Vejamos então se é de deferir ou não a pretensão do Ministério Público.
Segundo dispõe o art. 189.º, n.[SUP]o[/SUP] 2, do CPP:
«A obtenção e junção aos autos de dados sobre a localização celular ou de registos da realização de conversações ou comunicações só podem ser ordenadas ou autorizadas, em qualquer fase do processo, por despacho do juiz, quanto a crimes previstos no n.[SUP]o[/SUP] 1 do artigo 187.º e em relação às pessoas referidas no n.[SUP]o[/SUP] 4 do mesmo artigo».
Os crimes de explosão, p. e p. pelo art. 272.º, n.[SUP]o[/SUP] 1, al. b) e o crime de furto qualificado, p. e p. pelos art. 203.º, n.[SUP]o[/SUP] 1, e 204.°, n.[SUP]o[/SUP] 1, al. e) e n.[SUP]o[/SUP] 2, al. a), do Código Penal, são puníveis respectivamente com penas de 3 a 10 anos de prisão e de 2 a 8 anos de prisão.
Mostra-se assim verificada a condição quanto aos crimes em investigação para que possa ser determinado o levantamento do sigilo das comunicações, autorizando as operadoras de telecomunicações móveis a remeterem, em formato digital a informação pretendida, uma vez que fazem parte do elenco dos crimes do art. 187.º, n.[SUP]o[/SUP]1, al. a), do CP.
Aliás, não se compreende a razão por que o legislador não comtemplou ainda expressamente o crime os assaltos a bancos e caixas ATM, com recurso a explosão e armas de fogo que tanto alarme social têm causado no país, por que entendemos tratar-se de "criminalidade violenta", que deveria enquadra-se na definição constante do art. 1.º, al. j), do CPP e que se mostra restritiva, quando define esta como:
«"Criminalidade violenta" as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos».
É pois uma definição legal que se mostra desajustada.
O mesmo se diga quanto à definição de crimes graves na Lei 32/2008 de 17/07.
A Lei n.[SUP]o[/SUP] 32/2008, de 17/07, regula a conservação e a transmissão de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações electrónicas publicamente disponíveis ou de uma rede pública de comunicações com a finalidade exclusiva de investigação, detecção e repressão de crimes graves por parte das autoridades competentes.
Explicita o art. 3.º, n.[SUP]o[/SUP] 1, daquela lei que a conservação e a transmissão dos dados têm por "finalidade exclusiva a investigação, detecção e repressão decrimes gravespor parte das autoridades competentes".
O artigo 2.º, n.[SUP]o[/SUP] 1, da mesma lei consagra a definição de diversos conceitos, que explicita nos termos em que devem ser entendidos face ao espírito e fim que lhe estão inerentes, dispondo designadamente quanto à definição de crime grave o seguinte:
« (...)
g)"Crime grave",crimes de terrorismo, criminalidade violenta, criminalidade altamente organizada, sequestro, rapto e tomada de reféns, crimes contra a identidade cultural e integridade pessoal, contra a segurança do Estado, falsificação de moeda ou títulos equiparados a moeda e crimes abrangidos por convenção sobre segurança da navegação aérea ou marítima».
À luz dos art. 2.º, n.[SUP]o[/SUP] 1, al. g) e 3.º, n.[SUP]o[/SUP] 1, da Lei 32/2008 de 17/07, estão excluídos do elenco dos "crimes graves", os crimes de furto qualificado e de explosão, em investigação nos autos, cuja inclusão facilitaria a investigação por via do n.[SUP]o[/SUP] 2, do art. 187.º, do CPP.
Deixando este à parte, importa dizer que nada obsta à verificação dos requisitos para obtenção e junção aos autos dos dados sobre a localização celular ou de registos da realização de conversações ou comunicações dos art. 187.º, n.[SUP]o[/SUP] 1, e 189, n.[SUP]o[/SUP] 2, do CPP.
Porém, importa lembrar que os dados a fornecer, independentemente da titularidade do meio de comunicação utilizado, devem ser respeitantes às pessoas referidas no n.[SUP]o[/SUP] 4, do art. 187.º, do CPP, que são as seguintes:
«a) Suspeito ou arguido;
b) Pessoa que sirva de intermediário, relativamente à qual haja fundadas razões para crer que recebe ou transmite mensagens destinadas ou provenientes de suspeito ou arguido; ou
c) Vítima de crime, mediante o respectivo consentimento, efectivo ou presumido».
Ora, e o que pretende o Ministério Público?
