• Olá Visitante, se gosta do forum e pretende contribuir com um donativo para auxiliar nos encargos financeiros inerentes ao alojamento desta plataforma, pode encontrar mais informações sobre os várias formas disponíveis para o fazer no seguinte tópico: leia mais... O seu contributo é importante! Obrigado.

OPINIÃO Direito da União Europeia: a legislação nacional e os interesses financeiros da União Europeia

santos2206

GForum VIP
Entrou
Jul 12, 2014
Mensagens
2,454
Gostos Recebidos
19
[h=2]Direito da União Europeia: a legislação nacional e os interesses financeiros da União Europeia
[/h]Rui Marques

Inspector Tributário

Mestre em Direito e Economia

JusJornal, Editora Wolters Kluwer

JusNet 25/2018


Os Estados-Membros deverão estabelecer regras relativas aos prazos de prescrição necessários, a fim de lhes permitir combater as atividades ilícitas lesivas dos interesses financeiros da União.



Os recursos próprios da União compreendem as receitas provenientes da aplicação de uma taxa uniforme à matéria coletável harmonizada do IVA determinada segundo as regras da União. Assim, existe, assim, uma relação direta entre a cobrança das receitas do IVA no respeito do direito da União aplicável e a colocação à disposição do orçamento da União dos recursos IVA correspondentes, uma vez que qualquer falha na cobrança das receitas está potencialmente na origem de uma redução dos recursos próprios (1) . Constituindo, determinados crimes, casos de fraude grave lesiva dos interesses financeiros da União, são assim indispensáveis, pelos Estados-Membros, na sua legislação doméstica, sanções penais para combater, de forma efetiva e dissuasora, certos casos de fraude ao IVA.

