
4 - O arguido CM comprou o velocípede descrito em 1, com 2 (duas) notas do BCE no valor unitário de € 20,00 (vinte euros), num montante total de € 40,00 (quarenta euros);
5 - O velocípede veio a ser recuperado por intervenção do militar da GNR AS, naquele mesmo dia 13 de Julho de 2016 e entregue ao seu legítimo proprietário no dia 20 de Julho de 2016;
6 - O arguido PF tem antecedentes criminais, tendo sido condenado nos seguintes processos:
- no processo sumaríssimo n[SUP]o[/SUP] ---/13.4PAOLH DO 3º Juízo do Tribunal Judicial de Olhão, com a pena de oitenta dias de multa à taxa diária de € 5,00, pela prática em autoria material de um crime de abuso de confiança previsto e punido pelo artigo 205º, n[SUP]o[/SUP] 1 do Código Penal, por decisão de 17-6-2014, transitada em julgado em 17-6-2014, por factos praticados em 3-7-2013, cuja pena foi declarada extinta por cumprimento por despacho de 23-5-2015;
- no processo comum singular n[SUP]o[/SUP] ---/11.3PAOLH da Secção de Competência Genérica - J1, da Instância Local de Olhão, com a pena de treze meses de prisão suspensa na sua execução pelo mesmo período, com regime de prova, pela prática em autoria material de um crime de violência doméstica previsto e punido pelo artigo 152º, n[SUP]o[/SUP] 1, aI. b) do Código Penal, por decisão de 14-7-2014, transitada em julgado em 13-8-2014, por factos praticados em 2011 ;
- no processo sumaríssimo n[SUP]o[/SUP] ---/14.8PAOLH da Secção de Competência Genérica - J2, da Instância Local de Olhão, com a pena de cento e dez dias de multa à taxa diária de € 5.00, pela prática em autoria material de um crime de furto simples previsto e punido pelo artigo 203º, n[SUP]o[/SUP] 1 do Código Penal, por decisão de 1-12-2015, transitada em julgado em 7-3-2016, por factos praticados em 18-7-2014;
7 - O arguido CM tem antecedentes criminais, tendo sido condenado no seguinte processo:
- no processo sumário n[SUP]o[/SUP] ---/15.6PAVRS da Secção de Competência Genérica - J1, da Instância Local de Vila Real de Santo António, com a pena única de três meses de prisão substituída pela pena de noventa dias de multa à taxa diária de € 5.00, pela prática em autoria material e em concurso real de um crime de ofensa á integridade física simples e de um crime de ameaça agravada previstos e punidos respectivamente pelos artigos 143º, 153º, n[SUP]o[/SUP] 1 e 155º, n[SUP]o[/SUP] 1, todos do Código Penal, por decisão de 2-11-2015, transitada em julgado em 8-12-2015, por factos praticados em 17-10-2015;
8 - O arguido PF trabalha a jorna na construção civil, como servente pedreiro, auferindo a quantia de € 300,00 por quinzena;
9 - É solteiro e vive com a mãe e com a namorada numa casa arrendada e paga a título de renda por mês a quantia de € 250,00;
10- E tem como habilitações literárias o 6º ano de escolaridade;
11 - O arguido C trabalha no Verão com cavalos e no inverno ajuda a sua companheira que é vendedora ambulante;
12 - Tem cinco filhos menores com idades compreendidas entre os 14 e 3 anos de idade;
13 - O agregado familiar do arguido C é beneficiário do RSI (Rendimento Social de Inserção) e vive em casa social.
Não se provou que:

- o arguido PF sabia que o velocípede descrito em 1, não lhe pertencia, não tendo, contudo, procedido à entrega do mesmo, numa autoridade policial, apesar de também saber que a tal estava obrigado, tendo chegado à sua posse por forma não concretamente apurada;
- ao invés, e não obstante tal conhecimento, o arguido PF quis dispor do velocípede descrito em 1, como se seu proprietário fosse, usando-o como bem entendeu;
- o arguido CM comprou o velocípede descrito em 1, sem previamente se ter assegurado da sua legítima proveniência o que lhe era exigível atento o preço pedido e as características do velocípede objecto da transacção, de qualidade superior ao montante despendido;
- os arguidos agiram sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal, e tendo capacidade para se determinarem de acordo com tal conhecimento».
O tribunal recorrido fundamentou a formação da sua convicção do seguinte modo:
«O Tribunal formou a sua convicção quanto aos factos provados e não provados com base na apreciação crítica dos depoimentos das testemunhas de acusação e de defesa cujo teor consta do registo fonográfico apreciados à luz de regras de normalidade e de experiência comum.
Os arguidos usando do seu direito ao silêncio não prestaram declarações sobre os factos, tendo apenas o arguido P prestado apenas declarações sobre a sua situação sócio-económica. Disse que trabalha como servente de pedreiro com contrato e aufere € 300,00 por quinzena e vive com a sua mãe e com a sua namorada em casa arrendada.
E ainda com base no teor da prova documental analisada de forma critica e junta aos autos:
- auto de denúncia de fls. 3 a 4;
- autos de apreensão de fls. 19 e 24;
- reportagem fotográfica de fls. 20 a 22, 25 e 61 a 64;
- auto de exame directo e avaliação de fls. 23;
- certificado do Registo Criminal dos arguidos de fls. 30 a 36, 38 a 39 e 112 a 116;
- auto de denuncia de fls. 52 e 54;
- auto de reconhecimento de objecto de fls. 56 a 57;
- factura de fls. 60;
- termo de entrega de fls. 65.
Testemunhas de acusação
- AS, militar da GNR. Disse conhecer os arguidos dos factos.
Disse que num certo dia, no âmbito de uma patrulha encontrou o AB, indivíduo referenciado pela autoridade local, acompanhado do arguido PF e despertou atenção do depoente. Passados dois dias voltou avistar o arguido P a passar com uma bicicleta sem celim a dirigir-se à estação de Monte Gordo e dirigiu-se à barraca do arguido C e aí viu o arguido P a dar a bicicleta ao C e recebe duas notas de vinte euros e depois disto, aborda o arguido P que lhe disse ser toxicodependente. Após deslocaram-se, o depoente e o militar que o acompanhava, á barraca do arguido C e este disse que comprou a bicicleta porque o arguido P lhe disse que precisava de dinheiro para ajudar a família, tinha fome e para a viajem de comboio.
Depois disto disse que conseguiram contactar com o dono da bicicleta.
Falou do furto de um andar. Disse que voltaram, regressaram à Catalunha com o A de onde este furtou a bicicleta, corrigindo depois o A por P. Disse que na altura o arguido disse que tinha furtado a bicicleta e disse que tinha cortado o cadeado.
Confrontado com as fotografias de fls. 20 a 22, confirmou o teor das mesmas.
Disse que a bicicleta era nova e não estava danificada, referindo que apenas foram danificados os cadeados. Disse ainda desconhecer o valor da bicicleta.
Disse que o arguido P não era conhecido na zona mas como acompanhava o A que era referenciado pela polícia, suspeitaram dele e vigiaram-no durante o seu percurso, não sabendo de onde o mesmo veio com a bicicleta, acompanharam o arguido na via pública. Disse que não viu o arguido furtar a bicicleta. Disse que estavam disto do arguido P cerca de vinte metros. Disse que no dia em que viu o arguido P com o A não aconteceu nada.
Disse que no dia 13, viram o arguido P a sair da Catalunha com a bicicleta e isso despertou a atenção deles e seguiram o seu percurso desde a Catalunha até à estação, à barraca do C.
Disse que o arguido C não é referenciado como receptador, nem o conhece e não sabe se o arguido C sabia que a bicicleta era furtada nem se este conhecia o arguido P.
- MD, dono da bicicleta.
Disse que no dia 13 de Julho recebeu uma chamada da GNR de Vila Real de Santo António a dizer que tinha uma bicicleta e perante isto o queixoso apresentou a queixa. Disse nada querer dos arguidos, só quer justiça quanto ao furto. Disse que a bicicleta foi recuperada, foi-lhe entregue no dia 20 de Julho e no estado em que se encontrava, sem qualquer dano. Disse que comprou a bicicleta nova em 2012 e não sabe o valor da mesma, apenas sabe que estava nova porque tem pouco uso. Disse ainda que a bicicleta não estava com acento porque ele retirou-o. Disse que não conhece os arguidos nem viu o furto.
Testemunhas de defesa.