Que seja determinado o levantamento do sigilo das comunicações, autorizando as operadoras de telecomunicações móveis "MEO", "VODAFONE" e "NOS" a remeterem, em formato digital, a identificação de todas as chamadas efectuadas e recebidas (tráfego das células apresentadas, bem como o tráfego respeitante às frequências e bandas com a mesma localização e o mesmo azimute), conforme consta de fls. 40 a 41v., que permitam identificar os aparelhos/cartões que estiveram registados nas antenas/células, tendo em conta as variáveis identificadas, nos seguintes locais:
a) Na agência da A... do Banco B..., sita na esquina da Av. (...) coma (...), Leiria, dia 08/08/2017, entre as 05h15 e as 06h15.
b) No local onde foram abandonadas peças metálicas pertencentes a uma ATM, na Travessa (...) em Leiria, numa zona de pinhal, em frente à habitação n.[SUP]o[/SUP] 4, dia 08/08/2017, entre as 05h00 e as 06h45.
Existe um conflito de interesses ou valores dignos de protecção no ordenamento jurídico em que um deles deve ceder em prejuízo de outro direito hierarquicamente reconhecido como primordial, impondo-se sempre ao Estado o dever de proteger a sociedade e os direitos fundamentais dos cidadãos.
A CRP consagra no art. 34.º, n.[SUP]o[/SUP] 4, que «é proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal», norma que está em conformidade com o disposto relativamente ao direito à protecção da vida privada no art. 12.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e no art. 8.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
A directiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro de 1995, relativa à protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados, veio impor aos Estados-Membros que garantam os direitos e liberdades das pessoas singulares no que respeita ao tratamento de dados pessoais, nomeadamente, o seu direito à privacidade, com o objectivo de assegurar a livre circulação de dados pessoais na Comunidade.
Como se pode ler no seu considerando n[SUP]o[/SUP] 11, os princípios presentes nesta directiva precisam e ampliam os princípios contidos na Convenção do Conselho da Europa, de 28 de Janeiro de 1981, relativa à protecção das pessoas no que diz respeito ao tratamento automatizado de dados pessoais.
A Directiva 2002/58/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de Julho de 2002, relativa ao tratamento de dados pessoais e à protecção da privacidade no sector das comunicações electrónicas (Directiva relativa à privacidade e às comunicações electrónicas), transpôs os princípios estabelecidos na directiva 95/46/CE para regras específicas do sector das comunicações electrónicas.
O n.[SUP]o[/SUP] 1 do art. 15.º desta directiva enumerou as condições em que os Estados-Membros podem restringir o âmbito dos direitos e obrigações previstos na directiva 95/46/CE, estatuindo que «Os Estados-Membros podem adoptar medidas legislativas para restringir o âmbito dos direitos e obrigações previstos nos artigos 5.º e 6.º, nos n.[SUP]os[/SUP] 1 a 4 do artigo 8.º e no artigo 9.º da presente directiva sempre que essas restrições constituam uma medida necessária, adequada e proporcionada numa sociedade democrática para salvaguardar a segurança nacional (ou seja, a segurança do Estado), a defesa, a segurança pública, e a prevenção, a investigação, a detecção e a repressão de infracções penais ou a utilização não autorizada do sistema de comunicações electrónicas, tal como referido no n.[SUP]o[/SUP] 1 do artigo 13.º da Directiva 95/46/CE. Para o efeito, os Estados-Membros podem designadamente adoptar medidas legislativas prevendo que os dados sejam conservados durante um período limitado, pelas razões enunciadas no presente número. Todas as medidas referidas no presente número deverão ser conformes com os princípios gerais do direito comunitário, incluindo os mencionados nos n.[SUP]os[/SUP] 1 e 2 do artigo 6.º do Tratado da União Europeia».
Na declaração de 25 de Março de 2004 sobre a luta contra o terrorismo, o Conselho Europeu encarregou o Conselho de proceder à análise de propostas relativas ao estabelecimento de regras sobre a conservação de dados de tráfego das comunicações pelos prestadores de serviços, reafirmando em 13 de Julho de 2005, na Declaração em que condenou os ataques terroristas em Londres, a necessidade de aprovar rapidamente medidas comuns relativas à conservação de dados de telecomunicações.
A Lei n.[SUP]o[/SUP] 41/2004, de 18/8, transpõe assim para a ordem jurídica nacional a Directiva n.[SUP]o[/SUP] 2002/58/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Julho, relativa ao tratamento de dados pessoais e à protecção da privacidade no sector das comunicações electrónicas, com as alterações determinadas pelo artigo 2.º da Directiva n.[SUP]o[/SUP] 2009/136/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Novembro.
Importa sublinhar, como aliás decorre da própria designação da referida lei que a mesma visa essencialmente a protecção de dados pessoais e privacidade nas telecomunicações.
Quanto ao âmbito de aplicação da Lei n.[SUP]o[/SUP] 41/2004, de 18/8, estipula o art. 1.º, n.[SUP]o[/SUP] 2, que a referida lei se aplica ao tratamento de dados pessoais no contexto da prestação de serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público em redes de comunicações públicas, nomeadamente nas redes públicas de comunicações que sirvam de suporte a dispositivos de recolha de dados e de identificação.