A esta luz, importa aferir se as disposições da legislação nacional nacional sobre a prescrição do procedimento criminal – designadamente, a respeito da interrupção e suspensão do prazo –, se revelam compatíveis com o Direito da União, permitindo punir, de uma forma efetiva e dissuasora, os casos de fraude lesiva dos interesses financeiros da União.
1. A jurisprudência da União Europeia
O Tribunal de Justiça da União Europeia, no seu Acórdão de 8 de setembro de 2015 (Processo C-105/14), veio declarar que um regime nacional de prescrição de infrações penais é suscetível de violar as obrigações impostas aos Estados-Membros por força do artigo 325.°, n.[SUP]os[/SUP] 1 e 2, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), a propósito da luta concertada contra a fraude. Mas tal incompatibilidade apenas ocorre caso o regime doméstico impeça a aplicação de sanções efetivas e dissuasoras num número considerável dos casos de fraude grave lesiva dos interesses financeiros da União Europeia ou preveja prazos de prescrição mais longos para os casos de fraude lesiva dos interesses financeiros do Estado-Membro em causa do que para os casos de fraude lesiva dos interesses financeiros da União.
Assim, incumbe ao órgão jurisdicional nacional verificar. Incumbe ao órgão jurisdicional nacional dar pleno efeito ao disposto naquelas disposições do TFUE, TFUE, não aplicando, se necessário, as disposições de direito nacional que têm o efeito de impedir que o Estado-Membro em causa respeite as obrigações que lhe são impostas pelas referidas disposições.
Recorde-se que as referidas disposições do TFUE estabelecem que «A União e os Estados-Membros combaterão as fraudes e quaisquer outras atividades ilegais lesivas dos interesses financeiros da União, por meio de medidas a tomar ao abrigo do presente artigo, que tenham um efeito dissuasor e proporcionem uma proteção efetiva nos Estados-Membros, bem como nas instituições, órgãos e organismos da União» (n.[SUP]o[/SUP] 1), e que «Para combater as fraudes lesivas dos interesses financeiros da União, os Estados-Membros tomarão medidas análogas às que tomarem para combater as fraudes lesivas dos seus próprios interesses financeiros» (n.[SUP]o[/SUP] 2). Isto, na esteira da Convenção relativa à proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias (CPIF) (2) .
No caso, a legislação italiana previa que o ato que determina a interrupção da prescrição no quadro de procedimentos penais relativos a fraudes graves em matéria de IVA tem o efeito de prorrogar o prazo de prescrição em apenas um quarto da sua duração inicial. Pelo que o tribunal nacional proferira despacho de não pronúncia de um dos arguidos, uma vez que as infrações em causa se encontravam prescritas quanto ao mesmo (3) , beneficiando assim de uma impunidade de facto, devido à expiração do prazo de prescrição.
O órgão jurisdicional de reenvio pretendeu saber, em substância, se um regime nacional como o estabelecido pelas disposições nacionais em causa não redundaria em dificultar a luta efetiva contra a fraude em matéria de IVA no Estado-Membro em causa, de uma forma incompatível com a Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do IVA (4) – porque os arguidos seriam suscetíveis de beneficiar de uma impunidade de facto, equivalendo a introduzir uma hipótese adicional de isenção de IVA não prevista no artigo 158.° da Diretiva –, bem como, de uma forma mais geral, com o Direito da União. Perguntando se lhe seria então permitido não aplicar as disposições nacionais em causa, de modo a garantir no Estado-Membro a aplicação efetiva do direito da União (5) .
O Tribunal de Justiça da União Europeia entendeu que as disposições nacionais em causa teriam a consequência de, dada a complexidade e a duração dos procedimentos penais que culminam numa decisão judicial transitada em julgado, neutralizar o efeito temporal de uma causa de interrupção da prescrição. Ou seja, as as medidas previstas pelo direito nacional para combater a fraude e qualquer outra atividade ilegal lesivas dos interesses financeiros da União não podem ser tidas como efetivas e dissuasoras, o que é incompatível com o artigo 325.°, n.[SUP]o[/SUP] 1, do TFUE, com o artigo 2.º, n.[SUP]o[/SUP] 1, da CPIF e com a Diretiva 2006/112, lida em conjugação com o artigo 4.º, n.[SUP]o[/SUP] 3, do TUE.
Consequentemente, caso o órgão jurisdicional nacional chegue à conclusão de que as disposições nacionais em causa não satisfazem a exigência do direito da União quanto ao caráter efetivo e dissuasor das medidas de luta contra a fraude ao IVA («obrigação de resultado precisa»), incumbir-lhe-á garantir a plena eficácia do direito da União, não aplicando, se necessário, as referidas disposições e neutralizando assim a consequência de, dada a complexidade e a duração dos procedimentos penais que culminam numa decisão judicial transitada em julgado, neutralizar o efeito temporal de uma causa de interrupção da prescrição. Sem que tenha de pedir ou esperar pela sua revogação prévia por via legislativa ou por qualquer outro procedimento constitucional.
O direito primário da União – neste caso, o artigo 325.°, n.[SUP]os[/SUP] 1 e 2, do TFUE, ao obrigar os Estados-Membros a adotar as mesmas medidas que adotarem para combater as fraudes lesivas dos seus próprios interesses financeiros – tem assim o efeito de, por força do princípio do primado do direito da União, nas suas relações com o direito interno dos Estados-Membros (6) , tornar inaplicável de pleno direito, pelo próprio facto da sua entrada em vigor, qualquer disposição contrária da legislação nacional existente.
Acresce que a não aplicação das disposições nacionais em causa tem unicamente o efeito de não encurtar o prazo de prescrição geral no quadro de um procedimento penal pendente, de permitir o exercício efetivo da ação penal relativamente aos factos imputados, bem como de assegurar, se for caso disso, a igualdade de tratamento entre as sanções destinadas a proteger, respetivamente, os interesses financeiros da União e os do Estado-Membro.

2. A Diretiva relativa à luta contra a fraude lesiva dos interesses financeiros da União através do direito penal

No que respeita a receitas provenientes dos recursos próprios do IVA, a Diretiva (UE) 2017/1371 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de julho de 2017, relativa à luta contra a fraude lesiva dos interesses financeiros da União através do direito penal (Diretiva «PIF») (7) , é aplicável apenas aos casos de infrações graves ao sistema comum do IVA, ou seja, caso os atos ou omissões intencionais definidos no artigo 3.º, n.[SUP]o[/SUP] 2, alínea d) (8) , estejam relacionados com o território de dois ou mais Estados-Membros da União e envolvam prejuízos totais de, pelo menos, €10.000.000.

Os Estados-Membros deverão estabelecer regras relativas aos prazos de prescrição necessários, a fim de lhes permitir combater as atividades ilícitas lesivas dos interesses financeiros da União.
No caso de infrações penais puníveis com uma pena máxima de, pelo menos, 4 anos de prisão, o prazo de prescrição não deverá ser inferior a 5 anos a contar do momento em que a infração penal foi cometida. Tal não deverá prejudicar os Estados-Membros que não fixam prazos de prescrição para a investigação, para a ação penal e para a execução.
No entanto, os Estados-Membros podem estabelecer um prazo de prescrição inferior a 5 anos, mas não inferior a 3 anos, desde que esse prazo possa ser interrompido ou suspenso em função da ocorrência de determinados atos.
Os Estados-Membros terão que adotar e publicar, até 6 de julho de 2019, as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à Diretiva.