- FG, companheira do arguido C.
Disse que o arguido anda incomodado com este processo porque lhe causa vergonha. Disse que o marido é pessoa tímida, calmo, bom pai e bom marido. Disse que o marido no Verão trabalha com os cavalos e no inverno ajuda a depoente que é vendedora ambulante. Disse que o marido tem os animais numa horta. Disse que têm cinco filhos menores, a mais velha com idade entre catorze anos de idade e o mais novo com três anos de idade. Disse que o seu agregado familiar vive da venda ambulante e do RSI cujo valor não sabe e que vivem em casa social, pagando a de € 5,00 por mês.
- NP, comerciante da restauração. Tem um restaurante em Monte Gordo.
Disse que é amiga do arguido C e sabe que os mesmos são vendedores ambulantes. Disse que o arguido é pessoa humilde e ingénua e pessoa pacata e bom pai do que presencia da sua relação com os filhos. É pessoa muito educada e respeitadora. Disse que os filhos do arguido são bem-educados.
Da conjugação da prova produzida que resultou dos depoimentos das testemunhas de acusação, apenas resulta como certo que o arguido P no dia 13 de Julho transportava uma bicicleta em direcção à barraca do arguido C e que este comprou a mesma por quarenta euros. Resultou ainda provado que o proprietário da bicicleta é MD. Quanto aos demais factos, e que constituem os elementos objectivos e subjectivos dos ilícitos imputados a cada um dos arguidos nada resultou provado, não se afigurando suficiente ao Tribunal concluir daquela factualidade assente a responsabilidade dos arguidos. Note-se que nenhuma das testemunhas de acusação presenciou o furto da bicicleta, nem como a mesma chegou à posse do arguido P, não se descortinando como acedeu o arguido P à mesma, pois o mesmo apenas foi visto pelo militar da GNR a transportar a mesma na via pública, e ficou sob vigilância daquele militar por acompanhar o "A", indivíduo referenciado pela autoridade, o que não nos permite, salvo o devido respeito por entendimento diverso concluir saber o arguido P da proveniência ilícita da bicicleta e ainda ter furtado a mesma. E no que respeita ao arguido C, o facto de ter comprado a bicicleta, também se nos afigura insuficiente para se concluir pela sua responsabilidade ainda que por negligência. Note-se que o mesmo não é conhecido nem referenciado pela autoridade local.
Por todo o exposto, a referida factualidade assente afigura-se insuficiente para concluir pela verificação dos ilícitos e seu cometimento pelos arguidos, ou seja, pela responsabilidade dos arguidos, impondo-se a absolvição dos mesmos. A prova produzida não consente nem autoriza o Tribunal a concluir pela responsabilidade dos arguidos, que estes praticaram os ilícitos de que vêm acusados, o que demanda a improcedência da acusação.
Em suma, face ao exposto concluímos que não se provaram os factos imputados aos arguidos que integram a prática do crime que lhes é imputado respectivamente o que demanda a sua absolvição».
O tribunal recorrido procedeu à subsunção legal da factualidade supra descrita do seguinte modo:
«Fundamentação de Direito.
Os arguidos vêm acusados, o arguido C da prática em autoria material, na forma consumada de um crime de receptação previsto e punido pelo artigo 231 º, n[SUP]o[/SUP] 2 do Código Penal e o arguido P da prática de um crime apropriação ilegítima de coisa achada, previsto e punido pelo artigo 209.º, n.[SUP]os[/SUP] 1 e 2 do Código Penal.
Importa aferir da verificação ou não dos ilícitos em causa imputado a cada um dos arguidos.
E atento os elementos constitutivos - objectivo e subjectivo - dos referidos ilícitos e atenta a factualidade assente, concluímos pela negativa, pois no caso em apreço, não resultou provado terem os arguidos actuado da forma descrita na acusação, designadamente que o arguido P sabia da proveniência ilícita da bicicleta que transportava naquela dia, dispondo da mesma como se sua propriedade fosse e que o arguido C comprou a referida bicicleta sem se assegurar da sua legitima proveniência, e que ao actuarem da referida forma, o fizeram voluntariamente, sabendo que incorriam na prática de um crime, em suma, não resultou provado terem os arguidos cometido o ilícito de que vêm acusados respectivamente, impondo-se a improcedência da acusação e consequentemente a sua absolvição».
 

santos2206

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Apreciando.