Adianta-se depois no n.[SUP]os[/SUP] 4 e 5, que as excepções de aplicação da lei, designadamente que se mostrem estritamente necessárias para a prevenção, investigação e repressão de infracções penais são definidas em legislação especial, devendo as empresas que oferecem serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público estabelecer procedimentos internos que permitam responder aos pedidos de acesso a dados pessoais dos utilizadores apresentados pelas autoridades judiciárias competentes, em conformidade com a referida legislação especial.
A Lei n.[SUP]o[/SUP] 32/2008, de 17/07, a qual transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.[SUP]o[/SUP] 2006/24/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, regula a conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações electrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações, tendo a conservação e a transmissão dos dados por finalidade exclusiva a investigação, detecção e repressão de crimes graves por parte das autoridades competentes, como atrás referimos, nos termos dos art. 2.º, n.[SUP]o[/SUP] 1, al. g) e 3.º, n.[SUP]o[/SUP] 1.
Aquela lei impõe aos fornecedores de serviços de comunicações electrónicas publicamente disponíveis ou de uma rede pública de comunicações, diversas obrigações e deveres de colaboração na investigação, detecção e repressão de crimes graves que põem em causa a paz social e a vida em sociedade.
E para concretização de tal fim define as categorias de dados a conservar (art. 4.º), o âmbito da obrigação de conservação dos dados (art. 5.º) e o período de conservação por 1 ano (art. 6.º).
Por sua vez o art. 9.º, regula as condições da transmissão de dados, a qual só pode ser autorizada por despacho fundamentado do juiz de instrução, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter no âmbito da investigação, detecção e repressão de crimes graves.
No mesmo sentido aponta o corpo do n.[SUP]o[/SUP] 1, do art. 187.º, do CPP, sendo certo que tendo os crimes sido praticados com os seus autores encapuzados e com luvas e com recurso a armas de fogo, não permitiram que fossem reconhecidos pelas testemunhas e não deixaram provas indiciárias.
Nesta conformidade, a diligência poderá ser relativamente indispensável para a descoberta da verdade ou a prova ser de outra forma impossível ou muito difícil de obter, em termos de investigação.
Porém, essa indispensabilidade ou importância em termos probatórios será relativa, pois só será assim, no caso de naqueles dois períodos os autores dos crimes terem utilizado meios telemóveis servidos pelas antenas das operadoras de telecomunicações móveis "MEO", "VODAFONE" e "NOS".
Ora, no caso dos autos, não há arguidos e não há suspeitos, mas apenas a alusão a quatro indivíduos, que, como refere o recorrente, reportando-se aos depoimentos de testemunhas, são do sexo masculino, com cerca de 20 anos de idade, que se indicia terem participado na prática dos crimes, mas que se desconhecem em absoluto.
Refere o recorrente que as diligências de prova se destinam a identificar os mesmos indivíduos.
No fundo o que se pretende é saber quais os números de telemóvel que foram accionados, no dia 08/08/2017, abrangendo um número indeterminado de utentes, na zona da agência da A... do Banco B..., entre as 05h15 e as 06h15 e no local onde foram abandonadas peças da ATM, entre as 05h00 e as 06h45.
Por um lado, temos a necessidade de perseguir criminalmente os autores do crime e por outro proteger os cidadãos na sua privacidade, que não deve ser devassada sem motivo grave e sério que justifique o seu sacrifício ou restrição, em prol de outro interesse ou direito também fundamental que se lhe sobreponha na hierarquia dos interesses tutelados pelo direito numa sociedade democrática.
É pois preocupação do legislador, como ressalta da legislação acima apontada e que fizemos questão de analisar, quanto aos cuidados a ter quanto à intercepção de comunicações, conservação e a transmissão dos dados, que deve por finalidade exclusiva a investigação, detecção e repressão de crimes graves por parte das autoridades competentes, sempre com respeito pela privacidade do indivíduo, enquanto direito fundamental.
E falando de privacidade a que cada cidadão tem direito, na esteira das diversas directivas da comunidade europeia, estamos a falar de um direito constitucionalmente consagrado no art. 32.º, n.[SUP]o[/SUP]8, que considera serem"nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações".
No levantamento do sigilo das comunicações há que ponderar os interesses em causa, tendo em conta que tal decretamento numa sociedade democrática, como excepção, deve pautar-se pela observância estrita das normas que o regulamentam, justificando-se sempre pela defesa de outro interesse ou direito fundamental que se lhe sobrepõe em cada caso concreto.
Por outro lado, para que tal se consiga com equilíbrio e se seja aceite pelos visados deve pautar-se por princípios de adequação, necessidade e proporcionalidade, sempre com aferição dos interesses sacrificados, que se devem reduzir ao estritamente necessário e aos benefícios que daí advêm em termos comunitários.
Ora, no caso concreto pretende-se a identificação de todas as chamadas efectuadas e recebidas (tráfego das células apresentadas, bem como o tráfego respeitante às frequências e bandas com a mesma localização e o mesmo azimute), que permitam identificar um número indeterminado de aparelhos/cartões que estiveram registados nas antenas/células.