(1) Nomeadamente, nos termos do artigo 2.°, n.[SUP]o[/SUP] 1, alínea b), da Decisão 2007/436/CE, Euratom, do Conselho, de 7 de junho de 2007, relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades Europeias.

(2) Assinada no Luxemburgo, em 26 de julho de 1995, estabelecida com base no artigo K.3 do Tratado da União Europeia (TUE), estabelece no seu preâmbulo que as altas partes contratantes nessa Convenção, Estados-Membros da União, estão convictas de «que a proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias exige que os comportamentos fraudulentos lesivos dos referidos interesses sejam objeto de procedimento penal» e «de que é necessário que esses comportamentos sejam considerados infrações penais passíveis de sanções penais efetivas, proporcionadas e dissuasoras, sem prejuízo da aplicação de outras sanções em determinados casos apropriados, e que se prevejam, pelo menos para os casos graves, penas privativas de liberdade».
Para efeitos da CPIF, constitui fraude lesiva dos interesses financeiros das Comunidades Europeias, em matéria de receitas, qualquer ato ou omissão intencionais relativos à utilização ou apresentação de declarações ou de documentos falsos, inexatos ou incompletos, que tenha por efeito a diminuição ilegal de recursos do Orçamento Geral das Comunidades Europeias ou dos orçamentos geridos pelas Comunidades Europeias ou por sua conta [artigo 1.º, n.[SUP]o[/SUP] 1, alínea b)].
Por outro lado, cada Estado-Membro deve tomar as medidas necessárias para que os comportamentos referidos no artigo 1.°, bem como a cumplicidade, a instigação ou a tentativa relativas aos comportamentos referidos no n.[SUP]o[/SUP] 1 do artigo 1.°, sejam passíveis de sanções penais efetivas, proporcionadas e dissuasoras, incluindo, pelo menos nos casos de fraude grave, penas privativas de liberdade que possam determinar a extradição, entendendo-se que se deve considerar fraude grave qualquer fraude relativa a um montante mínimo, a fixar em cada Estado-Membro. Esse montante mínimo não pode ser fixado em mais de €50.000 (artigo 2.º, n.[SUP]o[/SUP] 1).


(3) Os arguidos estavam a ser julgados pelo tribunal italiano por terem formado e organizado uma associação criminosa com vista a cometer diversos crimes em matéria de IVA, acusados de terem montado esquemas jurídicos fraudulentos do tipo «carrossel de IVA», que implicavam, nomeadamente, a criação de sociedades de fachada e a emissão de documentos falsos através dos quais adquiriram bens, sem IVA.

(4) Transposta em Portugal pelo Decreto-Lei n.[SUP]o[/SUP] 393/2007, de 31 de dezembro.

(5) Em matéria de IVA, decorre da Diretiva, em conjugação com o artigo 4.°, n.[SUP]o[/SUP] 3, do TUE, que os Estados-Membros não só têm a obrigação geral de tomar todas as medidas legislativas e administrativas necessárias para garantir a cobrança da totalidade do IVA devido no seu território mas também devem lutar contra a fraude. Além disso, o artigo 325.° do TFUE obriga os Estados-Membros a combater as atividades ilícitas lesivas dos interesses financeiros da União através de medidas dissuasivas e efetivas e, em particular, obriga-os a adotar, para combater as fraudes lesivas dos interesses financeiros da União, as mesmas medidas que adotarem para combater as fraudes lesivas dos seus próprios interesses financeiros.

(6)
Veja-se PAULO DE PITTA E CUNHA/NUNO RUIZ, O ordenamento comunitário e o direito interno português, Revista da Ordem dos Advogados, Lisboa, Ano 55, II, Lisboa, julho de 1995, pp. 341-352.

(7) Para mais, veja-se ANGELO MARLETTA, The material Competence of the European Public Prosecutor’s Office (EPPO) and the PIF Directive, in Os novos desafios da cooperação judiciária e policial na União Europeia e da implementação da Procuradoria Europeia, Centro Interdisciplinar em Direitos Humanos Escola de Direito Universidade do Minho, Braga, dezembro de 2017, pp. 75-95.


(8)
Os atos ou omissões cometidos no âmbito de esquemas fraudulentos transfronteiriços, relativos: à utilização ou à apresentação de declarações ou de documentos relativos ao IVA falsos, inexatos ou incompletos, que tenha por efeito a diminuição dos recursos do orçamento da União; à não comunicação de uma informação relativa ao IVA, em violação de uma obrigação específica, que produza o mesmo efeito, ou; à apresentação de declarações relativas ao IVA corretas para fins de dissimulação fraudulenta do não pagamento ou da criação ilícita de direitos a reembolso do IVA.
 
Topo