Liminarmente impõe-se esclarecer que é incongruente senão até contraditório dizer-se, como faz o recorrente, que da prova produzida em audiência resultou provado uma realidade com contornos e enquadramento jurídico diverso do que foi imputado na acusação ao arguido PF e concluir-se depois, mesmo a título subsidiário, para a eventualidade de improceder a alegada alteração substancial dos factos, que no mínimo esse arguido seja condenado pela prática do crime de que foi acusado. Ou há alteração dos factos como preconiza o recorrente ou não há.

Aliás, existe uma relação de mútua exclusão ou de alternatividade entre o crime de furto e o crime de apropriação ilegítima de coisa achada.
Vejamos.
Os arguidos foram submetidos a julgamento acusados pelo MºPº dos seguintes crimes:
O PF da autoria material de um crime de apropriação ilegítima de coisa achada, pp. pelo art.209º, n[SUP]os[/SUP] 1 e 2 de Código Penal; e

O CM da autoria material de um crime de receptação negligente, pp. pelo art.231º, nº2 do mesmo código.
A sentença recorrida absolveu ambos os arguidos da prática desses crimes, dando como não provados os seguintes factos da acusação:
- o arguido PF sabia que o velocípede descrito em 1 (dos factos provados), não lhe pertencia, não tendo, contudo, procedido à entrega do mesmo, numa autoridade policial, apesar de também saber que a tal estava obrigado, tendo chegado à sua posse por forma não concretamente apurada; (sublinhado nosso).

- ao invés, e não obstante tal conhecimento, o arguido PF quis dispor do velocípede descrito em 1, como se seu proprietário fosse, usando-o como bem entendeu;
- o arguido CM comprou o velocípede descrito em 1, sem previamente se ter assegurado da sua legítima proveniência o que lhe era exigível atento o preço pedido e as características do velocípede objecto da transacção, de qualidade superior ao montante despendido;
- os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal, e tendo capacidade para se determinarem de acordo com tal conhecimento.

A Mmª juiz "a quo" deu como não provados esses factos justificando que «...nenhuma das testemunhas de acusação presenciou o furto da bicicleta, nem como a mesma chegou à posse do arguido P, não se descortinando como acedeu o arguido P à mesma, pois o mesmo apenas foi visto pelo militar da GNR a transportar a mesma na via pública, e ficou sob vigilância daquele militar por acompanhar o "A", indivíduo referenciado pela autoridade, o que não nos permite, salvo o devido respeito por entendimento diverso concluir saber o arguido P da proveniência ilícita da bicicleta e ainda ter furtado a mesma. E no que respeita ao arguido C, o facto de ter comprado a bicicleta, também se nos afigura insuficiente para se concluir pela sua responsabilidade ainda que por negligência. Note-se que o mesmo não é conhecido nem referenciado pela autoridade local." (sublinhado nosso).

A sentença recorrida relativamente ao arguido PF deu como não provado o facto 3 da acusação, anteriormente transcrito, donde consta, além do mais, que o velocípede em causa chegou à sua posse por forma não concretamente apurada.

Insurge-se, quanto a isso o Ministério Público por que em seu entendimento e como já aliás fizera saber em sede de alegações, da prova produzida em audiência resulta de forma insofismável, por que meio a bicicleta chegou à posse desse arguido, acrescentando que tal resulta do depoimento da testemunha AS, militar da GNR, cuja gravação ouvimos, e do qual resulta efectivamente que soube donde a bicicleta havia sido subtraída pelo PF que lhe disse isso mesmo e lhe o indicou o local, aonde de seguida se deslocaram verificando que nesse sítio (garagem de um prédio localizado no edifício "X") ainda se encontravam os cadeados cortados que ele tinha cortado para se apoderar do velocípede, o que lhes permitiu depois identificar e localizar o respectivo proprietário que foi contactado telefonicamente apresentando depois queixa, por esse facto.
Por razões não explicitadas na sentença a Exmª Juiz a quo ignorou nessa parte esse depoimento, sendo certo que como refere o recorrente, tal depoimento não foi infirmado por qual quer outro meio de prova.

Face a esse depoimento e não havendo qualquer motivo para não lhe ser conferido credibilidade, ao contrário do que é referido na sentença recorrida (que refere não se descortinar como acedeu o P à bicicleta), é por demais evidente que esta foi por ele subtraída de uma garagem do edifício "C" onde se introduziu ilegitimamente tendo para se apoderar do velocípede cortado os cadeados a que estava presa.
Resulta ainda que aquando daquelas declarações feitas pelo PF ao agente da autoridade AS, ainda não corria qualquer inquérito, nem aquele havia sido constituído arguido.
Os arguidos sobre a matéria da acusação na audiência de julgamento remeteram-se ao silêncio.
Sendo assim, importa indagar se essas declarações (confessória de um crime de furto) podem constituir meio de prova válido.

O Exmº Senhor Procurador Geral Adjunto no seu douto e proficiente parecer, defende ser válido o depoimento da testemunha AS, no segmento em que relatou em julgamento que o suspeito ainda não arguido lhe confessou ter sido ele o autor do furto da bicicleta, sendo que nesse momento também ainda não corria qualquer inquérito contra pessoa determinada, não tinha ainda decorrido a detenção do suspeito e não fora ainda levantado qualquer auto de notícia, pelo que aquela declaração não ficaria coberta pela proibição de prova decorrente do nº5 do art.58º, do CPP, nem seria inadmissível ao abrigo do nº7 do art.356º, do mesmo código as declarações feitas em audiência pelo mencionado agente da autoridade.
 

santos2206

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Vejamos.


Como é sobejamente sabido sobre este assunto a jurisprudência encontra-se dividida.

Enquanto para uns constitui prova válida o depoimento feito na audiência de julgamento pelo OPC em que relata a confissão da prática do crime que lhe foi feita pelo suspeito ainda não arguido, num momento em que sequer ainda não corria qualquer processo de inquérito, para outros nos quais nos incluímos, as chamadas "conversas informais" dos suspeitos, ainda não arguidos, quer ocorram antes quer depois disso, são desprovidas de valor probatório.Na verdade, dispõe o art.° 356.°, n.[SUP]o[/SUP]7 do CPP, que os"órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leituranão for permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado da sua recolha, não podem ser inquiridas como testemunhas sobre o conteúdo daquelas". (sublinhado nosso).

Se é assim para as declarações reduzidas a auto por maioria de razão não será também admissível inquirir os OPC sobre declarações que lhe foram feitas informalmente, que por isso mesmo não constam de auto.

Como lapidarmente é mencionado no acórdão desta Relação de 03-12-2013, proc.nº157/07.0GTBJA.E1, relatado pelo Senhor Desembargador Martinho Cardoso, disponível em www.dgsi.pt «se o legislador entendeu proibir que, sem o acordo do arguido, valessem como prova declarações anteriormente prestadas pelo mesmo e no processo reduzidas a auto - art.° 357.º, n.[SUP]o[/SUP] 1 al.ª a) - não se pode entender que o mesmo pretendeu que pudessem valer como prova declarações do arguido prestadas a titulo informal e sem redução a auto.

Esta interpretação dos art.º 356.° e 357.° do Código de Processo Penal é a mais conforme às garantias de defesa do arguido no processo criminal, consagradas no art.º 32.° da Constituição da República Portuguesa: cfr. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9-7-2003, 7-2-2001 e 27-4-94, in www.dgsi.pt e de 29-1-92, Colectânea de Jurisprudência, I-23.
Na verdade e citando o já referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9-7-2003, escreve-se que o princípio da legalidade do processo e o estatuto do arguido (cfr., vg., os art.º 2.°, 56.° e ss., 355.° a 357.°, com especial destaque para o art.° 356.°, n.[SUP]o[/SUP] 7, e 357.°, n.[SUP]o[/SUP] 2), impedem que sejam consideradas como prova depoimentos de órgãos de polícia criminal, encarregados de actos de investigação, referindo declarações do arguido (ou de alguém que devesse ser constituído como tal - cfr. art.º 58.° e 59.°), mesmo que sob a forma de conversas informais a esses órgãos de polícia criminal encarregues de actos de investigação, quando essas declarações não forem reduzidas a auto (no mesmo sentido: Vinício Ribeiro, "Código de Processo Penal, Notas e Comentários", 2008, pág. 730-731).
E se a conversa com os órgãos de polícia criminal ocorre antes de o sujeito ter sido constituído arguido - como foi o caso -, por maioria de razão não poderão tais conversas ser usadas como meio de prova. Usá-las com tal fim, violaria flagrantemente tal estatuto.


O arguido só fala se quiser e quando quiser.
Admitir as conversas informais (ainda que provenientes de uma fase em que não tivesse sido constituído arguido) seria o mesmo que estar a obrigar o arguido a falar contra a sua vontade. Implicaria que pudessem ser tomadas em conta, para efeitos de prova, declarações do arguido que não o poderiam ser se constantes de auto cuja leitura não fosse permitida em audiência de julgamento nos termos do art.° 357.°, conjugado com os art.°355.° e 356.°, n.[SUP]o[/SUP] 7. constituiria manifesta ofensa do fim prosseguido pela lei com estas disposições, revelado pelo seu espírito, designadamente a salvaguarda dos princípios da oralidade, da imediação, da publicidade, do contraditório e da concentração»
Neste sentido também se pronunciou mais recentemente o acórdão da Relação do Porto de 01-07-2015, proc.nº425/11.6GFPNF.P2, relatado pelo Senhor Desembargador Pedro Vaz Pato, acessível em www.dgsi.pt nele se dizendo a este respeito que «Do disposto nos artigos 357º, n[SUP]o[/SUP] 1 e 3, e 356º, n[SUP]o[/SUP] 7, do Código de Processo Penal resulta que os órgãos de polícia criminal não podem ser inquiridos sobre o que tenham ouvido dizer ao arguido quando não seja este a solicitar essa inquirição. E, para este efeito, o regime é o mesmo tratando-se de depoimento reduzido a auto ou de "conversa informal", antes ou depois da constituição formal como arguido ou da abertura formal do inquérito (a ratio do preceito aplica-se em qualquer destas situações; se assim não fosse, poder-se-ia «deixar entrar pela janela aquilo a que se fechou a porta»).
As conversas informais, como escreve Vinício Ribeiro, in Código de Processo Penal - Notas e Comentários, Coimbra, 2008, pag. 730, são conversas não formais e, por isso, não reduzidas a auto. Processualmente não existem.
Ainda sobre a valia das "conversas informais" havidas por parte dos agentes dos OPC com o suspeito, ou alguém em vias de ser arguido, ou mesmo já depois de assim ser constituído, fora portanto da elaboração de autos de inquérito, refere o acórdão do STJ de 11-07-2001, relatado pelo senhor Conselheiro Lourenço Martins, publicado na C.J. (acórdãos do STJ), Ano IX (2001), Tomo 3º, pags.166 e segs que «porque se trata de conversas informais - diz-se em defesa da sua admissão - não há que falar em declarações cuja leitura é proibida, logo os agentes podem ser ouvidos. Ressalvando-se, porém, se houver prova de que os agentes procuraram aquele meio para fugir à proibição de leitura em julgamento (...). Tais conversas informais, a propósito de factos em averiguação, estão sujeitas ao princípio da legalidade, ínsito no art.2º do CPP, proveniente do art, 29º, da CRP (nula poena sine judicio), só em processo penal podendo ser aplicada uma pena ou medida de segurança. O processo organizado na dependência do MºPº tem de obedecer aos ditames dos artigos 262º e 267º do CPP. Por isso as ditas "conversas informais" só podem ter valor probatório se transpostas para o processo em forma de auto e com respeito pelas regras legais de recolhe de prova (...). Não há conversas informais com validade probatória, à margem do processo, sejam quais forem as formas que assumam desde que não tenham assumido os procedimentos de recolha admitidos por lei e por ela sancionados (as diligências são reduzidas a auto - art.275º, do CPP). Haveria fraude a lei se se permitisse o uso de conversas informais fora de qualquer controlo (...). É que com aí se diz com toda a propriedade «o fim do processo não é apenas a descoberta da verdade a todo o transe, mas a descoberta usando regras processualmente admissíveis e legítimas».

Dito de outro modo, como escreve Francisco Marcolino de Jesus, in " Os meios de obtenção de prova em processo penal, 2.ª edição, 2016, pag.92 «ao admitir a existência de limites aos meios de prova, o legislador está a, voluntária e intencionalmente, limitar o princípio da verdade material, consagrando a regra da superioridade ética do Estado, proibindo que a verdade material seja alcançada a qualquer custo, antes apenas e só por intermédio de meios de prova considerados legais».
Assim, aquele segmento do depoimento da testemunha AS, militar da GNR, não pode ser valorado como meio de prova e concorrer para a formação da convicção do julgador.
Por isso que a simples detenção pelo arguido PF da bicicleta furtada, desacompanhada de qualquer outro indício, não permite induzir a forma como ela foi por si obtida, designadamente se a encontrou ou se foi ele que a furtou.
Como já atrás dissemos, existe uma relação de mútua exclusão ou de alternatividade entre o crime de furto e o crime de apropriação ilegítima de coisa achada.
Mas admitindo a validade naquela parte daquele depoimento, e valorando-o positivamente, já que não foi infirmado por qualquer meio de prova e não se vislumbrando qualquer outra razão para não merecer crédito, haveria de concluir-se que o arguido PF haveria cometido, isso sim, um crime de furto qualificado, relativamente à bicicleta, pp. pelos arts.203º, nº1 e 204, nº1 al. f) do Código Penal, o que consubstanciaria uma alteração substancial dos factos descritos na acusação, prevista no art.359º, do CPP, alteração essa que está vedada a este tribunal de recurso, porquanto de acordo com o disposto no art.424º, nº3 do CPP, este tribunal só pode alterar a qualificação jurídica factos e proceder a alteração não substancial destes, dentro do condicionalismo nele previsto.
Acresce que, como decorre da acta da audiência de julgamento realizado na 1ª Instância, na sessão de 12-01-2017, o Mº Pº suscitou essa alteração substancial dos factos a que o arguido PF não deu o seu acordo, pelo que nunca podia ser tomada em conta no âmbito deste processo.
Ora, não estando apurado por que forma o arguido PF obteve a detenção do velocípede, afastado fica que ele a tivesse encontrado ou achado e, por via disso, não se encontra provada a conduta tipificada no nº2 do art.209º, do C. Penal, crime esse aí previsto, de que foi acusado.
Em suma: o recurso deve naufragar relativamente ao arguido PF.

E o mesmo devemos concluir no que tange ao arguido CM.
Com efeito, como apropriadamente e com toda a justeza, é referido a este propósito, no parecer do Exmº Senhor Procurador-Geral Adjunto, «a prova produzida não consente a sua condenação pela prática do crime que lhe era imputado - receptação negligente - pois o que foi presenciado pelo militar da GNR ouvido em julgamento, não é suficiente para que se possa dar como provado, com a necessária segurança, se o arguido CM procurou ou não, assegurar-se da legítima proveniência da bicicleta ou mesmo, se o arguido PF lhe terá dado ou não alguma explicação plausível (ainda que falsa) sobre a sua proveniência e das suas razões pelas quais acedeu a vender a bicicleta por aquele preço».

Nesta conformidade e sem mais desenvolvidas considerações por supérfluas, impõe-se negar provimento ao recurso, mantendo integralmente a sentença recorrida.

[h=3]DECISÃO.
[/h]Nestes termos e com tais fundamentos negamos provimento ao recurso, mantendo integralmente a sentença recorrida.
Sem custas por delas estar isento o recorrente/Ministério Público (art.522º, nº1 do CPP).
Évora, 5 de Dezembro de 2017.
(Elaborado e integralmente revisto pelo relator).

Gilberto Cunha

João Martinho de Sousa Cardoso
 
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